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Com a manutenção da Santa Missa de sempre se mantém o dogma

1. Introdução

1.1. Com a manutenção da Santa Missa de sempre se mantém o dogma

D. Lefebvre e os assim chamados "Lefebvristas" Há dez anos, Sua EX.a D. Lefebvre. no octogésimo terceiro ano de sua vida, sentindo aproximar-se a hora da morte, sagrou 4 bispos sem esperar pelo mandato pontifício (prometido em extenuantes tratativas, mas sempre adiado ou submetido a condições) com o fim de assegurar a sobrevivência da Fraternidade São Pio X, benemérita congregação fundada por ele em novembro de 1970 a pedido de seminaristas franceses para conservação da sã doutrina católica, dos seminários nela inspirados, e da Santa Missa do assim chamado rito tridentino. Em conseqüência disto, ele - já considerado "rebelde" por ter se recusado a fechar a Fraternidade como lhe havia imposto arbitrariamente o Ordinário do lugar (D. Marmie) e suspenso "a divinis" por ter igualmente ordenado sacerdotes os seminaristas ali acolhidos - foi imediatamente declarado excomungado ipso facto com a dupla imputação de ser desobediente ao Papa e cismático 1.

Com esta excomunhão, a Santa Sé baniu D. Lefebvre e a Fraternidade fundada por ele. Em torno dos assim chamados "lefrevistas", clérigos e leigos, se fez um vazio. Dizemos "assim chamados lefebvristas" porque não existe, nem jamais existiu um "lefebvrismo". De fato, não existe uma "doutrina" de D. Lefebvre. Tentou-se e ainda se tenta fazê-lo passar por "cismático" ou mesmo "herege", como a qualquer "excomungado" que se considere tal, mas tais imputações, oferecidas à imaginação coletiva, são inteiramente falsas como bem sabe quem tenha estudado os fatos.

D. Lefebvre jamais foi o cabeça duma seita nem quis constituir uma, nem se considerou o chefe dos "tradicionalistas" em geral. O seu pensamento religioso, que ressalta de seus sermões e dos vários escritos exegéticos e homiléticos, é totalmente ortodoxo e penetrado dum zelo ardente pela Verdade católica. Ele foi marginalizado e perseguido porque quis ficar fiel, na fé e nas obras, à doutrina constante da Igreja, sem acepção de pessoas. Os "lefebvristas" não são outra coisa que católicos fiéis ao dogma, isto é, ao que a Igreja ensinou por quase vinte séculos até o Concilio Vaticano II exclusive. Eles não são tradicionalistas, mas fiéis à Tradição, por ser esta, no Catolicismo, exatamente a fidelidade ao dogma consagrado pelo Magistério da Igreja.

 

Um rito litúrgico adulterado

Quem quer ser fiel ao dogma, em obediência ao principio de salvação enunciado por Nosso Senhor depois da Ressurreição: "Sê fiel até à morte e te darei a coroa da vida" (Ap 2, 10), não pode aceitar as novidades subversivas surgidas no Vaticano II e até deve duvidar da validez deste último. Uma assembléia ambígua, sobre a qual pesa uma grave suspeita de invalidez porque constituída conforme uma intenção espúria (o aggiornamento, a abertura ao mundo) a qual nunca foi a da Santa Igreja; por se ter autodeclarado somente pastoral (e não também dogmática, como seria obrigatoriamente) e por isso, titular dum magistério espúrio; por estar disseminada de graves ambigüidades e erros na doutrina, a começar pela definição “ecumênica" da Igreja Católica (que não se quer fazer coincidir com a única Igreja de Cristo) para acabar na "colegialidade" de tipo democrático ou semi-conciliarista e na liberdade de tipo liberal jacobino 2; este o último Concílio, em cujo "espírito" foi depois concebido e executado o Novus Ordo Missae, a "Missa de Paulo VI", planejada matematicamente para ser aceita pelos hereges protestantes. Isto é tão verdadeiro quanto o fato de 6 pastores protestantes terem participado ativamente na elaboração dela. Trata-se dum rito teologicamente incerto, necessariamente ambíguo, visto que não deveria desagradar aos hereges.

 

O povo "celebrante"

Não obstante as correções feitas na primeira edição escandalosa de 1969, após criticas indignadas e documentadas de teólogos e estudiosos, avalizadas pelos cardeais Bacci e Ottaviani, nota-se igualmente no texto definitivo de 1970, a presença de conceitos protestantes (e, por conseguinte. heréticos). Principalmente a tendência a equiparar o sacerdócio ministerial ao dos fiéis, inserindo estes últimos na celebração do Santo Sacrifício, para efetivamente se realizar aquela "concelebração" de sacerdote e "povo", já condenada por Pio XII com a máxima clareza na encíclica Mediator Dei 3. Em conseqüência disto, o sacerdote não é mais exclusivamente o ministro da Eucaristia (como foi ensinado e definido pelo Magistério durante séculos); ao invés, todo o "povo de Deus" se torna ministro, que "faz subir até Deus as preces de toda a família humana", como se exercesse uma sorte de mediação sacerdotal com relação a toda a humanidade (inclusive, portanto, os não católicos, os descrentes e ateus) 4.

