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Apêndice

Terminaremos esta obra recordando as principais bênçãos que a França tem recebido da Mãe de Deus. 

Após os anos tão dolorosos que acabamos de atravessar desde 1939 a 1945, para voltarmos a encontrar a vitalidade e as energias necessárias para o restabelecimento intelectual, moral e espiritual de nossa pátria, temos imensa necessidade do socorro de Deus; nós o obteremos pela intercessão de Maria, recordando-nos de tudo o que ela têm feito pela França no curso da nossa história, quando tudo parecia perdido. Recordemos primeiramente os centros de oração de nossa pátria.

 

Santuários antigos e novos de Nossa Senhora

Desde a alta Idade Média, a antiga França esteve repleta de santuários da Santíssima Virgem. Basta recordar os principais: Nossa Senhora de Paris, começada no início do século VI e continuada por São Luís; Nossa Senhora de Chartres, mais antiga ainda; Nossa Senhora de Rocamadour, onde foram rezar Branca de Castela e São Domingos; Nossa Senhora de Puy, que São Luís visitou; Nossa Senhora de la Garde em Marselha; Nossa Senhora de Fourvière em Lyon; muitos santuários conhecidos com o nome de Nossa Senhora do Bom Socorro, Nossa Senhora da Piedade, Nossa Senhora das Mercês, Nossa Senhora da Recuperação, Nossa Senhora das Maravilhas. Quantos milagres e graças concedidos ao longo dos séculos nesses lugares de peregrinação!

Os santuários mais recentes de Nossa Senhora de Laus, nos Alpes, de Nossa Senhora de La Salette, Nossa Senhora de Lourdes, Nossa Senhora de Pontmain, Nossa Senhora de Pellevoisin e muitos outros dizem-nos que as bênçãos de Maria estão sempre conosco. Recentemente quarenta e três paróquias, quarenta e três novas Nossas Senhoras foram construídas nos arredores de Paris.

A Virgem Maria também inspirou, em tempos passados, Santa Genoveva, padroeira de Paris, e Joana d'Arc, a santa da pátria.

Nos momentos mais difíceis, ela suscitou Ordens religiosas, como a de Cister, ilustrada por São Bernardo; a de São Domingos, fundada em Toulouse; ela deu ao Carmelo da França uma admirável vitalidade, bem como a muitas congregações religiosas fundadas antes ou depois da tormenta revolucionária e que freqüentemente levam seu nome.

Como recordou o Papa Pio XI ao proclamar, em 1922, Nossa Senhora da Assunção a padroeira principal de nosso país, a França foi com toda justiça chamada “O reino de Maria, pois foi consagrada a ela por Luis XIII, que ordenou que a cada ano as funções solenes se fizessem no dia 15 de agosto na festa da Assunção da Virgem. No mesmo discurso, o Papa Pio XI recordou que trinta e cinco de nossas catedrais levam o nome de Nossa Senhora e invocou, como uma resposta do Céu à piedade francesa, as aparições e milagres de Maria em nosso solo; e saudou o rei Clóvis e muitos dos nossos monarcas como defensores e promotores dessa devoção à Mãe de Deus.

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Num livro recente, La Vierge Marie dans l'histoire de France, de 1939, escrito por M. A. L. de la Franquerie, encontra-se o relato das múltiplas intervenções da Santíssima Virgem para a salvação de nossa pátria. Como disse no prefácio desse livro V. Em.ª Revma o Cardeal Baudrillart: “Folheamos as páginas desta obra, ficamos assombrados e perguntamo-nos: é possível isso? Então, dirigimos os olhos para o fim destas páginas, para as abundantes referências, as inumeráveis leituras, as fontes, a erudição impressionante de primeira mão... e ficamos convencidos. Devemos também a M. de la Franquerie um surpreendente quadro, através das épocas, um resplandecente ramalhete das virtudes religiosas e da piedade mariana na França... É um fluxo e refluxo incessante, um movimento que pressupõe o outro, da nação que invoca e do Céu que ouve. Visão de esperança para o presente e para o futuro”.

Recordaremos os principais documentos recolhidos por M. de la Franquerie relativos aos grandes períodos de nossa história, para sublinhar as intervenções mais extraordinárias da Santíssima Virgem em nosso favor.

