Crise da Igreja (242)
Apresentamos aos nossos leitores e fiéis, extratos do relato de John Vennari sobre o Congresso Ecumênico realizado em Fátima (Portugal), onde a heresia e a idolatria foram ostentadas como num estandarte, ali mesmo onde por seis vezes a Mãe de Deus apareceu aos três pastorinhos, trazendo para o mundo os mais graves e sérios apelos já ouvidos dos Céus. Mais uma vez somos obrigados a constatar que as autoridades da Igreja estão empenhados, muito empenhados na construção de uma Outra religião.
FÁTIMA SE TORNARÁ UM SANTUÁRIO INTER-RELIGIOSO?
Relato de um jornalista que esteve lá

por John Vennari
De 10 a 12 de Outubro de 2003, uma conferência pan-religiosa ocorreu em Fátima com o nome "O Presente do homem — o Futuro de Deus: o lugar dos santuários em relação ao sagrado”. Foi ela organizada no Centro Pastoral Paulo VI, próximo ao santuário de Fátima em Portugal. Eu viajei à Fátima para cobrir o Congresso e participar dos três dias de evento, que continha algumas das mais explícitas heresias que eu jamais encontrei.
Descrevia-se como um Congresso “Científico”, o que não é a palavra que usaríamos para descrevê-lo na América do Norte, onde o descreveríamos como um Congresso “Acadêmico”. De todo modo, o Congresso era formado por teólogos modernos e sacerdotes, que discutiam a importância dos santuários religiosos — qualquer santuário, seja ele católico, budista ou hindu.
Os dois primeiros dias continham diversas conferências, unicamente de católicos, entre as quais se incluíam as do Bispo de Leiria-Fátima, D. Serafim de Souza Ferreira e Silva; do Cardeal Patriarca de Lisboa, José da Cruz Policarpo; do famoso “teólogo ecumênico”, Padre Jacques Dupuis; e de vários outros Ph.D de Portugal.
No Domingo, nas sessões presididas pelo Arcebispo Michael J. Fitzgerald, Prefeito do Conselho Pontifício do Vaticano pelo Diálogo inter-religioso, representantes de diversas religiões — incluindo budistas, hindus, islâmicos, ortodoxos, anglicanos e católicos — deram seu testemunho da importância dos “santuários” em suas tradições religiosas.
Mais tarde, a imprensa portuguesa publicou que o objetivo deste Congresso era o de transformar Fátima em um santuário inter-religioso.

|
A sessão inter-religiosa da manhã de Domingo, presidida pelo Arcebispo Fitzgerald. Aqui, ele divide a mesa com um budista, um hindu e um muçulmano.
|
O Congresso Ecumênico
O tema dos “Santuários”, escolhido para este congresso, reflete o ‘mínimo denominador comum’ ecumênico, que prevalece há quarenta anos. É uma abordagem que minimiza as diferenças doutrinais entre as várias religiões e enfatiza “aquilo que temos em comum”.
O que todas as religiões têm em comum? Todas elas acreditam em algum tipo de “Deus”; organizemos, portanto, um simpósio ecumênico para falar sobre os vários aspectos de “Deus”. Todas as religiões acreditam em orações; façamos, então, um encontro pan-religioso para que todos possam “dividir” suas experiências sobre orações. Todas as religiões têm santuários; preparemos, assim, um Congresso inter-religioso para discorrer sobre a importância dos santuários nas várias tradições religiosas. E, assim, “Santuário”, segundo a perspectiva pan-religiosa, foi o foco do recente Congresso em Fátima.
Anátema nestes Congressos é reconhecer o fato de que a Igreja Católica é a única religião verdadeira, estabelecida e desejada por Deus, e que todas as outras religiões são falsas, são sistemas criados por homens, e seus adeptos acreditam em falsos deuses. Como tais, estas religiões constituem um pecado mortal objetivo contra o Primeiro Mandamento: “Eu sou o Senhor teu Deus, não tenhais outros deuses diante de mim”. Os falsos deuses do budismo, hinduismo e islamismo são os “outros deuses” que o Primeiro Mandamento proíbe a toda humanidade de venerar.
Isto também se aplica ao Protestantismo, uma vez que os protestantes acreditam em um Cristo que jamais existiu. Eles acreditam em um Cristo que não estabeleceu uma Igreja para ensinar, governar e santificar todos os homens. Eles acreditam em um Cristo que não estabeleceu um Papado. Eles acreditam em um Cristo que não quer que honremos Sua Santíssima Mãe. (E nós sabemos, da Mensagem de Fátima, que Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao Imaculado Coração de Maria). Eles acreditam em um Cristo que não estabeleceu sete Sacramentos como os principais meios para que alcancemos a graça para a salvação. Eles acreditam em um Cristo que não estabeleceu o Sagrado Sacrifício da Missa. Em resumo, os protestantes prestam culto a um falso Cristo, ou seja, a um falso Deus. É isto o que o bem-aventurado Papa Pio IX ensinou em seu Syllabus de 1864, que é um erro acreditar que o “Protestantismo não é nada mais que outra forma da mesma verdadeira religião Cristã”. [1]
Assim, na regra objetiva, é impossível a qualquer não-católico, não importa quão bem intencionado, obedecer ao Primeiro Mandamento. [2] Nós podemos, então, compreender porque o Concílio de Trento proclamou infalivelmente que, sem a Fé católica, “é impossível agradar a Deus”.
Esta tradicional e verdadeira doutrina católica é posta de lado nestes eventos inter-religiosos, e, de modo geral, na prática ecumênica. A nova teologia ecumênica, ao revés, diz que os membros de todas religiões fazem parte do “Reino de Deus”, e que são “parceiros iguais no diálogo”. A religião católica pode possuir a “plenitude da verdade”, mas todas as outras religiões fazem igualmente parte do plano de Deus. Esta, particularmente, é a tese do teólogo modernista Padre Jacques Dupuis, que falou no Congresso na tarde de sábado.

|
Pôster com o logo do Congresso.
|
As sessões de Sexta:
De início, estava cético de que conseguiria fazer uma avaliação justa do Congresso. As conferências foram feitas em Português, uma língua que não falo. O Congresso tinha tradução simultânea em inglês, mas os tradutores não eram muito bons. Um dos quais era praticamente inútil: transformava parágrafos inteiros dos textos dos palestrantes em simples frases, e frases não muito compreensíveis. Por sorte, duas das mais importantes conferências foram feitas em inglês.
Do que pude compreender dos palestrantes portugueses, eles falavam, de modo geral, sobre “Santuários” na linguagem da moda da nova Igreja: “O Santuário é um altar de purificação e esperança”, um “lugar de refúgio contra a tentação de prazer e poder”. “Santuário” é parte do “mistério” na “busca pela santidade, encarnação e transcendência”. Tenha em mente que os palestrantes se referem aqui aos santuários religiosos de todas as religiões, sejam santuários de Nossa Senhora, sejam templos pagãos.
Era de se esperar que um Congresso em Fátima sobre Santuários tivesse ao menos uma conferência sobre o Santuário de Fátima. Nada. O Santuário de Fátima foi apenas lembrado incidentalmente, e apenas muito de vez em quando. A mensagem de Fátima, ou mesmo a história de como o Santuário de Fátima veio a existir, não recebeu nenhuma atenção. O Rosário, o Imaculado Coração, a visão do inferno, os cinco primeiros sábados, a reparação pelos pecados, todos os elementos constitutivos da Mensagem de Fátima não foram sequer mencionados. [v. Apêndice I com a programação do Congresso]
Na Sexta-feira, foram realizadas conferências que trataram da “Natureza Pastoral/Científica dos Santuários”. Nos foi dito que “Aquilo que ocorre em um santuário é uma expressão do povo de Deus em ação.” Um professor citou com alvoroço uma bizarra declaração do Padre modernista Eward Schillebeeckx: “a história da salvação não é necessariamente a história da revelação”. Outro conferencista falou indistintamente de Fátima, Meca e Kioto, colocando assim a verdadeira Igreja de Cristo no mesmo nível das falsas crenças; e situando as aparições verdadeiras de Nossa Senhora de Fátima — um evento presenciado por 70.000 pessoas no Milagre do Sol — no mesmo nível das fábulas e supertições das falsas religiões. Não é isto zombar do Deus verdadeiro e blasfemar contra Nossa Senhora de Fátima? [3]

|
Neste Congresso de Fátima, o Padre Jacques Dupuis desdenha publicamente de um dogma definido pela Igreja.
|
Padre Dupuis
Conforme o já mencionado, duas das mais importantes apresentações foram feitas em inglês: a do padre ecumênico Jacques Dupuis, no sábado, e um breve discurso do Arcebispo Michael J. Fitzgerald, no domingo. Estas eu compreendi perfeitamente, e fiquei horrorizado com o que foi dito.
Como alguns leitores talvez já saibam, eu cobri vários destes eventos pós-conciliares, incluindo Seminários da Nova Evangelização, Dias Mundiais da Juventude e Rock’n’Roll, barulhentas reuniões do Movimento Carismático, e Noites de Diálogo Judaico-Católico. [4] Mas a mais explícita heresia que jamais ouvi em qualquer destes eventos veio da boca do padre jesuíta Jacques Dupuis, algumas poucas centenas de metros distante de onde Nossa Senhora de Fátima aparecera.
O padre Jacques Dupuis é um teólogo ecumênico, progressista, que entrou para a ordem dos Jesuítas em 1941. Neste Congresso, ele propôs sua tese de que todas religiões são positivamente desejadas por Deus. Disse que não deveríamos nos referir às outras religiões como “não-cristãs”, uma vez que este é um termo negativo que os descreve “por aquilo que pensamos que eles não são”. Ao contrário, disse o padre, deveríamos nos referir a elas como às “outras”.
Ele se desfaz da verdade de que há apenas uma única Igreja verdadeira, fora da qual não há salvação, apesar deste ensinamento ter sido definido de forma infalível por três vezes. A definição mais explícita e vigorosa do “fora da Igreja não há salvação”, foi pronunciada de fide no Concílio de Florença:
“A Santíssima Igreja Romana crê, professa e prega firmemente que ninguém que não esteja dentro da Igreja Católica — não apenas pagãos, mas também judeus, heréticos e cismáticos — jamais poderá tornar-se partícipe da vida eterna, mas que será votado ao fogo eterno, “que foi preparado para o demônio e seus anjos” (Mt 25, 41), a não ser que, antes da morte, se una a ela; e que tão importante é a unidade deste Corpo Eclesiástico, que apenas aqueles que permanecem dentro desta unidade podem lucrar dos sacramentos da Igreja para a salvação, e que apenas eles poderão receber recompensa eterna por seus jejuns, suas esmolas, e outros trabalhos de piedade cristã e deveres de soldado cristão. Ninguém, não importa quão grandes e numerosas sejam suas esmolas, ninguém, ainda que verta seu sangue em nome de Cristo, poderá ser salvo se não permanecer no seio e na unidade da Igreja Católica.”[5]
Como sabem os católicos, sempre que a verdadeira Igreja estabelecida por Cristo — a Igreja Católica — ensina uma declaração solene, de fide, ela está pronunciando de modo infalível que a doutrina definida é uma verdade revelada por Deus “que não pode nem enganar nem ser enganado.” Um católico tem de crer em todas estas verdades definidas para sua salvação. Negar um dogma infalível da Igreja é chamar Deus de mentiroso, dizer a Ele que aquilo que Ele nos revelou não é verdade. [6]
São Luís de Montfort, fiel a esta verdade revelada, ensina, “não há salvação fora da Igreja Católica. Aquele que resistir a esta verdade, perecerá.” [7] Do mesmo modo, Santo Afonso de Ligório, Doutor da Igreja, reafirma, “A Santa Igreja, Romana, Católica e Apostólica, é a única igreja verdadeira, fora da qual ninguém pode ser salvo.” [8]
No entanto, o padre Dupuis, no recente Congresso de Fátima, demonstrou publicamente desprezo por esta verdade definida e pelo ensinamento de santos e doutores da Igreja. Sobre este ponto, “fora da Igreja não há salvação”, padre Dupuis disse com desgosto, “Não é necessário lembrar aqui aquele texto horrível do Concílio de Florença de 1442”. Ouvi isto com meus próprios ouvidos e gravei em fita.
Deste modo, padre Dupuis disse à platéia que uma definição infalível da Igreja Católica está errada, e que a Revelação divina de Deus é uma mentira.
Esta é a mais explícita heresia que já encontrei em uma destas conferências pós-conciliares. Normalmente, os conferencistas dançam ao redor do dogma que negam, mas não o padre Dupuis. Não, ele diz abertamente que uma doutrina definida pela Igreja é um “texto horrível” que tem de ser rejeitado.
Como os ouvintes reagiram à audácia da conferência de padre Dupuis? Com grande aplauso no final de sua palestra.
O mais perturbador é que na sala estava a alta hierarquia portuguesa, toda ela alvoroçada com a apostasia de Dupuis.
Sentado exatamente à minha esquerda, estava o Reitor do Santuário de Fátima, Monsenhor Luciano Guerra, que aplaudiu a conferência de Dupuis (eu registrei isto em foto, veja abaixo). À minha direita esta o Delegado Apostólico de Portugal, isto é, o representante papal para Portugal, que também aplaudiu Dupuis. Também aplaudiram o Bispo de Leiria-Fátima, D. Serafim de Souza Ferreira e Silva, que ainda se recusa a permitir a Missa Tridentina do “Indulto” em sua diocese.

|
Mons. Luciano Guerra, o Reitor do Santuário de Fátima, aplaudindo a heresia de Dupuis.
|
Durante o aplauso, não pude ver o Cardeal Patriarca de Lisboa de onde estava. Mas é certo que ele concorda com a tese ecumênica de Dupuis. Mais tarde, no mesmo dia, um pequeno grupo de católicos tradicionais questionou o cardeal sobre a nova orientação inter-religiosa [v. apêndice II deste trabalho para saber como pensa o Cardeal]. Um jovem citou uma passagem do livro de Irmã Lúcia, Os Apelos, onde ela explicava fielmente o Primeiro Mandamento. O cardeal respondeu, “Irmã Lúcia não é mais um ponto de referência hoje, uma vez que temos um excelente, que é o Concílio Vaticano II”. [9] Em outras palavras, o cardeal diz que o novo ensinamento ecumênico do Vaticano II eclipsa o ensino tradicional católico sobre o Primeiro Mandamento, que proíbe a adoração de falsos deuses, como transparece nos escritos de Irmã Lúcia.
Por anos a fio, católicos dedicados disseram que a razão de Fátima ser hoje subestimada e eclipsada é porque a nova religião ecumênica do Vaticano II a substituiu. [10] Sou grato por ter o cardeal abandonado todo fingimento e ter admitido esta desgraça diretamente. Isto explica porque a presente hierarquia ecumênica considera falsamente Fátima como de menor importância.
No Congresso, padre Dupuis também disse que o propósito do diálogo não é converter os não-católicos mas, contrariamente, ajudar “o cristão a tornar-se um melhor cristão, e o hindu um melhor hindu”.
Padre Dupuis falou mais adiante que “os cristãos e os “outros” são co-membros do Reino de Deus na história”. Ele também disse que “o Espírito Santo está presente e opera nos livros santos dos hindus ou dos budistas; que está presente e opera nos ritos sagrados dos hindus”. Assim, conforme Dupuis, o Espírito Santo está presente e atuante nos “ritos sagrados” e “livros sagrados” das falsas religiões. Não admira que um proeminente católico ecumênico beijasse o Corão.
Uma exposição mais detalhada da conferência apóstata do padre Dupuis aparecerá em uma futura continuação. Por agora, quero re-enfatizar que os delegados do Congresso — incluindo o Cardeal de Lisboa, o Bispo de Fátima e o Reitor do Santuário de Fátima — aplaudiram a conferência de Dupuis como se fora magnífica. Pior ainda, no dia seguinte, o Arcebispo Michael Fitzgerald, chefe do Conselho Pontifício do Vaticano para o Diálogo Inter-religioso, falou que “o padre Dupuis ontem explanou a base teológica da instituição das relações [dos católicos] com pessoas de outras religiões.” Em outras palavras, o Arcebispo Fitzgerald prestou homenagem às heresias de Dupuis.
O Arcebispo Fitzgerald disse mais adiante que ele concordava com o padre Dupuis nisso de que “a união com Deus não se restringe às pessoas que pertencem à Igreja.” A Igreja, conforme esta nova concepção, não deveria proselitizar. Não é o propósito do diálogo “converter” os “outros” ao Catolicismo. Isto é sem sentido, uma vez que membros de todas as religiões, segundo Dupuis, já fazem parte do “Reino de Deus”. Ao invés, “A Igreja”, diz Fitzgerald, “está lá para reconhecer a santidade que há nas outras pessoas, o elemento de verdade, de graça e beleza presente nas diferentes religiões”, e “tentar produzir uma maior paz e harmonia entre os membros das outras religiões”. Talvez este Congresso deveria ter se chamado, “Fátima na Era de Aquário”.

|
Arcebispo Fitzgerald
|
A Igreja Católica x A Nova Religião
Qualquer um com um conhecimento rudimentar da Fé Católica sabe que a religião inter-religiosa promovida nesta Conferência de Fátima é contrária ao ensinamento católico e um blasfêmia perante Deus. Como mencionado, o Concílio de Trento definiu infalivelmente que, sem a fé católica, “é impossível agradar a Deus”. [11] A Igreja Católica também definiu três vezes ex cathedra que há apenas uma verdadeira Igreja de Cristo, a Igreja Católica, fora da qual não há salvação. [12] E como ensina o Vaticano I, nem mesmo um Papa pode mudar um dogma definido, caso contrário, verdades dogmáticas jamais teriam sido verdadeiras. [13]
O bem-aventurado Papa Pio IX reiterou a verdade de que “fora da Igreja Católica não há salvação”, ao combater o crescente “catolicismo liberal” de seus dias. Ele disse:
“Temos de mencionar e condenar novamente aquele erro pernicioso do qual se têm imbuído certos católicos, que pensam que aqueles que vivem no erro, que não têm a fé verdadeira e que estão separados da unidade católica, podem obter a vida eterna. Esta opinião é absolutamente contrária à fé católica, como é patente pelas próprias palavras de Nosso Senhor (Mt. 18, 17; Mr 16, 16; Lc 10,16; Jo 3, 18), bem como das palavras de São Paulo (2 Tt 3, 11) e de São Pedro (2 Pd 2, 1). Entreter opiniões contrárias a esta fé católica é tornar-se um desgraçado incrédulo.” [14]
O Papa Leão XIII, elaborando a mesma doutrina, ensinou, “uma vez que a ninguém é permitido ser negligente com o culto devido a Deus... somos obrigados a cultuá-Lo do modo que Ele nos mostrou ser de Sua vontade ... Não pode ser difícil descobrir qual é a verdadeira religião, se com imparcialidade e seriedade se a procura; pois as provas são abundantes e evidentes ... De todas estas [provas] é evidente que a única religião verdadeira é aquela estabelecida pelo próprio Jesus Cristo, e a que Ele confiou à sua Igreja para que a protegesse e propagasse.” [15]
Do mesmo modo, o Papa Pio XII reafirmou esta doutrina no contexto de uma oração à Santíssima Virgem:
“O Maria, mãe de misericórdia e morada da Sabedoria! Iluminai as mentes envoltas nas trevas da ignorância e do pecado, para que elas possam claramente reconhecer que a única religião verdadeira de Jesus Cristo é a Santa, Católica e Apostólica Igreja Romana, fora da qual nem santidade nem salvação se pode encontrar.” [16]
Desde estas fontes, e desde outros incontáveis ensinamentos do Magistério, é claro que a única religião positivamente desejada por Deus, a única religião na qual “santidade e salvação se pode encontrar” é a Santa Igreja Católica estabelecida por Cristo.
A Sagrada Escritura, do mesmo modo, ensina infalivelmente que as falsas religiões não agradam a Deus, e que a maior caridade que podemos ter pelos “outros” é trabalhar e rezar por sua conversão à única e verdadeira Igreja de Cristo. Nosso Senhor ordenou a Seus discípulos, “ide e ensinai”, não “ide e dialogai”. Ele disse: “Ide, pois, ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo.” (Mt 28, 19). “Aquele que acreditar e for batizado será salvo, aquele que não crer, será condenado.” (Mc 15, 16)
Quando Nosso Senhor fala em acreditar, ele não se refere a uma crença vaga em qualquer religião, mas sim crença n’Ele e em tudo que Ele ensinou. É por isso que São João, o Apóstolo do amor, disse, “Quem é mentiroso senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Este é um Anticristo, que nega o Pai e o Filho”. (1 Jo 2, 22). Assim, Islamismo, Judaísmo, Hinduísmo, Budismo, qualquer religião que rejeite o Cristo, conforme a Escritura, é religião do Anticristo. No que diz respeito às religiões heréticas, como, por exemplo, os “ortodoxos” e os protestantes, S. Paulo nos diz que falsos credos são as “doutrinas dos demônios”.
Contrariamente às noções do padre Dupuis, as religiões do Anticristo e os falsos credos dos heréticos, que são “doutrinas dos demônios”, não podem ser desejadas por Deus. Tampouco se pode considerar que seus adeptos façam parte do “Reino de Deus”.
Assim, não pode existir uma nova “unidade ecumênica” que busque unir católicos com os membros de falsas religiões em uma noção herética do “Reino de Deus”. O Papa Pio XI com razão ensinou em sua encíclica de 1928 contra o ecumenismo, Mortalium Animos: “A Unidade não pode resultar senão de um só magistério, de uma só lei de crer e de uma só fé entre os cristãos.” Do mesmo modo, Papa Pio XII ensinou em sua Instrução sobre o Movimento Ecumênico que “A verdadeira união somente poderá vir do retorno dos dissidentes à única e verdadeira Igreja de Cristo (a Igreja Católica).”[17]
Mas, no presente, a heresia inter-religiosa é dominante, e se ergue para reclamar o Santuário de Fátima como sua próxima vítima.
Fátima: Um Santuário inter-religioso?
Na ocasião, não vi relatos deste Congresso na imprensa religiosa ou secular. Duas semanas depois, no entanto, a edição de 1o. de Novembro do periódico Portugal News [V. Apêndice III com o original desta notícia], sediado em Lisboa, publicou em Inglês um artigo intitulado “Fátima se tornará um Santuário Inter-religioso”. O artigo dizia, “Os representantes que participaram do congresso inter-religioso anual “O Futuro de Deus”, promovido pelo Vaticano e pelas Nações Unidas, outubro, em Fátima, foram informados de que o Santuário se tornará um centro onde todas religiões do mundo se reuniram para prestar culto a seus diversos deuses.”
A notícia citava o Reitor do Santuário, Monsenhor Guerra, que disse no Congresso que Fátima “mudará para melhor”. Portugal News acrescentava ainda esta citação de Mons. Guerra: “O futuro de Fátima, ou a adoração de Deus e de Sua Mãe neste Santuário sagrado, tem de passar pela criação de um templo onde as diferentes religiões possam se misturar. O diálogo inter-religioso em Portugal, e na Igreja Católica, está ainda em um estágio embrionário, mas o Santuário de Fátima não está indiferente a este fato e já se abriu à idéia de tornar-se, por vocação, um centro universal.”
“Monsenhor Guerra”, diz o periódico Portugal News, “assinalou que o fato mesmo de ser Fátima o nome da filha muçulmana de Maomé, é um indício de que o Santuário tem de se abrir para a coexistência de várias fés e crenças. Segundo o Mons.: “Temos, portanto, de assumir que foi da vontade da Santíssima Virgem Maria que as coisas acontecessem desta maneira.” Católicos tradicionais que se opuseram ao Congresso foram descritos pelo Monsenhor como ‘antiquados, tacanhos, extremistas fanáticos e provocadores’.”
Cito o Portugal News neste ponto porque não ouvi Monsenhor Guerra fazendo estas declarações no Congresso. Mas, novamente, pode ser que eu a tenha perdido. Monsenhor Guerra falou em Português, e, como já fiz notar, a tradução simultânea para o inglês era de péssima qualidade. Apesar de tudo, a idéia de Fátima se tornar um Santuário “inter-religioso” é consistente com tudo que ouvi naquele fim-de-semana, especialmente no domingo, quando membros de várias religiões deram seus testemunhos sobre a importância dos “Santuários” em suas tradições religiosas.
Os conferencistas deste Domingo incluíam católicos, ortodoxos, anglicanos, hindus, muçulmanos, bem como um budista que convidou a todos para visitar o santuário Budista Zenkoji, no Japão; e até distribuiu a cada um panfletos coloridos do santuário de sua religião.
Mas o testemunho do católico proveu-se o mais problemático, e foi, talvez, um presságio do que em breve teremos em Fátima.
O Padre Arul Irudayam, reitor do Santuário Mariano da Basílica de Vailankanni, na Índia, discorreu inicialmente e belamente sobre a história deste santuário, onde ocorreu uma aparição de Nossa Senhora. O Santuário recebe milhões de peregrinos por ano, incluindo muitos hindus.
Padre Irudayam então se regozijou que, como mais um avanço da prática inter-religiosa, os hindus executem hoje suas cerimônias religiosas na igreja.
Claro está, os conferencistas ficaram entusiasmados de ouvir que uma igreja católica é utilizada para o culto pagão, mas eu fiquei aterrorizado. A Sagrada Escritura ensina claramente que “os deuses dos gentios são demônios”. (Sl 95, 5). E a verdade de que os deuses hindus são demônios foi confirmada por um dos maiores missionários de todos os tempos, São Francisco Xavier.

|
Um Budista distribui a todos os presentes um panfleto convidando à visita ao santuário budista de Zenkoji.
|
Durante as missões, S. Francisco Xavier encontrava uma particular alegria na companhia de seus pequenos discípulos. Ele se impressionava com o enorme comprometimento que estes moços demonstravam, e com a avidez com que aprendiam as preces e ensinavam-nas aos demais. Os moços “também tinham um grande horror pelas práticas idólatras dos pagãos”, em outras palavras, pelas práticas do hinduísmo. Os moços freqüentemente “reprovavam seus pais e mães se acaso se envolvessem com as cerimônias pagãs, e corriam ao padre, para contar-lhe a respeito.”
Quando S. Francisco Xavier ouvia que, “fora da povoação havia alguém praticando idolatria, ele reunia todos os moços — e isto foi algo que ele também fez em outras aldeias que visitou — e com eles ia ao lugar onde foram erigidos estes ídolos. Os moços destruíam as imagens de barro dos demônios até transformá-las em pó. Depois cuspia e pisava nelas.” O biógrafo de São Francisco Xavier explica que estes moços “agindo assim, mais insultavam os demônios do que os honravam os seus pais.” [19]
Ainda que este episódio possa deixar os sacerdotes ecumênicos indignados, é claro que São Francisco Xavier reconheceu com toda razão que “os deuses das gentes são demônios”; no caso, os “deuses” do hinduísmo. No entanto, estes “demônios” são adorados no santuário Vailankanni de Nossa Senhora, na Índia. O reitor do Santuário de Fátima, bem como os demais participantes, aplaudiram o discurso em que se falou sobre a prática de hinduísmo no Santuário católico.
É claro que, se os católicos não se organizarem e protestarem, será apenas uma questão de tempo para que esta blasfêmia ocorra em Fátima, especialmente uma vez que projetos estão a caminho para a construção de um novo Santuário em Fátima.
O Portugal News informou: “o Santuário de Fátima está prestes a passar por uma total reconstrução, com uma nova basílica, em formato de estádio, a ser construída perto da existente, construída em 1921.” [20] Cerca de um ano atrás, eu vi uma foto da maquetes. Trata-se de uma monstruosidade moderna abominável, que mais parece o hangar futurístico de uma nave espacial.

|
Acima, o horrendo Santuário de 40 milhões de euros que a hierarquia modernista de Portugal planeja construir em Fátima.
|
Castigo
A nova religião ecumênica proposta em Fátima, ameaça a salvação de incontáveis almas, uma vez que diz aos não-católicos que permaneçam na escuridão de suas falsas religiões. Ela também ameaça ser causa de um grande castigo.
No início do século XX, o eminente sacerdote europeu Cardeal Mercier, citando o permanente ensino dos Papas, declarou que a Primeira Guerra Mundial foi, em verdade, uma punição pelos crimes das nações, que colocaram a única Religião Verdadeira no mesmo nível das falsas crenças (como o faz a religião ecumênica promovida no Congresso de Fátima). Disse o Cardeal Mercier:
“Em nome do Evangelho, e sob a luz das Encíclicas dos últimos quatro Papas, Gregório XVI, Pio IX, Leão XIII e Pio X, eu não hesito em afirmar que este indiferentismo religioso, que põe no mesmo nível a religião de origem divina e as religiões inventadas pelos homens, para incluí-las no mesmo ceticismo, é a blasfêmia que clama aos céus por castigo na sociedade, mais ainda que os pecados dos indivíduos e de suas famílias.” [21]
O que diriam o Cardeal Mercier e os Papas por ele citados desta nova tentativa de produzir uma “paz e harmonia entre as religiões”, onde os sacerdotes católicos colocam a única religião verdadeira como um “parceiro igual” das falsas religiões e credos pagãos? Como Deus reagirá a esta “blasfêmia que clama aos céus por castigo na sociedade”? Que tipo de castigo o céu enviará, uma vez que à terra de Fátima, santificada pela presença de Nossa Senhora, e ao Santuário a ela consagrado, se permite que seja dessacralizado com o culto de falsos deuses? Em face disto, os católicos não podem ser complacentes.
O mais perturbador de tudo, é que a nova religião ecumênica proclamada neste Congresso de Fátima, é de fato a religião da maçonaria. Disse Yves Marsaudon, maçom, em aprovação:
“Pode-se dizer que o ecumenismo é o filho legítimo da maçonaria... em nosso tempo, nosso irmão Franklin Roosevelt, reivindicou para todos eles a possibilidade de “adorar a Deus, conforme os princípios e convicções de cada um”. Isto é tolerância, e é também ecumenismo. Nós, maçons tradicionais, nos permitimos parafrasear e transpor esta sentença de um celebrado estadista, adaptando-a às circunstâncias: católicos, ortodoxos, protestantes, israelitas, muçulmanos, hindus, budistas, livre-pensadores, livre-crentes, para nós, estes são apenas os prenomes: Maçonaria, é este o sobrenome.” [22]
Esta religião maçônica é hoje promovida em Fátima. Eu a ouvi, da fala macia do padre Jacques Dupuis. No entanto, as palavras de Dupuis eram um torrão de doutrina maçônica do submundo coberta de açúcar. Foi o Papa Pio VIII que disse da maçonaria, “seu deus é o diabo”. [23]
No entanto, não nos deveria surpreender que almas consagradas tenham sucumbido ao poder do demônio. Irmã Lúcia o predisse, quarenta anos atrás.
