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Category: TeologiaConteúdo sindicalizado

O número dos eleitos

 

Pe. Bernard Marechaux

 

 

 

Domine, si pauci sunt qui salvantur?

Senhor, são poucos os que se salvam? (Lc 13, 23.)

 

 

Primeira Parte: A Tradição

I – A fé e a razão

A fé em nada se assemelha às opiniões humanas: ela prescinde da concepção subjetiva do espírito – que variaria segundo os indivíduos – e corresponde à substância duma verdade firme e imutável.

A fé se fez a si mesma; por isso, a razão humana tem de aceitá-la como Deus a apresentou e não julgá-la, pois não é capaz disso; ademais, deduzir e coordenar as conseqüências que decorrem dela é um ministério belíssimo.

Em suma, a fé não é objeto submisso à razão, mas tem princípios que ultrapassam a razão, sem com isso contradizê-la. A fé tem regras e elementos de tal amplitude que deixam a razão (o termo, acreditamos, é de Bossuet) desconcertada, como as parábolas cuja imensa abertura escapa a qualquer medida. Por isso, a razão não se deve retirar ou isentar, menos ainda se insurgir, se na fé existem elementos que excedem a compreensão e a deixam escandalizada, por causa duma como incompatibilidade que a razão acredita haver encontrado. Nestes lances é obrigatório que a razão se imponha silêncio a si, humilhe-se e adore. Tão logo se humilhe e adore, decerto descobrirá, na obscuridade do mistério, as luzes que lhe hão de saciar a legítima necessidade de conhecimento, pacificar a inquietação – e quiçá deliciá-la.

Essas reflexões nos vêm ao espírito, no momento em que tratamos da temível questão do número – do reduzido número – dos eleitos, pois é este um dos problemas que mais incomodam as susceptibilidades e causam repugnância à razão humana.

Pois bem!, exclama a razão, poucos serão os eleitos? Perder-se-á eternamente a multidão do gênero humano? Seria frustra para a maioria da humanidade a redenção que o sangue de Jesus Cristo operou? Seria a misericórdia de Deus dalgum modo vencida pela justiça divina? Recolheria ela apenas poucos eleitos e deixaria cair no abismo eterno a avalancha dos condenados?

Assim fala a razão, seguindo o impulso da sensibilidade natural. Ora essa linguagem não é sóbria nem judiciosa. O número dos eleitos é uma questão de fato, sobre que o raciocínio perde todos os direitos. Dá-nos a Sagrada Escritura – expressão do pensamento divino – algum esclarecimento sobre o problema dos destinos humanos? Eis o que se deve buscar com espírito submisso, e uma vez exposta à luz meridiana a resposta da Sagrada Escritura, à razão só lhe cabe inclinar-se e adorar.

Na Sagrada Escritura se encontram a respeito do problema dos eleitos textos concordantes que sempre nos pareceram peremptórios.

Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição e muitos são os que entram por ela. Que estreira é a porta, e que apertado o caminho que conduz à vida, e quão poucos são os que acertam com ele. (Mt 7, 13-14).

São muitos os chamados, e poucos os escolhidos (Mt 20, 16 e 22, 14).

E alguém lhe perguntou: “Senhor, são poucos os que se salvam?” E ele disse-lhes: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita (da penitência); porque vos digo que muitos procurarão entrar, e não o poderão”. (Lc 13, 23-25).

Ao nosso ver, as declarações do Salvador são duma clareza indubitável. Como negar que não se está falando da salvação das almas? Estão abertos os dois caminhos: o largo que conduz à perdição, e o apertado que conduz à vida. E é com dor que Nosso Senhor atesta, numa concepção abrangente, que muitos caminham no primeiro e poucos seguem o segundo.

E se alguém alegar que a misericórdia divina há de impedir à beira do abismo a maioria dos homens que nele se precipita? Nosso Senhor destroçou essa ilusão, quando à pergunta dos discípulos: “São poucos os homens que se salvam?”, respondeu ele: “Procurai entrar pela porta estreita; porque, digo-vos, muitos procurarão entrar e não o conseguirão.” Assim quem não se esforça a fim de entrar pela porta estreita, não há de ser um esforço tardio que lhe vai permitir a entrada, ficando deste modo do lado de fora.

Esses textos se nos apresentam – nunca é demais repetir – com tal clareza que nenhuma agudeza os poderia obscurecer.

Mas é preciso interpretar a Sagrada Escritura de acordo com o ensinamento da Igreja que, revigorando-se a cada época, constitui a chamada Tradição. Em qualquer ponto em que haja ambigüidade, a Tradição em último caso fixa a doutrina que os fiéis devem considerar de fato como a palavra de Deus.

Se o problema é o número dos eleitos – consultemos a Tradição.

Se a voz dos primeiros padres, dos doutores da Igreja, dos escolásticos da Idade Média, dos teólogos e dos célebres pregadores modernos nos declara que os eleitos, i. e. os salvos, são poucos em relação aos condenados, é evidente que o problema está resolvido. A Sagrada Escritura de per si já era bem clara; por seu lado, a Tradição não permite que nos desviemos do sentido óbvio dos textos, por isso estabelece duma vez para sempre a interpretação e a impõe como regra para os cristãos.

Eis como o Concílio de Trento estabelece a autoridade da Igreja e dos Padres, em relação à interpretação da Sagrada Escritura:

Para reprimir a petulância de certos espíritos, o Santo Concílio não permite que ninguém – apoiando-se sobre a prudência pessoal, nas coisas relativas à fé e aos costumes – ouse amoldar a Sagrada Escritura aos próprios sentimentos, e interpretá-la de encontro ao sentido que apregoou e apregoa a Nossa Madre Igreja, à qual pertence julgar o verdadeiro sentido e a verdadeira interpretação das Sagradas Escrituras, ou ainda contra o unânime e concordante ensinamento dos Padres.

Assim o espírito humano não está livre para seguir os próprios sentimentos em questões escriturárias: deve ele consultar a Tradição da Igreja e também o ensinamento dos Padres, que constitui uma parte importantíssima da Tradição. No momento em que se reconheça que a Tradição fixou o sentido dum texto, não é mais lícito buscar e abraçar outra interpretação.

Ora, já se pronunciou a Tradição sobre o problema do número dos eleitos? Têm os Padres um ensinamento unânime? É o que vamos estudar e relevar. Após analisarmos os Padres da Igreja, seguiremos o influxo da Tradição nos grandes teólogos da Idade Média, e depois nos autores mais santos e reputados da modernidade, que estão de pleno acordo com os Padres acerca do ensinamento do pequeno número dos eleitos, como iremos constatar. (Continue a ler)

A Igreja do Céu

Gustavo Corção

 

“Em mim reside toda a graça do caminho e da verdade, em mim toda a esperança da vida e da virtude. Sou como a roseira plantada à beira das águas”. Ofertório — Nossa Senhora do Rosário

Vale a pena, nestes meses de outubro e novembro, meditar muitas vêzes na Comunhão dos Santos, e especialmente na intercessão daqueles que povoam a Igreja do Céu; e vale a pena consagrar uma especial atenção ao culto de veneração que devemos à Virgem Santíssima, de cujas mãos recebemos as graças de seu Filho para nossa salvação.

Bem sabemos que os tempos são ingratos para esta forma de piedade, tão católica e tão comprovadamente boa. Quase devemos ter força de mártir se quisermos dizer alguma coisa sobre o nono artigo do Símbolo: “creio na Comunhão dos Santos”, e sobretudo se quisermos meditar aos pés de Nossa Senhora. Ai de nós!, o tempo em que vivemos gaba-se de ser comunitário em todos os sentidos, exceto neste que se refere à Comunhão dos Santos; e gaba-se de ser pacífico e fraterno em todos os sentidos, exceto neste que se refere à nossa Mãe. (Continue a ler)

Pode a Igreja morrer?

