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Category: Pe. Félix Sardá y SalvanyConteúdo sindicalizado

Padre catalão, autor do opus magnum "O Liberalismo é pecado".

Qual o problema do espiritismo?

Pe. Sarda y Salvany

Ao leitor

Este opúsculo não tem a pretensão de ser obra teológica ou filosófica, longe disso. É pura e simplesmente uma breve instrução caseira para o uso dos fiéis. Por isso, ao longo dele, e sobretudo na sua primeira parte, apela-se ao bom senso católico do leitor, mais do que a elevadas argumentações científicas. O espiritismo não precisa, para o seu deslustre, mais do que ser conhecido à luz das mais triviais noções da fé cristã e do sentido comum. Decidi, portanto, expô-lo sob estes dois pontos de vistas. Os que desejarem estudos mais profundos, poderão ler a obra excelente do Pe. Pailloux: Le magnétisme, le spiritisme et la possession, e também a série de artigos magníficos publicados em La Civiltà cattolica, e com o título: El espiritismo en el mundo moderno, traduzidos para o espanhol e editados em Lugo, casa editorial de Soto. (Continue a ler)

Da caridade nas chamadas “formas de polêmica”

 

Louis Veuillot

Pe. Félix Sardá y Salvani

(...) Ele [o liberalismo] prefere acusar incessantemente os católicos de serem pouco caridosos em suas formas de propaganda. É neste ponto, como dissemos, que certos católicos, bons no fundo, mas contaminados da maldita peste liberal, costumam insistir contra nós.

Vejamos o que dizer sobre isso. Nós, católicos, temos razão neste ponto como nos demais, ao passo que os liberais não têm nem sombra dela. Para nos convencermos disso analisemos as seguintes considerações:

1°) O católico pode tratar abertamente o seu adversário de liberal, se ele o é de fato; ninguém porá em dúvida esta proposição. Se um autor, jornalista ou deputado começa a jactar-se de liberalismo e não trata de ocultar suas preferências liberais, que injúria se faz em chamá-lo de liberal? É um princípio do Direito: Si palam res est, repetitio injuriam non est: "Não é injúria repetir o que está à vista de todos". Muito menos em dizer do próximo o que ele diz de si mesmo a toda hora. Entretanto, quantos liberais, particularmente os do grupo dos mansos ou temperados, consideram grande injúria que um adversário católico os chame de liberais ou de amigos do liberalismo?

O liberalismo de todo matiz e caráter foi já formalmente condenado pela Igreja?

 

Pe. Félix Sardá y Salvany

 

Sim, o liberalismo, em todos os seus graus e em todas as suas formas, foi formalmente condenado; de modo que, além das razões de malícia intrínseca que o fazem mau e criminoso, todo fiel católico tem acesso à suprema e definitiva declaração da Igreja a respeito do liberalismo: ela o julgou e anatematizou. Não se podia permitir que um erro de tal transcendência deixasse de ser incluído no catálogo das doutrinas oficialmente reprovadas, e aliás foi ele incluído em várias ocasiões.

Já quando apareceu na França, durante sua primeira Revolução, a famosa Declaração dos Direitos do Homem, que continha em germe todos os desatinos do moderno liberalismo, foi condenada por Pio VI.

Mais tarde, essa doutrina funesta foi desenvolvida e aceita por quase todos os governos da Europa, até pelos príncipes soberanos, o que é uma das mais terríveis cegueiras que ofereceu a história das monarquias. Tomou em Espanha o nome pelo qual hoje é conhecida em toda parte: liberalismo.

35. Quais são os bons e quais os maus jornais, e o que se deve pensar do bem que se encontra nos maus e do mal que se encontra nos bons

Supondo que a corrente, boa ou má, que aplaude ou condena uma coisa, deve constituir, para o católico simples, um critério comum e familiar de verdade, para viver ao menos com cautela e  prevenido; e supondo que os jornais costumam ser o meio em que mais e melhor transparece esta corrente, e aos quais, portanto, se torna necessário recorrer em mais de uma ocasião, pode perguntar-se aqui: Quais devem ser, para o católico de hoje, os jornais que lhe inspirem verdadeira confiança? Ou melhor: Quais devem inspirar-lhe pouquíssima, e quais nenhuma?

Primeiramente, é claro (per se patet) que os jornais que se honram (ou melhor, se desonram) chamando a si mesmos liberais e considerando-se como tais, não devem nos inspirar nenhuma confiança. Como nos fiar a eles, se são precisamente os inimigos contra quem temos de prevenir-nos a toda hora e a quem temos de hostilizar constantemente? Este ponto está portanto fora de toda discussão. O que hoje se chama liberal, certamente o é; e por conseguinte é nosso formal inimigo e da Igreja de Deus. Não se deve, pois, levar em consideração suas recomendações ou aprovação, a menos que o façamos para olhar como suspeito tudo que acerca de religião ele recomende ou aprove.