Os Avisos de Irmã Lúcia
Em sua entrevista de 1957 com o padre Fuentes, irmã Lúcia fez o profético aviso:
“Padre, o demônio está prestes a engajar-se em uma batalha decisiva contra a Santíssima Virgem. E o demônio sabe o que mais ofende a Deus, e o que, em pouco espaço de tempo, conseguirá para ele o maior número de almas. Assim, o demônio faz tudo para conquistar as almas consagradas a Deus, porque, deste modo, o demônio conseguirá deixar as almas dos fiéis abandonadas por seus guias, e assim mais facilmente as derrubará.”
Irmã Lúcia continua,
“O que mais aflige ao Imaculado Coração de Maria e ao Coração de Jesus é a queda das almas religiosas e sacerdotais. O demônio sabe que os religiosos e padres que se afastam de sua bela vocação arrastam consigo um número de almas para o inferno... o demônio quer conquistar as almas consagradas. Ele os tentará corromper para adormecer as almas dos leigos e, assim, levá-los à impenitência final...”[24]
As palavras proféticas de irmã Lúcia desdobram-se perante nossos olhos no Congresso pan-religioso de Fátima. Aqui vemos o demônio “conquistar as almas” consagradas a Deus. Vemos padres, religiosos, bispos, que “se afastam de sua bela vocação” de ensinar as verdades da fé católica, e que “arrastam consigo um número de almas para o inferno” por seu perverso ensino ecumênico.
O Cardeal de Lisboa, o Bispo de Fátima, e o Reitor do Santuário, todos fizeram o juramento anti-modernista em suas ordenações. [25] Um juramento perante Deus é um ato sagrado, e trair tal juramento é um pecado mortal contra o Segundo mandamento, “Não falarás o nome de Deus em vão”. Contudo, estes todos no Congresso de Fátima traíram este juramento ao propor uma nova religião modernista que diz que as verdades católicas de ontem não podem ser “verdades” católicas de hoje. Como Mons. Fenton assinalou décadas atrás, “o homem que ensinou ou, de qualquer modo que seja, colaborou na disseminação ou proteção do ensinamento modernista” após ter feito o juramento anti-modernista, “se conspurcaria, não apenas como um pecador contra a fé católica, mas também como um vulgar perjuro”. [26]
Podemos concluir que o Padre Jacques Dupuis, o Cardeal José da Cruz Policarpo de Lisboa, o Bispo Serafim de Sousa Ferreira e Silva, de Fátima-Leiria, e o Reitor do Santuário de Fátima, Mons. Guerra, promoveram o modernismo e, assim, são pecadores contra a fé católica e também vulgares perjuros. É um crime contra Deus e contra a justiça que estes homens mantenham a autoridade na terra de Portugal, onde apareu Nossa Senhora.
Na década de 90, em uma estação de rádio mexicana, o reitor do santuário de Guadalupe negou a verdade de que Nossa Senhora de Guadalupe apareceu em Tepayac. A população do México indignou-se e protestou contra a audácia. Em um ano, o Reitor do Santuário tinha saído. [27] O mesmo tem de ser feito em Fátima.
Católicos em todo o mundo tem de unir e protestar contra o escândalo que ocorreu, e que continuará a ocorrer, contra a fé católica e contra a Mãe de Deus.
Devemos igualmente nos unir em súplicas de reparação pelas blasfêmias contra a única e verdadeira Igreja de Jesus Cristo, cuja Mãe veio em Fátima trazer uma mensagem a todo o gênero humano, Mãe que hoje é traída por sacerdotes da alta hierarquia, e, mais especialmente, da hierarquia de Portugal.
Notas:
1. Papa Pio IX, Syllabus, 1864, Proposição Condenada #18. Popes Against Modern Errors: 16 Papal Documents, (Rockford: Tan, 1999), p. 30.
2. Em 1944, o eminente teólogo belga, Padre Francis Connell, tendo por base o ensino constante dos Papas, lembrou aos católicos que eles têm um dever de caridade de dizer aos não-Católicos que eles estão em grande risco de perder suas almas se permanecerem no erro. Ele disse, “longe de minimizar a exclusividade da religião católica, nosso povo deveria ser instruído sem hesitação, sempre que a ocasião permitir, e deveria ser avisado aos não-católicos que nós os consideramos privados dos meios ordinários de salvação, ainda que seja ótima as suas intenções.” Citado do Padre Francis Connell, "Communication with Non-Catholics in Sacred Rites, American Ecclesiastical Review, Set., 1944.
3. Nossa Senhora de Fátima pediu especificamente pelos primeiros cinco sábados em reparação pelas blasfêmias contra Seu Imaculado Coração, blasfêmias que são o fruto destas falsas religiões.
4. Publicado em Catholic Family News.
5. Papa Eugênio IV, Concílio de Florença, 4 de Fevereiro de 1442.
6. V. The Source of Catholic Dogma, Ludwig Ott (primeira edição em 1960, reprint feito por Tan Books, Rockford, IL), pág. 4-6.
7. Extraído de Hail Mary, Full of Grace, Still River, MA, 1957, pág. 107. Também poderíamos citar São Francisco de Assis, que disse firmemente, “Todos aqueles que não acreditaram que Jesus Cristo é realmente o Filho de Deus, estão condenados. Também o estão todos que vêem o Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo e não acreditam que é verdadeiramente o Santíssimo Corpo e Sangue do Senhor ... também estes estão condenados!”. Citado de Admonitio prima de Corpore Christi (Quaracchi edition, pág. 4), citado de Johannes Jorgensen, St. Francis of Assisi, (New York: Longmans, Green and Co., 1912), pág. 55.
8. Instructions on the Commandments and Sacraments. Devemos notar que Mons. Joseph Clifford Fenton, antigo editor do The American Ecclesiastical Review, e um dos mais eminentes teólogos do século XX, alertou que a doutrina do “fora da Igreja não há salvação” é um dos principais dogmas negados em nosso tempo.” Em 1958, quatro anos antes do Vaticano II, Mons. Fenton escreveu, “Em cada era da Igreja houve alguma porção de sua doutrina que os homens estiveram inclinados a mal interpretar ou mesmo negar. Em nosso tempo, é a parte da verdade católica trazida com especial clareza e força por São Pedro, em seu primeiro sermão de missionário em Jerusalém. É, de algum modo, impopular hoje insistir, como o fez S. Pedro, que aqueles fora da verdadeira Igreja de Cristo estão necessitados de abandonar suas próprias posições e ingressar na ecclesia. Não obstante, esta verdade é parte da própria revelação de Deus.”( V. Mons. Joseph Clifford Fenton, The Catholic Church and Salvation, Newman Press, 1958, pág. 145.)
9. Documentation Information Catholique Internationale (DICI), November 3, 2003.
10. V. "It Doesn’t Add Up", de John Vennari, especialmente a última parte, "Don’t Rain on My Charade", The Fatima Crusader, Edição #70, Primavera 2002. Disponível on-line:http://www.fatima.org/library/cr70pg12.htm.
11. Sessão V, sobre o Pecado Original. V. Denzinger #787.
12. V. texto do Concílio de Florença supracitado.
13. “O Espírito Santo não foi prometido ao sucessor de Pedro para que, pela revelação do Santo Espírito, possam eles revelar novas doutrinas, mas para que, com Seu auxílio, possam eles guardar santamente a revelação transmitida pelos Apóstolos e pelo depósito da Fé, e o possam fielmente expor.” (Concílio Vaticano I, sessão II, cap. IV, Dei Filius). O eminente teólogo Mons. Fenton emprega este texto para explicar que “os dogmas católicos são imutáveis... as mesmas idênticas verdades são sempre apresentes ao povo como reveladas por Deus. Seu significado nunca muda.” (We Stand With Christ, Mons. Joseph Clifford Fenton, (Bruce, 1942) pág. 2.)
14. Citação do livro The Catholic Dogma, de padre Michael Muller (Benzinger Brothers, 1888), p. xi. É nossa a marcação em negrito.
15. Papa Leão XII, Encíclica Immortale Dei, citada a partir de The Kingship of Christ and Organized Naturalism, padre Denis Fahey (Regina Publications, Dublin, 1943), págs. 7-8.
16. The Raccolta, Benzinger Brothers, Boston, 1957, No. 626 (O Destaque é nosso).
17. Instructio (Instrução da Santa Sé sobre o Movimento Ecumênico, 20 de Dezembro de 1949). A íntegra da tradução em inglês foi publicada em The Tablet (London), 4 de Março de 1950.
18. Portugal News, edição on-line, 1o. de November de 2003.
19. Francis Xavier, His Life and Times, Volume II, India, 1541-1545, George Schurhammer, S.J. (tradução inglesa publicada pelo Instituto Histórico Jesuita de Roma em 1977), pág. 310.
20. Talvez seja este um erro tipográfico do Portugal News. A pequena Capelinha foi construída em 1921. A presente Basílica do Santuário de Fátima foi construída em 1951.
21. Carta pastoral do Cardeal Mercier, 1918, The Lesson of Events. Citado em The Kingship of Christ and Organized Naturalism, padre Denis Fahey (Dublin: Regina Publications, 1943), pág. 36.
22. Yves Marsaudon, Oecumènisme vu par un Maçon de Tradition (págs. 119-120). Tradução inglesa tirada de Peter Lovest Thou Me? (Instauratio Press, 1988), pág. 170.
23. Papa Pio VIII, citado em Papacy and Freemasonry, Mons. Jouin.
24. Fatima in Twilight, Mark Fellows, (Niagara Falls: Marmion, 2003), pág. 145.
25. Todos padres tinham de fazer este Juramente anti-modernista até que, tragicamente, foi ele abolido por Paulo Vi em 1967. Aparentemente, todos os padres que menciono foram ordenados antes de 1967. Mas, mesmo se um padre não fizer o juramente, ele está, ainda assim, proibido de promover o Modernismo ou qualquer outra heresia. É ainda contra a Fé Católica fazê-lo.
26. "Sacrorum Antistitum and the Background of the Oath Against Modernism," Mons. Joseph Clifford Fenton, The American Ecclesiastical Review, Outubro de 1960, págs. 259-260.
27. V. Fatima Priest, Francis Alban (Pound Ridge: Good Counsel Publications, 1997), Capítulo 14, pág. 160 (2a. edição).
Na conferência que leremos agora, Mgr. Marcel Lefebvre nos dá alguns detalhes do árduo combate que ocupou os últimos anos de sua vida para conseguir manter a Tradição, no que toca seu relacionamento com Roma. É claro que muitos anos já se passaram desde que ele deu esta conferência que data de meados da década de 80. Houve o encontro de Assis e diversos atos do Papa João Paul II que empurraram o Vaticano cada vez mais adentro no ecumenismo e no progressismo. A crise se agravou. Mas os princípios católicos que o lúcido bispo apresenta permanecem os mesmos.
Publicada na Revista Fideliter, da Fraternidade São Pio X. Foi conservado o estilo falado.
|
A INFILTRAÇÃO DO MODERNISMO NA IGREJA
Breve História
Fico contente em constatar que no mundo inteiro, no mundo católico, em todo lugar, pessoas corajosas se reúnem em torno de padres fiéis à fé católica e à Igreja Católica, para manter a tradição que é a fortaleza de nossa fé.
Se existe um movimento tão geral é porque a situação da Igreja é verdadeiramente grave. Pois, para que padres, fiéis católicos, aceitem ser tratados de rebeldes, de dissidentes, de desobedientes, mesmo se tratando de bons padres, alguns dos quais já serviram em paróquias durante trinta anos com grande satisfação de seus paroquianos, é para manter a fé católica. Eles o fazem conscientemente no espírito dos mártires.
Ser perseguido por seus irmãos ou pelos inimigos da Igreja, qualquer que seja a mão que bata, por vista que seja contra a manutenção da fé, é sofrer um martírio. Esses padres, esses fiéis, são testemunhas da fé católica. Eles preferem ser considerados como rebeldes e dissidentes a perder a fé.
Nós assistimos, no mundo inteiro, a uma situação trágica, inacreditável, que parece não se ter jamais produzido na história da Igreja. É preciso então tentar explicar esse fenômeno extraordinário. Como podem bons fiéis, bons padres, se esforçarem por manter a fé católica num mundo católico que está em plena dissolução? Foi o Papa Paulo VI, ele mesmo, que falou de autodemolição da Igreja. O que significa esse termo de autodemolição senão que a Igreja se destrói, ela mesma, por ela mesma, por seus próprios membros? É isso o que já dizia o Papa São Pio X na sua primeira encíclica, quando escrevia: «Hoje, o inimigo da Igreja não está mais no exterior da Igreja, está no interior». E o Papa não hesitava em designar os lugares aonde ele se encontrava: «O inimigo se encontra nos seminários». Por conseqüência, já no início do século, o Santo Papa Pio X, na sua primeira encíclica, denunciava a presença de inimigos da Igreja nos seminários.
E é evidente que esses seminaristas que estavam imbuídos do modernismo, do Sillonismo e do progressismo se tornaram padres. Alguns deles se tornaram bispos e entre eles cardeais. Poderia-se citar os nomes daqueles que fizeram seu seminário no início do século, que morreram agora, mas cujo espírito era modernista e progressista.
Assim, já o Papa Pio X denunciava essa divisão na Igreja, uma certa ruptura no interior mesmo da Igreja e do Clero.
Eu não sou mais jovem e já tive ocasiões, ao longo de minha vida de seminarista, de minha vida sacerdotal e de minha vida episcopal, de constatar essa divisão, e isso já no seminário francês de Roma, onde eu fazia meus estudos, pela graça do Bom Deus. Confesso que não estava muito entusiasmado pelos estudos feitos em Roma. Eu pessoalmente preferia estar, como os seminaristas de minha diocese, no seminário de Lille e me tornar um pequeno vigário e em seguida um simples cura numa paróquia do campo.
Manter a fé numa paróquia: eu me via um pouco pai espiritual de uma população a qual nos apegamos, para lhe inculcar a fé e os modos cristãos. Era o meu ideal. Mas, aconteceu que meu irmão estava já, depois da Guerra de 1914-1918, em Roma, porque ele tinha se separado da família por circunstâncias da guerra no norte da França e, por conseqüência, meus pais insistiram para que eu fosse reencontrar meu irmão. «Como seu irmão já está em Roma, no seminário francês, vá então encontrá-lo e fazer seus estudos com ele». E eu parti para Roma. Fiz meus estudos na Universidade gregoriana, de 1923 a 1930. Fui ordenado em 1929 e fiquei como padre no seminário durante um ano.
As primeiras vítimas do Modernismo
Ora, durante esses anos no seminário, passaram-se coisas trágicas que me lembram exatamente tudo o que eu vi depois do Concílio. Estou praticamente na mesma situação em que estava nosso superior do seminário francês naquele momento: o padre Le Floch, que foi o superior do seminário francês de Roma durante trinta anos. Era um homem muito digno, um Bretão, forte e firme na sua fé como o granito da Bretanha. Ele nos ensinava as encíclicas dos papas e o que era o modernismo condenado por S. Pio X, os erros modernos condenados por Leão XIII, o que era o liberalismo condenado por Pio IX. E nós amávamos nosso padre Le Floch. Nós éramos muito apegados a ele.
Mas sua firmeza na doutrina, na tradição, desgostava aos modernistas, evidentemente. Já existiam progressistas naquela época, pois os papas os condenavam. Ele desagradava não somente aos progressistas, mas também ao governo francês. O governo francês tinha medo que, por intermédio do Pe. Le Floch, por essa formação dada aos seminaristas, os bispos tradicionalistas viessem se implantar na França e dessem à Igreja da França um clima tradicional e evidentemente antiliberal. Ora, o governo francês era maçônico e por conseqüência, fundamentalmente liberal e não podia nem pensar que bispos não liberais pudessem tomar os postos mais importantes. Pressões foram exercidas sobre o papa para eliminar o Pe. Le Floch. Foi Francisque Gay, futuro líder do M.R.P., o encarregado dessa operação. Ele desceu a Roma e fez pressão sobre o Papa Pio XI, denunciando o Pe. Le Floch como sendo, por assim dizer, da Action Française, e um homem político ensinando aos seminaristas a serem membros da Action Française.
Tudo isso era mentira. Durante três anos eu escutei o Pe. Le Floch nas suas conferências espirituais. Nunca ele nos falou da Action Française. Hoje eles me dizem: «Você foi naquele tempo membro da Action Française». Eu nunca fui membro da Action Française.
Evidentemente, dizem que somos membros da Action Française, nazistas, fascistas, tudo o que se pode nos rotular como etiquetas pejorativas, porque nós somos anti-revolucionários e antiliberais.
Então uma pesquisa foi feita: o cardeal arcebispo de Milão foi enviado ao local. Não era o menor dos cardeais. Beneditino, homem de uma grande santidade e de uma grande inteligência, foi designado pelo Papa Pio XI para pesquisar no seminário francês para ver se o que dizia Francisque Gay era exato ou não. A pesquisa foi feita. O resultado foi: o seminário francês funciona perfeitamente bem sob a direção do Pe. Le Floch. Não temos absolutamente nada a reprovar ao superior do seminário.
Bem, isto não foi o suficiente. Três meses depois, nova pesquisa, dessa vez com a ordem de acabar com o Pe. Le Floch. A nova pesquisa foi feita por um membro das Congregações Romanas que concluiu, com efeito, que o Pe. Le Floch era amigo da Action Française, que ele era perigoso para o seminário e que era preciso pedir sua demissão. O que foi feito. Em 1926, a Santa Sé pediu ao Pe. Le Floch para deixar a direção do seminário francês. Nós ficamos estarrecidos. O Pe. Le Floch nunca foi um homem político. Era um homem tradicional, apegado à doutrina da Igreja, aos papas, grande amigo do Papa Pio X, que tinha uma grande confiança nele. E, precisamente, porque ele era um amigo do Papa Pio X, então ele era inimigo dos progressistas.
E depois, nessa época em que eu estava no seminário francês, não somente o Pe. Le Floch foi atacado, mas também o Cardeal Billot, teólogo de primeiro valor, hoje ainda reputado e estudado nos nossos seminários. Monseigneur Billot, cardeal da Santa Igreja, foi deposto. Tiraram-lhe a púrpura e enviaram-lhe, como penitência, para perto de Albano, Castelgandolfo, na casa dos Jesuítas, proibido de sair, sob o pretexto de que ele tinha ligações com o Action Française. De fato, o Cardeal Billot não era da Action Française, mas ele estimava a pessoa de Maurras e o citava em seu livro de teologia. Por exemplo, no segundo livro da Igreja, «De Ecclesia», o Cardeal Billot fez um magnífico estudo sobre o liberalismo, onde, em notas, fez algumas citações de Maurras. Era um pecado mortal!Eles acharam isso para depor o Cardeal Billot. Isto não é pouca coisa, um dos maiores teólogos de sua época deposto como cardeal, reduzido ao estado de simples padre, pois ele não era bispo (naquele tempo ainda havia cardeais diáconos). Já era a perseguição.
O Papa Pio XI sofreu influência dos progressistas
O Papa Pio XI sofreu influência dos progressistas que se achavam já em Roma. Nós vemos aí precisamente, uma certa diferença entre os papas que se sucederam e portanto nessa época o Papa Pio XI fez encíclicas magníficas. Não era um liberal. Sua encíclica contra o comunismo Divini Redemptoris, sua encíclica sobre o Cristo-Rei, instaurando a festa do Cristo Rei , logo, o reino social de Nosso Senhor Jesus Cristo é magnífico. Sua encíclica sobre educação cristã é absolutamente admirável e permanece hoje um documento fundamental para aqueles que querem defender a escola católica.
Então, no plano da doutrina, o Papa Pio XI foi um homem admirável, mas fraco no domínio da ação prática. Ele era influenciável. Foi assim que ele foi muito influenciado na guerra do México (1926-1929) e que ele deu ordem aos Cristeros, àqueles que defendiam a religião católica e combatiam pelo Cristo-Rei, de confiar no governo e entregar as armas. Desde que entregaram as armas, foram todos massacrados. Ainda se lembram, no México, desse massacre horrível. O Papa Pio XI confiou no governo, que o enganou. Depois do que se passou, ele mostrou-se desolado. Ele não imaginava que um governo que lhe prometera tratar com honra àqueles que defendiam sua fé iria em seguida massacrá-los. Foram, com efeito, milhares de mexicanos que foram massacrados por causa de sua fé.
Já no início do século certas situações anunciam uma divisão na Igreja. E chegamos lentamente, mas seguramente, às vésperas do Concílio.
O Papa Pio XII foi um grande papa. Tão bom nos seus escritos quanto na sua maneira de conduzir a Igreja. E no tempo de Pio XII a fé foi firmemente mantida e, naturalmente, os progressistas não gostavam dele, porque ele lembrava os princípios fundamentais da teologia e da verdade.
Então veio João XXIII, ele que não tinha o temperamento de Pio XII. João XXIII era um homem muito simples, muito familiar. Ele não via problemas em lugar nenhum.
Quando ele quis fazer um sínodo em Roma, lhe disseram: «Mas, Santo Padre, um sínodo tem que ser preparado, é preciso ao menos um ano, talvez dois, para preparar tal reunião, afim de que os frutos sejam numerosos e que as reformas possam ser verdadeiramente estudadas e em seguida aplicadas para que Vossa diocese de Roma tire proveito. Isto não pode se fazer assim, no espaço de dois ou três meses e depois quinze dias de reuniões, e tudo irá bem. Não é possível !».
«Ah, sim, sim, eu conheço, eu sei, vamos fazer um pequeno sínodo, vamos preparar isso em alguns meses e tudo irá bem».
Preparou-se o sínodo rapidamente: comissões em Roma, todo mundo trabalhando. Quinze dias de sínodo e depois tudo acabou. O Papa João XXIII estava contente, seu pequeno sínodo foi feito; resultado: nenhum. Nada mudou na diocese de Roma. A situação ficou exatamente a mesma.
À deriva com o Concílio
A mesma coisa para o Concílio. «Tenho a intenção de fazer um Concílio». Já o Papa Pio XII tinha sido solicitado por certos cardeais para reunir um Concílio. Mas ele recusou, estimando que isso seria impossível. Não se pode, dizia ele, na nossa época, fazer um Concílio com 2.500 bispos. As pressões que se pode sofrer do fato dos meios de comunicação social são muito perigosas para que se possa reunir um Concílio. Corre-se o risco de perder o controle. E ele não fez o Concílio.
Mas o Papa João XXIII disse: não se pode ser pessimista; é preciso ver as coisas com confiança. Vamos nos reunir durante três meses, com todos os bispos do mundo inteiro. Começamos em 13 de outubro e entre 8 de dezembro e 25 de janeiro, tudo terminado, todo mundo vai embora e volta para suas casas e acaba-se o Concílio.
E o papa lançou o Concílio! Era preciso prepará-lo. Não se faz um Concílio como um sínodo. Foi preciso prepará-lo dois anos antes. Fui nomeado pessoalmente membro da Comissão Central Preparatória, sendo arcebispo de Dakar e presidente da Conferência Episcopal do Oeste Africano. Eu vim, então, a Roma, durante dois anos, ao menos umas dez vezes, para participar das reuniões dessa Comissão Central Preparatória que era, de fato, muito importante porque para ela todos os documentos das comissões secundárias eram enviados, para serem estudados e submetidos ao Concílio. Havia nessa comissão setenta cardeais e uns vinte arcebispos e bispos, além dos peritos. Mas estes não eram membros da comissão. Estavam lá somente para serem eventualmente consultados pelos membros.
A aparição da divisão
Ora, durante esses dois anos, as reuniões se sucederam e apareceu claramente, para todos os membros que estavam presentes, que havia uma divisão profunda no interior da Igreja. Uma divisão profunda, não acidental ou superficial, mas uma divisão profunda mais ainda entre os cardeais que entre os arcebispos e bispos. Na ocasião dos votos que foram feitos vimos os cardeais conservadores votarem de uma maneira e os cardeais progressistas de outra. E todos os votos eram sempre mais ou menos no mesmo sentido. Está claro que havia uma divisão real entre os cardeais.
Relatei em um de meus livros, Un Evêque Parle, um pequeno incidente que sempre lembro porque caracteriza verdadeiramente o fim dessa Comissão Central e o início do Concílio. Foi durante a última sessão; nós tínhamos recebido dois documentos sobre o mesmo tema. O Cardeal Bea tinha preparado um texto De Libertate Religiosa,“Da Liberdade Religiosa”. O Cardeal Ottaviani tinha preparado um outro: De Tolerantia Religiosa, “Da Tolerância Religiosa”.
Tratando do mesmo assunto, já os dois títulos eram significativos de duas concepções diferentes. O Cardeal Bea falava da liberdade de todos as religiões e o Cardeal Ottaviani da liberdade da religião católica e da tolerância do erro, tolerância das falsas religiões. Como isso poderia se arrumar em comissão ?
E desde o começo o Cardeal Ottaviani apontou o dedo sobre o Cardeal Bea e lhe disse: «Eminência, não tens o direito de fazer esse documento». O Cardeal Bea respondeu: «Perdão, como presidente da Comissão de Unidade eu tinha perfeitamente o direito de fazer esse documento. Logo, eu fiz esse documento cientemente. E, aliás, eu sou radicalmente opositor de vossa tese.
Assim, dois cardeais dos mais eminentes, o Cardeal Ottaviani, prefeito do Santo Ofício, e o Cardeal Bea, confessor do Papa Pio XII, jesuíta, tendo uma grande influência sobre todos os cardeais, que era bem conhecido no Instituto Bíblico, que fez estudos bíblicos muito superiores. Ou seja, duas personalidades eminentes que se opõem sobre uma tese fundamental na Igreja. Outra coisa é a liberdade de todas as religiões, isto é, por-se sobre o mesmo pé a liberdade e o erro e depois, de outro lado, a liberdade da religião católica e a tolerância dos erros.
É totalmente diferente. Tradicionalmente a Igreja foi sempre pela tese do Cardeal Ottaviani e não por aquela do Cardeal Bea, que é totalmente liberal.
Então, o Cardeal Ruffini, de Palermo, se levantou e disse: «Nós estamos na presença de dois confrades que se opõem um ao outro sobre uma questão muito importante na Igreja. Nós vamos ser obrigados a apelar à autoridade suprema».
Com freqüência, o papa vinha presidir nossas reuniões. Mas ele não estava nessa última. Então os cardeais pediram para votar: «Nós não queremos esperar ir ver o Santo Padre, nós vamos votar». Fizeram um voto. A metade dos cardeais, mais ou menos, votou pela tese do Cardeal Bea e a outra pela do Cardeal Ottaviani. Ora, todos os que votaram pelo Cardeal Bea eram os cardeais da Holanda, da Alemanha, da França, da Áustria, todos, em geral, da Europa e da América do Norte. Quanto aos cardeais tradicionais, eles eram da Cúria romana, da América do Sul e em geral os de língua espanhola.
Era uma verdadeira ruptura na Igreja. E desde esse momento eu me perguntei como o Concílio iria se passar, com oposições parecidas sobre teses também importantes. Quem vai prevalecer? É o Cardeal Ottaviani com os cardeais de língua espanhola e de língua latina, ou os cardeais europeus e os da América do Norte?
E, com efeito, a luta começou imediatamente no interior do Concílio desde os primeiros dias. O Cardeal Ottaviani apresentou a lista dos membros que faziam parte das comissões preparatórias, dando plena liberdade a cada um de escolher o que queria. Porque era evidente que nós não nos conhecíamos. Nós chegáramos, cada um de sua diocese, como conhecer os 2.500 bispos do mundo ?
Pede-se para votar para designar os membros das comissões do Concílio. Quem escolher? Nós não conhecíamos os bispos da América do Sul, da África do Sul, da Índia.
Então o Cardeal Ottaviani pensou: Roma já fez uma escolha para todas as Comissões Preparatórias, isso poderia ser uma indicação para ajudar os padres do Concílio a escolher. Era perfeitamente normal.
O Cardeal Lienart se levantou e disse: «Nós não aceitamos esse procedimento. Pedimos 48 horas de reflexão afim de melhor conhecer aqueles que poderiam fazer parte de diferentes comissões. É uma pressão que é exercida sobre o julgamento dos padres. Nós não o aceitamos».
O Concílio tinha começado há dois dias e já era um afrontamento entre os cardeais. O que aconteceu?
Durante essas duas horas os cardeais liberais tinham já preparado listas variadas de todos os países do mundo e eles distribuíram nas caixas de correio de todos os padres do Concílio. Nós todos recebemos então uma lista propondo: membros de tal comissão, este, aquele... de diferentes países. Muitos disseram: – enfim, porque não? Eu não os conheço. Como a lista já está pronta, só temos que nos servir. Quarenta e oito horas depois foi a lista dos liberais que veio em primeiro lugar. Mas ela não passou com dois terços de votos, como previa o regulamento do Concílio.
Então, o que faria o Papa? O Papa João XXIII iria fazer uma exceção ao regulamento do Concílio ou aplicá-lo ? Evidentemente os cardeais liberais tiveram medo e se precipitaram em busca do Papa e disseram: «Escute, temos mais da metade das vozes, quase 60%. O senhor não pode recusar isso. Não se vai ainda refazer uma eleição, não se sairá mais disso. Isto representa bem a maioria do Concílio, só podemos aceitar isso». E o Papa João XXIII aceitou. E desde o começo todos os membros da Comissão do Concílio foram nomeados pela fração liberal. Pode-se calcular que influência enorme isso iria ter no Concílio.
Estou certo que o Papa João XXIII morreu prematuramente do que ele viu e anteviu do Concílio. Ele que pensava que no fim de alguns meses tudo teria acabado. Um Concílio de três meses. Todos se abraçam e voltam para casa, felizes e contentes de ter estado em Roma e de ter feito uma boa reuniãozinha.
Ele descobriu que o Concílio era um mundo e um lugar onde haveria disputas. Nenhum texto saiu da primeira sessão do Concílio. O Papa João XXIII ficou desconcertado e eu acho que isso acelerou sua morte. Disseram mesmo que sobre seu leito de morte ele disse: «Pare o Concílio, pare o Concílio».
Paulo VI dá seu apoio aos liberais
Veio o Papa VI. E é evidente que ele deu seu apoio à facção liberal. Como assim?
Desde o começo de seu pontificado, na Segunda sessão do Concílio, ele nomeou imediatamente quatro moderadores. Mas já havia os dez presidentes que durante a primeira sessão presidiram os trabalhos do Concílio. Cada um dentre eles presidia uma sessão, depois o segundo, depois o terceiro. Eles estavam numa mesa mais elevada que os outros. Eles dirigiam o Concílio.