Dom Lourenço Fleichman OSB

Muitas pessoas me pedem que atualize com mais freqüência o site. Confesso que não tenho conseguido me dedicar mais a este apostolado, levado pelo excesso de trabalho nas quatro capelas sob minha responsabilidade, nas revisões doutrinárias dos livros que editamos e na cura das almas. Estamos iniciando agora o projeto do Colégio São Bernardo, a primeira escola da Tradição no Brasil, sobre a qual falaremos a seu tempo.

Felizmente tenho a ajuda de uma equipe atuante no que toca a produção da Revista Permanência, de outra forma não conseguiria manter o ritmo dos lançamentos trimensais. Confesso que é um trabalho que nos traz muita satisfação.

Agora mesmo assistimos a mais um grave escândalo do ecumenismo desenfreado. A reunião promovida pelo papa Francisco I dentro do Vaticano, no domingo de Pentecostes é apenas um gemido naturalista, um grunhido da História, dentro da obra destruidora do Vaticano II.

LEIA A CONTINUAÇÃO

Não vos inquieteis com nada

Não vos inquieteis com nada, mas em todas as circunstâncias manifestai a Deus as vossas necessidades
por meio de orações e de súplicas unidas à ação de graças
(Fp 4,6)

 

Queridos fiéis,

Enquanto o mundo moderno se precipita de cabeça rumo à tirania política, recessão econômica e perseguição cultural, é natural – e sobrenatural – para os católicos, dirigirem-se a Deus.

À medida que somos, forçadamente, desconectados do nosso controle sobre as coisas materiais, é natural que nos apeguemos com maior afinco aos bens espirituais em nossas vidas: nosso relacionamento com Deus, a família e os amigos, e com nós mesmos. Com a ajuda da graça de Deus, lucraremos dessa desconexão forçada não apenas por contemplarmos o valor das coisas espirituais, mas também por colocá-las em sua ordem devida: amar a Deus sobre todas as coisas e, então, amar ao próximo como a nós mesmos por amor de Deus.

Uma das consequências naturais desse rearranjo será uma vida de oração mais fervorosa e eficaz.

 

Definição de oração

A oração, em sentido estrito, é a elevação da mente e do coração a Deus para Lhe pedir, corretamente, algo: as graças ou dons de que precisamos para viver na terra e para atingir a vida eterna.

A oração, em sentido amplo, é a elevação da mente e do coração a Deus, não apenas para Lhe pedir algo, mas para O adorar, agradecer a Ele e fazer-Lhe reparação.

A oração, no sentido mais amplo, é uma conversa com Deus, às vezes chamada de colóquio. A oração é uma conversa, uma conversa de duas vias, porque Deus sempre responde às nossas orações, seja por inspirações interiores ou eventos exteriores; basta que estejamos ouvindo.

A natureza e finalidade da oração está explicada na Figura 1.

 

Necessidade da oração

A oração é nosso dever primário não apenas enquanto cristãos, mas mesmo enquanto homens. É natural e necessário (i. e., parte da lei natural) que peçamos graças a Ele, de Quem recebemos tudo – até mesmo nossa existência. É natural e necessário que reconheçamos, coloquemo-nos diante, honremos e agradeçamos ao Ser Supremo. É natural que conversemos com Deus, com Quem unir-nos é nosso fim último, o propósito último de nossa existência.

A oração frequente, portanto, é necessária para obter o céu àqueles que atingiram a idade da razão.

 

Tipos de oração

Há certos modos de classificar a oração:

– As orações podem ser classificadas de acordo com seu fim: culto (isto é, adoração, ação de graças e reparação) ou petição.

– A oração pode ser pública ou privada. As orações públicas, neste sentido, são as orações oficiais da Igreja, também chamadas de Liturgia. Essas orações estão contidas nos livros oficiais da Igreja: o Missal, o Ofício Divino (Breviário), o Ritual e o Martirológio e são rezadas por um ou com um ministro da Igreja.

– A oração pode ser pessoal ou coletiva.

– A oração pode ser vocal ou mental.

 

Os vários tipos de oração estão explicados na Figura 2.

 

*Figura 1*

 

*Figura 2*

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eficácia da oração na santificação

A oração produz três efeitos maravilhosos na alma:

– ela promove, em nós, o desapego das criaturas

– ela nos une inteiramente a Deus

– ela, gradativamente, transforma-nos em Deus

A oração promove, em nós, o desapego das criaturas na medida em que elas são um obstáculo para nossa união com Deus. Esse efeito da oração decorre da sua própria natureza como uma elevação do coração a Deus.

O segundo efeito da oração – a união – é realizada através da conversação íntima e é preservado pelo temor de perder a Deus através do pecado mortal, ou de afastar-se dEle através do pecado venial ou das imperfeições.

A oração, gradativamente, transforma-nos em Deus pela graça santificante que Deus nos dá. São Francisco de Sales diz:

“Se a oração é um colóquio ou uma conversação da alma com Deus, então que falemos a Deus, e Ele fale de volta a nós; que aspiremos a Ele e respiremos nEle, e Ele, reciprocamente, inspire-nos e respire sobre nós”

 

Eficácia das orações de petição

As orações de petição sempre serão atendidas, pois temos a promessa do próprio Cristo:

“Pedi, e vos será dado; buscai e achareis; batei e abrir-se-vos-á" (Mt 7,7);

“Por isso vos digo: tudo o que pedirdes na oração, crede que o haveis de conseguir e que o obtereis” (Mc 11, 24)

Há, porém, algumas condições. Primeiramente, Deus só nos dá aquelas coisas que são verdadeiramente boas para nós, o que significa que nós só devemos rezar pedindo as coisas que, direta ou indiretamente, dizem respeito à nossa salvação ou à salvação de outro.

Então, quando rezamos, devemos rezar com atenção, fé firme, desejo ardente, esperança, docilidade e humildade.

Quando rezamos dessa maneira pedindo algo, jamais saímos sem ser recompensados. Pois, embora Deus já soubesse de cada necessidade nossa desde a eternidade, e tem Sua vontade fixa por toda a eternidade, Seu conhecimento prévio de nossas orações faz parte de Seu plano providencial para o universo. E, dessa maneira, podemos dizer que nossas orações, de fato, são a causa da munificência de Deus.

Se o que pedimos não for o melhor para nossa salvação, nossa oração, ainda assim, não deixará de nos trazer novas graças e um aumento da fé, esperança e caridade, desde que rezemos com humildade.

 

Oração vocal

Quando decidimos rezar, a maioria de nós, instintivamente, recorre à oração vocal, que envolve a recitação de textos fixos, como a Liturgia da Igreja, ou devoções como o Rosário, hinos, ladainhas, atos de consagração, etc, ou falando com palavras próprias.

A oração vocal, porém, não está na recitação de palavras; está na elevação da mente e do coração a Deus por atos afetivos de humildade, fé, esperança, caridade, gratidão e pesar que as palavras evocarem ou permitirem. É importante entender isso, pois nos ajudará a perceber que a atenção a Deus, a Quem nos dirigimos, é necessária e evitará que cometamos o erro de multiplicar nossas orações vocais sem atos afetivos de virtude. Não precisamos nos concentrar nas palavras, mas precisamos nos concentrar em Deus.

 

Oração mental

A oração mental é uma forma mais elevada de oração, pois é mais espiritual e, portanto, mais adequada à união com Deus. Também é mais difícil, razão pela qual muito poucos rezam bem dessa maneira.

A oração mental pode ser, de maneira ampla, dividida em oração meditativa ou oração contemplativa em razão das operações na alma de cada uma. Ela também é dividida de outros modos pelos autores espirituais.

A figura 3 contém a divisão da oração mental de Santa Teresa d’Ávila.