 

Desde Clóvis e São Remígio até a morte de Joana d’Arc

O que sabemos do santuário de Ferrières, no Sénonais, que o Rei Clóvis visitou e com cuja reconstrução contribuiu, e onde ia rezar Santa Clotilde, mostra muito claramente a ação de Maria na conversão de Clóvis e o estabelecimento da realeza cristã1. As palavras de São Remígio que nos foram conservadas e que explicam seu testamento são bem conhecidas: “O reino da França está predestinado por Deus à defesa da Igreja Romana, que é a única verdadeira Igreja de Cristo... Ele será vitorioso e próspero enquanto permanecer fiel à fé romana. Mas será terrivelmente castigado todas as vezes que for infiel à sua vocação 2. Essa profecia tem se realizado incessantemente.

De todos os reis da França, o mais fiel a essa vocação foi incontestavelmente São Luís, que teve para a Santíssima Virgem uma imensa devoção, como mostram as igrejas que mandou construir em sua honra 3. Ia freqüentemente rezar à Virgem Maria na igreja de Nossa Senhora de Paris, e quando construiu a Sainte Chapelle, contígua a seu palácio, para receber nela as preciosas relíquias da Paixão do Salvador, sua piedade, não separando a Mãe do Filho, procurou que a cripta da capela fosse dedicada à Santíssima Virgem. Antes de sua primeira cruzada, veio ajoelhar-se em Nossa Senhora de Pontoise diante da imagem milagrosa para consagrar-lhe o destino da França, de seu exército e de si mesmo 4. No decorrer da cruzada, em meio aos maiores perigos, a calma não o abandonou jamais. Ao prestígio de sua santidade se deveu também a universal influência que exerceu sobre seus contemporâneos e o poder de levar a bom termo as reformas fundamentais que propôs. Durante a última cruzada, da qual participou, morreu de peste em Túnis, no sábado 25 de agosto de 1270, demonstrando uma última vez sua devoção à Mãe de Deus 5.

Seu filho, Filipe III, o Bravo, mostra-se seu digno herdeiro. Mas, posteriormente, as faltas de Filipe, o Belo, em relação ao Papa Bonifácio VIII são castigadas como havia anunciado São Remígio. Seus três filhos sucedem-lhe no trono sem deixar herdeiro. A coroa passa à estirpe dos Valois e a Guerra dos Cem Anos começa pelo fato de que o rei da Inglaterra recusa-se a reconhecer a lei sálica que regia a ordem de sucessão ao trono da França 6.

Durante todo esse período, os Valois reinaram sofrendo muitas vezes a derrota, apesar de sua incontestável coragem, e não cessando de invocar o socorro de Maria até o dia em que, com as faltas finalmente expiadas, a Rainha do Céu interveio por meio de Joana d'Arc para manter inviolada a lei sálica e salvar a França do jugo da Inglaterra, que poderia ter nos arrastado à heresia, pois essa passou ao protestantismo no século seguinte.

Sob Filipe VI de Valois e João, o Bom, os desastres haviam se amplificado e ocorrera a derrota de Crécy e depois a de Poitiers. O rei João foi feito prisioneiro; o povo lançou-se aos pés de Maria. Humanamente, a França estava perdida; em 1360, foi quase reduzida ao estado de província inglesa. A situação era desesperada, mas Maria interveio. O exército inglês havia colocado Chartres em estado de sítio, quando um furacão dos mais violentos não lhe permitiu avançar. O rei da Inglaterra viu nesse flagelo a intervenção de Nossa Senhora de Chartres e fez a paz, que não durou muito.

Sob Carlos V, o Sábio, que tinha uma fé profunda e uma grande piedade mariana, Bertrand Du Guesclin e Olivier de Clisson reorganizaram o exército e livraram uma grande parte do território francês do domínio inglês.

Mas o reinado de Carlos VI é marcado pela invasão inglesa, a traição da rainha Isabel da Baviera e a do duque de Borgonha, a guerra civil e a fome; a loucura do rei leva-o ao cúmulo da desordem geral. Finalmente, o rei morre em 1422; a situação parecia desesperada.