O Papa Paulo VI nomeou imediatamente esses quatro moderadores, e os presidentes se tornaram os presidentes de honra. Os quatros moderadores tornaram-se os verdadeiros presidentes do Concílio.
Ora, quem eram esses moderadores? O Cardeal Döpfner, de Munich, muito progressista, muito ecumênico. O Cardeal Suenens, que todo mundo conhece como mais carismático e que fez conferências em favor do casamento dos padres. O Cardeal Lercaro, conhecido por seu filo-comunismo e que tinha um vigário geral inscrito no partido comunista. E, enfim, o Cardeal Agagionian. Ele representava um pouco a facção tradicional, pode-se dizer. Era um homem discreto, sério, que por conseqüência não teve verdadeira influência sobre o Concílio. Mas os três outros conduziram a tarefa com o vento em popa. Eles reuniam constantemente os cardeais liberais, o que deu uma força considerável à facção liberal do Concílio.
Evidentemente os cardeais e os bispos tradicionalistas se acharam, desde então, como postos de lado, desprezados.
Quando o pobre cardeal Ottaviani, cego, pedia a palavra, se ele não terminasse no fim dos dez minutos que lhe era dado, escutava-se murmúrios entre os jovens bispos para lhe fazer calar, lhe fazer compreender que se estava satisfeito de lhe ouvir. Que já bastava. Foi horrível. Esse venerável cardeal, venerado por toda Roma, que teve uma influência enorme na Santa Igreja, prefeito do Santo Ofício, não é uma função qualquer. Era escandaloso ver como eram tratados aqueles que eram tradicionalistas.
Monsenhor Stoffa (nomeado cardeal mais tarde) muito ativo, recebeu da presidência do Concílio pedido que se calasse. Coisas inimagináveis.
A Revolução na Igreja
Assim se passou o Concílio. É evidente que todos as teses, todos os textos do Concílio foram influenciados pelos cardeais liberais e as comissões liberais. Não devemos nos espantar que tenhamos tido textos ambíguos, favoráveis a mudanças, a uma verdadeira revolução na Igreja.
Será que nós poderíamos ter feito alguma coisa, nós que representávamos a facção tradicional dos bispos e cardeais? Pouca coisa, em definitivo. Éramos duzentos e cinqüenta favoráveis à permanência da Tradição e desfavoráveis a mudanças de vulto na Igreja: falsa renovação, falso ecumenismo, falsa colegialidade. Nós éramos opostos a essas coisas. Esses duzentos e cinqüenta bispos, evidentemente, tiveram algum peso e, em certas ocasiões, os textos foram modificados. O mal foi um pouco limitado. Mas nós não conseguimos impedir certas teses de passar, particularmente a da liberdade religiosa, cujo texto foi refeito cinco vezes. Cinco vezes a mesma tese voltava. Nós nos opusemos sempre. Havia sempre duzentos e cinqüenta vozes contra. Então o Papa Paulo VI fez adicionar duas pequenas frases no texto, dizendo: «não há nada nesse texto que seja contrário à doutrina tradicional da Igreja» e «a Igreja permanece sempre a verdadeira e única Igreja de Cristo».
Então, os bispos espanhóis, em particular, disseram: «bem, já que o Papa adicionou isso, agora não há mais problema, já que não há nada contra a tradição». Se as coisas são contraditórias, essa pequena frase contradiz tudo o que está no interior do texto. É um esquema contraditório. Não se pode aceitar isso. Então sobraram somente, se eu me lembro bem, setenta e quatro bispos que permaneceram contra. É o único esquema que encontrou uma tal oposição: 74 sobre 2.500, é pouca coisa !
Então terminou o Concílio, não podemos nos espantar com as reformas que foram feitas. Depois de toda a história do liberalismo, os liberais saindo vitoriosos no interior do Concílio, exigiram do Papa Paulo VI lugares nas Congregações romanas. E, de fato, os lugares importantes foram dados aos progressistas. Quando morria um Cardeal, ou numa ocasião qualquer que permitisse ao Papa Paulo VI afastar um cardeal tradicionalista, ele colocava imediatamente um cardeal liberal no seu lugar.
Foi assim que Roma achou-se ocupada pelos liberais. É um fato que não se pode mais negar, nem que as reformas do Concílio foram reformas que respiram esse espírito de ecumenismo, um espírito protestante, nem mais nem menos.
A Reforma Litúrgica
O mais grave foi a reforma litúrgica. Ela foi operada, sabe-se, por um padre bem conhecido, Bugnini, que tinha preparado isso muito tempo antes.
Já em 1955, o Padre Bugnini fez traduzir os textos protestantes por Mons. Pintonello, Capelão Geral do exército italiano, que tinha passado muito tempo na Alemanha durante a ocupação, pois ele próprio não conhecia alemão. Foi Mons. Pintonello que disse a mim mesmo que ele tinha traduzido os livros litúrgicos protestantes para o Padre Bugnini, que naquele momento era um membro menor de uma comissão litúrgica. Ele não era nada. Depois foi professor de liturgia no Latrão. O Papa João XXIII lhe mandou embora por causa de seu modernismo, de seu progressismo. Pois bem, ele tornou-se presidente da Comissão da Reforma da Liturgia. É inacreditável. Eu tive ocasião de constatar eu mesmo a influência do Padre Bugnini. Como isso pôde acontecer em Roma.
Eu era, naquele tempo, logo depois do Concílio, superior geral da Congregação dos Padres do Espírito Santo e nós tínhamos, em Roma, uma Associação de superiores gerais.
Nós pedimos ao Pe. Bugnini para nos explicar o que era sua nova missa, porque enfim, não era um pequeno acontecimento. Depois do Concílio, logo depois, ouviu-se falar de Missa normativa, Missa nova, novus ordo, o que é isso tudo? Não se falou disso no Concílio. O que está acontecendo? Então nós pedimos ao Pe. Bugnini para explicar ele mesmo aos 84 superiores gerais que se reuniram, entre os quais eu me encontrava.
O Padre Bugnini, com muito boa vontade, nos explicou o que era a Missa normativa: vai-se mudar isso, vai-se mudar aquilo, vamos pôr um outro ofertório, poderemos escolher os Canons, poderemos reduzir as orações da Comunhão, poderemos ter muitos esquemas para o final da Missa. Poderemos dizer a Missa em língua vernácula. Nós nos olhávamos dizendo: não é possível!
Ele falava exatamente como se nunca tivesse tido uma Missa antes dele. Falava de sua Missa normativa como de uma invenção nova.
Pessoalmente, fiquei atônito e mudo, quando, habitualmente, eu tomo com facilidade a palavra para me opor àqueles com os quais não estou de acordo. Não conseguia dizer uma palavra. Não é possível que seja a esse homem que está aí diante de mim que foi confiada toda a reforma da Liturgia Católica, do Santo Sacrifício da Missa, dos Sacramentos, do Breviário, de todas as nossas orações. Aonde vamos nós? Aonde vai a Igreja?
Dois superiores gerais tiveram a coragem de se levantar. E um deles questionou o Padre Bugnini: «É uma participação ativa, é uma participação corporal, isto é, orações vocais, ou é a participação espiritual? Em todo caso, o senhor falou tanto da participação dos fiéis, que parece que não se justifica mais a Missa sem fiéis, porque toda a sua Missa foi feita em função da participação dos fiéis. Nós beneditinos, celebramos nossas Missas sem fiéis. Então, devemos continuar a dizer nossas Missas privadas, visto que não temos fiéis que aí participem?»
Eu vos repito exatamente o que disse o Pe. Bugnini, eu tenho ainda nos meus ouvidos tanto isso me chocou: «Para falar a verdade, não se pensou nisso», disse ele!
Depois um outro se levantou e disse: «Reverendo Padre, o senhor disse: vamos suprimir isso aqui, suprimir aquilo lá, substituir isso por aquilo, e sempre orações mais curtas, eu tenho a impressão que a sua nova Missa vai ser dita em dez, doze minutos, um pequeno quarto de hora, não é razoável, não é respeitoso para um tal ato da Igreja». E ele lhe respondeu isso: «Poder-se-á sempre adicionar qualquer coisa». É sério? Eu ouvi com os meus ouvidos. Se fosse qualquer um que me tivesse contado eu teria quase duvidado, mas eu escutei eu mesmo.
Depois, no momento em que essa Missa normativa começou a se realizar, eu estava tão horrorizado que nós fizemos uma pequena reunião com alguns padres, alguns teólogos, de onde saiu o “Breve exame crítico” que foi levado ao Cardeal Ottaviani. Eu presidia essa pequena reunião. Foi dito: «É preciso ir aos cardeais. Não se pode deixar fazer isso sem reagir.»
Então fui procurar eu mesmo o secretário de Estado, o Cardeal Cicognani e lhe disse: «Vossa Eminência deixará passar isto? Não é possível. O que é essa nova Missa? É uma revolução na Igreja, uma revolução na liturgia.»
O Cardeal Cicognani, que era o Secretário de Estado de Paulo VI, pôs a cabeça entre as mãos e disse-me: «Oh, Monsenhor, eu bem sei: Eu estou de acordo com o senhor, mas o que eu posso fazer ? O Pe. Bugnini pode entrar no escritório do Santo Padre e lhe fazer assinar o que ele quer.» Foi o Cardeal Secretário de Estado que me disse isso! Então, o Secretário de Estado, a personalidade número dois da Igreja depois do Papa, foi posta em estado de inferioridade em relação ao Pe. Bugnini. Ele podia entrar nos aposentos do Papa quando ele queria e lhe fazer assinar o que ele quisesse.
Isso pode explicar, então, porque o Papa Paulo VI teria assinado textos que ele não tinha lido. Ele disse isso ao Cardeal Journet, que era um homem muito ponderado, professor na Universidade de Friburgo, na Suiça, um grande teólogo. Quando o cardeal viu essa definição da Missa na Instrução que precede o novo “Ordo”, ele disse: não se pode aceitar essa definição da Missa; é preciso que eu vá a Roma ver o Papa. Ele foi e disse: «Santo Padre, não podeis deixar essa definição, ela é herética. Não podeis continuar a deixar vossa assinatura numa coisa como essa». E o Santo Padre lhe respondeu (o Cardeal Jounet não me disse a mim mesmo, mas a alguém que me repetiu): «Bem, realmente, eu não a li. Eu assinei sem ler.» Evidentemente, se o Pe. Bugnini tinha uma tal influência sobre ele, é possível. Ele dizia ao Santo Padre: «Podeis assinar» «Mas o senhor prestou bem atenção?» — «Sim, vós podeis assinar.»E ele assinou.
E isso não passou pelo Santo Ofício. Eu o sei, pois o Cardeal Seper ele mesmo me disse que estava ausente quando o Novo Ordo foi editado e que isso não passou pelo Santo Ofício. Então, foi realmente o Pe. Bugnini que obteve essa assinatura, que contrariou talvez o Papa, nós não sabemos, mas que tinha, sem dúvida alguma, uma influência extraordinária sobre o Santo Padre.
Terceiro fato do qual eu fui testemunha a propósito do Pe. Bugnini: na ocasião da permissão que estava sendo dada para a comunhão na mão (mais uma coisa horrível!) eu achei que não podia deixar passar isso. É preciso que eu vá ver o Cardeal Guth – um suiço – que era prefeito da Congregação do Culto. Eu fui então a Roma, onde o Cardeal Guth me recebeu muito amavelmente, e imediatamente me disse: «Eu vou fazer entrar o meu segundo, o Arcebispo Antonini, afim de que ele possa ouvir o que o senhor diz.» E nós conversamos. Eu disse: «Escute, o senhor que é responsável pela Congregação do Culto, não pode deixar publicar esse decreto autorizando a comunhão na mão. Imagine todos os sacrilégios que isso vai representar. Imagine a falta de respeito pela Santa Eucaristia que vai se espalhar em toda a Igreja. É inadmissível, o senhor não pode deixar fazer algo assim. Já os padres começam a dar a comunhão dessa maneira. É preciso parar isso imediatamente. E com essa nova missa eles pegam sempre o pequeno cânon, o segundo, que é muito breve». A esse propósito, o Cardeal Guth disse a Mons. Antonini: «Veja, eu disse que isso aconteceria, que os padres pegariam o cânon mais curto, para ir mais rápido, para acabar mais rápido com a Missa».
Depois o Cardeal Guth me disse: – «Monsenhor, se pedissem minha opinião (quando ele dizia "pedissem", era ao Papa que ele se referia, porque só o Papa era seu superior), mas eu não estou certo que vão me pedir (ele que era Prefeito da Congregação do Culto, encarregado de tudo que era ligado ao culto e a liturgia!), eu me poria de joelhos, Monsenhor, diante do Papa e lhe diria: Santo Padre, não faça isso, não assine esse decreto! Eu me poria de joelhos, Monsenhor. Mas eu não sei se me interrogarão pois não sou eu que mando aqui». Isso eu ouvi com meus ouvidos. Ele fazia alusão a Bugnini, que era o terceiro na Congregação do Culto. Havia o Cardeal Guth, o Arcebispo Antonini e o Pde. Bugnini, presidente da Comissão de Liturgia. É preciso ter escutado isso! É preciso compreender também minha atitude quando me dizem: o senhor é um dissidente, um desobediente, um rebelde.
Infiltrados na Igreja para destruí-la
Sim, eu sou um rebelde. Sim, eu sou um dissidente. Sim, eu sou um desobediente dessa gente, dos Bugnini. Porque são eles que se infiltraram na Igreja para destruí-la. Não é possível fazer de outro modo.
Então, vamos contribuir para a destruição da Igreja? Vamos dizer: sim, sim, amém, mesmo se é o inimigo que penetrou até junto do Santo Padre e que pode fazê-lo assinar o que ele quer? Sob quais pressões? Não sabemos. Existem coisas escondidas que nos escapam, evidentemente. Alguns dizem que é a maçonaria. É possível, eu não sei. Em todo caso, há um mistério. Como um padre que não é cardeal nem mesmo bispo, um padre ainda jovem naquela época, que subiu contra a vontade do Papa João XXIII, que o tinha expulsado da Universidade do Latrão, que subiu, subiu e que chegou ao topo que se ri do Cardeal Secretário de Estado, que se ri do Cardeal Prefeito da Congregação do Culto, que vai diretamente ao Santo Padre e lhe faz assinar o que ele quer. Nunca se viu nada de parecido na Santa Igreja. Tudo passa sempre pelas autoridades. Faz-se Comissões. Estuda-se os documentos. Mas esse rapaz era todo poderoso!
Foi ele que trouxe esses pastores protestantes para mudar nossa Missa. Não foi o Cardeal Guth. Não foi o Cardeal Secretário de Estado, talvez nem mesmo o Papa. Foi ele. Que tipo de homem era esse Bugnini?
Um dia o Abade de São Paulo fora dos Muros, beneditino que precedeu Bugnini na Comissão de Liturgia, me disse: «Monsenhor, não me fale do Pe. Bugnini; eu sei muito sobre ele. Não me pergunte quem ele é». Eu retomei: «Mas diga-me, porque é necessário que as pessoas saibam, é necessário que as coisas apareçam» «Eu não posso lhe falar do Pe. Bugnini». Logo, ele o conhecia bem. É provável que tenha sido ele que tenha pedido a João XXIII de sair da Universidade do Latrão.
Este conjunto de coisas nos mostra que o inimigo penetrou no interior da Igreja, como já dizia São Pio X; ele está no mais alto cume, como anunciou Nossa Senhora de La Salette, e como está, sem dúvida, no terceiro segredo de Fátima.
Mas, se o inimigo está realmente dentro da Igreja, deve-se lhe obedecer? Ah! sim, ele representa o Papa... Antes de tudo, não se sabe de nada, não se sabe o que pensa o Papa.
É bem verdade que eu tenho provas pessoais de que o Papa Paulo VI era muito influenciado pelo Cardeal Villot. Diziam que o Cardeal Villot era maçom. Não sei. Aconteceram coisas. Fotocopiaram cartas de maçons endereçadas ao Cardeal Villot. Não tenho as provas. Mas, de qualquer forma, o Cardeal Villot tinha grande influência sobre o Papa. Ele reuniu em suas mãos todos os poderes em Roma. Tornou-se o mestre, muito mais do que o Papa. Tudo passava por suas mãos. Isso eu sei. Um dia, fui ver o Cardeal Wright, sobre o catecismo canadense. Eu lhe disse: «Veja esse catecismo. O senhor conhece estes livretos intitulados Ruptura? São abomináveis. Eles ensinam às crianças a romper: romper com a família, com a sociedade, com a Tradição...são os catecismos que se ensina às crianças no Canadá, com Imprimatur de Mgr. Courdec. O senhor é encarregado dos catecismos no mundo inteiro, o senhor está de acordo com este catecismo?» «Não, não - me disse ele - este catecismo não é católico» «Ele não é católico? Diga isso imediatamente à Conferência Episcopal do Canadá. Diga-lhes para parar, de joga-lo no fogo e retomar verdadeiros catecismos». «Como quer o senhor que eu me oponha a uma Conferência Episcopal?»
Eu disse então: acabou-se. Não há mais autoridade dentro da Igreja. Terminado! Se Roma não pode dizer mais nada a uma Conferência Episcopal, mesmo se ela esta destruindo a Fé das crianças, então é o fim da Igreja.
Esta é a situação: Roma tem medo das Conferências Episcopais. Estas Conferências são abomináveis. Na França, existe uma campanha patrocinada pelos bispos em favor da contracepção. Acho que eles foram convencidos pelo governo socialista que passa constantemente na televisão este slogan: tome a pílula para impedir o aborto. Eles não acharam nada melhor do que isso e fazem uma campanha irracional em favor da pílula. Elas são subvencionadas para meninas de doze anos, para evitar o aborto! E os bispos aprovam! No boletim da diocese de Tulle, que continuo a receber porque é a minha antiga diocese, havia documentos oficiais em favor da contracepção, firmados pelo bispo, Mgr. Bruneau, um antigo superior geral dos padres de Saint Sulpice, um dos melhores bispos da França. É assim!
Porque eu não obedeço
O que devemos fazer? Eles dizem: o senhor deve obedecer, o senhor é desobediente, não tem o direito de continuar o que está fazendo, está dividindo a Igreja.
O que é uma lei? O que é um decreto? O que nos obriga à obediência? Uma lei, diz Leão XIII, é uma ordenação da razão para o bem comum, nunca para o mal comum – é para o bem. Isso é tão evidente que, se for para o mal, deixa de ser uma lei. Leão XIII dizia isso explicitamente na Encíclica Libertas. Uma lei que não é para o bem comum não é mais uma lei e não deve ser obedecida.
Muitos canonistas, em Roma, dizem que a Missa de Bugnini não é uma lei. Não houve lei para a Nova Missa. Admitamos que tenha até havido uma lei, vinda de Roma, uma ordenação da razão para o bem comum e não para o mal comum. Ora, a Nova Missa está destruindo a Igreja, destruindo a Fé. É evidente. O Arcebispo de Montreal (Canadá), Mgr. Grégoire, numa carta publicada, foi muito corajoso. É um dos raros bispos a ter ousado escrever uma carta denunciando os males que sofre a Igreja em Montreal. «Ficamos assustados de ver o abandono das paróquias por grande número de fiéis. Atribuímos isso, em grande parte, à reforma da Liturgia». Ele teve a coragem de falar assim.
Estamos diante de uma verdadeira conjuração dentro da Igreja, da parte dos atuais cardeais, como o Cardeal Nox, que fez essa famosa pesquisa sobre a Missa de S. Pio V no mundo inteiro. É uma mentira clara e evidente para influenciar o Papa João Paulo II, para que ele dissesse: se é só esse pequeno número que quer a Tradição, isso vai acabar sozinho, não vale nada. Na verdade, o Papa, quando me recebeu em audiência, em Roma, em novembro d e1978, queria assinar um ato, pelo qual os padres pudessem rezar a Missa de sua escolha. Ele estava inclinado a fazer isso.
Mas existe em Roma um grupo de cardeais que é radicalmente contra a Tradição. O Cardeal Casaroli, prefeito da Congregação dos Religiosos; o Cardeal Baggio, prefeito da Congregação dos Bispos, posto muito importante que cuida da nomeação dos bispos. E o famoso Virgínio Lévi, segundo da Congregação do Culto, talvez pior do que Bugnini. O Cardeal Hamer, arcebispo belga, segundo do Santo Ofício, nascido na região de Louvain, formado com todas as idéias modernistas de Louvain. Estes são radicalmente contra a Tradição; não querem nem ouvir falar. Creio que se pudessem me esganar eles o fariam.
Que eles nos deixem ao menos a liberdade
Eles se unem contra mim assim que sabem que eu faço um esforço junto ao Santo Padre para tentar obter a liberdade para a Tradição. Que eles nos deixem em paz; que nos deixem rezar como se rezou durante séculos; que nos deixem continuar o que nós aprendemos no seminário; que eles nos deixem continuar o que aprendemos quando éramos moços, que é procurar a melhor maneira de se santificar. É isso que nos ensinaram no seminário. Pratiquei isso quando me tornei padre; quando me tornei bispo, ensinei isso aos meus padres e a todos os meus seminaristas: eis o que é preciso fazer para tornar-se santo. Amar o Santo Sacrifício da Missa, a que nos é dada pela Igreja; os sacramentos, o catecismo. Principalmente, não mudem nada, preservem a Tradição que dura há vinte séculos. É isso que nos santifica, foi isso que santificou os santos. Agora eles querem mudar tudo. Não é possível. Que eles nos deixem, ao menos, a liberdade!
Ora, quando eles ouvem isso, imediatamente eles vão ao Santo Padre e dizem: nada para Mgr. Lefebvre, nada para a Tradição. Não volte atrás!
Como são cardeais muito importantes, o Cardeal Casaroli, Secretário de Estado, e outros, o Papa não ousa. Há alguns cardeais que aceitariam uma norma favorável, como o Cardeal Ratzinger. Ele substituiu o Cardeal Seper, que morreu no Natal de 1981. E olha que o Cardeal Ratzinger era muito liberal na época do Concílio. Foi amigo de Rahner, de Hans Kung, de Schillebeeckx. Mas por causa de sua nominação como arcebispo de Munich ele abriu um pouco os olhos. Ele está, certamente, mais consciente do perigo das reformas e mais desejoso de voltar às normas tradicionais, junto com o Cardeal Palazzini, da Congregação das beatificações, e do Cardeal Oddi, da Congregação do clero. Esses três cardeais estariam dispostos a nos deixar a liberdade. Mas os demais têm ainda muita influência sobre o Santo Padre...
Fui a Roma, há cinco semanas, para ver o Cardeal Ratzinger, que foi nomeado pelo Papa para substituir o Cardeal Seper junto à Fraternidade São Pio X, junto a mim. O Cardeal Seper tinha sido nomeado quando da audiência que o Papa João Paulo II me tinha concedido. Ele chamou o Cardeal Seper e lhe disse: «Eminência, o senhor manterá as relações entre Mgr. Lefebvre e eu. O senhor será o intermediário». Agora ele nomeou o Cardeal Ratzinger.
Fui vê-lo e conversamos durante quase duas horas. Certamente o Cardeal Ratzinger parece mais positivo e mais capaz de alcançar uma boa solução. A única dificuldade que permanece séria é a questão da Missa. No fundo, sempre foi a Missa, desde o início. Pois eles sabem muito bem que eu não sou contra o Concílio. Há coisas que eu não aceito no Concílio. Não assinei o texto da liberdade religiosa; não assinei o texto da Igreja no mundo. Não se pode dizer que eu sou contra o Concílio, mas há coisas que não se pode aceitar, que são contrárias à Tradição. Isso não deveria lhes importar tanto, pois o próprio Papa disse que se deve analisar o Concílio à luz da Tradição. Se fosse visto o Concílio à luz da Tradição, isso não me incomodaria em nada. Eu assinaria esta frase, pois tudo o que é contrário à Tradição seria, evidentemente, rejeitado. Durante uma audiência que o Papa me concedeu, ele me perguntou: «O senhor estaria disposto a assinar esta fórmula?» Eu respondi: «Foi o senhor mesmo que a utilizou e eu estaria disposto a assina-la». «Então, disse ele, não há dificuldade dogmática entre nós». E eu disse: «Assim eu espero» «O que sobra, então? O senhor aceita o Papa?» «É claro que nós reconhecemos o Papa e rezamos pelo Papa nos nossos seminários. Nós somos, talvez, os únicos seminários do mundo onde se reza pelo Papa. E respeitamos muito o Papa. Quando o Papa me pediu para vir, eu sempre vim. Mas há a questão da liturgia, disse eu, que é realmente muito difícil. A liturgia está demolindo a Igreja, demolindo os seminários. É uma questão muito grave». «Não, não, é uma questão disciplinar, não é grave. Se só existe isso, penso que chegaremos a uma solução».
Em seguida o Papa chamou o Cardeal Seper que veio imediatamente. Se ele não tivesse vindo, penso que o Papa teria assinado um acordo. O Cardeal Seper chegou e o Papa lhe disse: «Acho que as coisas não são difíceis de se acertar com Mgr. Lefebvre; creio que poderíamos chegar a uma solução, há apenas a questão da liturgia que é um pouco difícil» E o Cardeal respondeu: «Ah! não dê nada a Mgr. Lefebvre. Eles fazem da Missa de S. Pio V uma bandeira». E a mim de intervir: «Uma bandeira, claro, a bandeira de nossa Fé, a Santa Missa, Misterium Fidei, é o grande mistério de nossa Fé. É claro, é nossa bandeira, é a expressão de nossa Fé».
Mas isso impressionou muito ao Santo Padre, que pareceu mudar imediatamente. Para mim, isso mostrou que o Papa não é um homem forte. Se ele tivesse sido forte, ele teria dito: sou eu que vou ver isso. Vamos resolver isso. Mas não. De repente ele teve como um medo, tornou-se temeroso e, no momento em que deixava seu escritório ele disse ao Cardeal Seper: «O senhor poderia conversar já agora. Poderia tentar acertar as coisas com Mgr. Lefebvre. Fiquem aqui, eu tenho que ir ver o Cardeal Baggio. Ele tem muitos dossiers para ver comigo sobre os bispos. Eu tenho de ir». E ao sair ele me disse: «Pare, Monsenhor, pare». Ele estava transformado. Em poucos minutos ele tinha mudado completamente. Foi nesta audiência que eu lhe mostrei uma carta que tinha recebido de um bispo polonês.
Ele me tinha escrito um ano antes, para me dizer que ele me felicitava pela obra que eu tinha fundado em Écône, dos padres que eu formava. Ele queria que eu mantivesse a Missa antiga em toda sua Tradição, e acrescentava: não sou o único. Somos vários bispos que vos admiram, que admiram seu seminário e a formação que o senhor dá aos padres e a Tradição que o senhor mantém dentro da Igreja, porque nós, nos obrigam a tomar a nova Liturgia para arrancar a fé dos nossos fiéis.
Isso dizia este bispo polonês. Então eu levei esta carta no meu bolso quando fui ver o Santo Padre, pois eu pensava: ele vai certamente me falar da Polônia. E não me enganei. Ele me disse: «O senhor sabe, na Polônia tudo vai muito bem. Porque o senhor não aceita as reformas? Na Polônia não há problemas. Só se sente falta do latim, nós éramos muito ligados ao latim, pois isso nos unia a Roma, e nós somos muito romanos. É pena, mas o que o senhor quer que eu faça, não há mais latim nos seminários, nem no Breviário, nem na Missa. Não tem mais latim. É uma infelicidade, mas é assim. O senhor vê, na Polônia aceitou-se as reformas, não há nenhum problema: nossos seminários estão cheios, nossas igrejas estão cheias».
Eu respondi ao Santo Padre: «O senhor me permite mostrar uma carta que recebi da Polônia?» E mostrei a carta. Quando ele leu o nome do bispo disse: «Oh! é o pior inimigo dos comunistas...ah! é uma boa referência.». E o Papa leu atentamente a carta. Eu olhava seu rosto para ver sua reação diante dessas palavras ditas duas vezes na carta: nos obrigam a tomar a reforma litúrgica para arrancar a fé dos nossos fiéis. Evidentemente era difícil de engolir. No final ele me disse: «O senhor recebeu esta carta assim?» - «Sim, é uma fotocópia que eu trouxe para o senhor». - «Oh! deve ser falsa».
O que eu podia dizer? Não havia nada mais a responder. O Papa me disse: «O senhor sabe, os comunistas são muito hábeis para tentar provocar divisões nos episcopados». Ou seja, segundo ele, seria uma carta fabricada pelos comunistas que me teria sido enviada. Mas eu duvido muito, pois esta carta foi postada na Áustria e eu suponho que seu autor tenha tido medo do extravio da carta pelos comunistas e que ela não chegasse. Por isso ela foi postada na Áustria. Eu respondi a este bispo, porém não recebi mais nada dele. É para mostrar que há, eu penso, também na Polônia, divisões profundas. Aliás, sempre houve, entre os padres da Pax e os que querem manter a Tradição. Isso foi trágico atrás da cortina de ferro.
A influência dos comunistas em Roma
É preciso ler o livro Moscou e o Vaticano, do padre jesuíta Lepidi. É extraordinário. Ele mostra a influência que têm os comunistas em Roma e como eles chegam a fazer nomear bispos e até dois cardeais: o Cardeal Lekaï e o Cardeal Tomaseck. O primeiro, sucessor do Cardeal Mindszenty. O segundo, sucessor do Cardeal Beran, que foram heróis e mártires da Fé. Em seus lugares puseram os padres da Pax, ou seja, pessoas decididas, antes de mais nada, a se entenderem com os governos comunistas e que perseguem os padres tradicionais. Os padres que vão secretamente batizar alguém no interior ou fazer o catecismo escondido para continuar sua obra de pastores da Igreja Católica, são perseguidos por estes bispos que lhes diz: vocês não têm o direito de não respeitar as ordens dos governos comunistas. Vocês nos atrapalham agindo assim.
Esses padres estão prontos a dar suas vidas para preservar a fé de seus filhos, para preservar a fé das famílias, para dar os sacramentos aos que têm necessidade. É claro que nestes países é preciso sempre pedir autorizações, quando vão levar o Santíssimo Sacramento nos hospitais ou para qualquer outra coisa. Se eles saem de suas sacristias têm de perguntar ao P.C. se lhes autoriza. É impossível. As pessoas morrem sem sacramentos; as crianças não são mais educadas de modo cristão. Por isso eles fazem escondido. E quando eles são presos, são os próprios bispos que os perseguem. É assustador.
Não seriam o Cardeal Wyszynski, nem o Cardeal Slipyi, nem o Cardeal Mindszenty, nem o Cardeal Béran que fariam algo parecido. Eles, ao contrário, empurravam seus bons padres dizendo: vamos, partam. Se forem para a prisão terão feito seu dever de padre. Se for para serem mártires, sejam mártires.