Oração

Sentidos exteriores

Vontade

Razão

Memória

Imaginação

Origem

Objetivo/resultados

Mental (deliberação)

Voluntariamente suspensos

Uso completo

Uso completo

Uso completo

Uso completo

Natural & sobrenatural

Discursivo

Refletir sobre verdades

Recoleção

Voluntariamente suspensos

Uso completo

Uso completo

Uso completo

Uso completo

Natural & sobrenatural

Consciência da presença de Deus

Quietude

Orações repetitivas/escrita

Absorta em Deus

Uso completo

Uso completo

Uso completo

Puramente sobrenatural

Quietude apesar de alguma distração parcial

União

Involuntariamente suspensos

Absorta em Deus

Absorta em Deus

Uso completo

Uso completo

Puramente sobrenatural

Paz no amor de Deus

Êxtase/arrebatamento

Involuntariamente suspensos

Absorta em Deus

Absorta em Deus

Absorta em Deus

Absorta em Deus

Puramente sobrenatural

Transes, êxtases, levitação

Meditação

A oração meditativa é a forma mais simples de oração mental e pode ser definida como “uma divagante reflexão amorosa das verdades religiosas”, através da qual elevamos nossas mentes e corações a Deus.

O que isso significa é que, após nos colocarmos na presença de Deus (imaginando-nos ajoelhados ante Seu trono, ou sentados aos Seus pés ou de qualquer outra maneira que nos seja conveniente para nos imaginar na Sua presença), começamos a pensar nEle ou em algum aspecto de Seu mundo criado e das suas criaturas como sendo ordenadas a Ele. Mas o objeto desse esforço de reflexão discursiva não é obter uma compreensão melhor das verdades da nossa fé (ou mesmo verdades da Filosofia ou ciência relacionadas com Ele), e sim descobrir manifestações de Seu amor por nós.

São João da Cruz afirma, sucintamente: “O fim da meditação e da consideração mental das coisas divinas é obter algum conhecimento do amor de Deus” Portanto, a meditação pode ser vista como uma parte do primeiro estágio de cortejo. Assim dois espíritos semelhantes atraem-se um ao outro, eles se encontram conversando com prazer e, quando a sós, ponderando sobre sua conversação, pela meditação ponderamos as palavras e ações de Deus na Escritura, na Teologia e nas vidas dos Santos ou em nossas próprias vidas para descobrir novas razões para amar a Deus e novos sinais do amor de Deus por nós.

A diferença entre amantes humanos e amantes divinos é que, em vez de nos indagarmos se o outro nos ama, sabemos que Deus nos ama com certeza da fé e da razão. Nossas meditações, portanto, são um exercício na descoberta e elucidação desse amor e na provocação do nosso amor por Ele através dessa descoberta.

A oração da meditação, embora mais livre que a oração vocal, não deve estar totalmente privada de uma estrutura, pois nossa frágil natureza humana requer algum tipo de apoio. Tipicamente, a oração meditativa deve incluir os seguintes passos:

– Colocar-se na presença de Deus,

– Refletir sobre o tema da meditação (p. ex., o Evangelho do dia)

– Ponderar os pontos da meditação

– Conversar com Deus

– Formar resoluções

Sta Teresa d’Ávila admitia ter grande dificuldade de se concentrar nas meditações e, portanto, defendia a meditação com um livro, para que seja possível ler e reler a seção de um texto.

Algo que devemos evitar quando meditamos é tornar-nos o objeto da meditação. Nossa oração não deve ser uma torturante extensão do exame de consciência.

 

Contemplação

A meditação é o primeiro estágio do cortejo; é uma oração-meio conducente à perfeição da oração, que é a contemplação. Sta Teresa d’Ávila descreve a contemplação como “nada além do íntimo comércio da amizade, na qual uma alma conversa um a um com esse Deus, que ela sabe que a ama”

No começo, é um colóquio íntimo, totalmente pessoal e espontâneo, sem preocupações com forma e ordem e procedente, apenas, do fluxo de amor do coração. Assim como dois amantes, convencidos de seu amor mútuo, sentem total liberdade e prazer na companhia um do outro, a contemplação é aquela relação de amor com Deus livre, desinibida. Às vezes a alma fala, às vezes mantém-se em silêncio, ouvindo interiormente, para perceber os movimentos da graça, que são a resposta de Deus

Quando todos os desejos de nosso amor foram falados, assim como dois amantes podem olhar um para o outro em silêncio, nosso colóquio cessa e nossa alma é acalmada em contemplação silenciosa de Deus. Essa é a consumação da oração de contemplação: uma intuição simples da Verdade. Na contemplação, a alma em busca de Deus é iluminada por Sua luz e é atraída intensamente a Ele.

Essa é a forma mais elevada de oração e não é algo que pode ser atingido por um método; é um dom livre que Deus dá em breves momentos ou por períodos prolongados, para encorajar as almas em sua obra de santificação

 

Não vos inquieteis

Após termos lembrado a natureza, necessidade e tipos de oração, enquanto contemplamos as nuvens da revolução se fechando, lembremos, ainda, que nenhuma tirania, nenhuma pobreza e nenhuma perseguição religiosa pode nos remover o maior bem, aquela pérola que é nosso relacionamento pessoal com nosso Deus de amor. Como São Paulo diz,

Não vos inquieteis com nada, mas em todas as circunstâncias manifestai a Deus as vossas necessidades por meio de orações e de súplicas unidas à ação de graças (Fp 4:6)

 

In Jesu et Maria,

Pe. Robert Brucciani

(Ite Missa Est, Março-Abril 2021. Tradução: Permanência)

A caridade, amor sobrenatural

Hoje em dia, os católicos são solicitados em toda parte. É impossível percorrer uma rua em Paris sem encontrar um pedinte, impossível encontrar um lugar na França onde não haja um estrangeiro pedindo abrigo. Qual é nosso dever de caridade? Perguntam-se os fiéis.

 

Voltemos às definições

Atualmente, todo mundo fala de tudo, mas não é capaz de dar as definições verdadeiras das palavras ou dos conceitos utilizados. Isso é assim de modo eminente para a caridade. Essa bela virtude foi aviltada pelo naturalismo devastador que há três séculos assola o mundo.

Então, o que realmente é a caridade? O catecismo responde assim: “A caridade é uma virtude sobrenatural, infusa por Deus na nossa alma, pela qual amamos a Deus por Ele mesmo acima de tudo, e amamos ao próximo como a nós mesmos, por amor de Deus.”

Quatro pontos vão reter a nossa atenção. A caridade é 1) uma virtude sobrenatural; 2) amor; 3) amor a Deus; e 4) amor ao próximo.

 

Virtude sobrenatural

Sabemos pela fé que recebemos duas vidas distintas e concomitantes. A vida natural é a da nossa natureza humana, recebida de nossos pais. O corpo e a alma, a inteligência e a vontade pertencem a essa vida.

Na sua bondade, Deus quis acrescentar à vida da natureza humana uma outra vida: a sua. O que nós chamamos de vida sobrenatural – por exceder as capacidades da natureza – é uma participação na vida divina. Nós chamamos também de vida da graça, porque ela é um dom puro e gratuito que Deus faz ao homem. É uma elevação a uma ordem muito superior à da natureza do homem. Elevação que não destrói em nada a vida natural, mas antes a aperfeiçoa.

Com efeito, ao nos fazer participar da sua vida divina pela graça, nosso Criador nos atribui um fim ou uma felicidade bem maior que aquela que a natureza abandonada a si mesma poderia nos fazer entrever. A realidade dessa vida sobrenatural, à exemplo da vida natural, tem seus componentes. A graça é a essência dela, as virtudes infusas são os seus princípios de ação. Assim como, com nossa natureza humana, possuímos faculdades que nos fazem agir como homens, do mesmo modo, na vida sobrenatural da graça, possuímos princípios de ação que nos fazem agir não mais apenas como homens, mas como filhos de Deus. Eis o que precisamente são as virtudes sobrenaturais.