O povo suplica à Santíssima Virgem que venha em seu auxílio, e essa era a única esperança de Carlos VII. É o momento em que Joana d’Arc vem nos salvar da invasão inglesa: “Venho diante do rei da França, da parte da Bem-Aventurada Virgem Maria dirá ela aos seus juízes; e, de fato, não há nenhum evento importante na vida da Donzela em que Maria não esteja implicada. Dois nomes estão escritos em seu estandarte: Jesus-Maria. Em Orleans, depois de ter rezado a Maria, na capela de Nossa Senhora do Socorro, Joana obteve sobre os ingleses a grande vitória que salvou a França. Pouco depois, fez cantar o Te Deum na igreja de Nossa Senhora dos Milagres e renovou o pacto concluído em Tolbiac; ela pede o reino a Carlos VII, que lhe dá; ela mesma o oferece a Jesus Cristo, que, por intermédio de Joana, devolve-o ao rei 7. Esse pacto proclama a realeza universal de Cristo sobre o mundo e particularmente sobre nossa pátria.

Mas, depois da consagração do rei em Reims, o resto da missão de Joana d'Arc a conclusão da libertação da França e o reconhecimento da realeza de Cristo não poderia realizar-se de outra forma que por seu martírio, o ponto culminante da vida da Donzela e a prova da santidade de sua missão, selada com seu sangue. Após a libertação do território, Carlos VII foi render homenagem por suas vitórias em Nossa Senhora de Puy, aos pés daquela a quem freqüentemente tinha vindo rezar nos tempos de suas calamidades. Joana d'Arc tinha categoricamente afirmado que “apesar de sua morte, cumprir-se-iam todas as coisas pelas quais havia vindo8.

 

Depois da morte de Joana d’Arc até os mártires da Revolução

Luis XI reuniu à Coroa: Berry, Normandia, Guiana, Borgonha, Anjou, Maine e Provença. Infelizmente, cometeu um abuso de poder agravado por um crime: participou do assassinato do príncipe bispo de Liège. São Francisco de Paula anunciou, então, ao rei que ele tinha um ano para expiar seu crime. Luis, durante esse ano, entregou-se a uma severa penitência, fez construir uma capela reparadora e morreu no dia anunciado. Seu crime estava perdoado, mas a expiação deveria seguir; sua descendência foi rejeitada: seu filho Carlos VIII não teve herdeiro sálico e o trono passou a seu primo Luis XII. São Remígio havia escrito em seu testamento sobre o rei infiel à sua vocação: “Seus dias serão abreviados e outro receberá a realeza” 9. Era a segunda vez que essa profecia se realizava, e se realizaria ainda em breve.

Luis XII testemunha seu reconhecimento a Maria pelos muitos favores que havia recebido dela. Assim também o fez Francisco I depois da brilhante vitória de Marignan, e construiu em Milão uma igreja em honra da Mãe de Deus. Mas a proteção divina o abandona quando ele favorece o renascimento pagão, pactua com os protestantes e erige em dogma o direito ao erro. É feito prisioneiro em Pavia (1525). Arrepende-se, oferece uma reparação à Santíssima Virgem em três igrejas: Bayonne, Puy e Paris; mas volta a cair em seus erros e de novo a proteção divina o abandona, realizando-se uma vez mais a profecia de São Remígio: golpe após golpe, seis de seus sete filhos morrem e o país encontra-se à beira das guerras de religião.

A situação agrava-se com Catarina de Médici. Os protestantes não tardam em devastar a França, incendiando e destruindo igrejas e mosteiros, mas não contam com a proteção de Maria; graças à devoção da França à Santíssima Virgem o protestantismo fracassou. Um dos primeiros atentados dos huguenotes havia sido a sacrílega profanação de uma estátua dedicada à Virgem. O tratado de Péronne, ao contrário, em que foi organizada a Liga, foi confiado Àquela que sempre triunfa sobre as heresias. Sob sua influência, a alma da França reanima-se. Os príncipes da casa real são os primeiros a inscrever-se. Cada um dos partidários da Liga concorda, com um juramento, “a manter a dupla e inseparável unidade católica e monárquica do santo reino da França tal como estabelecida milagrosamente no batistério de Reims, por São Remígio, tal como restaurada milagrosamente por Joana d'Arc, tal como inscrita na lei sálica”; “a fazer com este fim o sacrifício de seus bens e de sua vida...”.

Finalmente, depois de muitas lutas, é aos pés de Nossa Senhora que vem espatifar-se a heresia pela conversão de Henrique IV, que regressa ao Catolicismo, e por sua coroação em Nossa Senhora de Chartres 10.

Ajudado por seu primeiro ministro Sully, restaura completamente o reino, reduz os impostos, reorganiza a agricultura, recupera o comércio e a indústria, favorece as empresas coloniais e, graças ao seu apoio, Champlain funda a cidade de Quebec. Ao final do seu reinado, a França era a nação mais rica, mais próspera e populosa.