Há uma classe de jornais, contudo, não tão descarada e pronunciada, que gosta de viver na ambigüidade de cores indefinidas e tintas indecisas. A toda hora ela se proclama católica, e por vezes detesta e abomina o liberalismo, ao menos como palavra. É comumente conhecida pelo nome de católico-liberal. Desta é preciso confiar menos ainda, e não se deixar ludibriar com seus fingimentos e pietismo. É certo que, apurado o caso, predominará nela a tendência liberal sobre a católica, ainda que entre ambas se proponha uma convivência fraterna. Assim se viu sempre e assim deve logicamente suceder.

A corrente liberal é mais fácil de seguir, em prosélitos é a mais numerosa, e ao amor-próprio a mais simpática. A corrente católica é mais áspera na aparência, tem menos seguidores e amigos, exige que se navegue sempre contra o impulso natural e corrompido das idéias e paixões. Em um coração ambíguo e vacilante, como o dos liberais, é portanto normal que esta corrente católica sucumba e que a corrente liberal prevaleça. Não se deve, pois, confiar nos casos difícies da imprensa católico-liberal. Mais ainda, esta apresenta o inconveniente de que seus juízos não nos servem, bem como os da imprensa liberal, para formularmos a prova contraditória, pela simples razão de que seu juízo não é absoluto e radical em nada, mas sim regularmente oportunista.

A imprensa boa é a imprensa integralmente boa, ou seja, a que defende o bem em seus princípios bons e em suas aplicações boas; a mais oposta a todo mal reconhecidamente mal, opposita per diametrum, como diz Santo Inácio, no livro de ouro de seus Exercícios; a que está do lado oposto das fronteiras do erro; a que olha sempre o inimigo de frente; e não a que por vezes anda em suas filas, ou apenas se opõe a certas evoluções suas; a que é inimiga do mal em tudo, porque é no todo que o mau é mau, ainda que, casualmente, possa trazer consigo algum bem.

Vamos fazer uma observação para explicar esta nossa última frase, que a muitos parecerá atrevida.

Os jornais maus costumam às vezes ter algo de bom. Que se deve pensar deste bem que por vezes os jornais maus trazem consigo? Deve-se pensar que não deixam de ser maus, porque é má a sua natureza intrínseca ou doutrina. Antes, este bem pode e costuma ser um artifício satânico para que se recomende o jornal, ou pelo menos para dissimular o mal essencial que ele traz consigo. Algumas qualidades acidentalmente boas não retiram de um ser mau sua natureza má. Um assassino ou um ladrão não são bons porque recitam às vezes uma Ave Maria ou dão esmola a um pobre. São maus, malgrado suas obras boas, porque o conjunto essencial dos seus atos é mau, assim como suas tendências habituais. E se se servem do bem que fazem para mais autorizar a sua maldade, resulta que, mesmo o que em si seria ordinariamente bom, torna-se mau pelo fim a que se propõe.

Ao contrário, sucede algumas vezes que jornais bons caem em tal ou qual erro de doutrina, ou em algum excesso de paixão, e fazem efetivamente algo que não se pode aprovar. Devem por isso ser chamados de maus? Devem ser reprovados? Não, por uma razão inversa, ainda que análoga. O mal neles é acidental, e o bem é substancial e ordinário. Um pecado ou alguns não fazem mau a um homem, sobretudo se protesta contra eles pelo arrependimento e pela emenda. Só é mau quem o é em plena consciência de causa, habitualmente, e protesta querer sê-lo. Os jornalistas católicos não são anjos, mas homens frágeis, miseráveis, e pecadores. Querer, pois, condená-los por um ou outro erro, uma ou outra indiscrição ou excesso, é fazer do bom e do virtuoso um conceito farisaico e jansenista, em desacordo com todos os princípios da sã moral. Se se deve julgar desta maneira, que instituição haverá boa e digna de estima na Igreja de Deus?

Em resumo: há jornais bons e jornais maus; dentre estes últimos devem incluir-se os ambíguos ou indefinidos. O que é mau não se torna bom por ter algumas coisas boas, e o que é bom não se torna mau por causa de alguns defeitos e mesmo de alguns pecados em que incorra. Se o bom católico julgar e decidir lealmente com base nestes princípios, raramente se equivocará.

34. Sinal claríssimo com o qual se poderá conhecer facilmente o que procede do espírito verdadeiramente católico e o que procede do espírito contaminado de liberalismo ou radicalmente liberal

Vejamos agora outra coisa, a propósito da última palavra do capítulo anterior. A obscuridade é o grande auxiliar da iniquidade. Qui male agit odit lucem, disse o Senhor. Daí o empenho constante da heresia em envolver-se entre névoas. Não há grande dificuldade em descobrir o inimigo que se apresenta de viseira levantada, ou em reconhecer como liberais os que, desde o princípio declaram que o são. Mas esta franqueza não convém ordinariamente à seita. Assim, pois, é preciso adivinhar o inimigo por trás do disfarce; e este muitas vezes é hábil e extremamante cauteloso. Acrescentemos, além disso, que na maioria das vezes o olho que terá de reconhecê-lo não é um olho de lince; torna-se necessário, portanto, um critério fácil, simples, popular para distinguir a cada momento o que é obra católica e o que é infernal armadilha do liberalismo.