A caridade é uma virtude sobrenatural. Dito de outra maneira, só pode existir na alma de quem possui a graça, e sua ação é essencialmente sobrenatural. Possuir a caridade, viver da caridade, realizar atos de caridade não são o apanágio do homem na plena posse da sua natureza, e sim algo próprio dos filhos de Deus, dos que vivem em estado de graça.

 

Um certo amor

Mas, o que é essa virtude? Uma virtude é um princípio de ação. Qual é a ação ou o ato da caridade? Trata-se de um amor, mas não de um amor qualquer. Santo Tomás possui longos e belos textos sobre o tema[1]. A caridade é uma amizade.

A amizade é uma forma particular de amor. O amor é uma atração, um apetite por um bem, um movimento que move o amante em direção ao ser amado.

Esse movimento pode se revestir de uma dupla intenção da parte de quem ama. No primeiro caso, o amante quer se apoderar da coisa amada para si mesmo, para o seu próprio bem ou satisfação. Falamos, nesse caso, em amor de concupiscência, termo que não possui aqui nenhuma conotação moral. Quando o leão é atraído pela gazela, trata-se de amor de concupiscência: ele quer a gazela para si. Também é assim com o homem que cobiça uma Ferrari ou a mulher que deseja uma bolsa de pele de crocodilo. 

No segundo caso, o amor se volta para uma pessoa a quem o amante quer o bem. O ser amado não é mais desejado para si, como no amor de concupiscência, mas é amado em si mesmo, para o seu bem. Fala-se então de amor de benevolência, o que significa etimologicamente, de modo perfeito, a realidade desse amor: querer o bem. Assim, os pais têm pelos seus filhos um amor de benevolência, amor pelo qual desejam o bem aos seus filhos.

A amizade é um amor de benevolência, mas um amor de benevolência particular. A amizade acrescenta, com efeito, à benevolência uma reciprocidade: o amante quer o bem do amado e o amado quer o bem do amante.

Todo amor de benevolência não é necessariamente recíproco. O mestre ou o professor tem pelos seus discípulos um verdadeiro amor de benevolência que, infelizmente, nem sempre é retribuído... A amizade, ao contrário, pressupõe a reciprocidade, porque o amigo é amigo do seu amigo!

Essa reciprocidade merece ser explicitada. Com efeito, para que exista uma benevolência recíproca, é preciso que haja uma troca, algo de comum sobre o qual essa reciprocidade vai ser exercida. Dito de outro modo, existe um bem comum, uma comunhão de bens que permite, aos dois amigos, essa troca de amor.

Assim, toda amizade é um amor de benevolência recíproca, fundada em alguma comunhão ou comunicação de um bem.

 

O amor de Deus

Qual é, portanto, a comunicação do bem na caridade?

Santo Tomás responde de modo tão lapidar, que é quase desconcertante! “Portanto, quando há uma comunhão de bens entre o homem e Deus, posto que Deus nos faz partilhar a sua beatitude, resulta que essa partilha implica em uma amizade.”[2]

O bem comunicado é a beatitude de Deus. Dito de outro modo: o bem comunicado é a própria vida de Deus. Eis o que é a caridade. Um amor recíproco entre Deus e o homem fundado na vida divina, que nos é comunicada pela graça!

Quanta riqueza numa simples definição! Antes de mais nada, a caridade é um amor de Deus, amor pelo qual amamos a Deus tal como Ele se ama, posto que Deus é caridade. Que grande mistério, uma reciprocidade entre Deus e sua criatura!

Deus criou em nós a capacidade de amar (eis o porquê desse amor ser sobrenatural, essa capacidade excede nosso simples poder) e de amá-lo tal como Deus é na intimidade da sua vida trinitária (eis outra razão da caridade ser sobrenatural: o seu objeto está fora do nosso alcance, sendo inacessível e incognoscível a nossa vontade e conhecimento). Compreende-se também que, para viver de caridade, é preciso viver da graça, posto que essa última é uma participação na vida divina. Sem a graça, não há caridade, simplesmente porque não há mais nada de comum entre o homem e Deus. O simples fato de amar a Deus como nosso criador não basta tampouco para definir a caridade, posto que ela excede as capacidades da natureza humana, que não alcança a intimidade divina.

Se compreendemos bem em que consiste a caridade, podemos então nos perguntar em que consiste a caridade pelo próximo. Será ela possível, uma vez que a caridade é o amor recíproco entre o homem e Deus?

 

O amor ao próximo

Nosso Senhor, que nada diz em vão, acrescentou este pequeno inciso a propósito do mandamento de amar a Deus: “O segundo é semelhante a este: amarás o teu próximo...”[3]

Tudo está dito com a palavra semelhante! Não há duas virtudes de caridade. Há uma só que consiste em amar a Deus como Ele se ama, e amar a Deus no próximo por Deus e em Deus.

Tudo permanece sobrenatural no amor ao próximo. O que visa a caridade pelo próximo, não é o seu bem estar material, a quantidade de arroz na mesa ou a qualidade das cobertas com que passará a noite. Isso pode até fazer parte, mas não é o principal. O que define a caridade fraterna é a mesma comunicação que existe na caridade com Deus: a beatitude ou a vida de Deus.

Amar ao próximo é desejar-lhe a graça e a vida divina, é entretê-la nele. Amar ao próximo é ver nele a obra de Deus, por vezes ainda não iniciada, mas a ser começada. Amar ao próximo de modo material é predispor-lhe a receber o amor de Deus, pois aí está a felicidade de Deus a que o homem é chamado.

 

Desvio diabólico

Compreende-se bem, por esses desenvolvimentos, como a caridade foi aviltada. O naturalismo é a chave disso. Pois, após passar pelo filtro desse naturalismo, não restou grande coisa da caridade. Fez-se dela uma aptidão puramente humana, um amor humano. Atribuiu-se a ela um objeto humano: o emigrante; ao qual se acrescentou meios humanos: a acolhida. Para cúmulo, deu-se ao homem um fim humano: o globalismo, sob os aspectos do ecologismo e do respeito pela “mãe terra”.

O diabo é o símio de Deus. Nesse caso, sua força consiste em guardar a palavra caridade esvaziando-a de toda substância sobrenatural a fim de fazer dela um humanitarismo. O pior talvez não seja isso. A força do demônio é de fazer com que aquele que deveria agir como Vigário de Cristo esteja hoje a serviço do globalismo.

 

(Le Chardonnet no. 362 – Tradução: Permanência)

 

[1] S.T., IIa IIae, q. 23.

[2] S.T., IIa IIae, q. 23., a. 1.

[3] Mt 22, 34.