Isso mostra a influência exercida sobre Roma e que temos dificuldade de imaginar. É difícil de acreditar.
Quanto a mim, nunca estive contra o Papa. Nunca disse que o Papa não era papa. Sou inteiramente pelo Papa, pelo sucessor de Pedro. Não quero me separar de Roma. Mas sou contra o Modernismo, contra o progressismo, contra toda esta influência má, nefasta, do protestantismo nas reformas, e contra todas as reformas que nos envenenam e envenenam a vida dos fiéis. Eles dizem: o senhor é contra o Papa. Ao contrário, eu venho socorrer o Papa, pois o Papa não pode ser modernista e progressista, é uma fraqueza ele deixar acontecer. Isso pode acontecer. São Pedro foi fraco também diante de S. Paulo, quanto aos judeus. E São Paulo o repreendeu duramente: «Não andas segundo o Evangelho», disse São Paulo a São Pedro. São Pedro era Papa e São Paulo o repreendeu. Ele disse com vigor: «Repreendi o chefe da Igreja que não andava segundo a lei do Evangelho» Era grave dizer isso ao Papa. E Santa Catarina de Sena, também fez críticas veementes aos Papas. Nós temos a mesma atitude ao dizer: Santíssimo Padre, o senhor não está cumprindo seu dever. É preciso voltar à Tradição se deseja que a Igreja refloresça. Se o senhor permite que esses cardeais, que esses bispos, persigam a Tradição, estará realizando a ruína da Igreja.
Tenho certeza que, no seu coração o Papa tem uma profunda inquietação e que ele procura um meio de renovar a Igreja, e eu espero que com nossas orações, com nossos sacrifícios, com as orações de todos os que amam a Igreja, todos que amam o Papa, tenho certeza que conseguiremos.
E principalmente com a devoção à Santíssima Virgem. Se nós rezarmos à Santíssima Virgem, ela não pode abandonar seu Filho, ela não pode abandonar a Igreja que seu Filho fundou, a esposa mística de seu Filho. Vai ser difícil, vai ser um milagre, mas nós vamos conseguir.
Mas para mim, não quero que me façam dizer que a Nova Missa é boa, que ela é simplesmente menos boa que a outra, mas que é boa. Não posso dizer isso. Não posso dizer que estes sacramentos são bons. Eles foram feitos pelos protestantes, eles foram feitos por Bugnini. E o próprio Bugnini disse, como podemos ler no Observatório Romano e na Documentation Catholique, que traduziram o discurso de Bugnini, de 19 de março de 1965, ou seja, antes de todas as reformas:
«Devemos tirar das nossas orações católicas e da liturgia católica tudo que possa ser sombra de choque para nossos irmãos separados, quero dizer, para os protestantes».
Será possível que se tenha de ir perguntar aos protestantes, sobre o Santo Sacrifício da Missa, dos sacramentos, de nossas orações, do nosso catecismo: em que vocês não estão de acordo? Vocês não gostam disso ou daquilo? Bom, vamos suprimir.
Não é possível. Talvez não nos tornemos heréticos, mas a fé católica será diminuída. É assim que não se acredita mais no limbo, no purgatório, no inferno. Não se acredita mais no pecado original, nem nos anjos. Não se acredita mais na graça, não se fala mais do sobrenatural. É o fim da nossa fé.
Então devemos manter inteiramente nossa fé e rezar à Santíssima Virgem porque, por nós mesmos... é um trabalho de gigantes que nós queremos realizar, e sem o socorro do Bom Deus não conseguiremos. Dou-me conta da minha fraqueza, do meu isolamento. O que posso fazer sozinho diante do Papa? Diante dos cardeais? Não sei. Vou como um peregrino, com meu cajado de peregrino. Vou dizer: guardem a fé, guardem a fé. Sejam mártires mas não abandonem a fé. É preciso manter os sacramentos e o Santo Sacrifício da Missa.
Não podemos dizer: ah! você sabe, se mudou não faz mal. Eu tenho a fé bem enraizada e não corro o risco de perder a fé.
Percebemos que os que estão habituados a freqüentar a nova missa e os novos sacramentos, pouco a pouco mudam de mentalidade. Alguns anos mais tarde, conversando com alguém que vai nessa nova missa, nessa missa ecumênica, percebemos que adotou o espírito ecumênico. Termina-se colocando todas as religiões no mesmo plano. Podemos perguntar-lhe: pode-se salvar pelo protestantismo, pelo budismo, pelo islamismo? Ele responderá: mas claro, todas as religiões são boas. E pronto! Tornou-se um liberal, protestante. Não é mais católico.
Só existe uma religião, não há duas. Se Nosso Senhor é Deus e se Deus fundou uma religião, a religião Católica, não pode haver outras religiões, não é possível. As outras religiões são falsas. É por isso que o Cardeal Ottaviani disse: «Da tolerância religiosa». Tolera-se os erros porque não se pode impedir que eles se espalhem. Mas não se os coloca em pé de igualdade com a Verdade. Ou então se acaba com o espírito missionário. Se todas essas falsas religiões salvam, então porque sair em missão, para quê? Deixem-nos em suas religiões e eles vão se salvar...Não é possível. O que fez a Igreja durante vinte séculos? Porque todos esses mártires? Porque todos os que foram massacrados nas missões? Os missionários perderam seu tempo, perderam seu sangue, perderam suas vidas! Não podemos aceitar isso.
Precisamos permanecer católicos e é muito perigoso escorregar no ecumenismo e embarcar numa religião que não é mais católica.
Desejo vivamente que todos sejam testemunhas de Nosso Senhor, da Igreja Católica, testemunhas do Papa, da Catolicidade, mesmo se devemos ser desprezados, insultados nos jornais, nas paróquias, nas igrejas. E daí! Somos as testemunhas da Igreja Católica, os verdadeiros filhos da Igreja Católica e os verdadeiros filhos da Santíssima Virgem Maria.
Este trabalho do Sr. Lafayette é um dos capítulos de uma grande compilação sobre a Santa Missa, onde o autor recolhe de vasta bibliografia e organiza com inteligência, muitas explicações sobre a Missa Nova, seus erros, a comparação com a Missa de São Pio V etc. Nesta obra inédita são dadas exaustivas referências a todas as obras citadas. Essas notas foram aqui retiradas para não tornar a leitura desagradável.
Antecedentes - Sobre o Concílio Vaticano II e a Reforma Litúrgica
O Papa Pio XII faleceu em 1958 e no início de 1959 foi dado o primeiro aviso oficial sobre o futuro Concílio; e a 25 de julho de 1960, João XXIII tornou pública a sua decisão de confiar aos Padres do Concílio a reforma litúrgica.
As comportas iam ser abertas; era preciso, então, acelerar as providências. O monge beneditino Dom Adrien Nocent, "neolitúrgico típico", foi nomeado, em 1961, professor do Pontifício Instituto de Liturgia de Santo Anselmo em Roma, uma venerável universidade beneditina fundada por Leão XIII; e lá Dom Nocent preparava o Concílio. Naquele mesmo ano de 1961, em sua obra O Futuro da Liturgia, Dom Nocent definia os princípios e os fundamentos da nova missa que então preconizava. Seu propósito: influir direta e decisivamente na "revisão da liturgia" que poderia ser realizada durante o Concílio Vaticano II.
Veio o Concílio.
Pela vontade do Papa João XXIII, o Vaticano II quis ser um Concílio Ecumênico e, como disse um bispo não tradicionalista, aí esta palavra "ecumênico" deve ser entendida não no sentido tradicional de "universalidade" ou de "catolicidade", mas "na acepção moderna (ou errônea?) de favorecer a unidade dos cristãos".
Essa intenção de fazer do Concílio um instrumento de ecumenismo (aliás, falso) abriu as portas da Santa Sé e a cidadela foi ocupada pelos neolitúrgicos progressistas.
Deixemos de lado o que nos separa, guardemos o que nos une; este bem conhecido programa de João XXIII foi o principio inspirador da nova liturgia.
Ora, uma reforma litúrgica inspirada em "motivos ecumênicos" é inconcebível, porque contradiz o princípio imutável da liturgia católica: cabe à regra de fé regular a oração. Uma tal reforma é, ao contrário, pôr em prática a "caridade sem fé" que São Pio X condenou no modernismo. Não é de espantar que a "reforma" (que ia ser implantada) tenha sacrificado a claridade e a exatidão doutrinal em troca de ambigüidade e compromisso.
Todavia, imbuídos do princípio anunciado por João XXIII, os Padres conciliares irão dizer, no primeiro documento que aprovaram, ou seja, na Constituição "Sacrosanctum Concilium" sobre a reforma da "Sagrada Liturgia", de 4 de dezembro de 1963, que o Concílio Vaticano II, desde o seu inicio, propunha-se a "favorecer tudo o que possa contribuir para a união dos que crêem em Cristo"... e para tanto julgou "ser seu dever cuidar de modo especial da reforma e do incremento da Liturgia" (idem, pg 259. O destaque é meu)., estando a Reforma do Ordinário da Missa inserida nessa reforma. E esse documento foi redigido de uma forma tão ambígua que tornou possível a remoção "das pedras que pudessem constituir mesmo sombra de um risco de tropeço ou de desagrado para nossos irmãos separados", como declarou Monsenhor Annibal Bugnini, artífice da Nova Missa, no L’ Observatore Romano de 19 de maio de 1965, pedras essas que existiam (e que continuam a existir) na liturgia da Igreja Católica, particularmente no rito romano tradicional, restaurado e canonizado por São Pio V para deter e combater as heresias protestantes.
Com a aprovação da Constituição sobre a Sagrada Liturgia foi iniciada a protestantização da Missa católica. E, isto feito, Paulo VI, a 29 de fevereiro de 1964, criou o "Consilium ad Exsequendam Constitutionem de Sacra Liturgia" – Conselho para a Aplicação da Constituição sobre a Sagrada Liturgia, o "Consilium", tendo por presidente o Cardeal Lercaro e por secretário o Monsenhor Annibal Bugnini, ou seja, os elementos mais avançados do Movimento Litúrgico italiano. Ao Consilium coube a tarefa de fazer a Reforma Litúrgica, aprovada pelo Vaticano II.
A VERDADEIRA HISTÓRIA DA COMUNHÃO NA MÃO
I - Introdução
Na "Missa de Dom A. Nocent", sugerida por este monge beneditino em 1961, já estava recomendado que a comunhão deveria ser feita sob ambas as espécies — costume que havia sido abolido "por graves e justas causas", como afirmou o Concílio de Trento, mas que a Constituição "Sacrosanctum Concílium" sobre a Sagrada Liturgia, de 1963, tornou novamente possível — e, mais ainda, de pé e na mão.
O procedimento de receber a comunhão de pé e na mão não consta do Livreto "Liturgia da Missa", obra com a “Tradução Oficial para o Brasil” aprovada pela CNBB e pela Sagrada Congregação do Culto Divino, mas foi adotado sem a menor sombra de dúvida e, depois, tornou-se uma prática universal.
Quanto à questão de ser a comunhão feita de pé, salvo a menção feita na "Missa de Dom A. Nocent", nada encontrei em documento algum. Todavia, é um procedimento que acompanha naturalmente à decisão de permitir a comunhão na mão, pois ninguém vai se ajoelhar para receber a comunhão desse modo e, hoje em dia, os comungantes só recebem a comunhão de pé; até mesmo aqueles que a querem receber na boca (ver X – “Conclusões”).
A comunhão na mão foi especificamente autorizada pela Instrução "Memoriale Dómini" – Instrução essa redigida "por mandato especial de Paulo VI e por ele mesmo aprovada em razão de sua autoridade apostólica" (28/05/69) – e na qual a Sagrada Congregação para o Culto Divino, na esteira de outros autores, afirma que "em épocas muito antigas se fez uso da comunhão na mão", dando a entender que este era o procedimento normal. É este o tema que vamos aprofundar neste ensaio, para mostrar a verdadeira história da comunhão na mão.
II - O Corpo de Deus e o respeito que lhe é devido
"Eu sou o pão da vida"... (Jo.6,48), "Eu sou o pão vivo que desci do céu... e o pão, que Eu darei, é a minha carne para a vida do mundo" (Jo.6,51) (e não apenas para a vida dos discípulos) e "Eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos" (Mt.28,20).
Este pão da vida e pão vivo - Carne do Senhor - o Corpo de Deus vivo e verdadeiro - sempre foi tratado com o maior respeito e cercado de inúmeros cuidados desde os primeiros tempos do cristianismo (voltaremos a este ponto a seguir), como não poderia deixar de ser por se tratar do próprio Deus vivo, que quis se transubstanciar, usando um pedaço de PÃO, para que os homens pudessem comer da sua carne (Jo.6,54), alimento da alma, e (pudessem) alcançar a vida eterna (Jo.6, 54 e 58).
O Senhor se fez carne, Cordeiro de Deus, para o sacrifício e, de carne, se fez Pão – Pão do céu – para alimento de nossas almas.
III - Os cuidados com as partículas que caem da Hóstia consagrada
Era norma dos primeiros cristãos só comer a Carne do Senhor depois de tê-la adorado, o que prova a crença na presença real de Nosso Senhor; e àquele que ia comê-la era dirigida esta advertência: "...recebe com cuidado de nada perder. É em verdade o Corpo de Cristo" (ver IX - A "Memoriale Dómini").
A Igreja sempre tomou um grande cuidado a fim de evitar que qualquer partícula da Santa Eucaristia se perdesse ou caísse no chão. São Cirilo de Jerusalém (313-316) dizia aos novos batizados que eles deviam lamentar mais a perda de qualquer partícula da Hóstia que a perda de ouro, de diamante ou de qualquer um dos membros de seu corpo. De acordo com este modo de pensar, os orientais chamam os fragmentos da Eucaristia de "pérolas". Por sua vez, a liturgia de São Crisóstomo (344-407) assinala que, ao fim da Missa, o padre ou o diácono consome com atenção e devoção todos os fragmentos e cuida para que não se perca qualquer partícula ou "pérola". Note-se que tal norma era, no século IV, dirigida apenas aos ministros do culto, não fazendo menção aos fiéis leigos.
E eles tinham todos esses cuidados ainda que as partículas, ou fragmentos, que caíam da Hóstia consagrada fossem naquele tempo muito menos numerosas que hoje em dia. Isto porque o "dom" oferecido nos primeiros tempos era um pão ázimo como agora, mas de uma forma, com um contorno, que não favorecia a deposição de partículas, ou seja, as "pérolas", como acontece com as pequenas hóstias que são hoje em dia empregadas pela Igreja do Ocidente; e é preciso dizer que é da máxima importância ter todo cuidado com qualquer partícula da Hóstia já consagrada, por menor que seja, pois está "o Cristo todo inteiro sob a espécie do pão e sob a mínima parte desta espécie", como definiu dogmaticamente o Concílio de Trento.
Com efeito, das bordas das pequenas hóstias que hoje são utilizadas para serem oferecidas e consumidas caem pequeninas partículas; quem já viu um cibório, onde são guardadas as hóstias já consagradas, ou uma patena depois da comunhão dos fiéis sabe quantas "pérolas" ali ficam. Com a nova forma de comungar, o Corpo do Senhor fica agora na palma da mão ou entre os dedos de quem comunga ou então cai no chão e pode ser pisado.
IV - A manipulação do Corpo do Senhor: o procedimento normal
Talvez já prevendo que tais profanações pudessem vir a ocorrer e, também, em função do respeito que se deve ter para com o Corpo do Senhor, os Santos Padres se preocuparam desde os primórdios do Cristianismo em firmar uma doutrina sobre quem estava habilitado a tocar no Pão e no Vinho consagrados. E o procedimento normal adotado, desde o início, sempre foi o de ficar a manipulação dos dons consagrados - e, portanto, a sua distribuição também - restrita a pessoas, também, consagradas, aquelas que recebem o dom de poder tocar no Santíssimo Sacramento, o que mostra que ao leigo não é lícito (salvo em casos especiais) tocar neste Corpo; e se não lhe é permitido tocar, muito mais grave é recebê-lO nas mãos e levá-lO à boca para consumir a Vítima sagrada do Sacrifício — o Corpo de Deus Filho — oferecido a Deus Pai.
Além disso, as normas estabelecidas pelos Santos Padres (que serão mostradas mais adiante) não seriam necessárias se os fiéis leigos estivessem também autorizados a tocar nos santos mistérios. Não podendo tocá-los, por não terem mãos consagradas para fazê-lo, como é que estas mesmas mãos podem receber o Corpo de Deus vivo?
Porém, hoje, depois do Vaticano II, para justificar a comunhão recebida na mão, é dito que era esse o costume dos primeiros cristãos. O próprio, e insuspeito, Padre Le Brun afirma que "durante os cinco primeiros séculos os padres davam a Eucaristia na mão dos fiéis". Todavia, como veremos, esta não é a verdadeira história, e se, no século V, um Papa afirmou explicitamente que a comunhão deve ser recebida na boca não foi porque antes fosse recebida na mão, mas, sim, por causa dos abusos que, ainda, continuavam a ocorrer em seu tempo, como será também mostrado.
V - O procedimento de exceção na manipulação do Corpo de Deus
De fato, a manipulação do Corpo do Senhor pelos leigos — para seu próprio uso ou para distribuí-lO a outros fiéis (o que não significa necessariamente que estivessem autorizados a distribuir a comunhão na mão desses fiéis) — era um costume que devia ficar restrito a alguns casos especiais, casos de exceção (ver VII – “As exceções”), e isto se aplica tanto aos primeiros tempos do cristianismo como aos tempos atuais. Assim é que o Santo Ofício, em resposta (21 de julho de 1841) a uma consulta, diz: "É unicamente em tempo de perseguição, em caso de real necessidade e se o padre, ministro ordinário do Sacramento, estiver impedido, que os leigos podem manipular a Santa Eucaristia".
VI - Os acontecimentos históricos
Vejamos, então, o que realmente aconteceu, ou seja, qual era a doutrina dos Santos Padres dos primeiros tempos e quais eram os casos de exceção; passemos aos fatos históricos.
São Paulo chama os padres de "ministros do Cristo e dispensadores dos mistérios de Deus" (1Cor.4,1 e 2) e, portanto, cabe a eles a manipulação do Corpo de Deus e a distribuição dos dons consagrados.
Abusos devem ter ocorrido, pois, São Sixto I - Papa de 117 a 126 - julgou necessário lembrar e publicar a norma apostólica, reafirmando que somente os ministros do culto (os padres e seus ajudantes, os diáconos) são aptos a tocar (tangere) os santos mistérios: "hic constituit ut mysteria sacra non tangeretur, nisi a ministris".
São Justino (100-166), por sua vez, na sua Apologia dedicada ao Imperador romano, testemunha esta disciplina primitiva afirmando que são "os diáconos que distribuem a comunhão e levam aos doentes".
E o sábio Tertuliano de Cartago (160-250) diz, também, que o Sacramento da Eucaristia era recebido "somente da mão do padre": "nec de aliorum manu sumimus".
Como os casos em que estava autorizada a manipulação da Santa Eucaristia pelos leigos (ver VII – “As exceções”) continuassem a gerar abusos, Santo Estevão - Papa de 254 a 257 - teve que advertir os leigos, dizendo-lhes que eles não deviam "considerar como suas as funções eclesiásticas"; e, quanto ao clero, Santo Eutiquiano - Papa de 275 a 283 - exortou os padres a manterem a disciplina cumprindo seus deveres, especialmente levando eles mesmos a Comunhão aos doentes: "nullus praesumat tradere Communionem laico vel feminae ad deferendum infirmo" (que ninguém ouse confiar a um leigo ou a uma mulher o cuidado de levar a Comunhão a um doente).
Assim, pelos textos citados, vemos que mesmo em tempo de perseguição, ou seja, mesmo antes da "paz da Igreja", o que ocorreria pouco depois do ano 313, ano do Edito de Milão, não era um costume generalizado os leigos manipularem a Eucaristia para distribuí-la ou consumi-la. Não seriam necessárias todas as advertências dos Santos Padres, acima citadas, sobre quem devia manipular o Corpo de Deus, se os fiéis pudessem tocar habitualmente no Santíssimo Sacramento. Se eles pudessem tocá-lO, poderiam também servir a si mesmos e também (poderiam) distribuir a Comunhão à outras pessoas (o que hoje fazem errada, pois habitualmente, os ministros extraordinários da Eucaristia). Porém, o que de fato se verifica é que, pelo menos desde o Papa São Sixto I, somente aos padres e aos diáconos é permitido manipular e distribuir a Eucaristia e, mais ainda, o diácono devia receber o Santíssimo Sacramento das mãos do padre. Os leigos só podiam tocar na Hóstia consagrada excepcionalmente.
VII - As exceções
É verdade que casos havia em que era permitido aos leigos manipular e distribuir a Comunhão. Os leigos podiam fazê-lo nos chamados casos de necessidade, ou seja, quando não havia sacerdote para se ocupar daqueles deveres; fora dessas circunstâncias, nem os leigos, nem os padres menores, devem ser considerados como ministros da Eucaristia. Eles somente serão chamados a título de ministros extraordinários em casos excepcionais.
Portanto, é verdade que - em tempo de perseguição e, portanto, tempo de exceção - os fiéis leigos foram autorizados a levar para casa o Santo Sacramento, para consumi-lo durante as semanas seguintes ou levá-lo aos doentes, mas era, conforme o caso, ou por causa da ameaça sempre eminente de perseguição ou da distância ou da falta de padres e de diáconos. São Basílio de Cesaréa (329-379), em sua Carta 93, datando aproximadamente de 372, declara que por esses motivos poder-se-ia "receber a Comunhão por meio de sua própria mão". Temos, assim, mais uma confirmação de que, normalmente, o fiel não deve receber a Comunhão de sua própria mão. Podemos concluir, também, que no caso de distribuição autorizada do Corpo de Deus a outros (doentes, por exemplo), isto não significa que a comunhão fosse dada na mão; estando o leigo que a ia receber proibido de tocar no dom consagrado, não é lícito esperar que recebesse o Corpo do Senhor na mão; e se o fizesse não seria em função de uma norma da Igreja, mas de um abuso. Para evitar dúvidas e abusos, os Santos Padres passarão a dizer, explicitamente, que a Santa Comunhão é recebida na boca (ver VIII - "Os tempos normais").
Desde que as circunstâncias permitiram, o costume excepcional mencionado no parágrafo anterior foi-se tornando desnecessário e é certo que esta prática de exceção, como diz o "Dicionário de Arqueologia Cristã e de Liturgia", de Dom H. Leclerq, "caiu em desuso pouco tempo depois da paz da Igreja".
Todavia, o hábito arraigado em alguns leigos fazia com que esses praticassem abusos já em tempos normais, por continuarem levando o pão consagrado para suas casas. Além disso, com a paz e liberdade concedidas à Igreja, as conversões para o Cristianismo se efetuavam em grande escala e de maneira por vezes brusca; conseqüentemente os novos cristãos ainda guardavam consigo traços de sua antiga mentalidade pagã, muito dada à superstição e ao uso de amuletos. Documentos atestam que a partícula sagrada era não raro pendurada ao pescoço dos fiéis, aos leitos, às paredes das casas, aos cofres, como se fora um amuleto, um feitiço dotado de poderes quase mágicos ou um instrumento poderoso contra doenças, desgraças, inimigos, etc.
Então, medidas enérgicas foram tomadas para restabelecer as regras apostólicas.
Para tanto, São Dâmaso I - Papa de 366 a 384 - proibiu aos fiéis terem o Alimento divino em suas residências: "oblationes... sub dominium laicorum deteneri vetat".
No ano 380, o Concílio Regional de Saragoça lança anátemas contra aqueles que insistissem em continuar a tratar o Santo Sacramento da mesma maneira que em tempos de perseguição, e o Concílio Regional de Toledo, no ano 400, insiste na mesma determinação: "Se alguém não consumir realmente a Eucaristia recebida do sacerdote, seja expulso como um sacrílego" (canon 14).
Verifica-se, portanto, que naquele tempo já era claramente distinguida a regra normal, daquilo que tinha sido, por muito tempo, exceção na Igreja.
Além disso, sendo as sanções acima citadas, pelas quais a Igreja protegeu o cumprimento das normas litúrgicas transmitidas pelos Apóstolos, de âmbito específico (regional), pode-se concluir também que esses abusos eram desvios não generalizados.
VIII - Os tempos normais
A paz externa, a expansão da Igreja por todo o Império Romano e o aumento das vocações sacerdotais fizeram com que a manipulação do Santíssimo Sacramento pelos leigos não tivesse mais justificativa.
A) A norma expressa sobre a Comunhão na boca
Se os primeiros Santos Padres se preocuparam em afirmar que cabia aos ministros do culto distribuir a comunhão, a fim de evitar que o Pão da Vida fosse manuseado por qualquer um como um pão comum, agora, no século IV e seguintes, em tempos de normalidade, vamos encontrar os Santos Padres citando explicitamente o costume tradicional de comungar; já haviam desaparecido os motivos que justificavam a manipulação do Corpo do Senhor pelos leigos e, por outro lado, era preciso firmar doutrina para combater os abusos que ainda ocorriam, bem como, também, (combater) a prática herética dos arianos de receber a comunhão na mão.
Assim, São Leão I - Papa de 440 a 461 - diz, explicitamente, que o Sacramento da Eucaristia recebe-se na boca: "hoc enim ore sumitur quod fide tenetur" (os/oris=boca).
Em 536, o Papa Agapito I, tendo se dirigido a Constantinopla, realiza uma cura milagrosa de um surdo mudo, durante a Comunhão, no momento em que lhe punha na boca o Corpo do Senhor: "cunque ei Dominicum corpus mitteret in os", conforme assinalado por São Gregório Magno - Papa de 590 a 604 - e sabemos que o próprio São Gregório I, também, dava a Comunhão na boca aos comungantes, como atesta o seu biógrafo Jean Diacre.
Os únicos que sempre comungaram de pé e com a mão foram, desde o princípio, os arianos, que negavam, obstinadamente, a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e que, por isso mesmo, não viam na Eucaristia senão um símbolo de união que podia ser manipulado à vontade.
Por volta de 650, sob o império de Clóvis II, o Concílio de Rouen estabeleceu, também, regras sobre a distribuição do Sacramento da Comunhão, indicando com muita precisão a atitude conveniente dos fiéis, isto é, a recepção da hóstia unicamente na boca — "Nulli autem laico aut feminae Eucharistiam in manibus ponat, sed tantum in os ejus" (cf. Acta Conciliorum Rothomagense, cap. II, pág. 8).
Apesar do cisma do Oriente já estar se anunciando, entre outras coisas por desvios na Liturgia, o Concílio de Constantinopla (692) proibiu, também, aos fiéis leigos se darem a si próprios a comunhão e ameaça de excomunhão por uma semana aqueles que se atreverem a distribuí-la quando houver um bispo, padre ou diácono na região.
Em 878, mais outro Concílio de Rouen (canon II) volta a lembrar a regra tradicional, o que mostra o aspecto realmente esporádico do abuso da prática de comungar com a mão.
Vê-se bem, face ao exposto, que a Igreja não mudava sua regra original, mas a consolidava, desejando o desaparecimento completo dos abusos, porque sempre foi costume, na Igreja de Deus, os leigos receberem dos padres a Comunhão.
São Tomás de Aquino, o Doutor Comum da Igreja Católica (1225-1274), ensina as razões teológicas que embasam esse costume:
"A distribuição do Corpo de Cristo cabe ao padre por três motivos. Primeiro, porque... é ele que consagra assumindo o lugar de Cristo. Ora, o próprio Cristo distribuiu o seu Corpo durante a Ceia. Portanto, assim (como) a consagração do Corpo de Cristo cabe ao padre, é também a ele que cabe a sua distribuição. Segundo, porque o padre foi instituído intermediário entre Deus e os homens. Por conseguinte, como tal, é ele que deve encaminhar a Deus as oferendas dos fiéis e também levar aos fiéis as dádivas santificadas por Deus. Terceiro, porque, por respeito por este Sacramento, ele não é tocado por nada que não seja consagrado. Por causa disto, o corporal e o cálice são consagrados e igualmente as mãos do padre o são, para tocar este Sacramento. Assim, nenhuma pessoa tem o direito de o tocar, a não ser em casos de necessidade como, por exemplo, se o Sacramento cair no chão, ou casos semelhantes" (Summa, III pars, Qu. 82, art 3).
Em 1551, o Concílio Ecumênico de Trento, também, repetiu o ensinamento tradicional da Igreja por causa dos desvios dos protestantes:
"Na comunhão sacramental sempre foi costume na Igreja de Deus receberem os leigos a comunhão das mãos do sacerdote... . Com razão e justiça se deve conservar este costume como proveniente da Tradição apostólica" (Sessão XIII, de 11-10-1551 – Decreto sobre a Santíssima Eucaristia – capítulo 8).
O Concílio Vaticano II, porém, nada decidiu e decretou sobre a maneira de comungar: se de pé ou de joelhos, se na mão ou se deve o Corpo do Senhor ser depositado pelo padre na língua do comungante.
Foi a Sagrada Congregação dos Ritos que se manifestou sobre o assunto em questão pela Instrução "Memoriale Dómini", redigida "por mandato especial de Paulo VI e por ele mesmo aprovada em razão de sua autoridade apostólica", a 28 de maio de 1969. Esta Instrução, que traz as assinaturas do Cardeal Gut e do Monsenhor A. Bugnini, Prefeito e Secretário daquela Congregação, foi suscitada por solicitações dirigidas à Santa Sé por umas poucas Conferências Episcopais (que já faziam uso da Comunhão na mão, como é dito na própria Instrução, sem qualquer licença para isso). E, em função dessas poucas solicitações, a norma apostólica sobre a comunhão: (I) que deve ser dada pelos ministros do culto, (II) que não deve ser tocada por mãos não consagradas, e (III) que deve por isso mesmo ser recebida na boca, será alterada em 1969.
B) A cronologia das mudanças
Antes de entrar no mérito do conteúdo da "Memoriale Dómini" julgo ser interessante apresentar a cronologia das alterações relativas à Missa e do modo de receber a Comunhão:
[03-04-69] Paulo VI aprova a Constituição "Missale Romanum", reformando o rito da Missa (ainda sem missal).
[06-04-69] A Sagrada Congregação de Ritos promulga o novo Ordo Missae, com sua "Institutio Generalis", que deveria entrar em vigor a 30-11-69.
[28-05-69] Paulo VI aprova a Instrução "Memoriale Dómini", permitindo a comunhão na mão.