Assim a Santa Missa, oração sacerdotal do "povo de Deus", adquire um significado ecumênico no sentido do Vaticano II, e, por conseguinte, heterodoxo: o "povo de Deus" tende a identificar-se com a humanidade, realizando a identidade do gênero humano, da qual a Santa Missa se tornaria um momento Importante! 5

Neste rito, portanto, se encontra uma desvalorização do ministério do sacerdote e uma concepção errônea do sacerdócio comum dos fiéis, porque o sacrifício expiatório celebrado pelo oficiante é concebido como sendo celebrado pelo povo que "só ele, goza dum verdadeiro poder sacerdotal, enquanto que o sacerdote age unicamente por oficio confiado a ele pela comunidade", segundo a tese herética já condenada por Pio XII na Mediator Dei (D. 3000). O texto do qual isto ressalta, de modo mais claro, é o famigerado artigo 7° da Institutio do Novus Ordo de 1970, no qual se ousou escrever: "In Missa seu Cena Dominica populus Dei in unum convocatur, sacerdote praeside personamque Christi gerente, ad memoriale Domini seu sacrificium eucharisticum celebrandum": "Na Missa, ou ceia do Senhor, o povo de Deus se reúne, sob a presidência do sacerdote, que age em lugar de Cristo, para celebrar o memorial do Senhor ou sacrifício eucarístico". Por isso: 1) o oficiante, embora representando a pessoa de Cristo, é apenas o presidente da assembléia, como se fosse um "ministro protestante", dado que 2) é a Assembléia que se reúne para "celebrar" o memorial do Senhor (contra toda a tradição da Igreja). Ademais, 3) o memorial do Senhor é chamado chamado "sacrifício eucarístico", mas não "propiciatório" (coisa que seria desagradável aos protestantes) onde não se assegura absolutamente que o texto pretenda, com efeito, exprimir a idéia de "sacrifício expiatório", como requer peremptoriamente o dogma da fé.

 

Uma "presença real" ambígua

E isto não acaba aqui, porque o resto do parágrafo deveria expressar o dogma da transubstanciação, a qual, ao invés, jamais é mencionado (os protestantes a negam), mas substituída por uma ambígua "presença real". O texto, efetivamente, assim continua: "Por isso,

para esta reunião local da Santa Igreja, vale de modo eminente, a promessa de Cristo: "Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, Eu estarei no meio deles" (Mt 18, 20). De fato, na celebração de Missa, durante a qual se perpetua o sacrifício da Cruz [notai bem: não só "se perpetua", mas também "se renova" n.d. t.], Cristo está realmente presente na própria assembléia reunida em Seu nome, na pessoa do ministro, nas suas palavras e, além disso, de maneira substancial e permanente sob as espécies eucarísticas"6. Aqui se vê que a "presença real" não é reservada mais somente à presença que resulta da transubstanciação, mas se estende à "presença" (não sacramental) de Cristo na "assembléia", na "pessoa do ministro", nas "suas palavras", e a própria presença "de maneira substancial e permanente" debaixo das espécies eucarísticas depende, conforme o texto, não da transubstanciação (da qual não se fala), mas do fato de estar a assembléia reunida "em nome" de Cristo.

Tudo isto não lembra a consubstanciação dos hereges luteranos, os quais negam, como é sabido, que a Santa Missa renova realmente o sacrifício expiatório de Nosso Senhor no Calvário? 7 A falta de referência à transubstanciação permite, portanto, compreender por que se suprimiram todos os sinais tradicionais da fé na presença efetiva de Cristo na hóstia consagrada: desde a douração interna dos vasos sagrados até a recepção da Santa Comunhão de joelhos, etc 8.

 

Uma "fé" de novo tipo

Nas invocações e preces da Santa Missa, desapareceu a SS. Trindade (os protestantes liberais não gostam dEla; os judeus e muçulmanos a detestam), à exceção obrigada do Credo: a SS Trindade é substituída por um anônimo "Deus do universo", que pode ser o Deus de qualquer religião! Enquanto isto, se revelou arbitrária a inserção na assim chamada "liturgia da Palavra" dum trecho do Antigo Testamento, ao lado das passagens das Epístolas e do Evangelho, porque é sabido que o oficiante quase nunca consegue dominar, na homilia, uma matéria tão vasta que é omitida com facilidade. Grande parte das homilias tem um conteúdo justicialista, político, já estereotipado, capaz de fazer inveja à assim chamada prece da sexta-feira dos muçulmanos (para os quais a religião faz um todo com a política).