O sonho de Nabucodonosor

Conduzido para diante de Nabucodonosor, depois da promessa de narrar e interpretar a visão que o rei teve em sonho, disse Daniel estas palavras:

“O mistério cuja revelação o rei pede, respondeu Daniel ao rei, nem os sábios, nem os mágicos, nem os feiticeiros, nem os astrólogos são capazes de revelar-lhos. Mas no céu existe um Deus que desvenda os mistérios, o qual quis revelar ao rei Nabucodonosor o que deve suceder no decorrer dos tempos. Eis, portanto, teu sonho e as visões que se apresentaram a teu espírito quando estavas em teu leito. Senhor, os pensamentos que vieram ao teu espírito, enquanto estavas em teu leito, são previsões do futuro: aquele que revela os mistérios mostrou-te o futuro. Quanto a mim, se esse mistério me foi desvendado, não é que haja mais sabedoria em mim do que nos outros homens, mas para eu dar ao rei a interpretação, a fim de que se faça luz nos pensamentos do teu coração. Senhor: contemplavas, e eis que uma grande, uma enorme estátua erguia-se diante de ti; era de um magnífico esplendor, mas de aspecto aterrador. Sua cabeça era de fino ouro, seu peito e braços de prata, seu ventre e quadris de bronze, suas pernas de ferro, seus pés metade de ferro e metade de barro. Contemplavas (essa estátua) quando uma pedra se descolou da montanha, sem intervenção de mão alguma, veio bater nos pés, que eram de ferro e barro, e os triturou. Então o ferro, o barro, o bronze, a prata e o ouro foram com a mesma pancada reduzidos a migalhas, e, como a palha que voa da eira durante o verão, foram levados pelo vento sem deixar traço algum, enquanto que a pedra que havia batido na estátua tornou-se uma alta montanha, ocupando toda a região. Eis o sonho. Agora vamos dar ao rei a interpretação. Senhor: tu que és o rei dos reis, a quem o Deus dos céus deu realeza, poder, força e glória; a quem ele deu o domínio, onde quer que habitem, sobre os homens, os animais terrestres e os pássaros do céu, tu és a cabeça de ouro. Depois de ti surgirá um outro reino menor que o teu, depois um terceiro reino, o de bronze, que dominará toda a terra. Um quarto reino será forte como o ferro: do mesmo modo que o ferro esmaga e tritura tudo, da mesma maneira ele esmagará e pulverizará todos os outros. Os pés e os dedos, parte de terra argilosa de modelar, parte de ferro, indicam que esse reino será dividido: haverá nele algo da solidez do ferro, já que viste ferro misturado ao barro. Mas os dedos, metade de ferro e metade de barro, mostram que esse reino será ao mesmo tempo sólido e frágil. Se viste o ferro misturado ao barro, é que as duas partes se aliarão por casamentos, sem porém se fundirem inteiramente, tal como o ferro que não se amalgama com o barro. No tempo desses reis, o Deus dos céus suscitará um reino que jamais será destruído e cuja soberania jamais passará a outro povo: destruirá e aniquilará todos os outros, enquanto que ele subsistirá eternamente. Foi o que pudeste ver na pedra deslocando-se da montanha sem a intervenção de mão alguma, e reduzindo a migalhas o ferro, o bronze, o barro, a prata e o ouro. Deus, que é grande, dá a conhecer ao rei a sucessão dos acontecimentos. O sonho é bem exato, e sua interpretação é digna de fé..” (Dn 2,27-45).

Aqui Daniel, cheio de espírito profético, expõe o encadeamento dos séculos e descreve os acontecimentos políticos futuros, de modo tal que se poderia acreditar tratar-se não do adivinho do porvir, mas do fiel historiador do passado demonstrando em pormenor seus conhecimentos sobre os monumentos de outrora. Vários elementos desse oráculo são dignos de atenção.

Em primeiro lugar, a sucessão dos quatro impérios, representados pela cabeça de ouro da estátua, pelo seio de prata, pelo ventre de bronze, pelas pernas e pés metade de ferro, metade de barro. São eles as quatro grandes monarquias que dominaram o mundo civilizado, a partir da época de Daniel: os caldeus, os persas, os gregos, e finalmente os romanos. Não é mister insistir nem se aplicar, visto que as lições deste capítulo da história são mais claras que o sol. Tu és a cabeça de ouro, disse ele. Assinalou-se aqui os babilônios, que de fato alcançaram com Nabucodosonor II o pináculo do esplendor e do poder. Por isso, é comparado ao ouro fino, pois que não havia quem fosse mais rico nem magnífico que Babilônia (cf. Is 14, 4 sq., Jr 60 inteiro teor, Dn 4, 17 sq. Etc.). Depois de ti surgirá um outro reino menor que o teu: um reino de prata, i. é, o dos medos e persas, fundados por Ciro. Quando desviaram as águas do Eufrates do leito, a grande Babilônia fiou-se na imponência de suas torres e na inexpugnabilidade de seus bastiões, mas foi tomada de assalto em uma noite, e o último de seus reis, Baltazar, assassinado. Apesar de sua vastidão, poder e riqueza, o império persa não igualou o esplendor nem a duração do império assírio-babilônico. Por isso, assemelha-se à prata que, comparada ao ouro, lhe é inferior. Depois um terceiro reino, o de bronze, que dominará toda a terra, é o de Alexandre e dos macedônios seus sucessores. Pode-se dizer com todas as letras que este é o de bronze, observa São Jerônimo, porque entre todos os metais o bronze é particularmente sonoro; ele possui um timbre argentino, e sonoridade de grande alcance e amplitude, de sorte que põe em relevo não apenas a celebridade e o poderio deste reino, mas também a eloqüência da língua grega. Um quarto reino será forte como o ferro; o ferro, dizia eu, que esmaga e triunfa sobre tudo, atribui-se sem dúvidas ao império romano. Suas limitações se representam nos pés e nos dedos, metade em ferro, metade em barro, pois que no começo ninguém lhe superava a força nem a solidez, mas no final ninguém fora tão frágil: quando das guerras civis e das guerras contra nações estrangeiras, os romanos empregavam os demais povos bárbaros como mercenários (São Jerônimo, Comentário sobre Daniel 2). Considerem-se pois esclarecidos e manifestos os fatos relativos à sucessão dos quatro impérios.

Agora, considerem que os quatro reinos representados no sonho místico, apesar de diferentes uns dos outros, cada qual com características próprias, pertencem todavia ao mesmo gênero, pois que estão unidos entre si como partes de uma só estátua, um único colosso. No capítulo sete do mesmo livro, tornamos a nos deparar com os mesmos impérios - antes figurados por cabeça de ouro, seio de prata, ventre de bronze e pernas e pés de ferro e barro - manifestados sob outras formas, a de bestas ferozes: o primeiro se identifica com o leão, o segundo com o urso, o terceiro com o leopardo, e o quarto com outra fera, inominada, mas superando as demais em ferocidade. Vi o que me apareceu na visão noturna, diz o profeta, e eis que os quatro ventos do céu agitavam o mar imenso, e quatro enormes bestas surgiam do mar, cada qual na sua espécie (Dn 7, 2 sq.). Perguntou Daniel ao anjo a interpretação da visão, e este lhe respondeu: As quatro bestas enormes são os quatro reinos que se erguerão da terra, i. é, do mundo figurado pelo mar, cujas ondas representam os povos, e cujas tempestades as revoluções políticas. Notem bem a ordem, diz São Jerônimo: denomina-se leão aquele representado na imagem da cabeça de ouro. De fato, ao dizer que o primeiro é como um leão, e possui asas de águia, sublinha a ferocidade, a crueldade, a rapacidade e o orgulho do reino de Babilônia. E eis outra besta, semelhante ao urso. É a mesma que, na visão da estátua, figurava-se no seio de prata. Sabe-se que o urso não possui a majestade do leão, e sua dignidade é menor entre os animais. Além disso, não é caçador, como o leão, porém se provocado, torna-se terrível: assim os medos e os persas, se acreditamos em Xenofonte, habitavam pacificamente as montanhas escabrosas; mas logo que o rei dos assírios veio-lhes provocar, armaram-se até os dentes. Estes e outros fatos, os quais não relatarei, anunciam sem dúvida o segundo reino. Vi ainda um pouco mais, e eis outra besta, um como leopardo. O terceiro reino é o dos macedônios ou gregos, que reconhecemos na estátua sob a forma de ventre e de coxa de bronze. Aqui comparam-no ao leopardo, a mais veloz das bestas, que se precipita em direitura do sangue e que num salto voa para matar, como diz São Jerônimo. Nada fora tão avassalador quanto o triunfo de Alexandre, acumulando mais vitórias que combates, desde os mares Ilírico e Adriático até o Oceano Índico, e subjugando a Ásia inteira e parte da Europa em seis anos. Depois disso, vi uma quarta besta, aterradora e de força imensa; tinha dentes de ferro enormes, com os quais devorava e triturava, e o que sobrava fazia de escabelo para os pés – diferençava muito das outras feras que vi, e tinha dez chifres. Na estátua, representada nos pés de ferro, está a Roma pagã a devorar toda a terra. Difere muito dos precedentes pois Roma, ao devorar os demais reinos, primeiro sob a direção dos reis, depois dos tribunos, e finalmente dos ditadores e imperadores, assimilava-lhes a seiva, mas não se assemelhava a nenhuns deles; as influências não o abrandavam, mas ao contrário atiçava-lhe o instinto cruel acima das outras bestas feras. Observa assim São Jerônimo: “Admiro-me de que pudéssemos conhecer os três reinos no leão, no urso e no leopardo, mas que o império romano não fosse comparado a nenhuma besta conhecida; constrói-se uma besta terrificante, inominada, para que tudo quanto imaginemos de feraz nas demais bestas se compreenda como sendo os romanos”. Deste modo, as bestas e a estátua que representam os quatro grandes reinos são a mesma e única coisa, i. é, a civilização antiga que, no seio de diversas nações, uma após a outra, gozava do domínio e não obstante perdurava, conservando sua natureza, o mesmo estado de coisas, o mesmo gênero político sob a lei feroz e tirânica do príncipe das trevas, que o Evangelho denomina príncipe deste mundo. Por esta razão, mostram-se os reinos como levantados da terra, pois que eram puramente políticos e daí concebidos para conduzir e regrar a vida terrestre; mas conferiram-lhes a imagem de animais ferozes, porque inspirados não pelo espírito da verdadeira religião, mas pelo espírito bestial do falso culto dos demônios: culto da impiedade, do egoísmo, da crueldade, da luxúria, da impudicícia, do orgulho, da avareza e de tudo quanto o Apóstolo disse pertencer à escravidão da idolatria. Contempleis o imenso colosso, cuja aparição apavorou a alma de Nabucodonosor: ó rei, vós contempláveis uma estátua. A estátua era grande e sua aparência era extraordinária – ela postava-se diante de vós, e seu aspecto era terrificante (Dn 11, 31.)