[19-06-69] A Congregação para o Culto Divino por carta dirigida ao Presidente da Conferência Episcopal da França autoriza a comunhão na mão, ainda que contrariando a recente "Institutio Generalis" - a "Instrução Geral" do novo Missal - cujo artigo 80 diz que a patena é um dos objetos que se deve preparar para a celebração da Missa e cujo artigo 117 descreve a maneira como se deve efetuar a comunhão: ... O fiel responde: Amém e sustentando a patena debaixo do seu rosto recebe o sacramento .
[23-09-69] Data constante do Livreto "Liturgia da Missa" com a "Tradução Oficial para o Brasil" da Nova Missa, aprovada pela CNBB e pela Sagrada Congregação do Culto Divino.
[20-10-69] Data da Instrução da Congregação para o Culto Divino: "De constitutione missale romanum gradatim ad effectum decudenda" (Instrução sobre a Aplicação Progressiva da Constituição Apostólica "Missale Romanum"), ficando a introdução do Novus Ordo Missae diferida para 28-11-71.
As regras da Nova Missa a respeito do modo de comungar, constantes da Instrução Geral da Constituição "Missale Romanum", estavam, portanto, superadas antes mesmo de terem entrado em vigor e, na prática, uma Instrução vai alterar não só essa Constituição, como, também, indiretamente, aquela que tinha sido aprovada pelo Vaticano II, ou seja, a "Sacrosanctum Concilium" sobre a Sagrada Liturgia. Vejamos, então, a Instrução "Memoriale Dómini".
IX - A "Memoriale Dómini"
Na Instrução "Memoriale Dómini", em sua introdução sobre o valor e o histórico do Sacramento Eucarístico, está dito que, em tempos muitos remotos, nas pequenas comunidades primitivas, a distribuição do Pão da Vida era feita nas mãos dos fiéis.
Contudo, apesar deste início - com o qual não concordo, como se vê pelo exposto acima - é importante transcrever longamente a "Memoriale Dómini", pois este documento mostra e reconhece aquilo que estamos querendo demonstrar, como se vê pelas partes reproduzidas abaixo.
(Nota - Todas as transcrições da Instrução "Memoriale Dómini" que se seguem foram tiradas de artigos de Gustavo Corção, publicados em sua coluna no jornal "O Globo" dos dias 19, 21 e 26 de junho de 1975. Os destaques são, no entanto, todos do autor deste ensaio).
1) Os grandes cuidados que a Santa Igreja sempre teve com relação à Santa Eucaristia.
"As prescrições da Igreja e os textos dos Santos Padres atestam abundantemente o profundíssimo respeito e as grandes precauções que cercavam a Santa Eucaristia. Assim, "que ninguém (...) coma esta Carne se antes a não adorou"; e a quem a come se dirige esta advertência: "...recebe com cuidado de nada perder. É em verdade o Corpo de Cristo".
2) Que sempre foi assegurado o respeito que é devido ao Corpo do Senhor.
"Assim, a função de levar a Santa Eucaristia aos ausentes não tardou a ser exclusivamente confiada aos ministros sagrados, a fim de melhor assegurar o respeito devido ao Corpo de Cristo e também de melhor atender às necessidades dos fiéis".
3) Que o aprofundamento da verdade do mistério eucarístico arraigou o costume de dar a comunhão na língua do comungante.
"Com o tempo, quando a verdade e a eficácia do mistério eucarístico, assim como a presença real do Cristo foram mais aprofundadas, tornou-se mais consciente o respeito devido a esse Santíssimo Sacramento e a humildade com a qual deve ser recebido, estabelecendo-se então o costume pelo qual deveria o próprio ministro colocar a partícula consagrada na língua do comungante".
4) Que a "comunhão na boca" deve ser mantida.
"Levando em conta a situação atual da Igreja no mundo inteiro, esta maneira de distribuir a santa comunhão deve ser conservada, não somente em razão de sua multissecular tradição, mas principalmente porque exprime o respeito dos fiéis em relação à Eucaristia. Este uso, aliás, em nada fere a dignidade pessoal de quem recebe tão alto sacramento, ao contrário favorece a preparação exigida para que o Corpo de Deus seja recebido de maneira frutuosa".
Mas, então, por que um grande número de sacerdotes se nega a dar a comunhão da maneira que, como diz a própria “Memoriale Dómini”, dá mais frutos? Por que querem tornar obrigatória a "comunhão na mão"?
Continuamos, abaixo, com a "Memoriale Dómini".
5) Que a "comunhão na boca" é a maneira tradicional de comungar, que assegura o respeito, o decoro e a dignidade que devem cercar o Corpo do Senhor.
"Esse respeito bem exprime que não se trata de «um pão e uma bebida comuns», mas do Corpo e do Sangue do Senhor, pelo qual o povo de Deus participa dos bens do sacrifício pessoal, re-atualiza a Nova Aliança uma vez por todas selada por Deus com os homens no Sangue de Cristo e na fé e esperança prefigura e antecipa o banquete escatológico no Reino do Pai".
"Além disso, essa maneira de fazer, que já deve ser considerada como tradicional, assegura mais eficazmente o respeito, o decoro e a dignidade com que convém distribuir a Santa Comunhão,...".
6) Que a "comunhão na boca" evita as profanações.
"(com que convém distribuir a Santa Comunhão), garante também o afastamento de qualquer perigo de profanação das espécies eucarísticas, nas quais, ‘de um modo único o Cristo total e inteiro, Deus e homem, se acha presente substancialmente e permanentemente’; e enfim, essa maneira de ministrar o sacramento assegurava (este verbo no passado é uma antecipação do que vem mais adiante) a cuidadosa atenção relativa aos fragmentos sagrados como a Igreja sempre recomendou: ‘considera o que deixaste cair como parte de teus membros que assim te falarão’".
Este final não é um reconhecimento de que a "comunhão na mão" não protege adequadamente as partículas sagradas?
Além disso, como diz Gustavo Corção, já vemos que a Santa Sé parece ter "a firme intenção de reafirmar o desejo de cercar a Santa Eucaristia de todas as garantias e respeitos assegurados pela tradição e não pode ver com simpatias as poucas Conferências Episcopais (ver 7, a seguir) que solicitavam a adoção do rito da ‘comunhão na mão’". Era ainda de se esperar que a Santa Sé fosse contra os abusos que estavam sendo cometidos, pois já estava sendo praticado um rito antes de ter sido obtida a necessária permissão para fazê-lo.
Voltemos, porém, à "Memoriali Dómini".
7) Que a "comunhão na mão" foi pedida por uns poucos e que todos os bispos foram consultados, apesar dos perigos previsíveis, sobre a alteração da verdadeira doutrina.
"Por isso, diante do pedido formulado por um pequeno número de Conferências Episcopais e certos bispos a título individual para que nos seus territórios fosse permitido o uso da comunhão na mão, o Soberano Pontífice decidiu consultar todos os bispos da Igreja latina sobre o que pensam da oportunidade de introduzir esse rito. Com efeito, mudanças introduzidas em matéria tão grave, que se prende à tradição tão antiga e venerável, não somente tocam a disciplina, mas também podem acarretar perigos que, como todos tememos, nasceriam eventualmente desse novo modo de distribuir a santa comunhão, isto é, um respeito menor pelo augusto sacramento do altar, uma profanação desse sacramento ou ainda uma alteração da verdadeira doutrina (sic)".
"Por que, então, pergunta Gustavo Corção, diante de tão evidente desaconselhável alteração pedida por um pequeno número de CNBB's e não justificada por nenhum motivo plausível, a não ser o de contrariar e romper e contrariar a tradição? Não entendemos o acatamento que pode merecer tão insólito pedido depois de tudo o que sabemos e do que acabamos de ler. E quando lemos no próprio documento que os pouco numerosos solicitantes já praticam sem licença aquilo para o que solicitam permissão [ver 9, adiante], ainda menos entendemos o redobrado acatamento que leva o Soberano Pontífice a consultar os bispos do mundo inteiro. Não terão os redatores de tal Instrução da Congregação para o Culto Divino percebido que a insistência de tão desproporcionada consulta viria diminuir a autoridade da secular tradição, a autoridade do Concílio de Trento, do Vaticano I e do Vaticano II, e finalmente a augusta autoridade do sucessor de Pedro - tudo isso para atender a umas poucas agremiações de duvidosíssima catolicidade? Temos a penosa impressão, conclui Corção, de que alguém em Roma tem a esperança de obter um resultado contrário ao que este próprio documento insistentemente ensina".
8) Que o resultado da consulta universal mostrou que a grande maioria dos bispos foi contra a "comunhão na mão", como está dito na própria "Memoriale Dómini".
"Essas respostas mostram, então, que uma forte maioria dos bispos acham que nada deve ser mudado na disciplina atual; e que, tal mudança ofenderia o sentimento e a delicadeza espiritual desses bispos e de numerosos fiéis."
"Assim sendo e levando em conta as observações e conselhos daqueles que ‘o Espírito Santo constituiu administradores para governar’ as Igrejas (Cf. At.20,28), em vista da gravidade do assunto e do valor dos argumentos invocados, o Soberano Pontífice não pensou dever mudar a maneira tradicional de distribuir a santa comunhão aos fiéis."
"Por isso a Santa Sé exorta vivamente os bispos, os padres e os fiéis a respeitar atentamente a lei de sempre que permanece em vigor e que se acha confirmada novamente levando em conta tanto o julgamento emitido pela maioria do episcopado católico, quanto a forma utilizada atualmente na santa liturgia e enfim o bem comum da Igreja."
9) Que, porém, surpreendentemente, a Santa Sé — depois de ter concluído que o respeito ao Santíssimo Sacramento e o bem comum da Igreja exigiam vigorosamente a manutenção do rito tradicional depois do resultado da consulta formulada a todos os bispos e apesar de ter Paulo VI dito que não pensava dever mudar a maneira tradicional de distribuir a comunhão — a Santa Sé (repetimos) autorizou o uso da "comunhão na mão" nos lugares onde tal prática já havia sido introduzida.
"Mas nos lugares onde já foi introduzido um costume diferente - o de depositar a santa comunhão na mão - a Santa Sé, a fim de ajudar as Conferências Episcopais a desempenhar sua tarefa pastoral, tornadas tantas vezes mais difícil nas atuais circunstâncias, confia a essas mesmas Conferências o encargo e o dever de pesar com cuidado as circunstâncias particulares que poderiam existir, sob a condição, no entanto, de afastar qualquer risco de falta de respeito ou de opiniões falsas que poderiam se insinuar nos espíritos em relação à Santíssima Eucaristia e evitar cuidadosamente todos os outros inconvenientes."
.........
"A Santa Sé examinará cada caso atentamente, levando em conta os vínculos existentes entre as diferentes igrejas locais, assim como entre cada uma delas e a Igreja universal a fim de promover o bem comum e a edificação comum para que o exemplo mútuo aumente a fé e a piedade."
Desnecessário será, talvez, dizer que, a partir daí (antes mesmo da entrada em vigor da Nova Missa), este novo procedimento tornou-se universal, utilizado tanto pelas dioceses que já usavam o rito da "comunhão na mão" como também pelas que não o empregavam e, mais ainda, muitos celebrantes se recusam a dar a comunhão segundo a maneira tradicional, tornando assim obrigatório o novo costume, apesar do mesmo permitir a ocorrência de profanações e sacrilégios.
10) Que os bispos, inclusive os que foram contra a "comunhão na mão", tomaram conhecimento da "Memoriale Dómini" por intermédio das Conferências Episcopais.
"Esta instrução redigida por mandato especial do Sumo Pontífice Paulo VI foi aprovada por ele mesmo em virtude de sua autoridade apostólica em 28 de maio de 1969 e ele decidiu que a mesma seja levada ao conhecimento dos bispos por intermédio dos presidentes das Conferências Episcopais. Revogadas todas as disposições em contrário."
Assim sendo, em junho de 1969, logo depois de aprovada a "Memorile Dómini", por carta dirigida ao presidente da Conferência Episcopal da França, a Congregação para o Culto Divino autorizava a "comunhão na mão", naquele país, a discrição de cada bispo.
X - Conclusões
Monsenhor Bugnini, responsável pela reforma litúrgica e pela Nova Missa, estava implantando rapidamente a "comunhão na mão".
Não diz a "Memoriale Dómini" que "o próprio ministro deve colocar a partícula consagrada na língua do comungante"? que "esta maneira de distribuir a santa comunhão deve ser conservada"? que esta é "a lei de sempre que permanece em vigor"?
Via de regra, não é isto o que se vê.
A comunhão na boca é a maneira de distribuir a comunhão que deve ser preservada, como reconheceu a própria "Memoriale Dómini", mas, na prática, a comunhão é, hoje em dia, em quase toda parte e em quase todos os casos, nas Missas ou fora delas, recebida de pé e na mão.Em 1961, o monge progressista Dom Adrien Nocent, na obra em que defendia a implantação de uma nova liturgia, já pedia a adoção desse rito. Paulo VI "não pensou dever mudar a maneira tradicional" de distribuir a santa comunhão, porém, por mandato especial dele, o maçon Monsenhor Bugnini o fez com a ajuda das Conferências Episcopais.
O uso da "comunhão na mão", como diz Gustavo Corção, "hoje mais do que nunca expõe o Santíssimo Sacramento da Eucaristia a inimagináveis profanações, que aliás parecem ser o objetivo, muito logicamente, desejado pelas entidades que querem destruir a Igreja e transformar o Cristianismo num Humanismo, que depressa se tornará desumano e infra-humano”.
Existe, ainda, uma outra razão que também contribuiu para que fosse mudada a maneira tradicional de distribuir a santa comunhão: um desejado falso ecumenismo. Se a Eucaristia é um símbolo materializando a simples lembrança de um acontecimento passado (como querem os protestantes) é inteiramente lógico que haja pouca preocupação com as migalhas que inclusive podem cair no chão (e serem pisadas). Mas se se trata da presença do próprio Deus, de nosso Criador, como o quer a fé da Igreja, como compreender que se admita uma tal prática e até que se a encoraje? A idéia que se esforça por inculcar, assim, com tal procedimento, é uma idéia protestante, contra a qual se rebelam os católicos ainda não contaminados. Para melhor impô-la, os fiéis são obrigados a comungar de pé.
Tanto faz se o que acarretou a mudança da maneira tradicional de comungar foram as atividades maçônicas ou o desejo de implantar uma outra religião, humanista ou protestante, porque o resultado desejado é o mesmo: a destruição da Igreja Católica Tradicional. E é uma destruição realizada dentro da própria Igreja, pois o que se verifica "é a existência de uma Outra Igreja que, com grande parte do clero da Igreja Católica, quer destruí-la em nome da evolução", como bem disse Gustavo Corção.
Os católicos passaram a comungar o Corpo do Senhor de pé e na mão e, conseqüentemente, a devoção para com o Santíssimo Sacramento é afetada. Além da falta de respeito, quando uma patena é utilizada, mesmo se as comunhões são pouco numerosas, nela ficam sempre partículas (as "pérolas"). Por conseguinte, estas partículas ficam agora nas mãos dos fiéis. E ninguém se importa mais. O respeito ao Corpo do Senhor diminui, a fé se abala.
A "comunhão de pé e na mão" é uma manifestação pública de falta de fé na presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo na Eucaristia. "O pão, que Eu darei, é a minha carne, para a vida do mundo" (Jo.6,51), e, por causa da dureza desta linguagem, muitos discípulos, então, na Galiléia, se afastaram de Jesus "e já não andavam mais com Ele" (Jo.6,66); já não eram mais discípulos. Aqueles que, hoje, não reconhecem o Senhor na Hóstia consagrada já estão, também, afastados de Jesus e já não são mais católicos.
O Concílio de Trento definiu dogmaticamente que sem a Fé Católica, "é impossível agradar a Deus."
A Igreja Católica também definiu ex cathedra, que só há uma verdadeira Igreja de Cristo, a Igreja Católica, fora da qual não há nenhuma salvação.
Papa Leão XIII, explicitando o ensinamento sobre este ponto, ensinou:
"Desde que a ninguém é permitido ser negligente no serviço devido a Deus …. somos absolutamente obrigados a adorar Deus da maneira que Ele mesmo mostrou que deseja ser adorado … Não deve ser difícil descobrir qual é a religião verdadeira se esta é procurada com uma mente imparcial e sincera; as provas são abundantes e evidentes …. De todas estas [provas] é evidente que a única religião verdadeira é a estabelecida por Jesus Cristo mesmo, e Ele encarregou à Sua Igreja de proteger e propagar esta fé."
Destas fontes, e de incontáveis outros ensinos do Magistério, está claro que a única religião positivamente desejada por Deus é a religião estabelecida por Cristo mesmo, a Igreja Católica.
Todavia, na Liturgia da Sexta-Feira Santa no Vaticano, em 2002, o Pregador da Casa Pontifícia, o padre Capuchinho Raniero Cantalamessa, disse que as outras religiões " não são meramente toleradas por Deus … mas positivamente desejadas por Ele como uma expressão da riqueza inesgotável da Sua graça e de Seu desejo de que todos sejam salvos."
Isto, em resumo, é apostasia.
São João, o Apóstolo do Amor, disse: "Quem é mentiroso senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Esse é o Anticristo, que nega o Pai e o Filho" (1Jo 2,22). Assim, Islamismo, Judaísmo, Hinduísmo, Budismo e qualquer religião que rejeita o Cristo, de acordo com a Escritura, é uma religião do Anticristo.
A respeito das religiões heréticas, como por exemplo, a "Igreja Ortodoxa" e o Protestantismo, São Paulo ensina-nos que falsos credos são "doutrinas de demônios'' (1Tm 4,1).
Como, então, podem as religiões do Anticristo, e falsos credos de heréticos, que são "doutrinas de demônios", serem consideradas como "não meramente toleradas por Deus mas positivamente desejadas por Ele"? Isto significaria dizer que Deus positivamente deseja a existência de religiões que ensinam que Jesus Cristo não é Deus e o Salvador da humanidade (como fazem as religiões não-cristãs). Significa que Deus positivamente deseja a existência de religiões que, tal como o protestantismo, ensinam que Cristo não estabeleceu a Igreja, não estabeleceu a Sagrada Eucaristia e não estabeleceu os Sacramentos. Também significa que essas seitas protestantes que permanecem no ódio contra a devoção a Bem-Aventurada Mãe de Deus, são positivamente desejadas por Deus. E isto, apesar do fato que Nossa Senhora de Fátima pediu os Cinco Primeiros Sábados de reparação para com as blasfêmias contra seu Imaculado Coração, que são justamente os frutos destas falsas religiões.
Em resumo, o sermão do Pe. Cantalamessa pretende dizer que Deus positivamente quer o erro. Que Deus positivamente quer mentiras. Que Deus positivamente quer o mal.
Nosso Senhor certamente permite o mal, porque não interfere com a vontade livre do homem. Mas é blasfêmia afirmar que Deus deseja algo de mal, visto que Deus não pode desejar senão aquilo que é bom.
Jesus está cheio de orgulho?
As blasfêmias do Pe. Cantalamessa não terminam aqui. Ele também afirma que Deus é "humilde ao salvar", e a Igreja deve seguir o exemplo. "Cristo é mais preocupado com que todas as pessoas sejam salvas do que com o fato de que elas devam conhecer quem é seu Salvador”. Disse isso para um grande público na Basílica de São Pedro, que incluiu o Papa João Paulo II e altos oficiais do Vaticano.
Pode soar doce o que ele disse, mas o Pe. Cantalamessa indiretamente acusa Jesus Cristo de orgulho. Quando diz, "Cristo é mais preocupado com que todas as pessoas sejam salvas do que com o fato de que elas devam conhecer quem é seu Salvador”, este é um “piedoso” desprezo ao ensinamento pré-Vaticano II de 2000 anos que assegura ser necessário para a alma, conhecer, amar e servir Cristo neste mundo, se deseja ser feliz com Ele eternamente no próximo. O Pe. Cantalamessa assim defende o ensino heterodoxo [e herético] do Pe. Karl Rahner dos “cristãos anônimos”.
De fato, somente há 50 anos atrás, se um estudante de sete anos de idade, expressasse esta nova doutrina do Pe. Cantalamessa, ele teria sido considerado inadequado para receber sua primeira Sagrada Comunhão. Agora, 40 anos dentro da "nova Primavera” de Vaticano II, esta apostasia é pregada em uma Sexta-Feira Santa no Vaticano pelo pregador da Casa Pontifícia.
Este episódio também revela uma das muitas desvantagens da Internet. As notícias da homilia do Pe. Cantalamessa foram transmitidas ao redor do mundo via Internet a milhares de católicos que, de outro modo, nunca teriam ouvido falar dela. O resultado é que muitos católicos receberam as palavras do Capuchinho transmitidas em São Pedro supondo que, de alguma maneira, elas se aproximam do nível de Ensino do Magistério. Isto não é verdade. O discurso do Pe. Cantalamessa na Sexta-Feira Santa é simplesmente outra homilia cheia de erros feita por um carismático. E nada mais do que isso.
O Pregador Pentecostal do Papa.
Quem é o Pe. Raniero Cantalamessa?
Para descobrimos sua história, nós devemos voltar ao ano de 1977, na Conferência Carismática pan-denominacional, realizada em um estádio de futebol americano na cidade do Kansas, Missouri. Esta Conferência foi assistida por 50.000 pessoas de pelo menos 10 denominações diferentes incluindo batistas, católicos, Episcopalianos, Luteranos, judeus Messiânicos, "cristãos" sem denominação, Pentecostais e Metodistas Unidos.
Em certo ponto da mesma, em que o protestante Bob Mumford pregava aos 50.000 presentes, Mumford levantou para cima sua Bíblia e disse, "E se você der uma espiada no fim do livro, Jesus vence!" Isto fez a multidão entrar em pandemônio. O estádio de futebol inteiro repentinamente estourou numa longa aclamação, num "louvor-frenesi", que durou aproximadamente 17 minutos.
Os carismáticos chamam isto de "o Impacto do Espírito Santo". Interpretam este entusiasmo natural, essa exacerbação de ânimo, como o Espírito Santo “movendo-se através da multidão”, unindo a multidão (contendo católicos e membros de várias denominações), e inspirando este júbilo delirante. Isto, de acordo com eles, é a "derrubada das barreiras denominacionais”, que é, segundo eles, positivamente desejada pelo Espírito Santo, mesmo que isto desafie 2000 anos do ensinamento católico sobre uma Única e Verdadeira Igreja de Cristo. Também desafia o ensino tradicional católico que proíbe católicos de empenharem-se em positiva camaradagem religiosa com falsas religiões.
Apesar disso, na Conferência da Cidade do Kansas, lá estava um sacerdote Capuchinho chamado Pe. Raniero Cantalamessa que tinha ido de Milão para aquele lugar, investigar o Movimento Carismático. Ficou tão impressionado com aquele louvor-frenesi baseado numa algazarra barulhenta, que ele próprio se tornou, na gíria carismática, um "ungido pregador da Renovação Carismática."
Em 1980, este mesmo Pe. Cantalamessa foi designado pelo Papa João Paulo II como Pregador da Casa Pontifícia. Agora, para este "ungido pregador", é dado um púlpito na Basílica de São Pedro, em uma Sexta-Feira Santa, para contar ao mundo que Deus O protestante Bob Mumford foi convidado para falar aos “católicos” carismáticos. Que "espírito" ele está transmitindo? positivamente deseja falsas religiões.
Não é de estranhar que outro teólogo papal, Cardeal Luigi Ciappi, que teve acesso ao Terceiro Segredo de Fátima de forma completa, disse "No Terceiro Segredo é revelado, entre outras coisas, que a grande apostasia na Igreja começará pelo topo."
O erro não é um dom do Espírito Santo
O sermão da Sexta-Feira Santa do Pe. Cantalamessa é uma de muitas poderosas demonstrações de que o Movimento Carismático não é verdadeiramente de Deus. Os carismáticos reivindicam, diretamente ou indiretamente, que eles têm uma “linha quente” especial (hotline) para o Espírito Santo, que outros cristãos não possuem. Proclamam especialmente serem cheios do Espírito! Mas se um católico "é cheio do Espírito", deve ser evidente por suas palavras e ações que ele está cheio com os Sete Dons do Espírito Santo.
Um dos Sete Dons do Espírito Santo é o Dom de Inteligência, que dá um entendimento mais profundo para a alma, das verdades reveladas. O Pe. Adolph Tanquerey define-o como "um dom que, sob a iluminadora ação do Espírito Santo, dá-nos uma percepção profunda das verdades reveladas, sem entretanto nos dar uma compreensão dos mistérios em si mesmos.”
O efeito do Dom de Inteligência é que nos capacita a penetrar no núcleo mesmo das verdades reveladas e nos dá uma profunda compreensão delas. Contudo, dos carismáticos, que continuamente vangloriam-se de "serem cheios até o transbordamento com o Espírito," constantemente jorram erros religiosos
. Longe de possuírem o Dom de Inteligência, eles demonstram desconhecerem até as verdades mais fundamentais e básicas da Fé católica.
De fato, como se pode ver em meu livro Close-ups of the Charismatic Movement, o movimento Carismático na Igreja Católica foi fundado, como um todo, num objetivo pecado mortal contra a Fé.
Em 1967, um grupo de católicos em Pittsburgh participaram de uma reunião pentecostal protestante. Os protestantes, que como membros de uma religião herética não possuem nenhum poder sacramental, impuseram suas mãos sobre os católicos. Estes católicos começaram a tagarelar em "línguas" e proclamaram estarem "cheios com o Espírito até o transbordamento”, como um resultado disso.
As ações destes católicos desobedeceram ao Código de Direito Canônico de 1917, que estava em força (vigente) até 1983. O cânone 1258 determina que "absolutamente não é lícito para o fiel estar ativamente presente e nem tomar parte em cerimônias não-católicas". Contudo, de acordo com os carismáticos, os católicos serão recompensados com um influxo especial do Espírito Santo se eles transgredirem a lei da Igreja.
Além disso, procurando santidade de membros de seitas não-católicas, desafiam o ensino Católico de que nenhuma salvação nem santidade é achada em religiões não-católicas. O Papa Pio XII reafirmou esta doutrina dentro do contexto de uma oração a Santíssima Virgem:
“Ó Maria, Mãe de Misericórdia e Sede da Sabedoria! Ilumine as mentes envolvidas na escuridão da ignorância e do pecado, para que eles possam claramente reconhecer a Santa, Católica, Apostólica, Igreja Romana, como a Única e Verdadeira Igreja de Jesus Cristo, fora da qual nem santidade nem salvação podem ser encontradas" (RAC: 626,11).
Por contraste, o "Pentecostalismo Católico”, nas palavras de seu estimado pregador, proclama que religiões não-católicas nas quais "nem santidade nem salvação podem ser encontradas", são positivamente desejadas por Deus.
Aqui nós vemos uma, das muitas maneiras nas quais o "Pentecostalismo Católico" conduz a apostasia.
O CONCEITO DE LIBERDADE RELIGIOSA
NA "DIGNITATIS HUMANAE"
DO CONCÍLIO VATICANO II
Antônio de Castro Mayer
Bispo de Campos
Em matéria de liberdade religiosa na ordem civil, três pontos capitais, entre outros, são absolutamente claros na tradição católica:
1. Ninguém pode ser obrigado pela força a abraçar a fé;
2. O erro não tem direitos;
3. O culto público das religiões falsas pode, eventualmente, ser tolerado pelos poderes civis, em vista de um maior bem a obter, ou de um maior mal a evitar, mas de si deve ser reprimido, mesmo pela força, se necessário.
É o que se depreende, por exemplo, dos seguintes documentos:
Simpósio Teológico Internacional
Instituto Universitário São Pio X - Paris
4 a 6 de Outubro de 2002
Em uma conjuntura tão perigosa, será ainda possível ao simples fiel, ao modesto padre do campo ou da cidade, ao religioso que se sente cada dia mais isolado dentro de sua ordem; será possível à religiosa que se pergunta se ela não foi mistificada em nome da obediência; será possível a todas estas ovelhinhas do imenso rebanho de Jesus Cristo e de seu vigário não perderem a cabeça, resistirem a um imenso aparelho que os induz, progressivamente, a mudar de fé, mudar de culto, mudar de hábito religioso e de vida religiosa, em uma palavra mudar de religião?
Gostaríamos de repetir para nós mesmos com toda a doçura e acerto as palavras de verdade, as palavras simples da doutrina sobrenatural aprendidas no catecismo, que não agravassem o mal mas antes nos persuadissem profundamente, pelo ensinamento da Revelação, de que Roma, um dia, será curada; de que a Igreja que vemos, em breve perderá sua aparência de autoridade. Logo essa igreja se transformará em poeira, pois sua principal força vem de sua mentira intrínseca que passa por verdade, sem nunca ter sido efetivamente desmentida de cima. Gostaríamos, no meio de tão grande catástrofe, de nos dizer palavras que não estivessem muito defasadas com o misterioso discurso, sem ruído de palavras, que o Espírito Santo murmura no coração da Igreja.
1 —Mas por onde começar? Sem dúvida pela lembrança da verdade primeira que diz respeito ao senhorio de Jesus Cristo sobre sua Igreja. Ele quis uma Igreja que tivesse à frente o bispo de Roma, que é seu vigário visível e, ao mesmo tempo, bispo dos bispos e de todo o rebanho. Conferiu-lhe a prerrogativa da pedra a fim de que o edifício não ruísse nunca. Pediu, em uma oração eficaz, que seu vigário, ao menos, entre todos os bispos, não naufragasse na fé de sorte que, tendo-se recuperado depois de quedas das quais não seria necessariamente preservado, confirmasse por fim seus irmãos na fé; ou então, se não for ele em pessoa que fortaleça seus irmãos na fé, que seja um de seus primeiros sucessores.
Tal é sem dúvida o primeiro pensamento de conforto que o Espírito Santo sugere a nossos corações nestes dias desolados em que Roma está parcialmente invadida pelas trevas: não há Igreja sem vigário do Cristo infalível e detentor da primazia. Por outro lado, quaisquer que sejam as misérias, mesmo no domínio religioso, deste vigário visível e temporário de Jesus Cristo, é o próprio Jesus quem governa sua Igreja, que governa seu vigário no governo da Igreja; que governa seu vigário de tal maneira que este não possa comprometer sua autoridade suprema nas desordens ou cumplicidade que mudariam a religião. — Até aí se estende, em virtude da Paixão soberanamente eficaz, a força divina da regência do Cristo subido ao céu. Ele conduz sua Igreja tanto de dentro como de fora e domina sobre o mundo inimigo. Faz sentir seu poder a este mundo perverso, mesmo e sobretudo quando os operários da iniqüidade, como o modernismo, não somente penetram na Igreja, mas pretendem se fazer passar pela própria Igreja.
