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O Sinal da Besta

Pe. Gabriel Billecocq, FSSPX
 
 
Caros amigos e benfeitores,
 
A seguir, um sermão do Pe. Gabriel Billecocq, FSSPX, no último domingo depois de Pentecostes, 21 de novembro de 2021, na Igreja de São Nicolas-du-Chardonnet em Paris. É um texto bastante equilibrado, um aviso salutar para que evitemos os excessos aos quais podemos nos inclinar eventualmente nestes tempos difíceis, e um aviso ainda mais salutar para que foquemos na única coisa necessária: Deus e Sua vontade.
 
In Christo Sacerdote et Maria,
 
Pe. Yves Le Roux
 
 
 
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém.
 
Meus queridos fiéis,
 
Hoje, a Igreja nos dá uma visão verdadeiramente apocalíptica no Evangelho, com Nosso Senhor descrevendo o que, aparentemente, é o fim dos tempos -- tempos difíceis, dolorosos, aqueles dias, que serão abreviados em consideração dos eleitos, como Nosso Senhor mesmo nos diz.
 
Todos nós temos uma pequena curiosidade de saber como essas coisas vão acontecer, como o fim dos tempos vai se dar, e talvez alguns de vocês tenham sido curiosos o suficiente para apanhar o Livro do Apocalipse e tentar lê-lo e adivinhar de maneira mais concreta, mais material, como essas coisas acontecerão. Vocês devem ter lido sobre as famosas bestas do Apocalipse e sobre a "marca da Besta", o sinal da Besta.
 
Meus queridos fiéis, nossa curiosidade sobre essas coisas pode ser mórbida às vezes. A curiosidade mórbida existe: uma curiosidade que nos inclina mais ao pecado do que ao que é belo e bom. Nós podemos constatar com nossos próprios olhos, há exemplos em abundância ao nosso redor. É triste ver quantos jovens se inclinam a más imagens, ao invés de ler o Evangelho ou de se interessar pelo que Nosso Senhor fez durante Sua vida. E temos que reconhecer que nós, também, podemos ser afetados por essa curiosidade mórbida quando pensamos no fim dos tempos, imaginando como o Anticristo será, como ele nascerá, quem ele será, como poderemos reconhecê-lo, qual será a marca do Anticristo... E vocês sabem que as pessoas, hoje, estão fazendo todo tipo de especulação sobre essas coisas. E também está dito no Apocalipse que cada um dos eleitos estará marcado com o sinal de Deus -- e nenhum dos fiéis jamais veio me perguntar qual será o sinal de Deus. Todo mundo só pergunta "Qual o sinal do demônio? Qual a marca da Besta?" Ninguém se pergunta "Qual será o sinal de Deus?" Meus queridos irmãos, isso é apenas um exemplo de como nossa curiosidade facilmente se inclina em direção ao mau e feio do que ao bom e belo, e isso é uma coisa triste.
 
Então, para aquietar essa curiosidade toda um pouco, vamos hoje falar sobre esse sinal da Besta, como ele aparece no Apocalipse e como alguns Padres da Igreja o compreendem. Ouvimos falar muito dessas coisas hoje em dia, infelizmente, graças a tudo que está havendo no mundo.
 
É verdade que o Apocalipse inclui aquela famosa passagem segundo a qual aqueles que seguem a Besta terão uma marca na sua testa e no seu braço, e que eles não poderão comprar nada se não tiverem essa marca. Muitas pessoas estão imaginando que a vacina pode ser a marca da Besta -- da mesma maneira que essas mesmas pessoas imaginaram que os cartões de crédito eram a Besta, e, depois, se perguntaram se os códigos de barras eram, talvez, o sinal da Besta.
 
Então, o Apocalipse acrescenta o nome da Besta, dizendo que é um nome de homem, e o número do seu nome é 666 (seiscentos e sessenta e seis). As pessoas também especulam sobre essas expressões encontradas no Apocalipse.
 