Como D. Lefebvre já acentuou muitas vezes, o novo rito é uma "adulteração" da verdadeira Santa Missa católica. Um rito desta natureza que precisamente pelo seu caráter contaminado e "adulterado" não desagrada aos hereges protestantes e até aos não cristãos, como pode ser certo para os católicos? A que católicos pode agradar? Uma missa que, na prática, é freqüentemente também inválida, com engano dos fiéis, porque muitos sacerdotes que a celebram, professam agora a fé ensinada a eles no seminários atuais ou então a absorveram num ambiente poluído de liberalismo e modernismo; uma fé que, certamente não é mais a fé católica mas uma fé de tipo novo, ecumênico; conservando embora vestígios da fé católica, é, na realidade, sincretista e envenenada de heresia. Nela o culto da Humanidade e o diálogo com o Erro são postos ao lado da adoração à Santíssima Trindade, quando não tomam claramente o lugar dela.

Um rito litúrgico adulterado faz correrem graves perigos os que o freqüentam, e por isso esta "missa" é certamente um dos frutos mais amargos do Vaticano II. Mas toda a Catolicidade oficial, que sobrevive às custas da ambigüidade e das repetidas (mesmo se não unânimes) infidelidades, mostra os sinais dum corpo gravemente doente, juntamente com sociedades e nações outrora cristãs, afligidas por uma forte baixa de natalidade, pelo espírito de rebelião, por todos os vícios e corrupções, seduzidas pelas falsas religiões e seitas mais variadas e invadidas agora ininterruptamente pelos muçulmanos.

 

O mérito de Dom Marcel Lefebvre

Criando o vácuo em torno de D. Lefebvre com uma excomunhão totalmente arbitrária, porque o venerando prelado tinha agido num evidente estado de necessidade e sem qualquer intenção cismática, a autoridade vaticana pensava talvez ter conseguido destruir o bastião da fidelidade ao dogma, representado pela Fraternidade São Pio X. Se houve esta intenção, ela foi desmentida pelos fatos. Não obstante dificuldades materiais de todo o gênero, a Fraternidade conta hoje 350 sacerdotes, dos quais cem franceses 9. Ela é viva e próspera, mantendo os seus cinco seminários espalhados pelo mundo. Agradecemos cordialmente a Deus por este fato.

Há vários anos, o cardeal Ratzinger manifestou, numa entrevista, a sua admiração pela Fraternidade se ter mantido e perseverado. Talvez se teria admirado mais ainda com saber, há três anos, que um trabalho cientifico, aprovado pelos professores da Universidade Gregoriana, considerava juridicamente inválidas tanto a excomunhão declarada contra D. Lefebvre, como a imputação de cisma. O tempo, como se costuma dizer, faz justiça.

Os católicos fiéis ao dogma sabem que podem assistir, nas igrejas e capelas da Fraternidade, à verdadeira Missa católica (à "Missa de sempre", porque o seu rito remonta aos primeiros séculos do Cristianismo), com o grande e inestimável benefício decorrente para a sua alma, sem estarem constrangidos a reconhecer contra a consciência "a legitimidade e correção doutrinal" do missal promulgado por Paulo VI 10, como, ao invés, acontece a quem assiste à Missa Tridentina concedida com o indulto de João Paulo II, no qual se encontra formulada exatamente esta condição. Trata-se dum reconhecimento que, embora implícito, é perigoso para a salvação das almas, já que a "correção doutrinal" da Missa de Paulo VI é, como se viu, extremamente duvidosa.

Não sabemos se a falta de correção doutrinal seja tal que leve a considerar a priori inválido o novo rito. Não temos autoridade para pronunciar um juízo definitivo e dirimente sobre a matéria. Saibamos, porém, que, se somos obrigados a salvar a nossa alma, devemos evitar o novo rito, evitá-lo a todo o custo, com os seus sacerdotes super-politizados, e o ambiente mundanizado que o circunda. E saibamos dever o beneficio inestimável de poder assistir à Santa Missa verdadeiramente católica à luta benemérita e tenaz pela defesa do dogma empreendida, naquele tempo, por D. Lefebvre e D. Mayer (os únicos Bispos que o defenderam sem temor) e pela Fraternidade Sacerdotal São Pio X, fundada pelo primeiro. Agradeçamos, por isso, ao Deus Onipotente e esperemos com fé inabalável na obra de Deus o dia no qual a Santa Sé, de volta à doutrina de sempre, anulará as condenações injustamente infligidas na hora das trevas.