Pois a astúcia do modernismo se desdobra em dois tempos: primeiro promovendo a confusão entre as autoridades paralelas heréticas com a hierarquia regular, da qual puxa os fios; em seguida servindo-se de uma dita pastoral universalmente reformadora que cala ou que esquerdiza, por sistema, a verdade doutrinal; que recusa os sacramentos ou que torna seus ritos duvidosos. A grande habilidade do modernismo é utilizar esta pastoral do Inferno para, ao mesmo tempo, deturpar a doutrina santa confiada pelo Verbo de Deus à sua Igreja hierárquica, e depois alterar e mesmo anular os sinais sagrados portadores de graças, dos quais a Igreja é a dispensadora fiel.
O Chefe da Igreja é sempre infalível, sempre sem pecado, sempre santo, ignorando qualquer intermitência e qualquer interrupção em sua obra de santificação. Este é o único Chefe, pois todos os outros, incluindo o mais elevado, só detêm a autoridade por ele e para ele. Ora este Chefe santo e sem mancha, absolutamente apartado dos pecadores, elevado acima dos céus, não é o papa, é aquele do qual nos fala magnificamente a Epístola aos Hebreus, é o Soberano Padre: Jesus Cristo. Jesus nosso redentor pela cruz, antes de subir aos céus, de se tornar invisível a nossos olhos, quis estabelecer em sua Igreja, além e acima dos numerosos ministros particulares, um ministro universal único, um vigário visível, que é o único a exercer a jurisdição suprema. Ele o cumulou de prerrogativas: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do Inferno não prevalecerão sobre ela”. (Mat. XVI, 18-19) — “Sim, Senhor, sabeis que vos amo. Jesus lhe diz: “Apascenta meus cordeiros... Apascenta minhas ovelhas”. (Jo., XXI, 16-18) Pedi por ti a fim de que não percas a fé, e tu, uma vez convertido, confirma teus irmãos”. (Luc., XXII, 32).
Ora, se o papa é o vigário visível de Jesus que subiu ao céu invisível, não é nada mais do que o vigário: “vices gerens” aquele que substitui, mas continua outro. Não é do papa que deriva a graça que faz viver o corpo místico. A graça, tanto para o papa como para nós, deriva do único Senhor Jesus Cristo. A mesma coisa quanto à luz da revelação. O papa detém, a título único, a guarda dos meios da graça, os sete sacramentos, como também a verdade revelada. É assistido de modo único, para ser o guardião e intendente fiel. Mas, para que sua autoridade receba uma assistência privilegiada, é preciso que ele não renuncie a exercê-la ... Por outro lado, se o papa está preservado de falha quando empenha sua autoridade enquanto infalível, pode muito bem falhar em outros casos. Se o papa falha, bem entendido no que comporta sua falibilidade, isto não impede o chefe único da Igreja, o Soberano Padre invisível, de continuar a governar sua Igreja; isto não muda nem a eficácia de sua graça, nem a verdade de sua lei; isto não o tornará impotente para limitar as falhas de seu vigário visível nem para substituí-lo logo por um novo e digno papa, para reparar o que o predecessor deixou estragar ou destruiu, pois a duração da insuficiência e das fraquezas, e mesmo das traições parciais de um papa, não ultrapassam a duração de sua existência mortal. Desde que subiu ao céu, foi assim que Jesus escolheu e providenciou duzentos e sessenta e três papas. Na verdade, somente um pequeno número deles foram vigários de tal forma fiéis que os invocamos como amigos de Deus e santos intercessores. Um número ainda mais reduzido caiu em faltas muito graves. No entanto, a maioria dos vigários de Cristo foram apenas convenientes. Nenhum deles, continuando ainda papa, traiu e não poderá trair até a heresia, explicitamente ensinada com a plenitude de sua autoridade. Sendo esta a situação de cada papa e da sucessão de papas em relação ao Soberano Padre Jesus Cristo, em relação ao chefe da Igreja que reina no céu, é preciso que as fraquezas de um papa não nos façam esquecer, por pouco que seja, a solidez e a santidade do senhorio de nosso Salvador, impedindo-nos de ver o poder de Jesus e sua sabedoria a qual mantém nas suas mãos até os papas insuficientes, cujas insuficiências contém em limites que não se pode transpor.
2 — Mas para ter esta confiança no chefe invisível e soberano da santa Igreja, sem obrigar-nos a negar as faltas graves das quais não está isento seu vigário visível, o bispo de Roma; para pôr em Jesus esta confiança realista que não esconde o mistério do sucessor de Pedro com seus privilégios; para que o desânimo que pode nos sobrevir, provocado pelo detentor do papado, seja absorvido pela esperança teologal que colocamos no Soberano Padre, é preciso, evidentemente, que nossa vida interior seja toda referida a Jesus Cristo e não ao papa; que nossa vida interior seja baseada não na hierarquia e no papa, mas no Pontífice divino, neste padre que é o Verbo encarnado Redentor, cujo vigário visível dele depende ainda mais do que os outros padres; com efeito, o papa é sustentado pela mão de Jesus Cristo mais do que os outros, em vista de uma função que não tem equivalente. Mais do que qualquer outro, a título superior e único, ele não poderá deixar de confirmar seus irmãos na fé, ele mesmo ou seu sucessor.
A Igreja não é o corpo místico do papa; a Igreja, com o papa, é o corpo místico de Cristo. Quando a vida interior dos cristãos tem, cada vez mais, como ponto de referência Jesus Cristo, tais cristãos não ficam desesperados, mesmo que sofram até a agonia com as falhas de um papa, seja este Honório I ou os papas antagonistas do fim da Idade Média ou ainda, como extremo limite, um papa que fraqueje segundo as novas possibilidades de falhas oferecidas pelo modernismo. Para continuarem certo das prerrogativas papais, os cristãos não têm necessidade de mentir sobre as falhas de um papa, se tiverem em Jesus Cristo o princípio e a alma da vida interior. Sabem que estas falhas nunca atingirão a um tal grau que Jesus deixasse de governar sua Igreja por estar eficazmente impedido por seu vigário. Tal papa poderia se aproximar do ponto limite que implicaria em mudar a religião cristã, por cegueira ou por espírito de quimera ou por uma ilusão mortal quanto a uma heresia como o modernismo. O papa que a isto chegasse não tiraria do Senhor Jesus sua regência infalível que tem na mão o próprio papa transviado, impedindo-o de comprometer na perversão da fé, a autoridade que recebeu do alto.
Uma vida interior que tem como referencial Jesus Cristo e não o papa não poderia excluir o papa sem deixar de ser uma vida interior cristã. Uma vida interior que tem, como deve, sua referência no Senhor Jesus inclui o Vigário de Jesus Cristo e a obediência a esse Vigário, mas em primeiro lugar, servir a Deus: quer dizer que esta obediência, longe de ser incondicional, é sempre praticada na luz da fé teologal e da lei natural.
Vivemos por e para Jesus Cristo, graças a sua Igreja, que é governada pelo papa, a quem obedecemos em tudo o que é de sua competência. Não vivemos pelo e para o papa como se tivesse sido ele que nos adquiriu a redenção eterna; eis porque a obediência cristã não pode sempre e em tudo identificar o papa com Jesus Cristo. O que geralmente acontece é que o Vigário de Cristo costuma governar em conformidade com a tradição apostólica, o bastante para não provocar, na consciência dos fiéis dóceis, maiores conflitos. Mas algumas vezes pode ser de outro modo. Ainda que excepcionalmente, pode acontecer que o fiel tenha de se perguntar legitimamente: como guardarei a Tradição se seguir as diretivas deste papa?
A vida interior de um filho da Igreja que ponha de lado os artigos de fé relativos ao papa, a obediência a suas ordens legítimas e a oração por ele, tal vida interior deixa de ser católica. Por outro lado, uma vida interior que inclui ser agradável ao papa incondicionalmente, quer dizer, às cegas, em tudo e por tudo, é uma vida interior que está necessariamente entregue ao respeito humano, que não é livre em relação à criatura, que se expõe a facilidades e cumplicidades. Na sua vida interior, o verdadeiro filho da Igreja, tendo recebido de todo coração os artigos de fé que se referem ao Vigário de Cristo, reza fielmente por ele e lhe obedece de bom grado, mas somente às claras, isto é, estando salva e intacta a tradição apostólica e, bem entendido, a lei natural. — É verdade que muitas vezes pregou-se um tipo de obediência em relação ao papa em que se visava mais o sucesso de movimentos de conjunto do que a fidelidade à luz da fé, ainda que tivesse havido resultados espetaculares. Sem dúvida não estava ausente de tal pregação o cuidado de guardar a tradição apostólica e a fidelidade a Jesus Cristo, mas mais importante, mais altivo, mais urgente, era, apesar de tudo, dar satisfação a um homem, atrair-lhe os favores; muitas vezes fazer carreira, preparar a cabeça para o chapéu cardinalício ou dar brilho a sua Ordem ou Congregação. Mas nem Deus nem o serviço do papa têm necessidade de nossa mentira: Deus non eget nostro mendacio.
Lembremo-nos da grande prece do início do Cânon romano, este Cânon que Paulo VI não hesitou em aviltar, pondo-o no nível das preces polivalentes acomodadas às ceias calvinistas. (Equiparar deste modo o Cânon romano não tem o menor fundamento na tradição apostólica e se opõe de frente a esta tradição imprescritível). Assim o padre, no Cânon romano, depois de ter instantemente suplicado ao Pai clementíssimo por seu Filho Jesus Cristo, para santificar o sacrifício sem mancha oferecido unicamente pro Ecclesia tua santa catholica... continua assim: una cum famulo tuo Papa nostro... et Antistite nostro... A Igreja nunca pensou em dizer: una cum SANCTO famulo tuo Papa nostro et SANCTO Antistite nostro, mas diz: pro Ecclesia tua SANCTA. O papa, diferentemente da Igreja, não é obrigatoriamente santo. A Igreja é santa, com membros pecadores, que somos nós mesmos; membros pecadores que não tendem ou não tendem mais para a santidade. Pode muito bem acontecer que o próprio papa figure nesta triste categoria. Deus o sabe. Em todo o caso, já que a condição de chefe da Santa Igreja não é necessariamente a condição de um santo, não devemos nos escandalizar se sobrevierem provações, e às vezes provações muito cruéis para a Igreja, da parte de seu chefe visível. Não devemos nos escandalizar pelo fato de que, sujeitos embora ao papa, não possamos segui-lo às cegas, incondicionalmente, em tudo e por tudo. Na medida em que a nossa vida interior tiver como referência o chefe invisível da Igreja, o Senhor Jesus, soberano Padre; na medida em que nossa vida interior for alimentada com a tradição apostólica, com os dogmas, o missal e o ritual da tradição, com a tendência para o perfeito amor que é a alma desta tradição santíssima, nesta medida nós aceitaremos muito melhor ter de santificar-nos dentro de uma Igreja militante cujo chefe visível, se está preservado de errar segundo certos limites precisos, não está, no entanto, subtraído à condição comum de pecador.
3 — O Senhor governa de tal maneira sua Igreja pelo papa e a hierarquia, pela hierarquia submetida ao papa, que a Igreja é sempre protegida na tradição, conhecendo bem a tradição que é a sua, nunca inconsciente nem esquecediça. A Igreja é assistida de tal sorte sobre as verdades do catecismo, sobre a celebração do santo sacrifício e sobre os sacramentos, sobre a estrutura hierárquica fundamental, sobre os estados de vida e sobre o chamado ao perfeito amor, em suma, sobre todos os pontos maiores da tradição, que todo batizado, tendo a fé, seja bispo, papa ou simples fiel, sabe claramente onde se firmar. Assim, o simples cristão que se recusasse a seguir um padre, um bispo, uma colegialidade, ou mesmo um papa em algum ponto importante da tradição que estes arruinariam, este simples cristão que, nesse caso específico se recusasse a deixar-se levar e a obedecer, não estaria dando com isso, como alguns pretendem, sinais característicos de livre-exame ou orgulho de espírito; pois não é orgulho nem prova de insubmissão discernir a tradição que estes em seus pontos maiores, ou recusar a traí-la. Todo fiel sabe que é inadmissível que padres católicos celebrem a Missa manifestando falta de fé, como, por exemplo, sem marca alguma de adoração ou qualquer sinal de fé nos santos mistérios, ainda que a colegialidade de bispos ou o secretário de alguma congregação romana tenha feito manipulações para esse fim. Aquele que recusa ir a tal Missa, ou melhor, a tal culto que, na maior parte das vezes já deixou de ser Missa, não faz um livre-exame, não é um revoltado; é um fiel estabelecido em uma tradição que vem dos apóstolos e que ninguém na Igreja poderia mudar. Porque ninguém na Igreja, seja qual for a sua posição hierárquica, mesmo a mais alta, ninguém tem o poder de mudar a Igreja e a tradição apostólica.
Sei que muitas vezes, dá a impressão de ser farsante ou maníaco o padre que, não tendo adotado a reviravolta do missal e do ritual empreendida pelo atual pontífice romano (Paulo VI), ousa no entanto afirmar: estou com Roma, mantenho-me na tradição apostólica guardada por Roma. — Está com Roma, dizem-me alguns: ora veja! Mas qual é seu modo de batizar, de dizer a Missa? — O modo, digo-lhes, do próprio Paulo VI, até 1970; a maneira mais do que milenar sancionada pelo papas da Igreja Latina. Faço aquilo que eles fizeram unanimemente, quando mantenho os exorcismo do batismo solene; quando ofereço o santo sacrifício segundo um Ordo Missæ consagrado por quinze séculos e que nunca foi aceito pelos negadores do santo sacrifício. Se nós, enfim, ministros de Jesus Cristo que tratamos assim a Missa e os sacramentos, rompemos com Roma e com a tradição da qual Roma é a garantia, por que não fomos atingidos por sanções canônicas cujo cancelamento estivesse exclusivamente reservado ao vigário de Cristo? Escrevo isto porque é verdadeiro e porque espero confortar alguns fiéis que não chegam a compreender esta contradição evidente: estar com Roma seria adotar em matéria de fé ou de sacramento aquilo que destrói a tradição apostólica e aquilo em que ninguém pode precisar até que ponto o atual pontífice romano (Paulo VI) pretendeu comprometer sua autoridade? (Assim também, depois de 10 anos de Vaticano II, ninguém sabe até que ponto este concílio pastoral tem autoridade). Ainda uma vez a tradição apostólica é bem clara sobre todos os pontos principais. Não é preciso olhar por uma lupa nem ser cardeal ou prefeito de algum discatério romano para saber o que se lhe opõe. Basta ter aprendido o catecismo e a liturgia, anteriormente à corrupção modernista.
Muitas vezes, no que se refere a não romper com Roma, os fiéis e padres foram formados com um temor em parte mundano, de sorte que são tomados de pânico, vacilam em suas consciências e nada mais examinam assim que qualquer um acusa-os de não estar com Roma. Uma formação verdadeiramente cristã nos ensina, ao contrário, a preocuparmo-nos de estar com Roma não no pavor e sem discernimento, mas na luz e na paz, segundo um temor filial na fé.
4 — Que nos importa se os adversários zombam de nós, acusando-nos de não sabermos distinguir na tradição uma parte contingente e variável do que é essencial e irreformável? Suas zombarias só poderiam nos atingir se caíssemos no ridículo de darmos o mesmo valor a tudo o que pretenda fazer parte da tradição. Não é assim. Dizemos somente, e isto é a única coisa que nos importa, que, primeiramente, nos pontos principais da tradição, a Igreja é estável, certa, irreformável; depois, que todo cristão, ainda que só um pouco instruído em sua fé, conhece-os sem hesitar; terceiro, que é a fé, não o livre-exame, que nos permite discerni-los, assim como é a obediência, a piedade, o amor, não a insubordinação, que nos faz manter esta tradição; quarto, que as tentativas da hierarquia ou as fraquezas do papa que tenderam para destruir ou deixar destruir esta tradição, elas é que serão um dia destruídas, enquanto que a tradição triunfará. Estamos tranqüilos sobre este ponto: quaisquer que sejam as armas hipócritas postas pelo modernismo entre as mãos dos colegiados episcopais e do próprio vigário do Cristo, — armas do Inferno sobre as quais talvez se iludam — qualquer que seja a perfeição destas novas armas, a tradição (por exemplo, do batismo solene que inclui os anátemas contra o Diabo maldito) não ficará afastada por muito tempo; a tradição de não absolver em princípio os pecados senão depois da confissão individual não ficará abandonada por muito tempo; a tradição da Missa católica tradicional, latina gregoriana, com língua, cânon e conjunto de atitudes que sejam fiéis ao missal romano de São Pio V, esta tradição será, cedo, recolocada em posição de honra; a tradição do catecismo de Trento, ou de um manual que lhe seja exatamente conforme, ressurgirá sem tardar. Sobre os pontos principais do dogma, da moral, dos sacramentos, dos estados de vida, da perfeição a que somos chamados, a tradição da Igreja é conhecida por seus membros de todos os níveis. Aí se manterão eles (com a consciência tranqüila) mesmo se os guardiães hierárquicos desta tradição pretenderem intimidá-los ou lançá-los na dúvida; mesmo se os perseguirem com os ácidos refinamentos dos carrascos modernistas. Estão seguríssimos de que, mantendo a tradição, não cortam com o vigário visível de Cristo. Porque o vigário visível de Cristo é governado pelo Cristo de tal maneira que não possa transmutar a tradição da Igreja, nem fazê-la esquecer. Se por infelicidade tentar o contrário, ele mesmo ou seus sucessores imediatos serão obrigados a proclamar, alto e bom som, o que permanece para sempre vivo na memória da Igreja: a tradição apostólica. A Esposa de Cristo não corre o risco de perder a memória.
Quanto aos que dizem, a esse respeito, que tradição é sinônimo de esclerose, ou que o progresso se faz em oposição à tradição, em resumo, todos os que levam ao delírio, as miragens de uma absurda filosofia da evolução, recomendo-lhes ler São Vicente de Lerins no seu Commonitorium e estudar um pouco mais a história da Igreja: dogmas, sacramentos, estruturas fundamentais, vida espiritual, para entrever a diferença essencial que existe entre: “seguir em frente” e “andar enviezado”, ter “idéias avançadas” ou “avançar segundo idéias justas”; resumindo: distinguir entre profectus e permutatio.
5 — Mais do que em tempo de paz, tornou-se útil e salutar meditar com espírito de fé sobre as provações da Igreja. Seríamos talvez tentados a reduzir estas provações às perseguições e ataques vindo do exterior. Ora, os inimigos do interior são geralmente mais temíveis; conhecem melhor os pontos vulneráveis, podem ferir ou envenenar quando menos se espera, o escândalo que provocam é bem mais difícil de vencer. Assim, em uma paróquia, um educador anti-religioso, por mais que faça, não conseguirá estragar o povo fiel tão profundamente quanto um padre gozador e modernista. Assim como um simples padre que deixa a batina, ainda que com escândalo, não terá conseqüências tão funestas quanto a incúria ou a traição de um bispo.
De qualquer maneira, é certo que se um bispo trai a fé católica, mesmo sem deixar a batina, impõe à Igreja uma provação muito mais acabrunhadora do que um padre que toma uma mulher e que deixa de oferecer a santa Missa. — Depois disto, é preciso explicar que espécie de provação pode sofrer a Igreja de Jesus Cristo por obra do próprio papa, pelo vigário de Cristo em pessoa? A simples formulação desta pergunta, muitos escondem o rosto e não estão longe de gritar que é blasfêmia. Este pensamento os tortura. Recusam-se a olhar de frente uma provação de tal gravidade. Compreendo seus sentimentos. Não ignoro que uma espécie de vertigem se apodera da alma quanto esta é posta diante de certas iniqüidades. Sinite usque huc (Luc. XX, 51) dizia Jesus agonizante aos três Apóstolos, quando avançava a soldadesca do grande sacerdote aos que vinha para prender Jesus, arrastá-lo ao tribunal e à morte. Ele que é o Padre soberano e eterno. Sinite usque huc; é como se o Senhor dissesse: o escândalo pode atingir até aqui; mas deixai; e segundo minha recomendação: VIGIAI E ORAI POIS O ESPÍRITO ESTÁ PRONTO MAS A CARNE É FRACA. Sinite usque huc: pelo consentimento em beber do cálice Eu vos mereci todas as graças, enquanto vós dormíeis e me deixastes só; obtive particularmente uma graça de força sobrenatural na medida de todas as provas; na medida até mesmo da provação que pode sobrevir à santa Igreja por obra do papa. Tornei-vos capazes de escapar a esta própria vertigem.
A respeito desta provação extraordinária há o que diz a História de Igreja e o que não diz a revelação sobre a Igreja. Pois a revelação sobre a Igreja não diz em parte alguma que os papas não pecarão nunca por negligência, covardia, espírito mundano na guarda e na defesa da tradição apostólica. Sabemos que não pecarão nunca fazendo crer diretamente em uma outra religião: este é o pecado que estão preservados pela natureza de seu cargo. E quando empenham sua autoridade dotada de infalibilidade é o próprio Cristo que nos falará e nos instruirá: este é o privilégio de que são revestidos no momento em que se tornam sucessores de Pedro. Mas se a revelação nos afirma estas prerrogativas do papado não diz em parte alguma que, quando o papa exerce sua autoridade num nível abaixo daquele em que é infalível, ele não poderá fazer o jogo de Satã e favorecer até certo ponto a heresia; também, não está escrito nas Santas Cartas que além de não poder ensinar formalmente uma outra religião, o papa nunca poderá deixar sabotar as condições indispensáveis à defesa da verdadeira religião. Uma tal defecção chega a ser consideravelmente favorecida pelo modernismo.
Assim, a revelação sobre o papa não assegura em parte alguma que o vigário de Cristo não infligirá nunca à Igreja a provação de certos escândalos graves; falo de escândalos graves não só na ordem dos costumes privados, mas também na ordem propriamente religiosa e, se se pode assim dizer, na ordem eclesial da fé e dos costumes. De fato, a história da Igreja nos relata que este gênero de provação vinda por obra do papa não faltou à Igreja, ainda que tenha sido rara e nunca tenha se prolongado em estado agudo. O contrário é que seria surpreendente, quando se constata o pequeno número de papas canonizados depois de Gregório VII, o pequeno número de vigários de Cristo que são invocados e venerados como amigos de Deus, santos de Deus. E o mais surpreendente é que papas que suportaram tormentos cruéis, por exemplo um Pio VI ou um Pio VII, não tenham sido tidos como santos nem pela Vox Ecclesiæ nem pela Vox populi. Se esses pontífices, apesar de terem sofrido duramente por serem papas, não suportaram o sofrimento com tal grau de amor que fossem por isso santos canonizados, como se espantar que outros papas, que consideram seu cargo de um modo mundano, cometam faltas graves, ou imponham à Igreja de Cristo provações particulares temíveis e dilacerantes? Quando se está reduzido ao extremo de ter tais papas, os fiéis, os padres, os bispos que querem viver da Igreja têm o grande cuidado de não somente rezar pelo Pontífice supremo, que é então motivo de grande aflição para a Igreja, mas se apegam, mais do que nunca à tradição apostólica: a tradição dos dogmas, do missal e do ritual; à tradição do progresso interior e ao chamado de todos ao perfeito amor no Cristo.
É aqui que a missão daquele irmão pregador que, entre todos os santos é o que mais diretamente trabalhou para o papado, é aqui que a missão do filho de São Domingos, Vicente Ferrer, é particularmente esclarecedora. Anjo do julgamento, legado a latere Crhisti, fazendo depor um papa depois de ter tido a seu respeito uma infinita paciência, Vicente Ferrer é também, e ao mesmo tempo, o missionário intrépido e cheio de benignidade, transbordante de prodígios e milagres, que anuncia o Evangelho à multidão imensa do povo cristão. Ele traz em seu coração de apóstolo não apenas o pontífice supremo, tão enigmático, tão obstinado, tão duro, mas ainda todo o conjunto do rebanho de Cristo, a multidão dos homens do povo desamparados, a turba magna ex ominibus tribubus et populis et linguis. Vicente compreendeu que o autêntico serviço da Igreja estava longe de ser o cuidado maior do vigário de Cristo; o papa punha em primeiro lugar a satisfação de sua obscura vontade de poder. Mas se, ao menos entre os fiéis, o senso da vida dentro da Igreja podia ser despertado, o cuidado de viver em conformidade com os dogmas e os sacramentos recebidos da tradição apostólica; se um sopro puro e veemente de conversão de oração se desencadeassem enfim sobre a cristandade lânguida e desolada, então, sem dúvida, poderia aparecer um vigário de Cristo que fosse verdadeiramente humilde, tivesse uma consciência cristã de seu cargo supereminente, se preocupasse em exercê-lo o melhor possível, no espírito do Soberano padre. Se o povo cristão reencontrasse uma vida de acordo com a tradição apostólica, então se tornaria impossível ao vigário de Jesus Cristo, quando se tratasse de manter e defender esta tradição, cair em certos desvios por demais profundos, deixar-se envolver em certas cumplicidades com a mentira. Tornar-se-ia necessário que um bom papa ou talvez um papa santo sucedesse sem tardar ao mau papa ou ao papa transviado.
Mas muitos fiéis padres, bispos gostariam que em dias de grande infelicidade, quando a provação chega à Igreja da parte de seu papa, as coisas se ponham em ordem sem que eles tenham de fazer nada ou quase nada. No máximo, aceitam murmurar algumas orações. Hesitam mesmo diante do rosário cotidiano: cinco dezenas cada dia, oferecidas a Nossa Senhora, em honra da vida oculta, da Paixão e da glória de Jesus. Têm muito pouca vontade de se aprofundar na fidelidade à tradição apostólica no que diz respeito aos dogmas, ao missal e ritual, à vida interior (o progresso da vida interior faz, evidentemente, parte da tradição apostólica). Tendo, como fiéis, consentido em ser tíbios, escandalizam-se, no entanto, com que o papa, como papa, não seja, ele tampouco, fervorosíssimo quando se trata de guardar para a Igreja toda a tradição apostólica, quer dizer, cumprir fielmente a missão única que lhe foi confiada. Esta visão das coisas não é justa. Quanto mais necessidade temos de um santo papa, mais devemos começar por colocar nossa vida, com a graça de Deus e guardando a tradição, nas pegadas dos santos. Então o Senhor Jesus acabará por conceder ao rebanho o pastor visível que o rebanho se esforçou por merecer.
À insuficiência e defecção do chefe não acrescentemos nossa negligência particular. Que a tradição apostólica esteja ao menos viva no coração dos fiéis mesmo se, no momento, ela é fraca no coração e nas decisões daquele que é responsável pela Igreja. Então, certamente, o Senhor usará de misericórdia para conosco.
Ainda mais, é preciso para isto que nossa vida interior se refira não ao papa, mas a Jesus Cristo. Nossa vida interior, que inclui evidentemente, as verdades da revelação a respeito do papa, deve se referir puramente ao Soberano Padre, a nosso Deus e Salvador Jesus Cristo, para sobrepujar os escândalos que sobrevêm à Igreja pelo Papa.
Tal é a lição imortal de São Vicente Ferrer nos tempos apocalípticos de uma das maiores falências do pontífice romano. Mas, com o modernismo, estamos conhecendo provações mais terríveis. Razão a mais imperiosa para vivermos puramente, e em todos os pontos, a tradição apostólica; — em todos os pontos, compreendendo esse ponto capital de que, praticamente, nunca mais se falou depois da morte do padre dominicano Garrigou-Lagrange: a tendência efetiva para a perfeição do amor. E no entanto, na doutrina moral revelada pelo Senhor e transmitida pelo apóstolos, está dito que devemos tender para o amor perfeito, já que a lei do crescimento em Cristo é a própria lei da graça e da caridade que nos unem ao Cristo.
6 — Devemos ainda considerar a transcendência e obscuridade do dogma relativo ao papa: o dogma de um pontífice que é vigário universal de Jesus Cristo e que, no entanto, não está ao abrigo de falhas, até mesmo graves, que podem ser muito perigosas para os súditos. Ora, o dogma do pontífice romano não é , em si mesmo, senão um aspecto do mistério mais fundamental, o da Igreja. Sabemos que duas grandes proposições nos introduzem neste mistério: primeiramente, a Igreja, recrutada entre pecadores, o que somos todos, é no entanto dispensadora infalível da luz e da graça, porque, infalivelmente, do alto dos céus, seu chefe e salvador a anima, a sustenta e a governa; enquanto que, sobre a terra, Ele oferece por ela, seu sacrifício e a alimenta de Sua própria substância. Em seguida, a Igreja, Esposa santa do Senhor Jesus, deve ter parte na cruz, incluindo a cruz da traição pelos seus; — ela não deixa por isso, de ser assistida fortemente em sua estrutura hierárquica, a começar pelo papa, e de ser ardente de caridade; em resumo, permanece em todo tempo bastante pura e santa para ser capaz de participar das provações de seu Esposo, incluindo a traição de certos hierarcas, conservando intacta seu senhorio interior e sua força sobrenatural. A Igreja não será nunca entregue à vertigem.
Se, em nossa vida interior, a verdade cristã a respeito do papa está situada como deve no interior da verdade cristã a respeito da Igreja, venceremos na luz o escândalo da mentira que pode sobrevir à Igreja pelo vigário de Cristo ou pelos sucessores dos apóstolos. Ao menos quanto aos bispos, santa Joana d’Arc é, nisso, um modelo incomparável. Por nossa vez, e segundo nossa fraca medida, tentaremos ser fiéis àquilo que foi uma das graças particulares de santa Joana d’Arc.
7 — Quando pensamos no atual papa (Paulo VI), no modernismo instalado na Igreja, na tradição apostólica, na perseverança nesta tradição, somos cada vez mais reduzidos a só podermos considerar estas questões na oração, implorando instantemente pela Igreja inteira e por aquele que, em nossos dias, conserva nas mãos as chaves do reino dos céus. Ele as conserva em suas mãos, mas delas não faz uso, por assim dizer. Deixa abertas as portas do aprisco que dão para o caminho por onde se aproximam os malfeitores; não fecha as portas protetoras que os seus predecessores tinham mantido invariavelmente trancadas, com fechaduras inquebráveis e cadeados infranqueáveis; algumas vezes até parece abrir o que será para sempre conservado fechado e este é o equívoco do ecumenismo pós-conciliar. Eis-nos reduzidos à necessidade de só pensar na Igreja rezando por ela e pelo papa. É uma bênção. No entanto, pensar na nossa Mãe, pensar na Esposa de Cristo nestas condições de grande piedade, não diminui em nada a resolução de ver claro. Ao menos que esta lucidez indispensável, esta lucidez sem a qual afrouxará toda força, seja penetrada de tanta humildade e doçura que façamos violência ao Soberano Padre para que Ele se apresse em nos socorrer. Deus in adjutorium meum intende, Domine ad adjuvandum me festina. Pedimos-lhe encarregar sua santíssima Mãe, Maria Imaculada, de nos trazer, o mais cedo possível, o remédio eficaz.