Sucede freqüentemente que, no anúncio de um novo projeto, uma nova empresa, uma nova instituição, o fiel católico não consegue distinguir prontamente a que tendências obedece aquele movimento; e se por conseguinte convém a ele associar-se ou opor-se com todas as forças. Isto ocorre sobretudo quando o inferno procura astuciosamente tomar alguma das cores mais atrativas de nossa bandeira, ou mesmo empregar, em certas ocasiões, nosso próprio idioma. Nestes casos, muitos infelizmente fazem o jogo de Satanás, persuadidos de boa-fé que contribuem com uma obra católica! Mas, dirão: “Cada um pode consultar a Igreja, cuja palavra infalível dissipa toda incerteza”. Muito bem, mas a autoridade da Igreja não se pode consultar a cada momento nem para cada caso particular. A Igreja costuma deixar sabiamente estabelecidos os princípios e as regras gerais de conduta; mas a aplicação deles aos mil e um casos concretos de cada dia, ela deixa ao critério prudencial de cada fiel. E os casos desta natureza apresentam-se todos os dias, e devem ser resolvidos instantaneamente, em plena marcha. O jornal que aparece, a associação que se estabelece, a festa pública a que se convida, a assinatura que se pede, tudo isto pode ser de Deus ou do diabo, e o que é pior, pode ser do diabo apresentando-se, como temos dito, com toda a gravidade mística e compostura das coisas de Deus. Como guiar-se, pois, em tais labirintos?

Eis duas regras, de caráter bem prático, que nos parecem dever servir a todo cristão, para que em terreno tão escorregadio possa pisar com segurança.

1° - Observar cuidadosamente que classe de pessoas promovem o assunto. É a primeira regra de prudência e senso comum. Funda-se naquela máxima do Salvador: Não pode uma árvore má dar bons frutos. É evidente que os liberais estão naturalmente inclinados a produzir escritos, obras e trabalhos liberais, lamentavelmente  informados de espírito liberal, ou pelo menos contaminados dele. Vejam-se, pois, quais são os antecedentes daquela, ou daquelas pessoas que organizam ou promovem a obra em questão. Se são tais que não podeis confiar inteiramente em suas doutrinas, olhai com cautela todas as suas empresas. Não as reproveis imediatamente, pois há um axioma de teologia que diz que nem todas as obras dos infiéis são pecados, e o mesmo se pode dizer das obras dos liberais. Porém não as considereis imediatamente como boas. Desconfiai delas, sujeitai-as a um detido exame, aguardai os resultados.

2° - Examinar o tipo de pessoas que louvam a obra em questão. É regra ainda mais segura que a anterior. Há no mundo atual duas correntes públicas e perfeitamente distintas. A corrente católica e a corrente maçônica ou liberal. A primeira é produzida, ou melhor, é refletida nos jornais católicos. A segunda é refletida e materialmente produzida cada dia pelos jornais revolucionários. A primeira busca sua inspiração em Roma. A segunda é inspirada pela maçonaria.

Anuncia-se um livro? Publicam-se as bases de um projeto? Olhai se a corrente liberal o aprova e recomenda e o toma por sua. Se sim, o livro e o projeto estão julgados: são coisa sua, porque é evidente que o liberalismo, ou o diabo que o inspira, reconhece imediatamente o que lhes é prejudicial ou favorável, e não são tão néscios a ponto de ajudar os que lhes são contrários, ou de oporem-se aos que favorecem seus projetos. Os partidos e as seitas têm um instinto ou intuição particular (olfactus mentis, como disse um filósofo) que lhes revela a priori o que para eles é bom e o que é hostil. Desconfiai, pois, de tudo o que louvam e admiram os liberais. Se assim o fazem, é claro que reconheceram no objeto, ou origem, ou meios, ou fins favoráveis ao liberalismo. Não costuma equivocar-se nisto o claro instinto da seita. Mais fácil é que se equivoque um jornal católico, louvando e recomendando como boa uma coisa que em si talvez não o seja muito. Em  verdade, mais confiamos no olfato de nossos inimigos do que no de nossos próprios irmãos. Ao homem bom, cegam-no às vezes certos escrúpulos de caridade e natural costume de pensar bem, a ponto de ver intenções boas onde, por desgraça, não existem. Não é assim com os maus. Estes desde logo disparam artilharia pesada contra quem não concorda com seu modo de pensar, e tocam, incansáveis, a trombeta de todos os reclames em favor do que, por um lado ou por outro, ajuda a sua maléfica propaganda. Desconfiai, pois, de tudo que vossos inimigos recomendam.

Retiramos de um jornal os seguintes versos, que poderiam ser melhores, mas não poderiam ser mais verdadeiros.

Dizem assim, falando do liberalismo:

Diz que sim? Pois é mentira.

Diz que não? Pois é verdade.

O que ele chama iniquidade

Tu como virtude o mira;

Ao que persegue com ira,

Tem tu por homem honrado;

Mas evita com cuidado

Quem ele por bom queira dar-te;

Fazendo assim da tua parte,

Já o terá estudado.