Enquanto o colosso estava ali para ser reduzido à pó, anuncia-se um quinto império, como devendo nascer a partir dos precedentes. Vede-o, observai como a pedra que se desloca da montanha, sem intervenção de mão alguma, percute a estátua e esmigalha ao mesmo tempo ferro, barro, btonze, prata e ouro; e depois de reduzir a estátua em palha levada pelo vento de verão, a pedra transformou-se em grande montanha, e preencheu a terra. Não é espantoso que tal tenha se dado assim? Interrogai a ordem dos acontecimentos ilustres da história universal. Interrogai os monumentos, que por todo lado testemunham, no final do império romano, a renovação da face da terra. Ou ainda interrogai simplesmente os nomes dados às épocas e a cronologia que desde há muito está em uso no mundo civilizado. Interrogai-os todos, e vede se não modificam sua linguagem, se não apontam um ponto destacando-se no correr dos tempos e marcando, na sucessão dos séculos, o nascimento da nova ordem: esse instante não é a fundação de Roma, nem a instituição das Olimpíadas, tampouco o reino de Nabucodonosor ou de Ciro, rei dos persas, mas o fixado na profecia quando, sem intervenção de mão alguma, a pedra percuciente deslocou-se da montanha. “Que montanha é esta erigida da pedra que se deslocou, sem intervenção de mão alguma? É o reino dos judeus, adoradores do Deus único. Foi este Deus quem deslocou a pedra, que é Nosso Senhor... Esmagou todos os reinos da terra. Que eram os reinos da terra? Reinos de ídolos, reinos dos demônios – eles é que foram esmagados. Reinava Saturno sobre multidões humanas: que é de seu reino agora? Reinava Mercúrio não menor massa de homens: que é de seu reino agora? Foi esmagado, e os seus súditos conduzidos ao reino do Cristo. A pedra deslocada da montanha sem intervenção de mão alguma esmagou todos os reinos da terra. Que significa: deslocada sem intervenção de mão alguma? significa o Cristo nascido da raça judaica, sem intervenção do homem. De fato, os homens devem o nascimento ao ato conjugal. Ma o Cristo nasceu da Virgem, sem intervenção de mão alguma, i. é, sem intervenção de homem. Ele se levantou e, de golpe, esmagou os reinos da terra. Como imensa montanha, recobriu a face da terra. (Santo Agostinho, Discurso acerca do Salmo 98, conclusão.)

Consideremos agora, mais precisamente, a natureza do novo império e sua atitude em face dos quatro primeiros. Não é necessário nos demorarmos para demonstrar que sua natureza difere complemente dos demais. É certo que não está unido a eles como parte constitutiva da estátua, mas está acima e além dessa ordem. Daqueles se diz que se levantam da terra, mas deste que Deus o suscitou desde o céu. Porque terrestres, aqueles se reduzem à palha que o vento leva consigo. Este, porque celeste, nunca será destruído, e, ademais, aniquilará todos os reinos, subsistindo ele mesmo para sempre. Aqueles, fundados na força das armas, assemelham-se a bestas. Este, cujo nome é reino dos santos de Deus Altíssimo, não se deve constituir por violência, nem pela mão e valentia dos homens, mas contar tão-somente com a força celeste, que percute o colosso e cobre a terra inteira. Ele triunfará, em razão de algo por demais sabido para ser dito. Tudo bem, para rematar de uma vez por todas a vitória, houve mister que corresse sangue por três longos séculos – mas sangue de mártires – até que “o piedosíssimo Constantino imperador, suprimindo da república as perversidades do culto idolátrico, submete-se a onipotência do Senhor Jesus Cristo, e se converte com todas as veras da alma a Deus, junto com os povos que lhe prestavam obediência” (São Gregório, Magn., livro 3, carta 66). Eis aí o reino, reino espiritual, sobrenatural, cuja finalidade e origem são celestes. O reino de Cristo é a magnífica Igreja Católica.

Entretanto, não é porque este reino é espiritual que o devemos limitar à ordem religiosa, senão não seria lícito dizer que sucede aos quatro impérios precedentes, que sem dúvida pertencem à ordem política. A estatua, percutida e destruída, compunha-se de vários cultos e religiões idolátricas, não de diversos impérios temporais. Todavia, não se há de entender esta sucessão como a transferência de poder político à Igreja, pois um reino espiritual não tem como finalidade a administração da vida temporal, e formalmente está interdito de possuir um regime secular. Do mesmo modo, como sugere a imagem do colosso monstruoso, que a pedra mística deslocada sem intervenção de mão alguma percute e destrói, não se há de entender que fora esmagado enquanto representante do poderio político da gentilidade, pois em si o poderio político, em qualquer lugar em que se exerça, vem de Deus e não contraria seu reinado. Mas é força considerar que o poderio político, precisamente pelo fato de não se subordinar à verdadeira religião, está ao contrário subordinado ao demônio, aos ídolos, às pompas e às legiões.