Tradução de “Itinérarires”, n° 206 de Júlio Fleichman.
Revista Permanência N° 140-141, Julho-Agosto de 1980.
ESTUDO CANÔNICO DAS SAGRAÇÕES EPISCOPAIS DE 1988
"Uma excomunhão NULA, um cisma INEXISTENTE"
Reflexões Feitas 10 Anos Após as Sagrações de Écône
Um testemunho direto
“Il card. Ferdinando Antonelli e gli sviluppi della riforma litúrgica dal 1948 al 1970” [O cardeal Ferdinando Antonelli e os desenvolvimentos da reforma litúrgica de 1948 a 1970] de Nicola Giampietro O. F. M. Cap. (ed. Studia Anselmiana, Roma) é uma preciosa contribuição à história da “reforma litúrgica” de Paulo VI.
Relator geral da “Seção Histórica” dos Ritos, criada por Pio VI, membro da Comissão Pontifícia para a Reforma Litúrgica, instituída por Pio XII, de 1948 a 1960, Promotor Geral da Fé a partir de 1959, na Sagrada Congregação dos Ritos, perito e secretário da Comissão da S. Liturgia no Concílio Vaticano II, enfim membro do Consilium ad exsequendam constitutionem de Sacra Liturgia, o Pe. Antonelli, O.F.M. Cap. É uma testemunha direta desta sadia renovação litúrgica que estreou sob o reinado de Pio XII, mas já estava na mira de São Pio X e de Pio XI.
Peça mestra, no governo de Pio XII, do restabelecimento da Vigília Pascal (1951) e da reforma litúrgica da Semana Santa (1955), o Pe. Antonelli nutriu, logo de início, a ilusão de que o Concílio iria conduzir felizmente ao porto esta prudente reforma litúrgica que havia dado seus primeiros bons frutos no tempo de Pio XII, o qual parecia ter endireitado com a encíclica Mediator Dei a barra do “movimento litúrgico”, corrigindo os seus desvios e disciplinando as suas tendências aberrantes (v. Enciclopédia Cattolica, verbete Mediator Dei).
Quando Paulo VI, a 4 de dezembro de 1963, promulgou a constituição conciliar sobre a liturgia, o Pe. Antonelli escreveu na sua agenda: “Os ossos de São Pio X devem ter exultado. A Constituição da Liturgia não é outra coisa que o fruto precioso duma pequena semente que ele lançou” (op. cit., p. 204).
As primeira dúvidas
Numa conferência de 8 de dezembro de 1964, contudo, o Pe. Antonelli já parecia perplexo: ele se pergunta se este momento histórico representa uma ocasião favorável para a realização da reforma litúrgica e responde: "Eu não sei... talvez algumas coisas precisavam de mais maturação" (p. 208). Entrementes, a aplicação da Constituição conciliar foi confiada ao famoso Consilium. A 3 de março de 1964, após uma conversa com o cardeal Larraona, prefeito da Sagrada Congregação dos Ritos, o Pe. Antonelli anota na sua agenda a perplexidade comum deles: "A aplicação da Constituição litúrgica é entregue ao "Consilium ad exsequendam Constitutionem". Ora, até se provar o contrário, a Congregação [dos Ritos] é o órgão de governo: se se cria um outro órgão de governo, daí resultará uma confusão" (p. 227, nota 12).
O "método de trabalho" do "Consilium"
Após a primeira reunião do Consilium, escreve o Pe. Antonelli "grandes programas, mas a realização não será tão fácil" (p. 228). Ele crê ainda que se trata de trabalhar com ponderação, no respeito prudente da tradição litúrgica, como outrora no tempo de Pio XII, mas bem depressa ele perceberá que não é mais assim.
"Não estou entusiasmado com os trabalhos ― escreve ele depois da Segunda reunião dos consultores ― ... um grupo de pessoas muito incompetentes, e mais ainda, avançadas nas trilhas das novidades. Discussões inteiramente de vanguarda, à base de impressões, desejos caóticos. O que mais me desagrada é que as atas do que é exposto e as questões correspondentes estão sempre numa linha avançada e freqüentemente numa forma sugestiva. Direção fraca" (p. 229).
Esta primeira impressão negativa se confirma na Segunda reunião do "Consilium". "Entretanto, todas as coisas avançadas aqui passam ― escreve o Pe. Antonelli ― porque nisto está o clima do "Consilium"; há, em seguida, uma grande pressa de se atirar para a frente e não se dá tempo para refletir; [...] Não deveria haver tanta pressa. Mas os espíritos estão excitados e querem atirar-se para a frente" (p. 229).
Dúvidas apoderam-se novamente do Pe. Antonelli, por exemplo, sobre a concelebração (p. 230) e, após a terceira assembléia do "Consilium", retorna a dúvida radical sobre a oportunidade duma reforma litúrgica neste momento histórico particular: "Não gosto do espírito demasiadamente novidadeiro, nem o tom das discussões, muito expeditivas, e às vezes tumultuosas; não me agrada o fato de o Presidente [Lercaro] não fazer todos os participantes falarem, pedindo a cada um o seu parecer. Em conclusão, as coisas que devem ser levadas a seu termo são importantes e eu não sei se a hora é oportuna" (p. 230).
Após a Quinta sessão ou assembléia, o Pe. Antonelli se mostra seriamente "preocupado" com o "espírito inovador" dos membros do Consilium:
"Foi uma sessão construtiva. Mas o espírito não me agrada. Há um espírito de crítica e intolerância para com a Santa Sé que não pode conduzir a bom termo. E, ademais, um estudo muito acentuado de racionalidade na liturgia, e nenhuma preocupação com a verdadeira piedade. Temo que num dia se deva dizer de toda esta reforma [...]: "a liturgia tomou tudo e a devoção se afastou"" (p.234).
Preocupações doutrinais
Mas não é somente a devoção que está em jogo. Quando, na sétima assembléia, se discute sobre o rito das ordenações sacerdotais, o Pe. Antonelli "nota com surpresa que, entre os deveres dos sacerdotes, não está mencionado o seu compromisso principal: sacrificium eucharisticum offerre" (p. 236).
No mesmo momento o retém um acidente, devido à incompetência do "corpo judiciário" e à "pressa em avançar". Mas o discurso de Paulo VI, a 19 de abri de 1967, o obriga a reflexões mais graves sobre as responsabilidades deste Papa: "Paulo VI se declarou contristado porque se faziam experiências caprichosas na Liturgia e mais aflito ainda por certas tendências para uma dessacralização da Liturgia. Contudo, ele reconfirmou a sua confiança no "Consilium". E o Papa não percebe que todas as desgraças vêm da maneira com que se organizaram as coisas nesta reforma pelo "Consilium" (p. 237, seg) e apesar disto ― notou logo no início o Pe. Antonelli ― "é certo que Paulo VI seguia atentamente os trabalhos deste "Consilium"" (ibid). O método de trabalho, ou antes, a ausência de todo método de trabalho no "Consilium", não cessa de espantar o Pe. Antonelli. A 23 de abril de 1967, ele anota na sua agenda:
"... os esquemas se multiplicam sem chegar a uma forma verdadeiramente pensada... O cardeal Lercaro não é homem para dirigir uma discussão. O Pe. Bugnini só se interessa por uma coisa: atirar-se para a frente e acabar. O sistema de votação é pior. Ordinariamente os votos são dados com a mão levantada, mas ninguém conta quem levanta a mão e quem não o faz; ninguém diz: tantos aprovam e tantos não. Uma verdadeira vergonha. Em segundo lugar, jamais se pode saber, e a questão foi posta muitas vezes, que maioria era necessária: maioria de dois terços ou maioria absoluta [...] Um outro defeito grave é a ausência de processo verbal das sessões, ao menos nunca se falou dele e certamente jamais foi lido".
Uma "continuação do Concílio" ou ainda o Concílio permanente
Finalmente, depois de três anos de anarquia, ou antes, de ditadura do Pe. Bugnini, o "Consilium" pensa em se dar "Estatutos" e o seu esboço é apresentado a Paulo VI, o qual, por sua vez, o passa, para se fazerem observações eventuais ao Pe. Antonelli. Este que, além de seu mandato de membro do "Consilium", é também o Secretário da Congregação para os Ritos, submete as suas "Observações" ao cardeal Larraona, prefeito desta Congregação, e depois as remete a Paulo VI. Nas suas "Observações gerais", o Pe. Antonelli sublinha que "uma inquietude notável a respeito destas mutações contínuas está muito espalhada numa grande parte do clero e dos fiéis" e que "este estado de instabilidade e de incerteza sobre o futuro, favorece os abusos e diminui sempre mais o santo respeito das leis litúrgicas". Além disso, ele realça a anomalia de "dois órgãos da Santa Sé que se ocupam da vida litúrgica, a Sagrada Congregação dos Ritos e o "Consilium"". Nas "observações particulares", em seguida, o Pe. Antonelli nota que, segundo os estatutos, os membros do "Consilium", "inclusive os Cardeais", serão nomeados na percentagem de 4/5 pela Presidência e somente 1/5 pelo Papa, e isto é inadmissível; "este sistema ― escreve o Pe. Antonelli ― é absolutamente novo e não é outro senão uma continuação do Concílio, coisa sem precedente na história, porque ― mesmo depois dos Concílios de Trento e do Vaticano I, uma vez terminado o Concílio foi a Santa Sé que recuperou sua plena autoridade.
O Pe. Antonelli pede também nas suas observações que se fixe finalmente o sistema de escrutínio, porque ― escreve ele ― "até agora... bastava que um certo número levantasse a mão para se ir adiante, sem que ninguém contasse quantos aprovam ou não. E durante este tempo se faz freqüentemente apelo a um voto afirmativo, sem que ninguém possa provar que ele tenha sido verdadeiramente afirmativo".
Após as observações do Pe. Antonelli, a questão do "Estatuto" se atola. Paulo VI optará, como veremos, por uma solução diferente, que privará o Pe. Antonelli da reforma litúrgica e deixará as mãos livres a Bugnini. No mesmo tempo, portanto, Antonelli deve sofrer a violenta reação de Bugnini, que ele acaba de descobrir, portanto, a par desta consulta que Paulo VI, pelo contrário, chamará "estritamente reservada" (p. 242).
O Pe. Antonelli começa a ver claro
Estamos no fim de 1967 e o Pe. Antonelli escreve na sua agenda: "Confusão. Ninguém possui mais o sentido sagrado e coercitivo da lei litúrgica... nos estudos em maior escala continua o trabalho de dessacralização, que se chama agora secularização; donde se vê que a questão litúrgica [...] se insere [...] num problema muito mais vasto e de fundo doutrinal; a grande crise, portanto, é a crise da doutrina tradicional e do magistério".
A venda começa a cair dos olhos do Pe. Antonelli; não se trata só de incompetência, duma espantosa superficialidade de trabalho "a toda a pressa"; trata-se dum fato muito mais grave: a reforma litúrgica é um instrumento nas mãos dos "inovadores" triunfantes (do mesmo modo que já tinha sido, em parte, o movimento litúrgico nas mãos dos "modernistas em declive").
A 23 de julho de 1968, o Pe. Antonelli revela ao cardeal Benelli as suas "preocupações sobre a reforma litúrgica que se torna sempre mais aberrante. Eu notava, em particular:
1. A lei litúrgica, que até o Concílio era uma coisa santa, não existe mais para muitos. Cada um se considera autorizado a fazer o que quer [...]
2. A Missa sobretudo, é o ponto crucial [...] agora começa a ação desagregadora em torno da confissão;
4. [...]
5. No "Consilium" há poucos Bispos que tenham uma preparação litúrgica, muitos poucos que sejam verdadeiramente teólogos [...]. E este é um lado perigoso. Na liturgia, cada palavra, cada gesto traduz uma idéia que é uma idéia teológica. Dado que atualmente toda a teologia está em discussão, as teorias correntes entre os teólogos avançados desmoronam sobre a fórmula e o rito: com esta gravíssima conseqüência que, enquanto a discussão teológica se mantém no nível elevado dos homens de cultura, uma vez descida na fórmula e no rito, ela toma caminho para a sua divulgação no povo" (p. 257, seg.).
Autodemolição da Igreja
Tudo isto é, com a conivência de Paulo VI, o malogro de toda a sã renovação litúrgica. A liturgia é sujeita à demolição doutrinal. O Pe. Antonelli dora em diante está consciente disto e testemunha o seu sofrimento. "O que, contudo, é triste [...], é um elemento profundo, uma atitude mental, uma posição preestabelecida, a saber, que muitos do que têm uma influência na reforma [...] e outros não têm nenhum amor, nenhuma veneração por aquilo que nos foi transmitido. Eles desprezam, logo de início, tudo o que existe atualmente. Uma mentalidade negativa, injusta e nociva. Infelizmente, mesmo o papa Paulo VI está um pouco deste lado. Todos eles terão as melhores intenções, mas com estas intenções, mas com esta mentalidade eles são levados a demolir e não a restaurar" (p. 258).
A 10 de fevereiro de 1969, a propósito do rito do Batismo, Antonelli escreve: "No fim do capítulo doutrinal, eu pergunto: como sucede que em todo o capítulo se fala do batismo para remissão dos pecados mas não se faz alusão ao pecado original?". E a 20 de fevereiro: "nesta manhã mesma tocou-me observar que até lá onde se esperava uma alusão clara ao pecado original, como numa pequena homilia de caráter catequético, parece que se evita falar dele. É esta nova mentalidade teológica que se degrada e não me agrada" (p. 224). Lembramos aqui que, precisamente com a negação do pecado original no célebre texto de São Paulo (Rm 5, 12-21), se tinha aberto o "novo curso" do Instituto Pontifício Bíblico, ou ainda o triunfo da exegese neomodernista, tenazmente combatida pelo saudoso Mons. Spadafora.
As observações do Pe. Antonelli são sempre mais graves e preocupantes. A propósito da discussão sobre os Proenotanda da Confirmação, ele escreve: "Eu me pergunto como se pode dar um parecer sobre estas questões das quais umas são muito graves, com um texto mudado no último momento e apresentado no decorrer da sessão? Não é uma coisa séria." E ainda: "Pessoalmente, eu me pergunto que autoridade e que preparação nós temos aqui para discutir questões muito mescladas de teologia?" (p. 246)
A questão do "Novus Ordo"
Em 1969, estoura a "questão do 'Ordo Missae'". O Pe. Antonelli fala a este respeito no seu Diário, mas também nas suas Notas pessoais sobre a reforma litúrgica. Sigamo-lo.
A 31 de outubro de 1969, ele anota na sua agenda: "Há alguns dias, o Pe. Sticker, salesiano, me diz que o cardeal Ottaviani tinha preparado uma crítica doutrinal do "Ordo Missae" e da "Instructio" anexa. Depois a notícia aparece nos jornais. Mons Laboa me disse que o Papa tinha escrito uma carta de 2 páginas ao cardeal Seper para este examinar a questão. O cardeal Seper, alarmado, tinha falado dela ao cardeal Gut, o qual - muito impressionado - falara da mesma ao Pe. Bugnini. Ontem de manhã, ele me disse que o cardeal Villot tinha escrito ― há alguns dias ― ao Pe. Bugnini para obstar a qualquer observação relativa ao "Ordo Missae". Mons. Laboa viu esta carta. Depois houve a publicação imprevista da "Instructio" [...] para matar no nascedouro a campanha da imprensa. A seguir, nessa tarde, 31 de outubro, o comunicado da C. E. I. (Conferência Episcopal Italiana, n.d..r), segundo a qual, a 30 de novembro, a versão italiana seria publicada e entraria em vigor na Itália; ao passo que a C.E.I tinha já dito que isto não seria possível. Estamos no reino da confusão. Eu lamento o fato, pois as suas conseqüências serão tristes" (p. 259).
O Pe. Antonelli, pessoalmente, é do parecer que não há "heresias", nem na Instructio nem no Ordo Missae, "mesmo se não se pode negar que as disposições da "Instructio" são confusas e que a sua própria formulação é tudo, menos clara e límpida" (p. 26). Em particular ― admite ele ― "a insistência sobre a idéia de refeição (ceia) que parece estar em detrimento da idéia de sacrifício", à qual se faz alusão "indireta, enquanto que a idéia de refeição volta freqüentemente e de modo direto... Ademais, certas omissões não serviram à clareza" (p. 260) e este foi também o caso da "formulação imprudente do no. 7" (p. 261). Mas, ainda uma vez, o Pe. Antonelli fica estupefato com a maneira de tratar da questão. A 31 de outubro de 1969, ele escreve: "Estou preocupado com a questão do Ordo Missae. Não compreendo por que se inquietam tanto com as críticas do cardeal Ottaviani e, em seguida, quando a imprensa começou a fazer barulho, quando se quis reagir com a publicação da "Instructio"... e o Comunicado da C. E. I com a ordem de pôr tudo em vigor para 30 de novembro, quando os textos não existem ainda e no-los prometem para 15 de novembro. Como se pode preparar uma transformação desta medida em 10 dias?" (p. 259)
Estamos, portanto, nas últimas réplicas. Já em 8 de maio de 1969, Paulo VI, com a Constituição Apostólica Sacrorum Rituum Congregatio dividiu a Sagrada Congregação para os ritos em duas: a Congregação para os Santos e a Congregação do Culto Divino. Bugnini foi nomeado Secretário da nova Congregação para o Culto Divino e Antonelli, secretário da Congregação para os Santos (p. 264). A última sessão do "Consilium" (9 de abril de 1970) coincide com a primeira sessão da nova Congregação do Culto Divino que ― precisa o cardeal Gut ― "é uma continuação do Consilium" (p. 244). Assim, o Pe. Antonelli sai ou talvez, mais exatamente, é excluído da cena da "reforma litúrgica".
Um julgamento do qual não podemos partilhar
O autor do livro que, não obstante, quer reivindicar o valor e a obra do "liturgista Antonelli" escreve: "É pena que Antonelli entre tão mal no trabalho da reforma, sobretudo após a supressão da sua Congregação dos Ritos. Portanto, ele permanece amargo. É talvez o destino dos pioneiros: eles abrem o caminho e outros vão adiante, deixando os pioneiros de lado" (p. 247).
Não. O Pe. Antonelli não é "amargo". Ele teria bom motivos para o ser, mas ele não o é: suas notas jamais têm o sabor dum ressentimento pessoal. Por exemplo, quando Paulo VI exclui o Prefeito da Congregação dos Ritos, o "conservador" cardeal Larraona, da "reforma litúrgica", confiando esta última ao "Consilium" presidido pelo cardeal "progressista" Lercaro, ladeado por Bugnini, somente o Pe. Antonelli parece preocupado ― e por justo motivo ― com a "diarquia" e os conflitos inevitáveis que surgirão entre dois organismos, ambos competentes na mesma matéria. Igualmente, quando Paulo VI o exclui também da "reforma litúrgica" preferindo-lhe Bugnini, o Pe. Antonelli se contenta com escrever: "Eu podia dizer muita coisa deste homem. Devo acrescentar que ele foi sempre apoiado por Paulo VI. Não me quereria enganar, mas a lacuna mais importante no Pe. Bugnini é a falta de formação e de sensibilidade teológicas. Tenho a impressão de que se concedeu muito, sobretudo em matéria de sacramentos, à mentalidade protestante. Não que seja o Pe. Bugnini que se tenha criado para si mesmo estas concessões. Absolutamente não foi ele que as criou. Ele se serviu de muitas pessoas e, não sei por que, introduziu neste "trabalho" pessoas hábeis, mas de colorações teológicas progressistas". E, muito generosamente, o Pe. Antonelli acrescenta: "E, ou ele não se deu conta dos fatos, ou então não resistiu, como se não se pudesse resistir [?], a certas tendências" (p. 264).
O julgamento do Pe. Antonelli sobre a "falta de formação e de sensibilidade teológicas" do Pe. Annibale Bugnini coincide, substancialmente com o seguinte julgamento, que, em termos jocosos, mas bem mais pesados, deixou sobre ele o abade D. Pietro Salvini O.S.B.: "No pequeno jornal da diocese de Pisa (no. 12, de 25/03/1973) li que o Bispo Bugnini... teria desejado substituir a homilia na Missa pela dança. Um hotentote desse gênero pode desejar isto e pior ainda" (Divagazioni di una lunga vita ― Divagações duma longa vida, ed. Stella del Mare, Livourne).
Quanto ao incrível "método de trabalho" dos autores da reforma litúrgica, basta reler o que escreve a respeito o prof. Romano Amerio, citando exemplos famosos da decadência da Cúria Romana e de seus organismos. (Iota Unum. Ed. Francesa, N.E.L., 1987), no. 74, p. 145: "a textos pontifícios que puderam gloriar-se durante séculos duma perfeição maravilhosa e duma irrepreensibilidade" corresponde hoje - observa ele - "um mau uso do latim" e uma "falta de rigor dos termos", "merecendo a Cúria ser inculpada pela falta de cultura subjacente em textos pontificais que se puderam gloriar durante séculos, duma perfeição maravilhosa e duma irrepreensibilidade."
Enfim, quanto às perplexidades manifestadas pelo Pe. Antonelli sobre Paulo VI e suas responsabilidades, bastará considerar que o Pe. Antonelli tem êxito em tomar à boa parte mesmo o discurso no qual o papa Montini diz aos membros do "Consilium" que a liturgia "é como uma árvore vigorosa que as suas raízes mantém no solo e sobre cujo tronco brotam novos ramos que cada ano se recobrem de novas folhas" (p. 200). O Pe. Antonelli se detém nestas "raízes" bem fixas no solo da Tradição e não colhe a novidade deste "tronco" "sobre o qual brotam novos ramos que se recobrem cada ano de novas folhas". Quando, então, isto teria acontecido na história bimilenar da liturgia? O cardeal Ottaviani havia vigorosamente sublinhado isto no Concílio, ao dizer: "Procuraremos suscitar o espanto, e até mesmo o escândalo, no povo cristão, introduzindo modificações num rito tão venerável, aprovado durante tantos séculos e que é agora tão familiar? Não convém tratar o rito da Santa Missa como se se tratasse dum pedaço de fazenda que se põe na moda, segundo a fantasia de cada geração". R. Wiltgen. (O Reno se lança no Tibre), 1976, p. 28.
Habituado, com Pio XII, a um trabalho sério e refletido, no respeito da tradição litúrgica, o Pe. Antonelli parece razoavelmente perplexo e depois, pouco a pouco, ele fica sempre mais preocupado com o andamento que a "reforma litúrgica" está a ponto de tomar: aqui, não se trata de "pioneiros" que "abrem o caminho e outros avançam", mas dum verdadeiro desvio da liturgia sujeita ao neomodernismo ― sob a etiqueta de "nova teologia" ― que, como bem compreendeu o Pe. Antonelli, "em regressão na fórmula e no rito, se dispõe a partir para a sua difusão no povo" (p. 257, cit).
Se se pode fazer uma censura ao Pe. Antonelli é de não ter sido "amargo", ao contrário, é de ter tido dificuldade em compreender, e talvez não ter compreendido plenamente a gravidade do que estava para acontecer. Mas é precisamente a sua confiança inicial e sua disponibilidade para uma renovação litúrgica sã que fazem dele uma testemunha preciosa contra a "feroz amputação litúrgica que se quis fazer passar por uma reforma" (G. Ceronetti, La Stampa, 18 de julho de 1990).
Martinus
“Todos vêem que isso é completamente contrário à doutrina católica transmitida
até hoje, ensinada e promulgada pelos Pontífices Romanos”.
Cardeal Quiroga y Palacios
Já se passaram exatamente vinte anos desde que S. E. Monsenhor Lefebvre fez uma brilhante conferência sobre o novo código de direito canônico no teatro Carigmano de Turim. Nessa ocasião, tocou várias vezes na questão do falso “direito” à liberdade religiosa que o Vaticano II introduziu, assim como das relações entre a Igreja e o Estado. Durante a fase inicial de sua intervenção, Mons. Lefebvre mostrou dois opúsculos que levava consigo: tratava-se dos diferentes esquemas que se apresentaram, sobre esses assuntos, na fase preparatória do concílio: o esquema da Comissão Teológica, presidida pelo Cardeal Ottaviani, e o esquema do Secretariado para a Unidade dos Cristãos, tendo à frente o Cardeal Bea.
Monsenhor Lefebvre afirmou aberta e profeticamente que a disputa entre essas duas posições, que na sala conciliar teve a vitória da segunda, constituía o início da grande batalha na Igreja entre católicos e “liberais”. Ilustraremos nesse artigo ambos os esquemas e os debates suscitados ao longo da fase preparatória do Concílio. Seguiremos as idéias da conferência de Mgr. Lefebvre, uma conferência na qual vibravam uma advertência e um apelo a não depor as armas num assunto de tanta importância para o reinado social de Jesus Cristo. Os próprios inimigos da Igreja reconhecem a importância da realeza social de Nosso Senhor; demonstram isso empregando todas suas forças para laicizar os Estados outrora católicos e impor o “dogma” da liberdade religiosa.
O estudo que se segue nos permitirá lembrar a doutrina católica que os Papas defenderam contra o liberalismo, “católico” ou não, a custa de lágrimas e sangue, e refutar ao mesmo tempo as doutrinas dos inovadores que, desgraçadamente, constituem hoje a forma mentis de quase todo o mundo católico, que tornou-se liberal mais ou menos conscientemente.
I. O esquema da comissão teológica: DE TOLERANTIA RELIGIOSA
O primeiro esquema, De relationibus inter Ecclesiam et Status necnon de tolerantia religiosa é uma obra prima de síntese da doutrina católica sobre o assunto. Seu principal autor pode ser considerado o Cardeal Ottaviani, presidente da comissão apostólica, encarregado da redação dos esquemas preparatórios .
O esquema se inicia com a afirmação da existência de dois poderes: a sociedade civil e a Igreja, ambos necessários e supremos em sua ordem. A finalidade própria de cada uma da duas ordens constitui o fundamento da diferença entre ambas as sociedades. Tal distinção integra por sua vez a garantia de seu poder real e efetivo. Visto que entre o fim terreno, próprio da sociedade civil, e o fim espiritual, privativo da Igreja, há uma relação de subordinação do primeiro ao segundo (pois de nada valeria a felicidade temporal se não se alcançasse a eterna), concluímos que “o fim próprio da sociedade civil não pode nem deve ser perseguido excluso vel laeso fine ultimo: salute videlicet aeterna” [com exclusão em detrimento do fim último, isto é, da salvação eterna] .
Daí que a Igreja não intervenha nos assuntos puramente temporais. Mas o que interessa tanto ao âmbito natural quanto ao sobrenatural (como por exemplo, o matrimônio, a educação da juventude, etc.) o Estado deve tratá-lo de maneira que não fira, a juízo da Igreja, os bens superiores de ordem sobrenatural. A salvaguarda e a proteção de tais bens, mesmo sendo próprias da missão da Igreja, resultam muito vantajosas também para o Estado, porque favorecem a formação de bons cidadãos.
Os deveres religiosos do Estado
O parágrafo que trata dos deveres religiosos do poder civil pode ser considerado o mais importante de todos e, certamente, foi o alvo das críticas mais acerbadas por parte dos inovadores. Inicia-se com uma sentença lapidar: potestas civilis erga religionem indifferens esse nequit [o poder civil não pode ser indiferente à religião] .
De fato, o poder civil foi instituído por Deus para ajudar os homens a conseguir a perfeição humana, não somente mediante uma justa aquisição dos bens temporais e materiais, mas para favorecer, além disso, a circulação dos bens espirituais e o cumprimento dos deveres religiosos. Entre esses bens, nenhum é mais importante do que conhecer o Deus verdadeiro e cumprir os próprios deveres para com Ele. Isso é exigido pela própria ordem natural, expressão da sabedoria e vontade divinas; ignorar tal doutrina “afeta de modo particular o bem público e privado” .
Nesse ponto o esquema sustenta uma afirmação de importância capital: “Não só os simples indivíduos hão de cumprir os deveres referidos para com Deus, mas também o poder civil, que representa a sociedade civil nos atos públicos, há de exercer a mesma obrigação em relação à Majestade Divina. De fato, Deus é o autor da sociedade civil e fonte de todos os bens que convergem a seus membros através dela mesma. Assim, pois, a sociedade civil deve honrar e venerar a Deus” . Deus, de fato, não criou os homens como indivíduos ilhados; ao contrário: quis que o homem fosse um animal social. Ao inscrever na natureza humana a característica da sociedade, instituiu também a potestatem civilem. “É inerente à natureza humana ser social e criado para ser regido por leis sociais, vivendo agregado a outros, muito mais do que se observa nos demais animais [...]. O homem [...] pode procurar recursos para ele próprio, mas não por si só, porque por si só, seria insuficiente para remediar todas as necessidades de sua vida. É natural, pois, que o homem viva em sociedade [...]. Sendo natural que o homem viva em sociedade, deve haver nela tudo quanto seja necessário para seu governo; porque se em uma sociedade ninguém se ocupasse mais do que de si próprio, logo ela se dissolveria, a não ser que houvesse um que a detivesse em sua perdição, consagrando-se ao regime e direção dos interesses comuns...” .
Ainda falta algo a ser dito sobre os deveres do poder político para com Deus: “o modo com que se deve honrar a Deus na presente economia não pode ser mais do que o que o próprio Deus estabeleceu como obrigatório em relação à verdadeira Igreja de Cristo” .
Assim, pois, o primeiro ponto sustentado pelo esquema é que Deus é o autor da sociedade civil e do poder político. Daí o poder que cabe ao próprio poder político de “dar a Deus o que é de Deus” (Lc 20, 25) .
O segundo ponto diz respeito ao modo em que a sociedade civil há de honrar a Deus. De fato, Deus não deixou o homem sem guia nem freio: fundou só uma religião verdadeira e uma única e autêntica Igreja, a Católica, que não deixou nunca de assinalar os deveres da sociedade civil para com Deus. Por isso, está no esquema que “também o poder civil, assim como os cidadãos, tem o dever de reconhecer a revelação proposta pela Igreja” .
O terceiro ponto é o seguinte: Deus não se limitou a fundar a Igreja; além disso, manifestou ao mundo inteiro suas origens : “um juízo imparcial e prudente vê facilmente qual é a verdadeira religião. A verdade e o cumprimento das profecias, a freqüência dos milagres, a rápida propagação da fé apesar de inimigos superiores e de barreiras humanamente insuperáveis, o testemunho sublime dos mártires e mil outras preclaras demonstrações tornam patente que a única religião verdadeira é aquela que Jesus Cristo em pessoa instituiu, confiando-a a sua Igreja para que a mantivesse e a dilatasse em todo o universo” . Segue-se daí o dever, para o poder civil, de defender a plena liberdade da Igreja e não permitir que ninguém a impeça de cumprir sua missão .