Primeiramente, a marca a Besta é um selo na mão e na testa, e Santo Agostinho explica o que isso significa. Santo Agostinho não descreve esse selo como uma marca visível ao olho, como uma tatuagem ou um chip inserido no nosso corpo. Ele diz que a marca na mão e o caráter na testa significam dois modos de pertencer ao demônio.
 
O primeiro modo de pertencer é a marca na testa, que representa pertencer através da confissão aberta. O primeiro modo de pertencer à Besta é a marca na testa, ou seja, ao proclamar, abertamente, que a Besta é toda-poderosa e, ao mesmo tempo, negar que Deus é todo-poderoso. Outro Padre da Igreja dá a mesma interpretação, a de que uma das marcas da Besta é a negação: a negação de Deus, a negação de Sua onipotência, a negação de que Deus criou o mundo, a negação de Sua Encarnação, negação da Redenção... Em uma palavra, essa marca na testa significa a apostasia, a apostasia do coração. A testa é aquilo que aparece abertamente, e Santo Agostinho explica que o que aparece em nossa testa é o que mostramos no exterior daquilo que está no nosso interior, da mesma maneira que o sinal do cristão é o sinal da cruz, que começamos na nossa testa com nossa mão. Então, assim como o sinal do cristão é o sinal da cruz, através do qual o cristão mostra exteriormente que ele pertence a Jesus Cristo, que ele quer seguir Jesus Cristo, Seu Mestre, e carregar sua cruz; da mesma maneira, o primeiro sinal do demônio, aquela marca na testa, significa que um homem nega Deus abertamente e afirma que o demônio é todo-poderoso.
 
A segunda marca é aquela na mão. Novamente, aqui Santo Agostinho explica que essa marca não é algum tipo de tatuagem ou um chip inserido na mão da pessoa. Explica que, na Escritura, as mãos representam as obras. A segunda marca de pertencimento à Besta são as ações más, as obras do pecado. Aquele que pertence à Besta é aquele que segue o demônio fazendo o mal, praticando o mal, a obra do pecado.
 
Meus queridos fiéis, aí está para vocês o significado dessas marcas, dos sinais da Besta.
 
A nossa salvação não é mais material do que nosso combate, mas sim espiritual. Então, nosso pertencimento a Deus ou ao demônio não é, em essência, algo material. Essencialmente, não é ao inscrever algo em nosso corpo que pertencemos ao demônio, da mesma maneira que não é essencialmente ao inscrever algo em nosso corpo que nos faz pertencer a deus. A primeira marca do nosso pertencimento a Deus é um caráter, um caráter indelével, impresso em nossa alma pelo batismo. Essa é a primeira marca do pertencimento do cristão a Deus. E é esse caráter que lhe dá acesso aos demais sacramentos. A marca do pertencimento à Besta também é um caráter da alma, não um caráter indelével, graças a Deus, mas o caráter de uma vontade que se inclina ao mal e comete o pecado.
 
Nosso combate é espiritual, assim como nosso pertencimento a Deus é espiritual. E pertencer ao demônio também é um fato espiritual. Pertencemos a Deus através da graça, e esse é o sinal pelo qual reconhecemos os eleitos de Deus. Os eleitos são aqueles marcados pelo sinal da graça, em outras palavras, o sinal da caridade, do amor de Deus e da vida de Deus. Pertencer ao demônio significa o pecado. Pertence ao demônio aquele homem que não tem o amor de Deus nele, mas apenas o amor das coisas terrenas, materiais, sensíveis, ou mesmo simplesmente humanas, sem nada além disso.
 
Quanto a esse número, 666 (seiscentos e sessenta e seis), do qual o Apocalipse fala, o Apocalipse também diz que esse número da Besta é "o número de um homem". Santo Irineu talvez seja quem dá a melhor explicação para esse número. Muitas pessoas tentaram encontrar esse número literalmente, ou encontrar o nome que ele contém, da mesma maneira que os rabinos faziam, pois os números na Escritura sempre têm algum tipo de simbolismo. Há até mesmo uma ciência que dá a interpretação dos números. Santo Irineu vai além disso.
 
