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Capítulo 5 -- O véu de Verônica

Parece oportuno explicar agora como a imagem da Sagrada Face no Véu de Verônica se tornou a imagem de adoração associada à Devoção à Sagrada Face dada à Irmã Maria de São Pedro.

Em 1849, um ano após a morte da irmã, o Bem-aventurado Papa Pio IX mandou que se fizessem orações públicas pela proteção dos Estados Papais. Junto com isso, ordenou que se fizesse uma exposição pública de três dias da santa relíquia do Véu de Verônica. No terceiro dia da exposição, ocorreu um milagre público. Os que estavam presentes notaram uma mudança marcante no véu. Um comentário diz: “Através de outro véu de seda que cobre a relíquia verdadeira do Véu de Verônica, a Divina Face apareceu distintamente, como se vivesse, e foi iluminada por uma luz suave; as feições assumiram um matiz de morte e os olhos fundos, cavados, apresentaram uma expressão de grande dor.” Os padres mandaram que os sinos repicassem para atrair o povo ao prodígio. Um notário apostólico foi chamado para compor um documento que testificasse a verdade do milagre. Na mesma noite, iniciou-se a produção de cópias da imagem do milagre que, depois de tocadas no véu original, eram distribuídas. Duas dessas imagens foram enviadas a Tours: uma para o convento da Irmã Maria de São Pedro e outra para Léon Dupont, o “Santo Homem de Tours”, que estava intimamente relacionado ao Carmelo de Tours e à Obra de Reparação. O Sr. Dupont pendurou a imagem em sua sala de estar, que se tornou depois um oratório. Ali ele divulgou a devoção à Sagrada Face e a reparação pelas blasfêmias e profanações dos domingos, utilizando orações aprovadas pela Igreja, mas que não mencionavam as revelações à Irmã Maria de São Pedro, que ainda não tinham recebido aprovação eclesiástica. Mesmo assim, por meio dessa devoção e da imagem da Sagrada Face, Léon Dupont operou tantos milagres, especialmente curas milagrosas, que o Bem-aventurado Pio IX chamou-o de talvez o maior taumaturgo da história da Igreja. 1 Isso demonstra o poder da Devoção à Sagrada Face.

 

Aprovação Eclesiástica

Após a morte da Irmã Maria de São Pedro, todos os seus escritos foram enviados ao arcebispo para serem estudados. Diz-se que, por razões políticas, o Arcebispo de Tours, Dom Morlot, decidiu não conceder sua aprovação às revelações. A França, na época, estava convulsionada pela revolução. O Padre Janvier, comentando a decisão do arcebispo, observa respeitosamente que Dom Morlot tinha uma personalidade propensa a errar para o lado da precaução. Dom Morlot, entretanto, havia se encontrado anteriormente com a religiosa e ficara impressionado. Dizia que seus escritos estavam livres de erro teológico, não negava que ela havia recebido uma missão divina e a qualificava como uma religiosa muito fervorosa. Pessoalmente, o arcebispo professava uma alta estima pela virtude e santidade da irmã e expressava sua crença pessoal de que aquelas revelações davam a aparência de vir de Deus. Ainda assim, proibiu que seus escritos se tornassem conhecidos, embora tenha tratado do assunto de maneira a permitir que outro bispo – um de seus sucessores – reabrisse o caso e talvez lhe concedesse uma decisão favorável.

Três décadas e dois arcebispos depois, em 1875, Dom Charles Colet tornou-se arcebispo de Tours. No primeiro ano de seu episcopado, rompeu os selos sobre os escritos da Irmã Maria de São Pedro para realizar um vasto exame. Chegou mesmo a enviar os escritos para serem examinados pelo eminente beneditino Dom Guéranger, da Abadia de Solesmes, que os retornou com as mais elevadas recomendações. Assim, Dom Colet, que estava não apenas bem disposto, mas parecia ansioso para ver a Obra de Reparação inaugurada, deu permissão e impulsionou a publicação das revelações e da vida da Irmã Maria de São Pedro. Léon Dupont, que morreu em 1876, testemunhou esse feito no final da vida, para sua grande alegria.