Parece-nos que estas duas regras de senso comum, que antes poderíamos chamar de bom senso cristão, bastam, se não para nos fazer julgar definitivamente toda a questão, ao menos para nos impedir de tropeçar facilmente nas escabrosidades deste tão acidentado terreno em que marchamos e lutamos hoje.

Não se esqueça o católico, sobretudo o de nosso século, que a terra em que pisa está minada de todos os lados pelas sociedades secretas, que são as que dão voz e tom à polêmica anti-católica, e às quais servem inconscientemente muitas vezes ainda os mesmos que mais detestam seu trabalho infernal. A luta de hoje é, principalmente, subterrânea e contra um inimigo invisível, que raras vezes se apresenta com sua verdadeira divisa. É preciso, pois, cheirá-lo, mais do que vê-lo. É preciso adivinhá-lo com o instinto, mais do que apontá-lo com o dedo. Bom olfato, pois, e senso prático são mais necessários que raciocínios sutis e laboriosas teorias. O binóculo que recomendamos a nossos amigos nunca nos induziu ao erro.

33. Quais são os remédios mais eficazes e oportunos que devem ser aplicados aos povos dominados pelo liberalismo

Indicaremos alguns.

1° - A organização de todos os bons católicos, quer sejam numerosos ou não. Em cada localidade, é preciso que se conheçam, se vejam, se reúnam. Não deve haver hoje uma cidade ou vila católica que não tenha o seu núcleo de homens de ação. Isto atrai os indecisos, encoraja os hesitantes, contrapesa a influência do que dirão, faz forte a cada um com a força de todos. Ainda que sejais apenas uma dezena de corações firmes, fundai uma academia de juventude católica, uma conferência ou ao menos uma confraria. Ponde-vos logo em contato com uma sociedade análoga do povo vizinho ou da capital. Apoiai-vos deste modo em toda fronteira, associações com associações; formando como que a famosa testudo que formavam os legionários romanos, juntando seus escudos, e isto vos tornará invencíveis. Assim unidos, por poucos que sejais, levantai ao alto a bandeira de uma doutrina sã, pura, intransigente, sem ambigüidades nem alteração, sem pacto nem aliança com o inimigo. A firme intransigência tem seu aspecto nobre, simpático e cavalheiresco. É belo ver um homem atingido como um penhasco por todas as ondas e todos os ventos, e que permanece fixo, imóvel, sem retroceder. Bom exemplo, sobretudo, bom exemplo constante! Pregai com toda a vossa conduta, e pregai em todas as partes com ela. Já vereis como vos será fácil, primeiro, impor respeito, logo admiração, depois simpatia. Não vos faltarão prosélitos. Oh, se todos os católicos sãos compreendessem o brilhante apostolado secular que desta maneira podem exercer em suas respectivas comunidades! Unidos ao pároco, aderindo como a hera ao muro paroquial, firmes como seu velho campanário, podem desafiar toda tempestade e fazer frente a toda borrasca.

2° - Os bons jornais. Escolhei, entre os bons jornais, o melhor e que mais se adapte às necessidades e inteligência dos que os rodeiam. Lede-o, mas não vos contenteis com isto. Dai-o a ler, explicai-o e contai-o, fazei dele vossa base de operações. Fazei-vos correspondentes da sua administração, cuidai das assinaturas e pedidos, facilitai esta operação, que é a mais custosa de todas, aos pobres operários e lavradores. Dai-o aos jovens que começam suas carreiras, proponde-o pelo belo de suas formas literárias, pelo seu estilo acadêmico, pela sua vivacidade e elegância. Começarão gostando do molho, e acabarão comendo o cozido. Assim trabalha a impiedade, e assim devemos nós trabalhar. Um bom jornal é uma necessidade neste século. Diga-se o que se quiser de seus defeitos, nunca igualarão suas suas vantagens e benefícios. Convém, ademais, favorecer a circulação de qualquer outro impresso de caráter análogo: o folheto oportuno, o discurso notável, a carta pastoral enérgica etc.

3° - A escola católica. Onde o mestre oficial for um bom católico e de confiança, seja ele apoiado com todas as forças; onde não for, procure-se falar claramente para desautorizá-lo. Um homem assim é a pior praga da localidade. É necessário que todo mundo conheça por diabo aquele que é diabo, a fim de que não se lhe entregue incautamente o principal, que é a educação. Sendo assim, busque-se um modo de colocar escola contra escola, bandeira contra bandeira. Se possível, entregai-a a religiosos; se não os há, ponha-se um leigo íntegro à frente desta boa obra. Que a escola seja gratuita, e que abra no horário mais conveniente para todos: de manhã, de tarde, de noite. Nos dias festivos, que se atraiam as crianças, presenteando-as e animando-as. E que se lhes diga claramente que a outra escola do professor mau é a escola de Satanás. Um célebre revolucionário, Dantón, gritava sem cessar: “Audácia! Audácia!” Nosso grito de sempre há de ser: “Franqueza! Franqueza! Luz! Luz!” Nada vale mais para afugentar esses corvos do inferno, que só podem seduzir com a obscuridade.