O significado da profecia é o seguinte: com a destruição da idolatria e o reconhecimento do Cristo como redentor e promulgador da lei da graça, tornar-se-á a Igreja a reorganizadora das nações e dos povos, abrangendo inclusive as suas constituições políticas e sociais, certamente não pela absolvição dos poderes seculares, nem pela submissão direta, mas apenas de forma indireta, na medida em que a organização da cidade tem em vista os fins espirituais; desta feita, de modo verdadeiro e apropriado, a Igreja abatera os impérios terrestres precedentes que existiam durante o paganismo e os sucederá, substituindo-se a eles na direção suprema da sociedade. De fato, vemos que ela chegou em boa hora. Desde então, entre os cristãos, a norma ou regra suprema nas cidades não era mais a vontade despótica do tirano ou da lei de estado onipotente, que a tudo devora, mas sim a lei evangélica e a vontade de Deus manifestada na Igreja. Por meio dos bispos, dos concílios e sobretudo dos Papas, como atestam a eloquência dos monumentos históricos da Europa, a Igreja criara e conservara a nova civilização. (Liberatore, L’Église et l’État, I, 2, § 4). Assim, realmente esmagou-se ferro, argila, bronze, prata e ouro, reduzidos à palha carregada pelo vento de verão, depondo-se os césares e os nabucodonosores que abatiam os povos forçando-os a se imolar às suas veleidades, e entronizando em seu lugar príncipes cristãos, cujos títulos soam como uma definição, conforme o exemplo de Carlos Magno: Carlos, rei pela graça de Deus, soberano do reino dos Francos, e defensor zeloso da Santa Igreja, coadjutor da Sé Apostólica em todo necessário (Prefácio do Capituleiro de Carlos Magno, Migne, t. 97, col. 121).

[...]

Finalmente, resta a [...] questão das relações com o governo político, ou dos príncipes que devem servir de apoio para o comércio regular da sociedade temporal com a sociedade espiritual, fundada pela divindade de N.S.J.C.. Mas, desde há um século, esses príncipes começaram a se obnubilar tremendamente, inclusive os católicos. Daí, impregnados dos dogmas do liberalismo moderno por meio da educação, da familiaridade com o estado atual da humanidade, da opinião dominante e, se se pode dizer, da atmosfera ambiente, é dificílimo convencê-los da verdade. Diria eu com segurança que não há esperanças dum renascimento e reverdecimento de nações cristãs sobre a terra, enquanto se não restabelecerem tais príncipes. Mas a desesperança neste restabelecimento é o sinal anunciador de que a derradeira catástrofe não está distante, conforme o que diz o Apóstolo (2 Tes 11, 3).

[...]

 

Fonte: Prophéties de l”Histoire, éditions de L’Homme Nouveau, 2007

Tradução: Permanência

As sete igrejas e as sete idades

O Apocalipse relata o estado das sete igrejas da Ásia, para as quais São João teve de escrever, com o fim de lhes comunicar advertências para sua salvação. Ora, as sete igrejas figuram as sete épocas ou sete idades da Igreja universal, desde a Ascensão do Senhor até o Segundo Advento. Todas se denominam por nomes místicos que designam profeticamente o traço característico de cada uma das épocas.

A primeira igreja é a de EFÉSIO (2, 1-7). Em grego, Efésio significa impulso, o princípio da expansão ou do direcionamento a uma finalidade. Esse nome convém à idade apostólica, pois que os apóstolos pregaram por todo o mundo, com crescente êxito, após receberem o sopro impetuoso do Espírito Santo; Deus os ajudava, confirmando suas palavras com sinais. Mas a advertência epistolar convém igualmente, nesta época de que falamos, aos falsos apóstolos mencionados amiúde por São Paulo, e à seita dos nicolaítas, fonte primeva do gnosticismo impuro, criada por um dos sete primeiros diáconos. Escrito ao anjo a Igreja de Éfeso: Conheço tuas obras e teu trabalho... tu provaste os que se declaravam apóstolos e não o eram, apanhaste-os em mentira... Contudo, tens em testemunho de teu fervor o ódio pela obras dos Nicolaítas, obras que eu também odeio etc.

A segunda igreja é a de ESMIRNA (2, 8-11). Este termo designa a mirra, e também a idade durante a qual, em razão da crueldade das perseguições e da grande amargura das tribulações, se cumpriu na Igreja o que predissera a boca profética: a mirra caiu gota a gota de minhas mãos, e meus dedos estão cheios da mais excelente mirra (Ct 5, 5). Por isso, afirma o anjo à igreja de Esmirna: Eis que o diabo vai lançar alguns dentre vós no cárcere, para vos pôr à prova, e vossa aflição durará dez dias, significando claramente as dez perseguições gerais.

A terceira igreja é a de PÉRGAMO (2, 12-17). Célebre por sua literatura profana, Pérgamo é a cidade que deu origem ao pergaminho, batizando-o com seu nome. Quando alguém se refere à “pele de Pérgamo”, mais conhecida sob o nome de pergaminho, logo vem ao espírito os livros publicados e os embates e controvérsias travados com a pluma. Corresponde a igreja de Pérgamo à terceira idade, à época de Constantino, em que cessaram as perseguições cruéis aos santos e doutores, e se propagaram também as grandes heresias que satã perpetrara – os arianos, os maniqueus, os pelagianos, os nestorianos etc.. Deus suscitou grandes homens para defender a verdade, homens dignos de eterna memória: Atanásio, Basílio, Gregório Nazianseno, Ambrósio, Jerônimo, Agostinho, os dois Cirilos, e muitos outros ainda, que ilustraram magnificamente a fé católica em seus escritos. Logo, é de justiça que Pérgamo represente a terceira idade. É de justiça que se enviasse a advertência ao anjo desta igreja que, apesar de louvada pela constância da fé, está de contínuo exposta a grandes perigos, visto que habita na sé do trono de satã, havendo de se defender do sítio das doutrinas heréticas: Escrito ao anjo da igreja de Pérgamo: eu sei que habitais na sé do trono de satã, e que preservastes meu nome e não renegastes a fé etc..

Em quarto lugar, sucede à igreja de Pérgamo a de Tiatira (2, 18-29). Esta palavra significa esplendor do triunfo e solenidade pomposa, tendo origem nas festas celebradas em honra de Baco, e depois empregada para designar toda e qualquer festa ou desfile triunfal. Logo, a igreja de Tiatira representa a quarta idade, iniciada sob Carlos Magno, com a instituição do Sacro Império Romano, cuja duração exprimira o número milenar (de 800 a 1800). A instituição do Sacro Império Romano sela a subordinação da sociedade temporal à espiritual, a coroação da organização social de Nosso Senhor Jesus Cristo, predita por Isaías: De pé, Jerusalém, que brilha tua glória! Eis que vem tua luz, e a glória do Senhor se eleva sobre ti... As nações marcharão em direção à luz, e os reis à claridade de tua aurora... Sucederás a nata das nações, sucederás ao púbere dos reis, e saberás que eu, o Senhor, sou teu salvador, e que teu redentor é o Forte de Israel (Is 60, 1,3 e 16). A profecia corresponde às festas solenes, ao fulgor do triunfo e, geralmente, a tudo que diz respeito a esta época: Ao anjo da igreja de Tiatira escreveu: Conheço tuas obras, teu amor, tua fé, tua boa vontade; são tuas últimas obras mais abundantes que as primeiras. Entretanto, não faltaram maus, pois que o mistério de iniqüidade está sempre com as mãos à obra e, enquanto durar a vida presente, o triunfo da Igreja Militante não será maior do que convém. Na figura de Jezabel se anunciam os cismas funestos e as heresias que assolaram, nesta época, a Cidade de Deus, por exemplo, o cisma dos gregos no séc. XI, a heresia dos albigenses no séc. XII, e sobretudo a impiedade dos protestantes no séc. XVI, data a partir da qual o império cristão entra em decadência, se preparando a pouco e pouco, sem que ninguém percebesse, a idade da Revolução.

Por isso, teve fim Tiatira, sucedendo-lhe a quinta igreja, a de SARDES (3, 1-6). Sem dúvida, Sardes é a célebre cidade da Lídia, onde reina Crésus. Ela sugere assim a abundância de ouro e prata, de riquezas seculares a excitar as paixões, a ostentação e a prosperidade material.  Daí, o que se refere a essa igreja sabe à decadência. Por todos os lados, vê-se a defecção, a apostasia; são poucos os que conservam a fé em Jesus Cristo, enquanto muitos se afastam da religião. Em Sardes, existem pessoas que não mancharam seus vestidos. E ainda: passas por vivo, mas estás morto!  Passas por vivo, já que possuis a ciência, a liberdade, a civilização e o progresso; mas estás morto e te assentas nas trevas, à sombra da morte, pois que rejeitas a luz da vida, o Cristo Senhor. Por tal razão, disseram ao anjo desta igreja: Sede vigilante, e confirmai os que iam morrer, ordenando-lhe instantemente de continuar fiel aos ensinamentos dos santos apóstolos, e de não se afastar muito, sob o pretexto duma melhor compreensão, do sentir comum dos santos padres. Recorda-te de como escutaste e recebeste: guarda-o e comunica-o. Eis o que respeita à quinta idade. Mas o que se segue é mais animador.