Dez anos depois, em 1º de outubro de 1885, o Papa Leão XIII promulgou um documento formal intitulado O Breve de Sua Santidade o Papa Leão XIII Estabelecendo a Arquiconfraria da Sagrada Face. A Arquiconfraria era assim estabelecida não apenas para a França, mas para o mundo inteiro, existindo até hoje. Imediatamente após Leão XIII conceder sua aprovação, a Confraria da Sagrada Face foi estabelecida em Tours.

E aqui uma nota interessante. Em 1885, um pai francês e suas quatro filhas estiveram entre os primeiros a filiar-se à confraria. Seu nome era Louis Martin e uma de suas filhas chamava-se Marie Thérèse Martin, que veio a ser Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face. Assim, vê-se que, mesmo antes de Santa Teresinha entrar no convento carmelita, já era filiada à Confraria da Sagrada Face. Isso provavelmente explica por que escolheu a Sagrada Face de Jesus como parte de seu nome e também por que compôs orações em reparação à Sagrada Face. Diz-se que os nomes da família Martin ainda podem ser vistos no livro de registro da confraria.

 

O Beato Dom Columba Marmion, Abade

Neste ponto, é oportuno reforçar os fundamentos doutrinais de uma devoção como essa, e não há melhor professor do que o eminente mestre da vida espiritual, o Beato Dom Columba Marmion (1858-1923).

Dom Marmion explica que há muitas bênçãos que recebemos como membros do Corpo Místico de Cristo. Por exemplo, quando somos batizados, tornamo-nos filhos adotivos de Deus, herdeiros do Céu, templos do Espírito Santo, e passamos a fazer parte de uma só família com a Igreja Militante na Terra, a Igreja Padecente no Purgatório e a Igreja Triunfante no Céu. Mas o Abade vai além. Quando somos membros do Corpo Místico de Cristo, explica ele, somos realmente parte de seu Corpo, e há certas posses d’Ele que se tornam nossas. Os frutos da Redenção, da Paixão e Morte de Nosso Senhor, tornam-se nossos. A vida da Graça Santificante que Nosso Senhor viveu se torna nossa. Os sete Sacramentos que Nosso Senhor estabeleceu se tornam nossos. Assim também, por sermos membros do Corpo Místico de Cristo, os Santos Mistérios que Nosso Senhor viveu enquanto estava na Terra se tornam nossos.

Dom Marmion assinala que esses Mistérios são fonte de graça inexaurível para nós quando os honramos e meditamos. Mais ainda, cada Mistério de Nosso Senhor traz consigo graças especiais próprias, das quais podemos nos beneficiar. Por exemplo, ao meditar sobre a Divina Infância de Nosso Senhor, recebemos graças especiais que não recebemos ao meditar sobre as atividades de Nosso Senhor na carpintaria com São José, e vice-versa. Ao meditar sobre a Paixão de Nosso Senhor, recebemos graças especiais que não recebemos ao meditar sobre o Sermão da Montanha. Cada um dos Mistérios de Nosso Senhor traz consigo forças e graças especiais. O Abade escreveu um livro inteiro sobre isso chamado Jesus Cristo nos Seus Mistérios, 2 uma série de meditações em que enfatiza que ao longo de todo o Ano Litúrgico ― de um tempo a outro ― de domingo a domingo ― há diferentes Mistérios de Nosso Senhor apresentados a nós para que os meditemos e deles nos beneficiemos. Cada um desses Mistérios traz consigo uma força e uma graça especiais. Nessa perspectiva, podemos fazer as seguintes considerações sobre a devoção à Sagrada Face:

  1. É uma devoção que Nosso Senhor pediu especificamente que praticássemos.
  2. Sabemos que haverá graças e forças especiais que receberemos ao praticar essa devoção que, talvez, poderíamos não receber praticando outras.
  1. 1. Extraído da contracapa de The Holy Man of Tours, Tan Books, 1990.
  2. 2. Dom Columba Marmion, Jesus Cristo nos Seus Mistérios [Ora Labora, 1958].
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