32. Causas permanentes do liberalismo na sociedade atual

Além desses caminhos por onde se vai ao liberalismo, há o que poderíamos chamar de causas permanentes dele na sociedade atual, e é nestas que devemos buscar as razões pela quais a sua extirpação se torna tão difícil.

São em primeiro lugar causas permanentes do liberalismo as mesmas que apontamos antes como caminhos e declives que conduzem a ele. Diz a filosofia: Per quae res gignitur, per eadem et servatur et augetur: “as coisas comumente se conservam e aumentam pelas mesmas causas que por que nasceram”. Porém, além dessas causas podemos apontar algumas outras que oferecem caráter especial.

1° - A corrupção dos costumes. A maçonaria a decretou, e à letra se cumpre seu programa infernal. Espetáculos, livros, quadros, costumes públicos e privados, tudo se procura saturar de obscenidade e lascívia. O resultado é infalível: de uma geração imunda, necessariamente sairá uma geração revolucionária. Assim se nota o empenho que tem o liberalismo em dar rédea solta a toda imoralidade. Sabe bem quanto esta o serve. É seu apóstolo e propagandista natural.

2° - O jornalismo. É incalculável a influência que exercem sem cessar os muitos periódicos difundidos todo dia e por todas as partes pelo liberalismo. Eles fazem — parece mentira! — com que o cidadão de hoje, queira ou não, tenha de viver dentro de uma atmosfera liberal. O comércio, as artes, a literatura, a ciência, a política, as notícias nacionais e estrangeiras, quase tudo chega por canais liberais, e tudo, por conseguinte, toma cor e sabor liberal. De tal modo que, sem perceber, o homem pensa, fala e age à moda liberal; tal é a maléfica influência deste ambiente envenenado. O pobre povo o traga com mais facilidade que ninguém, por sua natural boa-fé. Traga-o em verso, em prosa, em gravuras, a sério ou em piadas, na praça pública, na oficina, no campo, por toda parte. Este magistério liberal apoderou-se dele e não o deixa um instante sequer. E a sua ação se torna ainda mais perniciosa pela condição especial do discípulo, como mostraremos agora.

3° - A ignorância quase geral em matéria de religião. O liberalismo, ao rodear por todas as partes o povo de mestres embusteiros, aplicou-se muito habilmente em romper suas comunicações com o único mestre que lhe poderia fazer notar o embuste: a Igreja. Todo o empenho do liberalismo, de cem anos para cá, tem sido de paralisar a Igreja, de emudecê-la, para lhe deixar no máximo um caráter oficial e impedir-lhe todo contato com o povo. Foi este o objetivo — confessaram os liberais — da destruição dos conventos e mosteiros, das travas impostas ao ensino católico, do empenho tenaz em desprestigiar e ridicularizar o clero. A Igreja se vê rodeada de laços artificiosamente armados, para que em nada perturbe a marcha avassaladora do liberalismo. As concordatas, tal como se cumprem hoje em quase todas as nações, são como outras tantas argolas para apertar sua garganta e paralizar seus movimentos. Entre o clero e o povo abriu-se, e continua-se abrindo, mais e mais a cada dia, um abismo de ódios, preocupações e calúnias. De modo que uma parte do nosso povo, cristão pelo batismo, sabe tão pouco de sua religião quanto das de Maomé e de Confúcio. Procura-se, ademais, evitar todo contato possível com a paróquia, pela instituição do registro civil, matrimônio civil, sepultura civil etc., o fim dessas medidas é conduzir à ruptura de todo laço entre o povo e a Igreja. É um programa separatista completo, em cuja unidade de princípios, meios, e fins, se vê bem clara a mão de Satanás.

Poderíamos ainda apontar outras causas, mas a extensão desta obra não o permite, e nem todas se poderiam dizer aqui.

31. Dos caminhos por onde mais freqüentemente os católicos caem no liberalismo

São vários os caminhos por onde o fiel cristão cai no erro do liberalismo, e importa sobremaneira apontá-los aqui, tanto para compreender por seu estudo a universalidade desta seita, como para prevenir os incautos contra suas armadilhas e seus perigos.

Muito freqüentemente, cai-se na corrupção do coração pelos erros da inteligência; é todavia mais freqüente cair no erro da inteligência pela corrupção do coração. A história das heresias demonstra claramente este fato. Seus começos apresentam quase sempre o mesmo caráter: é um ressentimento de amor-próprio, ou um agravo que se queira vingar; é uma mulher que faz o heresiarca perder o juízo e a alma, ou uma bolsa de dinheiro pela qual ele vende sua consciência. Quase sempre o erro se origina, não de profundos e laboriosos estudos, mas daquelas três cabeças de hidra que São João aponta e que chama de concupiscentia carnis, concupiscentia oculorum, superbia vitae1. É por aí que se cai em todos os erros, por aí que se vai ao liberalismo. Vejamos esses caminhos nas formas mais usuais:

 

1° - O homem torna-se liberal por um desejo natural de independência e vida livre.