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Depois de Henrique IV, Luis XIII, o Justo, modelo de rei cristianíssimo, consagra a França a Maria. Tendo-se inteirado do fervor com o qual se recitava o Rosário em Paris, na igreja dos Irmãos Pregadores, todos os sábados para o reino da França, ordenou que se praticasse a mesma devoção em seu exército, para triunfar sobre os protestantes.

A vitória sobre os Calvinistas, apoiados pela Inglaterra, foi tão brilhante que a Universidade de Paris, em 1º de novembro de 1628, declarou: “Confessamos altamente regozijados que a maior parte da nossa França, infecctada pela peste da heresia, tem sido curada pelo Rosário de São Domingos 11.

Luis XIII, tendo sido assim favorecido, fundou a Igreja de Nossa Senhora das Vitórias em 09 de dezembro de 1629.

Em 05 de setembro de 1638, o nascimento de Luis XIV foi a ocasião determinante do ato oficial pelo qual Luís XIII consagrou a França à Santíssima Virgem e instituiu a procissão solene de 15 de Agosto.

O próprio reinado de Luis XIII terminou gloriosamente, e uma plêiade de santos foi dada à França: São Francisco de Sales, Santa Joana de Chantal, São Vicente de Paulo, Santa Luísa de Marillac, São João Eudes. Todo o renascimento cristão do século XVII, o grande século, resulta diretamente do reinado de Luis XIII, o Justo, e de seu ato de consagração da França a Maria.

O autor da obra que resumimos conclui 12: “Consagrando a França à Santíssima Virgem, Luis XIII deu à Rainha do Céu um direito de propriedade total e irrevogável sobre nosso país, e Maria não pode abandonar definitivamente ao poder de Satanás o que lhe pertence especialmente, sem incorrer no mesmo instante numa diminuição definitiva de sua onipotência de intercessão, de sua soberania e de sua realeza, o que é uma impossibilidade”.

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Luis XIV veio a Chartres em 25 de agosto de 1643, no início de seu reinado, para colocá-lo sob a proteção de Maria; renovou essa consagração a cada ano e, mesmo no tempo de seus erros, conservou uma real devoção à Mãe de Deus, e foi assim que ele se impôs a obrigação de recitar cotidianamente o terço. Como mostra Mons. Prunel em seu livro O Renascimento católico na França no século XVII, o episcopado teve em seu conjunto uma vida profundamente digna e apostólica, tomando por modelo São Francisco de Sales. As ordens religiosas foram reformadas: Beneditinos, Cistercienses, Agostinianos, Dominicanos rivalizavam de ardor para refazer uma França nova. São Francisco de Sales e Santa Joana de Chantal fundam a Visitação; os Carmelitas são introduzidos na França pela Sra. Acarie; o cardeal de Bérulle institui o Oratório; São João Eudes, a congregação dos Eudistas; São Vicente de Paulo, os Padres da Missão e as Filhas da Caridade. M. Olier estabelece o seminário de São Sulpício e pouco a pouco organiza-se um seminário em cada diocese. Ao fim do reinado de Luis XIV, o Santo de Montfort, fundador da Companhia de Maria e das Irmãs da Sabedoria, evangeliza o Poitou, Anjou, a Vendée, e nessas regiões inculca nas almas uma profunda devoção ao Sagrado Coração e a Maria, que lhes protegerá contra os sofismas dos filósofos do século XVIII e contra a impiedade revolucionária, e assim nasce o heroísmo dessas populações durante as Guerras da Vendée sob o regime do Terror.

O quadro do renascimento católico na França no século XVII estaria incompleto se não falássemos da evangelização do Canadá pelos religiosos e religiosas franceses que, desde Quebec, resplandecem em todas aquelas regiões; foi desse modo que em 1642 começou a fundação de Montreal com o nome de Vila Maria 13.

São Vicente de Paulo envia os padres Lazaristas para evangelizar a Argélia, Bicerta, Tunísia e mesmo Madagascar. Os Jesuítas franceses, Carmelitas e Capuchinhos partem para a China e Tonkin. O seminário das Missões Estrangeiras é fundado e também a Congregação do Espírito Santo, para formar igualmente os missionários.

Esse renovamento católico no século XVII mostra os frutos alcançados pela consagração do reino da França à Virgem Maria, consagração renovada por Luis XIV quando colocou o seu reino sob a proteção da Mãe de Deus.