Os Padres da Igreja estão em consenso quanto ao fato de que esse nome nos permanecerá desconhecido até que o Anticristo apareça. Essa profecia do Apocalipse é como qualquer outra profecia: ela só se tornará clara quando cumprida. Mas Santo Irineu ainda explica que o número 666 está cheio de simbolismos, assim como o número de 144 mil eleitos contados no Apocalipse, 12 mil de cada tribo, como ouvimos na Festa de Todos os Santos. Os números na Escritura, realmente, são simbólicos. O número 7 representa uma perfeição, 8 representa uma plenitude, e 6 representa uma imperfeição. Não apenas qualquer imperfeição, mas os Padres dizem que parar a contagem em seis representa impedir o número de atingir a Deus [que seria a perfeição, representada pelo número 7]. Então o número seis indica não algum tipo de imperfeição natural inerente à criatura, mas um direcionamento do homem a ele mesmo. E Santo Irineu vai além, explicando que o 6 triplo representa um triplo direcionamento do homem a si mesmo: não apenas um pecado da alma, isto é, do intelecto e da alma, mas também um terceiro pecado, que ele chama de pecado do espírito.
 
O pecado do corpo, como sabemos, são todos aqueles pecados que se encontram espalhados hoje em dia -- não há necessidade de nos alongarmos nesse ponto -- [como] os pecados contra a natureza, aqueles pecados que pedem vingança aos Céus. O pecado da alma, isto é, o do intelecto e da vontade, corresponde ao pecado do homem de hoje, que evita que o intelecto atinja a verdade. -- E aqui, meus caros fiéis, precisamos agradecer àqueles que se devotam aos nossos filhos e a dar-lhes uma educação genuína nas verdades que os levam a Jesus Cristo. Mas esse pecado da alma, o de fazer tudo para evitar que a criança atinja a verdade, também afeta a vontade. É outro aspecto daqueles programas de educação modernos, evitar que a criança conheça a verdade, conheça o bem e como ela pode praticar o bem.
 
O último dos três "seis" representa o pecado do espírito, o pecado de nos fecharmos a Deus; é o pecado através do qual o homem recusa a Deus. Esse pecado corresponde à abominação da desolação no Templo Sagrado, talvez como vemos hoje nessa Missa nova, na qual a adoração está completamente direcionada ao homem.
 
Meus queridos fiéis, vocês podem ver como os Padres da Igreja explicam essas palavras misteriosas do Apocalipse, que permanecem misteriosas nos dias de hoje. Precisamos parar de correr atrás de interpretações, uma mais assustadora que a outra. Não importam as dificuldades que estamos enfrentando hoje, não importa as mentiras e erros que nos são apresentados -- e muitos erros e mentiras nos são apresentados! -- não importa quão perigosos sejam alguns produtos que os homens querem injetar em nós, não esqueçamos que a marca da Besta é algo espiritual: ela é o pecado. Pertencemos ao demônio pelo pecado; pertencemos a Deus pela graça e pela caridade.
 
Aí está, meus queridos fiéis. Nosso Senhor é muito claro nesse ponto e nos diz: "Não temais aqueles que podem matar o corpo" -- e disso nós temos, hoje, uma aplicação direta -- "não temais aqueles que podem matar o corpo; ao invés, temei Aquele que tem o poder de atirar ao fogo eterno". E, novamente, Nosso Senhor diz isso a Seus Apóstolos antes de os deixar "Tende coragem; eu venci o mundo". Não temos nada a temer das coisas materiais deste mundo. Devemos temer o pecado. Não devemos temer a morte do corpo; devemos temer a morte eterna.
 
É verdade, meus queridos fiéis, que o futuro nos é desconhecido, e ele pode parecer bastante sombrio. Ainda assim, há coisas que sabemos com certeza absoluta: Deus é nosso Pai, Deus não esquece Seus filhos, Deus protege Seus filhos, Deus alimenta Seus filhos.
 
Não importa as provações que tenhamos de enfrentar, tenhamos uma confiança perfeita: não sabemos os sofrimentos que estão vindo, mas sabemos com certeza absoluta que a graça jamais nos abandonará. Essa é a nossa esperança e a nossa alegria nesse mundo de tristezas.
 
Amém.
 
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém.
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