O liberalismo é necessariamente simpático à natureza depravada do homem, assim como o catolicismo lhe é repulsivo por sua própria essência. O liberalismo é emancipação, o catolicismo é coerção. Ora, o homem decaído ama por uma certa tendência muito natural um sistema que legitime e santifique o orgulho de sua razão e o desenfreio de seus apetites. Daí que assim como a alma, em suas nobres aspirações, é naturalmente cristã, como disse Tertuliano, assim pode-se igualmente dizer que o homem, pelo vício de sua origem, nasce naturalmente liberal. É, pois, lógico que se declare formalmente liberal, logo que comece a compreender que do liberalismo virá proteção para todos os seus caprichos e desenfreios.

 

2° - Pelo desejo de progredir. O liberalismo é hoje em dia a idéia dominante; ele reina em todas as partes e principalmente na esfera oficial. É, portanto, recomendação segura para fazer carreira.

Sai o jovem do seu lar e, olhando para as distintas vias que conduzem à fortuna, ao renome ou à glória, percebe que em todos é condição necessária ser homem do seu século, ser liberal. Não ser liberal é criar para si mesmo a maior de todas as dificuldades. É necessário, pois, heroísmo para resistir ao tentador, que lhe fala, como a Cristo no deserto, mostrando-lhe um futuro impressionante: haec omnia tibi dabo si cadens adoraveris me: “Tudo te darei se, prostrado, me adorares”. Ora, os heróis são raros. É pois natural que a maior parte da juventude comece sua carreira afiliando-se ao liberalismo. Isto proporciona elogios nos jornais, recomendação de poderosos patronos, reputação de esclarecidos e letrados. O pobre ultramontano precisa de mérito cem vezes maior para dar-se a conhecer e criar nome; e a juventude é geralmente pouco escrupulosa. O liberalismo, ademais, é essencialmente favorável à vida pública que a juventude tanto ama. Ele tem em perspectiva deputações, comissões, redações etc., que constituem o organismo da sua máquina oficial. É, pois, maravilha de Deus e da sua graça encontrar-se um jovem que deteste tão pérfido corruptor.

 

3° - Pela cobiça. A desamortização2 foi e continua a ser a principal fonte de prosélitos para o liberalismo. Esta iníqua espoliação dos bens eclesiásticos foi decretada tanto para privar a Igreja de seus meios de influência humana, como para adquirir com sua ajuda fervorosos adeptos da causa liberal. Os próprios corifeus do liberalismo o confessaram, quando foram acusados de ter dado quase de graça a seus amigos as ricas posses da Igreja. E ai daquele que um dia comeu o fruto do jardim alheio! Um campo, uma herança, umas casas que pertenceram ao convento ou à paróquia, e que hoje estão nas mãos de tal ou qual família, encadeiam esta família para sempre no erro liberal. Na maior parte dos casos, não há esperança provável de que renunciem ao liberalismo. O demônio revolucionário soube erguer entre eles e a verdade essa barreira insuperável. Temos visto ricos e influentes lavradores, católicos puros e fervorosos até 1835, e de então para cá liberais decididos e contumazes. Quereis a explicação? Observai aqueles campos irrigados, aquelas terras de trigo ou aqueles bosques, outrora propriedades do mosteiro. Com eles o lavrador de quem falamos aumentou suas fazendas, com eles vendeu sua alma e sua família à Revolução. A conversão de tais injustos possuidores é moralmente impossível. Todos os argumentos de amizade, todas as invectivas dos missionários, todos os remorsos de consciência tropeçam na dureza de sua alma, entrincheirada atrás de suas aquisições sacrílegas. É a desamortização que fez e ainda está fazendo o liberalismo. Esta é a verdade.

Tais são as causas ordinárias da perversão liberal, e a elas podem reduzir-se todas as demais. Quem tiver mediana experiência do mundo e do coração humano dificilmente poderá apontar outras.

  1. 1. 1 Jo 2, 16: “concupiscência da carne, concupiscência dos olhos, orgulho da vida.”
  2. 2. Ver nota 1 do Capítulo II.

30. O que se deve pensar das relações que o papa mantém com governos e personagens liberais

Mas então, brada alguém, que devemos pensar das relações e amizades que a Igreja tem com os governos e as pessoas liberais, ou, o que é o mesmo, com o liberalismo?

Resposta. Devemos julgar que são relações e amizades oficiais, e nada mais. Não supõem afeto algum particular às pessoas com quem se mantêm, e muito menos aprovação de seus atos, e muitíssimo menos adesão às suas doutrinas ou sanção delas. Este é um ponto que convém esclarecer, porque sobre ele os sectários do liberalismo armam grande aparato de teologia liberal para combater a sã intransigência católica.

Convém antes de tudo observar que há na Igreja de Deus dois ministérios: um que chamaremos apostólico, relativo à propagação da fé e à salvação das almas; e outro que poderíamos muito bem chamar de diplomático, relativo às relações humanas com os poderes da terra.