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Em sua História do culto à Santíssima Virgem na França 14, Hamon observa: “Até o século XVII, a devoção a Maria vai crescendo incessantemente, e ali, mais do que nunca, resplandeceu em todos os lugares... (Mas pouco depois) o espírito religioso e, como conseqüência necessária, o amor à Virgem, debilitaram-se sob a Regência e diminuíram sob o sopro gelado do Jansenismo; os dias nefastos da França preparavam-se”.

Pervertido e sem convicções religiosas, o Regente deixou os incrédulos e libertinos preparar o terreno às sociedades secretas e combater as tradições mais sagradas. As primeiras lojas maçônicas instalaram-se na França e dispersaram-se por todo o reino, formando uma rede formidável e secreta que minará silenciosamente o edifício e o fará desmoronar durante a Revolução. A profecia de São Remígio vai se realizar novamente.

Como o confirmam os trabalhos recentes sobre as sociedades secretas, com uma duplicidade e destreza satânicas, a Maçonaria fomenta o orgulho, a ambição, a inveja e se serve de espíritos utópicos. Eleva os seus adeptos aos mais altos postos e mina, pouco a pouco, todas as instituições, até o Exército e a Marinha. Todos os filósofos do século XVIII são seus adeptos e a Enciclopédia é o compêndio de seus erros; ela trabalha incansavelmente para a descristianização da França.

À morte de Luis XV, as lojas, pela boca de Turgot, procuram obter a supressão do sagrado para laicizar o reino cristianíssimo. Calunia-se gravemente a rainha.

Luis XVI percebe que a tempestade está prestes a começar; a 10 de fevereiro de 1790, renova o voto de Luis XIII, consagrando a França ao Coração Imaculado de Maria.

Mais tarde, opondo seu veto ao decreto de deportação dos sacerdotes, compreendeu que disputavam sua coroa e expunha-se à morte, mas diante da revolta desencadeada, responde dignamente aos líderes: “Antes renunciar à coroa que participar em semelhante tirania das consciências. Prefere morrer a trair a missão confiada por Deus à sua linhagem.

A Revolução é, então, o sinal dos crimes mais atrozes; em seu ódio satânico contra Deus, ela vai muito mais longe do que pretendiam aqueles que a desencadearam: arrasta-os e quer descristianizar a França para sempre. Satanás parece triunfar, mas sua vitória não pode ser definitiva: a França está consagrada à Virgem Maria. Esse é um dos grandes motivos que permitem ter esperança na sua ressurreição, quando a expiação tiver sido suficiente.

Do ponto de vista da fé, que é o de Deus, o que há de mais notável sob o Terror é, evidentemente, o martírio de muitas vítimas que consumaram seu sacrifício invocando a Santíssima Virgem, como os mártires de Orange, as Carmelitas de Compiègne e as Ursulinas de Valenciennes.

Como demonstrou M. Gautherot, em seu livro L'epopée vendéenne, depois de uma resistência heróica e muitas vezes vitoriosa, os Vendeanos derramaram o seu sangue cantando a Salve Regina, o Magnificat ou os hinos populares à Santíssima Virgem.

Em dez anos, o Santo de Montfort havia transformado tão profundamente, no final do século XVII, as províncias do Oeste, que os netos de seus fiéis levantaram-se como um só homem para defender a sua fé, carregando no peito o escapulário do Sagrado Coração e na mão o terço. De tal modo que Napoleão, por sua própria confissão, negociou a Concordata porque não tinha sido capaz de dominar essas províncias sem restabelecer a religião. Chouanos e Vendeanos salvaram assim a religião na França, apesar da sua derrota.

Mons. Freppel, em seu Panegírico de São Luís Grignion de Montfort, pronunciado em São Lourenço sobre o Sèvre, em 8 de junho de 1888, concluiu: “Pode-se dizer que a resistência heróica da Vendéia à obra satânica da Revolução salvou a honra da França... Contra a desordem revolucionária, procedente das utopias perigosas de um Jean Jacques Rousseau e dos filósofos do século XVIII, ela defendeu, com o preço de seu sangue, a ordem social cristã que havia construído, durante séculos, a honra e a força da França. Graças, sobretudo, à resistência obstinada e indomável da Vendéia, a França pôde recuperar suas liberdades religiosas. Infrutífero na aparência, seu sacrifício não permanecerá estéril, porque se é verdadeiro que o sangue dos mártires torna-se uma semente fecunda e que Deus regula o seu perdão em conformidade às nossas expiações; se, alguns anos depois dessa guerra de gigantes, como a chamava um homem que a entendia, tendes visto vossos altares reerguerem-se, vossos sacerdotes retornar do exílio e a Igreja da França resurgir de suas ruínas mais pujante que nunca, é porque o sangue dos justos tinha merecido todas essas restaurações”.