Após a igreja de Sardes, surgiria a sexta igreja, a de FILADÉLFIA (3, 7-13). Tudo que se diz dela é bom, sobretudo por causa da chegada do momento capital, o mais insigne e singular dos todos os momentos desde o começo da história até os dias de hoje: a conversão em massa dos judeus, e sua entrada na Igreja dos gentios, de sorte que povos até então separados por um muro claustral tornam-se um só povo, servo do Cristo – assim, Jacó se reconcilia do Esaú, e Isaque com Ismael, conforme predissera o Apóstolo (Rm 25-32).  Daí denominarem esta igreja de Filadélfia, que quer dizer amor aos irmãos ou reconciliação dos irmãos. Se sua queda (refere-se aos judeus) foi a riqueza do mundo, que não será seu resgate em massa... Se sua recusa foi a reconciliação do mundo, que será sua reintegração, senão a ressurreição dos mortos? (Rm 11, 12; 15). Quando vier este tempo, deve-se esperar uma admirável expansão da vida cristã em todo o mundo, a insigne vitória do Cristo e da Igreja sobre a Revolução subjugada. Subjugada, disse eu, não destruída; sob a batuta de satã, a Revolução neste entrementes recupera suas forças e inflama-se de intenso furor, aprestando-se para a batalha, para a guerra definitiva contra seu adversário, o Cristo. Daí o aviso ao anjo da igreja de Filadélfia sobre a proximidade da hora da provação, que vai se abater sobre todo o mundo, para provar os habitantes da terra.

Assim, resta a sétima e última igreja, a de LAODICÉIA (3, 14-22). Laodicéia significa julgamento dos povos, indicando com clareza a época da consumação do séculos, quando o Cristo virá por sobre as nuvens do céu para julgar os vivos e os mortos.

As considerações acerca das sete igrejas do Apocalipse, ou as sete idades da Igreja do Cristo, amigo leitor, talvez não te pareçam improváveis! Concluímos que a idade em que vivemos é a quinta – a idade da defecção, da apostasia e do liberalismo, idade medianeira entre Tiatira e Filadélfia, entre o fim do Sacro Império Romano e a renovação, que o Apóstolo não hesita em comparar à ressurreição dos mortos (Rm 11, 15). Tomara nossa interpretação não se afaste da verdade! Em meio ao males presentes – tão numerosos e graves - de que padecemos, ela faz-nos nascer a esperança da restauração futura (se se pode falar assim) e da contra-revolução.

[...]

Busquemos pois o Reino de Deus e sua justiça, não desprezando o mais a que devemos prestar atenção, nem esquecendo que é possível aplicar à influência salutar a Igreja o que já se escreveu sobre a piedade: ela é a todos útil, tendo em si a promessa de vida, presente e futura.

 

Fonte: Prophéties de l’Histoire, Éditions L’Homme Nouveau

Tradução: Permanência

Por Cristo, com Cristo, em Cristo

“Regi saeculorum immortali et invisibili soli Deo honor et
gloria in saecula saeculorum, amem” (Ofício de Matinas).
 
“Tudo aquilo que nos torna dignos de ser amados aos olhos de Deus nos vem d’Ele mesmo e só nos pode ser dado por seu amor soberanamente livre e gratuito. Digno de ser amado é o Bem, e nenhum bem, seja de que natureza for, pode vir senão da Bondade essencial, fonte de todo bem. De toda a eternidade Deus ama necessariamente esta Bondade infinita que é Ele mesmo, nela encontra sua beatitude essencial. Ele não tinha nenhuma necessidade de nos criar, porque Ele não é maior, nem mais feliz, nem mais sábio por ter criado o universo (ver S. Tomás, 1, q. 19, a. 3). Mas Deus quis manifestar sua bondade livremente, fazer-nos participar das riquezas que estão n’Ele. Ele quis raiar, como o sol; como o rouxinol enche o ar com seu canto, assim quis Ele cantar para fora de Si mesmo, para outras inteligências e outras vidas, suas perfeições infinitas. ‘Coeli ennarant gloriam Dei.’ O amor de Deus é criador: longe de supor que são dignos de ser amados os seres que Ele ama, Deus cria neles a amabilidade por um bem-querer puro, soberanamente livre e gratuito (I. q. 20, a. 3). É por este amor gratuito que Deus nos deu a existência, a vida do corpo, a vida da alma espiritual e imortal; é por amor que Ele no-las conserva livremente, que nos dá a cada instante o socorro indispensável para que possamos fazer os atos de inteligência e vontade indispensáveis à conquista da verdade e do bem. Mesmo aquilo que parece ser exclusivamente nosso, a livre determinação pela qual escolhemos o bem de preferência ao mal, mesmo isso nos vem dele. De nós, com exclusividade, provém apenas a desordem, a fraqueza que se mistura freqüentemente a nossos atos e que exige apenas uma causa deficiente (I, IIa., q. 79, a. 1 e 2). Mas, quando escolhemos o bem, é Deus, causa primeira, inteligência primeira, primeira liberdade e fonte de todo o bem, que no-lo faz escolher vitalmente e livremente (ver  I, q. 19, a. 8 e também q. 83, a. 1, dif. 3). Deus é mais intimo a nós do que nós mesmos. Se retirássemos de nossa vida, de nossos atos tudo aquilo que provém dele, no mais estrito rigor das palavras não sobraria absolutamente nada. Este é o fundamento da virtude cristã da humildade: o dogma da criação ex nihilo e o da necessidade da graça para o menor ato de salvação. Assim, Deus nos amou de toda a eternidade e manifestou este amor no instante da criação, instante que se renova pela criação quotidiana de almas, que se renovou pela criação de nossa alma individual, a qual Deus conserva livremente neste minuto presente, depois de ter criado. Por amor Ele deu, originariamente, a vida natural ao primeiro homem, que no-la devia transmitir; mas Ele lhe deu também, por um amor ainda mais gratuito, a vida da graça, que ultrapassa sem medida a vida natural da alma e a dos anjos mais perfeitos, porque ela é uma participação na vida divina propriamente dita. Ele deu ao primeiro homem, para no-la transmitir, a semente da vida eterna, que consiste em contemplar a Deus como Ele se contempla e a amá-lo como Ele se ama. Esta graça santificante, semente da glória, o primeiro homem perdeu-a, para si e para nós (Concílio de Trento, ses. V, Denziger 789), do mesmo modo que a havia recebido para si e para nós (I, q. 95 e q. 1 00 e I, II, q. 81).”
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Curso de Religião

O texto deste "Curso de Religião", que aqui apresentamos com exclusividade, Corção deixou inacabado, embora o tenha continuado verbalmente em suas aulas em nossa sede. O leitor que quiser prosseguir com os estudos, contudo, não se verá prejudicado se, com o auxílio de bons livros, prosseguir do ponto em que este texto termina.

A visibilidade da Igreja

1. Vamos hoje nos deter na palavra visível de nossa primeira e aproximada definição da Igreja, isto é, vamos explorar mais em profundidade o conteúdo daquele termo, como se nele aplicássemos uma lente que não só amplia como também revela a riqueza de detalhes, de conseqüências e de aplicações que nos havia escapado em nossa primeira aproximação.

 

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