O primeiro é o mais nobre; é, por assim dizer, o primário e o essencial. O segundo é inferior e subordinado ao primeiro, do qual é unicamente o auxiliar. No primeiro a Igreja é intransigente e intolerante; vai direto ao seu fim, e prefere romper-se a dobrar-se: Frangi non flecti. Veja-se apenas a história das suas perseguições. Trata-se de direitos divinos e de deveres divinos, e portanto não cabe neles atenuação nem transação possíveis. No segundo ministério, a Igreja é condescendente, benévola e plena de paciência. Ela discute, solicita, negocia, elogia com o fim de abrandar, cala-se às vezes para melhor triunfar, recua talvez para melhor avançar e para tirar em seguida um melhor partido da situação. Nesta ordem de relações sua divisa poderia ser: flecti non frangi. Trata-se aqui de relações humanas, e estas admitem certa flexibilidade e uso de recursos especiais.

Neste terreno, tudo o que não é declarado mau e proibido pela lei comum, nas relações ordinárias entre os homens, é licito e bom. Mais claro: nesta esfera a Igreja julga poder valer-se, e vale-se de fato, de todos os recursos que pode utilizar uma diplomacia honrada.

Quem se atreverá a censurá-la, seja porque envia e recebe embaixadores de governos maus e mesmo de príncipes infiéis; seja porque dá e recebe dos mesmos, presentes, obséquios e honras diplomáticas; porque oferece distinções, títulos, condecorações a seus representantes; honra com frases de cortesia e urbanidade as suas famílias e concorre a suas festas por meio de seus representantes?

Porém logo os tontos e os liberais vêm a nosso encontro: “Por que razão deveríamos detestar o liberalismo e combater os governos liberais, quando o papa trata com eles, reconhece-os, e os cobre de distinções?” Malvado ou estúpido — talvez os dois juntos! —, escuta a comparação que vou fazer e julga em seguida.

Supõe que és pai de família e tens quatro ou seis filhas, a quem educas com a mais rigorosa honestidade. Em frente à tua casa ou simplesmente separadas de ti por uma parede vivem umas vizinhas infames. Tu recomendas continuamente a tuas filhas a não ter nenhum tipo de relação com aquelas mulheres de má vida. Tu as proíbe até de olhá-las e saudá-las. Queres que tuas filhas tenham-nas por perversas e corrompidas e que aborreçam sua conduta e suas idéias; que tomem cuidado para em nada se assemelharem a elas, nem pela linguagem, nem pelas obras, nem pelos trajes. Tuas filhas, boas e dóceis, têm o dever evidente de seguir as tuas ordens, que são as de um pai de família prudente e muito ajuizado. Mas eis que uma questão se suscita entre ti e essa vizinhança sobre um ponto de interesse comum, sobre demarcação de limites, ou passagem de águas, por exemplo; e torne-se preciso que tu, honrado pai, sem deixar de o ser, venha a tratar com uma daquelas infames mulheres, que por isso não deixam de ser infames, ou pelo menos com quem as represente. Deves tratar do assunto e ter encontros, e falas e fazes os cumprimentos e fórmulas de cortesia usuais na sociedade, e procuras de todos os modos entender-te e chegar a um acordo sobre a questão em litígio.

Terão razão tuas filhas, se disserem logo: “Já que nosso pai trata com essas vizinhas más, não devem ser tão más como ele diz. Podemos tratar com elas nós também, reputar como bons seus costumes, modestos os seus trajes, e louvável e honrada sua maneira de viver”?

Diz-me: não falariam como néscias tuas filhas, se falassem assim? Apliquemos agora a parábola ou comparação.

A Igreja é a família dos bons (ou dos que deveriam sê-lo e que ela deseja que o sejam); mas está rodeada de governos perversos em maior ou menor grau. Ela diz então a seus filhos: “Detestai as máximas desses governos; combatei-os; sua doutrina é erro, suas leis, iniqüidade”. Porém, ao mesmo tempo, nas questões que envolvem interesse próprio ou de ambos, ela se encontra na necessidade de tratar com os chefes ou representantes desses governos maus; e efetivamente trata com eles, recebe seus cumprimentos e usa para com eles das fórmulas de urbanidade diplomática usuais em todos os países. Pactua com eles sobre assuntos de interesse comum, procurando tirar o melhor partido possível de sua situação entre esses vizinhos. É isto mau? Sem dúvida, não. Mas não é ridículo que saia logo um católico tomando tal conduta como uma aprovação de doutrinas que a Igreja não cessa de condenar, e como uma aprovação de atos que ela não cessa de combater?

Vejamos: por acaso a Igreja aprova o Corão, quando trata de potência a potência com os sectários do Corão? Aprova a poligamia, quando recebe presentes e embaixadas do Grão-Turco? Pois bem! Do mesmo modo, a Igreja não aprova o liberalismo, quando ela condecora seus reis e ministros, quando lhes envia suas bênçãos, que são simples fórmulas de cortesia cristã que o papa outorga até aos protestantes. É um sofisma pretender que a Igreja autoriza com tais atos o que por outros não deixa de condenar. Seu ministério diplomático não anula seu ministério apostólico; e é neste último que se deve buscar a explicação das aparentes contradições de seu ministério diplomático.