Aplicação aos Estados católicos e acatólicos
Uma vez explicados claramente os princípios doutrinais, o esquema infere as aplicações.
Nos Estados onde os cidadãos professam em sua maioria a religião católica, “o poder civil não goza de modo algum do direito de obrigar as consciências [dos católicos] para que aceitem a fé revelada por Deus” ; disso não se infere, entretanto, que o Estado não tenha o direito de intervir “negativamente”, isto é, de impedir que se difundam religiões falsas e princípios contrários à religião católica: “para proteger os cidadãos da sedução do erro, para conservar o Estado na unidade da fé, sendo bem supremo e fonte de numerosos benefícios, inclusive temporais, o poder civil pode usar de sua autoridade para regular e moderar as manifestações públicas dos demais cultos e defender os cidadãos da difusão de doutrinas falsas que, a juízo da Igreja, põem em perigo sua salvação eterna” . Por isso, Monsenhor Lefebvre também afirmava: “naturalmente, o poder civil não pode obrigar ninguém a abraçar a religião católica (nem, com maior razão, outra religião, como diz o Código de Direito Canônico, can. 1351); mas pode, ao contrário, proibir ou moderar o exercício público das outras religiões” .
O estado pode, entretanto, promulgar, sob o olhar do bem da Igreja e do seu próprio, leis que se inspirem na tolerância de religiões falsas. Isso pode acontecer “para evitar males maiores, como o escândalo ou a discórdia civil, um obstáculo para a conversão à verdadeira fé...” . O Papa Pio XII abordou magistralmente esse tema em uma audiência concedida aos participantes do V Congresso Nacional da União de Juristas Católicos Italianos: “O dever de reprimir os desvios morais e religiosos não pode ser, portanto, uma norma última de ação. Deve estar subordinado a normas mais altas e mais gerais, que em determinadas circunstâncias permitem o erro, como sendo o melhor caminho para promover um bem maior.
Com isso, ficam claros os dois princípios dos quais deve-se deduzir, nos casos concretos, a resposta à gravíssima questão da conduta jurídica, do homem político e do Estado católico diante de uma fórmula de tolerância religiosa e moral sobre o que já foi citado antes [...]. Primeiro: o que não responde à verdade e à norma moral não tem objetivamente direito algum nem à existência nem à propaganda e nem à ação. Segundo: o fato de não impedi-lo por meio de leis estatais e de disposições coercitivas pode, entretanto, ser justificado pelo interesse de um bem superior e mais vasto” .
Quanto aos Estados católicos, o esquema lembra o dever que o Estado tem de, no mínimo, conformar-se com a lei natural; por fim, o Estado deve garantir a liberdade civil a todos aqueles cultos que não se oponham à religião nem à moral natural .
O direito-dever de anunciar o Evangelho
O esquema visto até aqui se inseria no esquema De Ecclesia. Pars Secunda (cap. IX), e a ele se acrescentava o seguinte capítulo: De necessitate Ecclesiae annunciandi Evangelium omnibus gentibus et ubique terrarum (capítulo X) .
O dever da Igreja de evangelizar todos os povos deriva dos próprios poderes de Cristo, que ordenou: “ide, pois, ensinai a todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a observar tudo quanto eu ordenei” (Mt. 28, 19-20). Por isso “a Igreja goza em todas as partes, independentemente de qualquer poder humano, do direito inalienável de enviar núncios do evangelho,de estabelecer comunidades cristãs, de incorporar-se aos homens mediante o batismo e exercer sobre seus súditos tanto poder quanto o de reger e santificar” .
O Estado Católico não só não deve impedir este direito-dever da Igreja Católica, mas deve facilitá-lo; por outro lado, o poder civil de um Estado acatólico deve abster-se pelo menos de proibi-lo, e há de reconhecer que a doutrina católica não contém nada que discorde da religião natural, nada contrário à dignidade humana e que não redunde em vantagem nem da vida individual nem da social. Tampouco é lícito a poder algum opor-se à pregação do Evangelho para defender suas tradições, visto que a obra evangelizadora da Igreja conservará e elevará tudo o que há de bom e de justo nelas.
A Igreja, por sua vez, não pode renunciar a sua missão por motivo nenhum, e resistirá até ao martírio, se for necessário: “por esse motivo, o santo sínodo proclama solenemente, ante todo o universo, o direito que a Igreja possui de anunciar o Evangelho a todos os homens e no mundo inteiro e fornecer-lhes os meios de salvação, e insiste com aqueles que estão constituídos em autoridade sobre os povos para que não estorvem a plena liberdade da Igreja no cumprimento desse dever, sendo melhor favorecer o exercício desta entre os povos que lhes confiou a providência divina".
II- O CONFRONTO
Oposições ao esquema da Comissão Teológica
A primeira oposição relevante foi a de S. Em. o Cardeal Frings. Ele afirmou que a revelação divina tem por destinatários os indivíduos e não a comunidade civil. Portanto, ainda sustentando firmemente que existe uma verdade religiosa, deve-se deixar as pessoas em liberdade para seguirem a religião que julguem ser verdadeira. A intervenção do Estado só se justifica quando a opção religiosa causa lesão ao bem público . Ao Cardeal Frings fez eco o Cardeal Léger: também para este último o Estado deve abster-se completamente de favorecer a verdadeira religião menosprezando assim as falsas , visto que tal escolha pertence à consciência de cada um dos indivíduos.
Os dois príncipes da Igreja esqueciam, entretanto, que tal posição fora condenada por Pio IX de maneira circunstanciada: “Sabeis perfeitamente, veneráveis irmãos, que há homens na atualidade que, aplicando ao Estado o ímpio e absurdo princípio do chamado naturalismo, têm a ousadia de ensinar que “o caráter (a representação) mais perfeito do estado e o progresso civil exigem imperativamente que a sociedade humana se constitua e governe sem consideração alguma da religião, e como se ela não existisse, ou pelo menos, sem fazer diferença alguma entre a verdadeira religião e as religiões falsas”. E contradizendo a doutrina da Sagrada Escritura, da Igreja e dos Santos Padres, não temem afirmar que “o melhor governo é aquele no qual não se reconhece a obrigação do poder político de reprimir com sanções penais os profanadores da religião católica, a não ser quando a tranqüilidade pública o exija” .
S. Em. o Cardeal Doephner acrescentou outros “motivos” . Depois de ter afirmado que nem todos os teólogos católicos concordam com o fato de que o poder civil tem o dever de honrar a Deus com o culto público, acolher a fé católica e limitar a liberdade de cultos (mas então duvidamos de que se tratem de teólogos católicos), o Cardeal Doephner declara: “Parece claramente inoportuno que o Concílio enuncie o direito das nações católicas de negarem a liberdade de culto público às religiões acatólicas. Isso ofenderia muito aos não-católicos[?!] e atrapalharia a colaboração dos católicos com os não-católicos para realizarem o bem comum...” . Por isso o Cardeal desprezava o esquema proposto pela Comissão Teológica. De fato, “devemos ter sempre presente o fato de que não podemos esperar, nos Estados onde a maioria dos cidadãos á acatólica, que nos tratem de maneira diferente à que nós tratamos os acatólicos nos Estados onde a maioria é católica. Portanto, o próprio bem da igreja universal parece exigir que nos abstenhamos de reprimir as demais religiões” .
Observemos, antes de tudo que a intervenção do Cardeal Doephner não apresenta nem sombra de distinção entre a religião verdadeira e as falsas. Em segundo lugar, notemos que o dever da sociedade civil de render culto a Deus, ele o considerava uma “uma opinião teológica discutível”, ainda que o magistério, sustentando-se na revelação e no direito natural, tivesse se pronunciado a respeito várias vezes com toda clareza: “A liberdade de cultos no Estado [reivindicada também por ‘católicos liberais’] pede que este não atribua nenhum culto público a Deus, por não haver razão que o justifique; que nenhum culto seja preferido aos outros; e que todos eles tenham igual direito, sem respeito algum ao povo, caso seja ele declaradamente católico. Para que tudo isso fosse correto, teria de ser verdade que a sociedade civil não tem nenhuma obrigação para com Deus ou que pode infringi-las impunemente. Mas a primeira asserção não é menos falsa do que a segunda. Não se pode duvidar, de fato, que a sociedade estabelecida entre os homens, existe por vontade de Deus, seja considerada em suas partes, em sua forma, que é a autoridade, em sua causa, seja na grande lista de utilidades que fornece [...]. Logo, a sociedade há de reconhecer Deus como pai e autor e reverenciar e adorar seu poder e seu domínio. Esconde, pois, a justiça, e esconde também a razão, seja o Estado ateu ou um que venha parar em ateísmo, que se aja de igual modo quanto às religiões, e conceda a todas promiscuamente iguais direitos. Sendo, pois, necessário ao Estado professar uma religião, há de professar a única verdadeira, que se conhece sem dificuldade, singularmente nos povos católicos, visto que nela aparecem como que selados os caracteres da verdade” .
Assim, pois, o Cardeal Ottaviani tinha razão de sobra quando disse, contra as objeções alegadas na fase preparatória do Concílio, que o ponto chave consistia em compreender se a sociedade civil deve honrar a Deus, colere Deum , ou não; o que significa também que era preciso decidir se todas as declarações do magistério sobre esse assunto deviam ser seguidas ou ignoradas.
A defesa do Magistério constante da Igreja
Deixemos o próprio Cardeal Ottaviani responder, num tom profundamente ardente, ao Cardeal Doephner e seus demais “companheiros de infortúnio”: “Já disse ― e não quiseram escutar ou então não o entenderam ― que no Estado regido por um regime democrático e em que os católicos são a maioria [...] os próprios católicos podem exigir que o estado aja segundo os princípios dos cidadãos. No Estado em que há várias religiões [...] a Igreja se posiciona pela paridade dos cultos, e no Estado em que há uma enorme maioria de não-católicos [...] disse que [os católicos] devem ser tolerantes, como pedia Tertuliano quando os católicos eram poucos” . Foi assim que o Cardeal Ottaviani enunciou de maneira realista o modo com que se devem esboçar as relações Igreja-Estado com base nas diferentes situações em que os católicos se encontrem, sem reconhecer entretanto o direito à liberdade religiosa, o que teria sido contrário ao ensinamento da Igreja; um ensinamento que Pio XII repetiu até as vésperas do Concílio: “antes de tudo é preciso afirmar claramente que nenhuma autoridade humana, nenhum Estado, nenhuma Comunidade de Estados, seja qual for seu caráter religioso, pode dar um mandato positivo ou uma autorização positiva de ensinar ou de fazer o que for contrário à verdade religiosa ou ao bem moral. Um mandato ou uma autorização deste gênero não teria caráter obrigatório e ficaria sem valor. Nenhuma autoridade poderia conferi-la, porque é contra a natureza obrigar o espírito e a vontade do homem ao erro e ao mal, ou considerar um e outro como indiferentes. Nem sequer Deus poderia dar um mandato positivo ou uma autorização positiva de tal caráter, porque estaria em contradição com sua absoluta veracidade e santidade” .
O Cardeal Ottaviani afirma, ademais, com vigor: “falou-se da [má] impressão que teriam os protestantes, os pagãos, etc.; mas devemos manter nossa posição, tendo em vista o que diriam os católicos na Itália, na Espanha, em Portugal, na Irlanda, na Hispano-América[...], e me dirijo particularmente aos bispos da América Espanhola: sabem que batalha os protestantes empreenderam nessas zonas contra a unidade da religião. Vamos dar, então, aos protestantes, conduzidos pelo Vaticano II, uma arma para atacar o catolicismo ou para opor contrapeso ao que fazem as autoridades civis ― e fazem muito ― em favor do catolicismo? [...]. Assim, não se pode dizer com segurança, como fez um bispo, ‘salva reverentia erga Magisterium ecclesiasticum’ [salva a reverência devida ao Magistério eclesiástico]. O magistério ensina o que está exposto [no esquema], e é por isso que não cabe afirmar: ‘sejamos reverentes’, e logo em seguida agir contra ele” .
O Cardeal Alfrink percebeu a diferença entre a doutrina tradicional, representada pelo esquema da Comissão Teológica, e a “liberal”, exposta no esquema do Secretariado para a Unidade dos Cristãos: “só o mero fato de que se fale de tolerância religiosa no primeiro esquema e não de liberdade religiosa, como no outro, já nos causará problemas...” . Mas o Cardeal Alfrink, mesmo reconhecendo em tal diferença de termos uma diferença de doutrina, confirma a posição “liberal”, porque do primeiro esquema “os católicos inferirão que a Igreja Católica, enquanto goze de maioria em seus países, privará os cidadãos acatólicos da liberdade civil de professar sua religião e irá tolerá-los como um mal” . Ao falar dessa maneira, o cardeal exibe uma incompreensão absoluta tanto dos fundamentos da doutrina católica quanto do direito natural. De fato, desde quando o erro pode reivindicar direitos? Desde quando o árbitro pessoal pode reivindicar direitos absolutos? Isso acontece só no âmbito da reflexão filosófica moderna, que se inspira no pensamento liberal-maçônico, sempre condenado pela Igreja. Perguntemo-nos então: que devem fazer os cardeais no concílio: ensinar a verdade perene que Deus lhes confiou ou fazer propaganda dos delírios daqueles que reivindicam para o homem direitos absolutos que só competem a Ele? Não se ouve aqui o eco da tentação original: eritis sicut Deus [sereis como Deus]?
S. Em. o Cardeal Larraona alertou todos contra qualquer concessão em matéria doutrinal para “favorecer” os acatólicos: “se cremos que a conversão há de se realizar mais facilmente pelo fato de que nos acerquemos deles de maneira que já não subsista diferença alguma, nos equivocamos completamente [...]; crer que devemos ceder na doutrina (como já cederam muitos, oh dor!) ― nessa doutrina que por desgraça, já não se reverencia publicamente na Europa, ― ou que devemos ceder também na disciplina, constitui, a meu juízo, um erro que tem de ser rechaçado...” . O Cardeal Browne sustentou que o esquema da Comissão Teológica era impecável e classificou de “infantilismo” a suposição de que a doutrina exposta admiravelmente na Immortale Dei de Leão XIII fosse uma doutrina contingente e mutável .
Tudo o que já foi exposto revela claramente a existência de uma fissura no seio das próprias comissões preparatórias, uma fratura que sairia definitivamente a flor da pele na sala conciliar. De um lado, encontramos os que só queriam re-elaborar e expor fielmente a doutrina católica de sempre, procurando dar diretrizes práticas de ação pastoral, e de outro, configurava-se cada vez mais a vontade de recorrer à pastoral para inserir uma modificação substancial na concepção católica das relações entre Igreja e Estado. A nova orientação deletéria, que desgraçadamente acabou prevalecendo, manifesta-se com clareza no esquema do Secretariado para a Unidade dos Cristãos, presidido pelo Cardeal Bea.
III – AS “NOVIDADES” DO ESQUEMA DO SECRETARIADO PARA A UNIDADE DOS CRISTÃOS DE LIBERTATE RELIGIOSA
O magistério “repensado”
O primeiro dado desconcertante que aparece a primeira vista no esquema em questão é a ausência de uma lista de notas que remeta o leitor aos textos do magistério, enquanto que no esquema da Comissão Teológica, ao contrário, há uma lista que ocupa páginas e mais páginas.
E é o próprio Cardeal Bea quem nos diz que peso deve-se atribuir ao esquema De libertate religiosa. O presidente do Secretariado para a Unidade dos Cristãos declarou, na apresentação do esquema citado , que foi escrito tendo presente a situação de então, caracterizada, por um lado, pelas acusações de intolerância que os católicos vertiam contra a Igreja Católica (sic!), e, por outro lado, pelo fato de que já não existia nenhuma nação que se pudesse considerar católica (afirmação que provocou a reação do Cardeal Larraona ); entretanto ― e isso é o que nos interessa ― o Secretariado “quis expressar-se também em termos teológicos” (de principiis theologics cogitavit ), ou seja, quis repensar a posição católica apresentada ininterruptamente pelo magistério de todos aqueles Papas que tiveram de enfrentar as idéias liberais. As novidades de tal “repensamento” são de importância capital.
As “time bombs” (as bombas-relógio)
O esquema confirma, antes de tudo, que a Igreja deve ocupar-se não somente das verdades que devem ser cridas, mas, além disso, deve ocupar-se das pessoas que hão de aderir a tais verdades, precisamente de “todos aqueles movidos pelo Espírito Santo por caminhos diversos a fim de que ascendam livremente à casa do Pai comum” .
Já encontramos nessa afirmação dois elementos abundantemente desenvolvidos no pós-concílio (essas novidades “escondidas” nos textos, que constituem os avanços e os pretextos em que se possa apoiar as doutrinas heterodoxas para desenvolvê-las amplamente em tempos mais oportunos, são chamadas com toda razão de time bombs nos ambientes anglo-saxões, isto é, são bombas conscientemente programadas para explodir no seu devido tempo).
Descobrimos in primis a idéia segundo a qual o Espírito Santo se serve positivamente de caminhos distintos aos estabelecidos por Nosso Senhor Jesus Cristo na Igreja Católica (viis diversis a Spiritu Sancto moventur), uns caminhos que a reflexão pós-conciliar identificará explicitamente com as religiões falsas. Isso foi previsto com olhos de lince por S. Em. o Cardeal Quiroga y Palacios, que pediu que se esclarecesse que, se o Espírito Santo move de fato, também aqueles que andam por outros caminhos fora da Igreja Católica, “não os move para que andem por tais caminhos, mas apesar de andarem por eles, isto é, a despeito de que discorram por tais caminhos. Por isso não poderá inferir-se nada daqui em favor da liberdade religiosa, mas somente em favor da tolerância” . O Cardeal havia explicado no mesmo sentido a parábola do grão e da cizânia, alegada tortuosamente no esquema do Secretariado como suposta testemunha evangélica em favor do direito à falsa “liberdade religiosa”. De fato, o Senhor Jesus diz explicitamente que foi o inimigo quem semeou a cizânia, enquanto aquele que devia velar se encontrava dormindo. Portanto, não é reconhecido direito algum ao inimigo semeador, porque atuou às escondidas e com dolo. Enfim, essa parábola sugere a tolerância e nega todo direito ao erro .
Em segundo lugar, no esquema do Cardeal Bea, se insinua que a liberdade é, em sua essência, ausência de constrição interna, o que exige que ninguém limite a expressão da interioridade do sujeito. O único limite consiste, segundo ele, em não por obstáculo à liberdade dos outros. Também aqui se opôs o Cardeal Quiroga y Palacios, pois ainda que seja verdade que cada um tenha o direito de formar livremente sua consciência e de tomar suas decisões a partir dela, não é verdade que o status mentis errantis (a consciência errônea) possa reivindicar direitos sociais para si ou lamentar-se das intervenções da autoridade legítima a fim de evitar danos ao bem da Igreja e da sociedade .
O ponto chave
Com toda razão é reconhecido a todas as pessoas, no esquema, o direito de seguir sua consciência, mesmo quando esta erra (“em matéria religiosa, deve-se respeitar o direito de seguir sua própria consciência, tanto para os crentes [...] como para todos os homens e todas as sociedades humanas, sem restrição”). Mas o Secretariado para a Unidade dos Cristãos extrai daí conseqüências errôneas, especialmente para a livre expressão da religião que a consciência julga verdadeira. Este ponto é de uma importância extrema. Sem pretender abusar da paciência do leitor, parece-nos necessário seguir passo a passo o modo como São Tomás trata esse assunto: “Visto que o objeto da vontade é o que a razão lhe propõe, se ela lhe apresenta algo mal, a vontade se torna má ao procurá-lo. Isso não se verifica somente nas coisas indiferentes, mas também nas boas ou más por natureza. De fato, não só a coisa indiferente pode assumir acidentalmente natureza de bem ou de mal, mas também o próprio bem pode assumir aspecto de mal, e o mal, aspecto de bem, em virtude da apreciação da razão. Abster-se da fornicação, por exemplo, é um bem. Contudo, a vontade só pode mover-se em direção a ele como sendo um bem, baseada na apresentação da razão. Assim, se a razão erra e apresenta [a abstinência da fornicação] como um mal à vontade, esta tenderá a ele sob o aspecto de mal e, por conseguinte, será má, pois quererá um mal (não um mal que seja tal por si mesmo, mas um mal que é tal acidentalmente, em virtude da apresentação da razão). E assim, crer em Cristo é algo essencialmente bom e necessário para a salvação. Mas a vontade não pode tender a isso se não estiver baseada na apresentação da razão. Logo, se a razão apresenta isso como um mal, a vontade, forçosamente, o quererá como um mal. Não porque seja um mal em si, mas porque seria um mal na consideração da razão. Daí que é necessário concluir que, falando em termos absolutos, toda volição que se afaste da razão, certa ou errada, é sempre pecaminosa”. Segue-se que ninguém deve forçar uma pessoa a crer em Jesus Cristo: “A doutrina católica e a Igreja sempre se pronunciaram, e continuam fazendo-o hoje, a favor da mais ampla liberdade de consciência na busca da verdade revelada e em sua aceitação integral mediante o ato de fé. O princípio que enunciou outrora Santo Agostinho a esse respeito, segundo o qual o homem não pode acercar-se da fé religiosa nonnisi volens, foi sempre a norma a que se adequou constantemente a práxis da Igreja em relação aos infiéis; igualmente se conforma com ela a postura que mantém quanto aos dissidentes, nascidos e crescidos no seio de confissões religiosas que desertaram há tempos da unidade querida por Cristo” .
Com o princípio da não constrição, especialmente no âmbito religioso, deriva a obrigação que a vontade tem de seguir a consciência: “a aceitação da verdade há de ser espontânea: a força ou a constrição podem produzir um conformismo externo, mas nunca a adesão espiritual a uma doutrina [...]. Segue-se então que quem erra, especialmente se o faz de boa fé, tem direito a não sofrer violência externa ou pressão moral para fazê-lo mudar de opinião ou profissão religiosa [...]. Direito de liberdade interior, que exclui categoricamente o exercício de qualquer tirania sobre as consciências, tanto no campo político quanto no religioso. Mas trata-se de um direito não do erro, mas da pessoa humana em sua dignidade de ser racional na qual caminha com firmeza” . Sobre tal dignidade de ser racional, funda-se o princípio da tolerância religiosa, sempre defendida pela doutrina católica. Mas a Igreja jamais considerou tal dignidade como absoluta, isto é, solta, desligada de todo limite extrínseco e intrínseco. Pelo contrário, sempre ensinou que o direito à liberdade do ser racional está intrinsecamente limitado pela lei moral e a justiça, e que se acha extrinsecamente circunscrito pelas exigências da vida social (onde se choca com o direito dos outros). Daí que a consciência errônea, ainda que obrigue a vontade, não pode ufanar-se de possuir direito algum, pois o direito se liga ontologicamente somente à verdade e ao bem objetivamente determinados e por conseguinte, à consciência verdadeira, isto é, conforme a verdade objetiva: “gostaríamos de perguntar aos sustentadores dos direitos da consciência subjetiva o que responderiam a um amigo que chegasse em sua casa e lhes convidasse a abandoná-la porque tem certeza subjetiva que esta casa lhe pertence. Não têm dúvida de que o entregariam à polícia, se não fossem ao manicômio diretamente. Como se explica tal comportamento se a consciência subjetiva [a consciência errônea inclusive] goza do direito de fazer-se valer? Explica-se perfeitamente pela natureza das relações sociais, as quais têm fundamento no direito objetivo, perante o qual há de bater em retirada qualquer persuasão pessoal” .
Tampouco a vontade que segue os ditados da consciência errônea se exime sempre de pecado: “Se a razão ou a consciência são errôneas por causa de um erro direta ou indiretamente voluntário quanto a assuntos que todos estão obrigados a saber, tal erro não exime de pecado a vontade que segue a razão ou a consciência errôneas. Mas se, pelo contrário, trata-se de um erro[...] em que não haja negligência por parte do sujeito, que ignora apenas as circunstâncias particulares, então tal erro da razão ou da consciência exime a vontade de pecado” .
Tiremos agora as conseqüências de nossa análise: “sendo uma faculdade moral, o direito só pode germinar sobre o terreno da verdade e do bem [...]. Ora, estando a consciência subjetiva no erro, ainda que o professe de boa fé [isto é, mesmo no caso em que a consciência apresente tal erro como se fosse um bem, ainda que na realidade seja um mal], não pode engendrar por si própria direito algum. Portanto, o direito acompanha unicamente a consciência objetiva, ou seja, a consciência que se conforma com a verdade objetiva na aceitação da religião” .
Os desvios doutrinais do cardeal Bea não acabam por aqui. Mais na frente, o esquema afirma que a Igreja jamais admitiu e não pode admitir a doutrina do indiferentismo religioso. Entretanto, enaltece as sociedades civis modernas que dispensem tal modo de agir a todas as religiões . Bea sustentou igualmente, na tese que defendeu, que o Estado deverá ocupar-se somente do bonum communem humanum, o único que o Estado pode reconhecer à luz da razão (o Cardeal Bea já exclui então, por princípio e contra o Vaticano I, que se possa reconhecer a origem divina da religião católica através de prova externas, acessíveis à razão humana!), e que de pouco servirá multiplicar citações de outros tempos, porque o Concílio, segundo a vontade de João XXIII, devia ter o olhar posto sobre o aggiornamiento.
O hiato
É evidente o hiato existente entre o esquema e a doutrina tradicional: “a doutrina antiga [...] tem seus fundamentos nas premissas reveladas: que a religião verdadeira não pode ser mais que uma e é exclusivamente a católica, em cujo favor convergem todas as provas históricas e dogmáticas. A estas premissas, se acrescenta logo um princípio de ordem racional, ou seja, que o direito só se vincula ontologicamente à verdade. E visto que a religião católica é a única verdadeira, deduz-se que urge o dever do Estado, particularmente se a maioria de sua população é católica, de proteger a religião revelada com todos os meios que estão ao seu alcance [...]. Segue-se que [...] não se pode sustentar a tese do laicismo do Estado e sua separação da Igreja [...] sem antes virar de cabeça para baixo este sólido baluarte chamado dogma” . A isso se acrescenta que “não somente o bem comum obriga o Estado a sair da neutralidade proposta, mas também há a obrigação indeclinável, sobretudo como Estado, de render culto público ao Deus verdadeiro na única forma que este estabeleceu através da revelação” . Exatamente o mesmo que sustentava o Cardeal Ottaviani e todo o ensinamento do magistério infalível!
Portanto, podem-se perceber vários erros graves na posição de Bea:
1) Negação do direito natural, segundo o qual também a sociedade civil deve render o culto devido a Deus, pois O tem como autor.
2) Negação da Redenção, que exprime qual é o único culto verdadeiro e agradável a Deus.
3) Negação do conceito filosófico da verdade, entendida como adequação do intelecto com a realidade, conhecido universal e objetivamente.
4) Negação do conceito verdadeiro de liberdade humana, “limitada intrinsecamente pela lei moral e a justiça, e circunscrita extrinsecamente pelas exigências da vida social” .
Assim, pois, o Cardeal Quiroga y Palacios falou com razão sobre o esquema apresentado por Bea: Nemo non videt omnia haec esse omnino contraria doctrinae usque adhuc tradiate ab omnibus et a Summis Pontificibus expositae et propugnata [Não há ninguém que não veja que tudo isso é contrário à doutrina católica transmitida até hoje por todos e exposta e propugnada pelos Sumos Pontífices] .
Conclusões
Começamos esse artigo ponderando a clarividência da Monsenhor Lefebvre. Agora será mais fácil apreciá-la.
Pensando bem, todo o debate relativo aos dois esquemas propostos gira em torno de um ponto decisivo: é absoluta a dignidade humana e a liberdade que se deve a tão preciosa dignidade? Ou é Deus o Absoluto? (A existência de dois absolutos, de fato, é impossível por ser contraditória e o que não é possível, não pode ser real). A pergunta pode parecer banal e fácil de responder, mas não é assim. O castelo elaborado pelo Cardeal Bea e seus colaboradores só se mantém em pé se a indivisível conexão do direito com a verdade for negada. A liberdade humana deve adaptar-se às exigências dessa conexão, pois ela procede de uma ordem objetiva de valores cujo fim último é a vontade do ordenador e legislador supremo. Assim, pois, a liberdade não é em nada ofendida ao se negar que a consciência subjetiva tenha direitos; no máximo, “manifesta-se uma oposição irredutível a um conceito errôneo de liberdade, entendida como faculdade de fazer tudo que dê vontade: um conceito com o qual nenhuma doutrina moral jamais poderá chegar a compromisso algum” .
A negação do vínculo da liberdade com a verdade leva à liquidação do Absoluto divino, fonte da ordem da verdade, fora do qual todo o resto só pode ser relativo, não no sentido de um meio sobre o fim, mas no sentido de um fim secundário (o homem) sobre o fim último (Deus). Esta é a tentação original: eritis sicut Deus, sereis como Deus. É a loucura do anticristo, que “se ergue acima de tudo o que se chama Deus ou é objeto de veneração até o ponto de sentar-se ele próprio no templo de Deus, proclamando-se Deus a si mesmo” (2Ts 2, 4). É a luta das duas cidades: a cidade de Deus, que O ama até o desprezo de si, e a do homem, que ama a si próprio até o ponto de menosprezar Deus.
Dom Marcel Lefebvre tinha razão: os primeiros choques da batalha apocalíptica no seio da igreja se produziram a propósito da liberdade religiosa. O próprio Paulo VI disse, de uma maneira desconcertante, em um incrível discurso pronunciado na ONU, precisamente ao acabar o Concílio, que o Concílio Vaticano II era o primeiro baluarte conquistado pelos que, sabendo ou não, preparam a sopa de Satanás, seu anticristo e sua cidade: “O humanismo leigo e profano apareceu, finalmente, em sua terrível estatura e, de um certo modo, desafiou o Concílio. A religião do Deus que se fez homem encontrou-se com a religião – porque assim é – do homem que se faz Deus. O que aconteceu? Um choque, uma luta, uma condenação? Poderia ter acontecido, mas não aconteceu... Vós, humanistas modernos, que renunciais à transcendência das coisas supremas, reconhecei pelo menos este mérito [ao Concílio] e reconhecei nosso novo humanismo. Também nós ― e mais do que ninguém ― somos promotores do homem” .
São João, ao contrário, diz o seguinte: “Eles são do mundo: por isso dizem coisas do mundo e o mundo os escuta. Nós somos de Deus. Quem não é de Deus não nos ouve. Por isso distinguimos o espírito de verdade do espírito de erro” (1 Jo 4, 5-6). Escutemos, pois, o Espírito da verdade!
Aloysius
(Jornal "Sim Sim Não Não", no. 143)