Até lá agradeçamos ao Senhor por nos ter salvo das seduções postas em prática pela autoridade formalmente legitima, para reconduzir ao "redil" aqueles que se obstinam em preferir a verdadeira Missa católica à feita por Paulo VI.

Aludimos ao Motu Proprio Ecclesia Dei Adflicta, emanado do atual Pontífice [N. da P., trata-se do Papa João Paulo II] por ocasião da excomunhão inválida de D. Lefebvre. O documento faz também o seu décimo aniversário, objeto de declaração quase triunfalistica por parte de alguns. Segundo estes, o sucesso das assim chamadas "comunidades Ecclesia Dei", constituídas segundo as diretivas e as promessas no Motu Proprio papal, resultaria já do fato de ter subtraído da Fraternidade São Pio X dez sacerdotes e vinte seminaristas em 1988 e (dizem) "quinze membros entre padres e seminaristas" há algum tempo 11. Em suma: 15 sacerdotes e 30 seminaristas no espaço de dez anos. Gloriar-se com estas cifras significa não ter o senso do ridículo. De resto, o cardeal Gagnon, após ter visitado a Fraternidade em 1988 e ter aí encontrado tudo em ordem, não tinha previsto que "80% dos fiéis haveria de abandonar a Fraternidade no caso de consagrações ilícitas"? 12 Pelo contrário, ela resistiu, com perdas insignificantes. E se mantém firme, há dez anos, agradando a Deus, não obstante a concorrência das "Comunidades Ecclesia Dei".

  1. 1. Sobre este ponto, prometemos voltar em outro número.
  2. 2. Sobre a possível invalidez do Concílio Vaticano II, remetemos a "Concílio ou conciliábulo? Reflexões sobre a possível invalidez do Vaticano II" de Canonicus, em Sì sì no no. 1997 (XXIII), nn. 3. 4 e 6.
  3. 3. Cf. AAS 1947, p. 553, citado em Arnaldo Xavier da Silveira, "La Nouvelle Messe de Paul VI: Qu'en penser?", tradução francesa do português por C. Salagnac, Chirê-en-Montreuil, 1975, p. 103. Esta obra, que desenvolve uma analise fundamental do Novus Ordo Missae de 1969 e 1970, contém, numa versão melhorada, três estudos feitos em 1970 e 1971. A análise do Novus Ordo de 1970 está nas pp. 100-124. Utilizamo-nos largamente deste trabalho bem como do de Romano Ameria, Iota Unum, Milão-Nápoles, 1986, 2a ed. cap. XXXVII e XXXVIII, p 496- 548.
  4. 4. La Nouvelle Messe de Paul VI, cit., pp. 103-105. O texto do Novus Ordo em questão se encontra no art. 5o. do Prólogo do mesmo.
  5. 5. Sobre a Idéia espúria de unidade do gênero humano atribuído erroneamente como fim da Santa Igreja pelo Vaticano II, cf. P. Pasqualucci, Un'intrusione laica nel Vaticano II: il concetto de unità del genero umano, em Sì sì no no 1998 (XXIV) no. 11.
  6. 6. "In Missae enim celebratione, in qua sacrificium Crucis perpetuatur, Christus realiter praesens adest in ipso coetu in suo nomine congregato, in persona ministri, in verbo suo, et quidem substantialiter et continenter sub speciebus eucharisticis". O texto latino do art. 7o. é referido em La Nouvelle Messe de Paul VI, cit. no. 46, p. 117 e comentado nas pp. 117-120.
  7. 7. La Nouvelle Messe de Paul VI, cit. Ibidem e no cap. V Le nouvel ordinaire de la Messe et le repas protestant.
  8. 8. Para um elenco pormenorizado, cf. Breve exame critico do Novus Ordo Missae, s d. (maio 1969), pp. 20-21.
  9. 9. Dados fornecidos pelo Pe. Pierre Maria Laurençon, desde 1996 superior do distrito da França da Fraternidade São Pio X, em Enquête sur la Messe traditionelle, 1988-1998. Dixième anniversaire du Motu Proprio Ecclesia Dei, número especial de La Nef, 1998, a cuidado de Chr. Geffroy e Phil. Maxence, p. 284.
  10. 10. Indulto Quattuor abhinc annos de 03/10/1984, item "a" (texto em apêndice a Enquête, cit, p. 375).
  11. 11. Declarações do Pe. Josef Bisig, primeiro superior geral da "Fraternidade São Pedro" referido em Enquête, cit., pp. 95 e 97.
  12. 12. Enquête, cit. p. 321.
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