Assim se comporta o papa com os chefes das nações, assim o bispo com os da diocese, assim o pároco com os da paróquia. Cada um sabe até onde vão suas relações oficiais e diplomáticas e qual é o seu verdadeiro sentido; só os infelizes sectários do liberalismo e os que estão contaminados dele ignoram isto, ou fingem ignorá-lo.

29. Que conduta deve observar o bom católico com os ministros de Deus contaminados de liberalismo?

Está bem, dirá alguém ao chegar aqui. Tudo isto é facílimo de compreender, e basta apenas folhear a história para tê-lo por averiguado. Mas o delicado e espinhoso é expor a conduta que deve observar, para com tais ministros da Igreja desviados, o fiel leigo, tão santamente zeloso da pureza de sua fé como dos direitos legítimos da autoridade.

É indispensável estabelecer aqui várias distinções e classificações e responder diferentemente a cada uma delas.

1° - Pode ocorrer que um ministro da Igreja seja publicamente condenado por ela como liberal; neste caso, bastará recordar que todo fiel eclesiástico ou leigo, a quem a Igreja separou do seu seio, deixa de ser católico (quanto ao direito de merecer tal consideração), até que, por meio de uma verdadeira retratação e um formal arrependimento, faça-se outra vez admitido à comunhão dos fiéis. Quando isto ocorre com um ministro da Igreja, trata-se de um lobo; não é pastor, nem sequer ovelha. É necessário evitá-lo, e sobretudo rezar por ele.

2° - Pode dar-se o caso de um ministro da Igreja, caído na heresia, mas sem ter sido ainda oficialmente declarado culpável pela Igreja. Neste caso é preciso agir com maior circunspecção. Um ministro da Igreja caído em erro contra a fé não pode ser oficialmente desautorizado senão por quem tenha sobre ele jurisdição hierárquica. Entretanto, no terreno da polêmica puramente científica, pode ser combatido por seus erros e condenado por eles, deixando sempre a última palavra, ou seja, ou a sentença definitiva à única autoridade infalível do Mestre Universal. A grande regra, a única regra em tudo, estamos a dizer, é a prática constante da Igreja de Deus, segundo aquele adágio de um Santo Padre: Quod semper, quod ubique, quod ab omnibus 1. Pois bem, assim se procedeu sempre na Igreja de Deus. Simples fiéis perceberam num eclesiástico doutrinas opostas às que comumente se ensinaram como as únicas sãs e verdadeiras; deram o grito de alarme contra elas em seus livros, de viva voz e em seus folhetos, pedindo assim ao magistério infalível de Roma a sentença decisiva. São os latidos do cão que advertem o pastor. Não houve heresia no catolicismo que não tenha começado a ser confundida e desmascarada desta maneira.

3° - Pode dar-se o caso de que o infeliz extraviado seja um ministro da Igreja ao qual estamos particularmente subordinados. É preciso então proceder com temperança e discrição ainda maiores. Deve-se respeitar sempre nele a autoridade de Deus, até que a Igreja o declare deposto dela. Se o erro é duvidoso, deve-se chamar a atenção dos superiores imediatos, a fim de que peçam ao suspeito explicações claras. Se o erro é evidente, nem por isto é lícito colocar-se em rebeldia aberta, mas é preciso contentar-se com a resistência passiva à autoridade, nos pontos em que ela se coloca manifestamente em contradição com as doutrinas reconhecidas como sãs pela Igreja. Deve-se, porém, conservar por ela todo respeito exterior que lhe é devido, obedecer-lhe no que não pareça doutrina condenada ou danosa, resistir-lhe pacífica e respeitosamente no que se aparte do sentimento comum católico.

4° - Pode dar-se o caso (e é o mais comum) de que o extravio de um ministro da Igreja não verse sobre pontos concretos de doutrina católica, mas sobre certas apreciações de fatos ou pessoas ligadas mais ou menos com ela. Neste caso, a prudência cristã aconselha olhar com prevenção para esse padre contagiado de liberalismo, preferir aos seus conselhos os de quem não tenha tais contágios, e de recordar esta máxima do Salvador: “Um pouco de levedura faz fermentar toda a massa”. Por conseguinte, uma prudente desconfiança é neste caso a regra de maior segurança; e neste ponto, como em tudo, pedir luz a Deus, conselhos a pessoas dignas e de fé íntegra, procedendo sempre com grande reserva contra quem não julga muito retamente ou não fale muito claro sobre os erros da atualidade.

E eis tudo o que podemos dizer sobre este ponto, cheio de inumeráveis dificuldades, e impossível de resolver em tese geral. Não esqueçamos uma observação que derrama torrentes de luz: conhece-se melhor o homem por suas afeições pessoais, do que por suas palavras e seus escritos. Ser amigo de liberais, mendigar seus favores e louvores é, regularmente falando, para um padre, prova mais que duvidosa de ortodoxia doutrinal.

Que nossos amigos reparem neste fenômeno, e verão quão segura norma e quão infalível critério lhes dá.

  1. 1. “O que foi sempre crido por toda a parte e por todos”, São Vicente de Lerins (primeira metade do século V).
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