 

Depois da Revolução até nossos dias

Foi na Festa da Assunção, em 15 de agosto de 1801, que Pio VII ratificou a Concordata, e em 8 de setembro, outra festa da Santíssima Virgem, o Primeiro Cônsul colocou sua assinatura. Maria decidiu salvar a França, cuja ressurreição havia sido comprada pelas mais puras vítimas durante o Terror.

Os regimes políticos posteriores que não quiseram reconhecer os direitos de Deus e os nossos deveres desabaram miseravelmente, para monstrar que somente Deus pode dar a estabilidade e a duração.

Maria manifestou sua ação benéfica pela restauração ou fundação de institutos religiosos plenos de zelo, suscitando valentes defensores da fé, e pelas intervenções pessoais como as de La Salette, Lourdes e de Pontmain.

Primeiro, o Pe. Emery restaurou o Seminário de São Sulpício, onde se formou a maioria dos grandes bispos da primeira metade do século XIX; pouco a pouco reapareceram, em 1808, os Irmãos das Escolas Cristãs (Irmãos Lassalistas); em 1814, os Jesuítas; em 1815, as Missões Estrangeiras e a Trapa; em 1816, os Cartuxos; em 1837, os Beneditinos com Dom Guéranger e, em 1839, os Dominicanos com o Pe. Lacordaire.

Depois surgiu um número considerável de novas congregações, particularmente a dos Marianistas, os Oblatos de Maria Imaculada, os Maristas, os Padres do Sagrado Coração de Bétharram, as Irmãs do Sagrado Coração, as Religiosas da Assunção, as Irmãs de São José de Cluny, os Oblatos e Oblatas de São Francisco de Sales, as do Bom Pastor de Angers, entre outras.

Desde 1825, em Lyon, Paulina de Jaricot organizou a obra do “Rosário Vivo” e três anos depois fundou a Propagação da Fé.

Para evangelizar a classe trabalhadora deixada sem defesa depois que a Revolução tinha suprimido as corporações, que asseguravam aos trabalhadores a segurança na honestidade, obras admiráveis foram fundadas: as Conferências de São Vicente de Paulo, estabelecidas por Ozanam, o Instituto dos Irmãos de São Vicente de Paulo, os círculos operários, as obras do patronato. Para ajudar os pobres e os idosos, muitas congregações foram fundadas, particularmente, em 1840, as Irmãzinhas dos Pobres, que atendem hoje quarenta mil idosos e, em seguida, as Irmãzinhas da Assunção.

A França tem retomado assim, depois da Revolução, sua nobre missão de evangelizar o mundo inteiro pelas antigas Ordens restauradas, pelas fundações novas dos Missionários Africanos de Lyon, os Padres Brancos do Cardeal Lavigerie, os Missionários de La Salette, as Missionárias Franciscanas de Maria.

A Santíssima Virgem tem suscitado ainda eminentes defensores da fé, como Joseph de Maistre, Bonald, Lacordaire, Montalembert, Luis Veuillot, Dom Guéranger, o Cardeal Pie, que viu na proclamação do dogma da Imaculada Conceição o sinal certo dos próximos triunfos da Igreja e da França.

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Maria tem, enfim, intervindo pessoalmente de forma excepcional muitas vezes no transcurso do século XIX.

Em 1830, no momento em que os abalos da Revolução sacudiam o solo da pátria e derrubavam o trono, a Santíssima Virgem apareceu a uma humilde filha de São Vicente de Paulo, ainda noviça, Catarina Labouré, e revelou-lhe a medalha milagrosa que carrega a inscrição: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós”. Ela preludiava assim a proclamação do dogma da Imaculada Conceição, as aparições de Nossa Senhora em Lourdes e os prodígios que viriam depois. Nessa medalha estão também representados o Sagrado Coração de Jesus, rodeado de uma coroa de espinhos, e o Coração Imaculado de Maria, traspassado por uma espada.

Em 1836, a Santíssima Virgem inspirou o seu servidor, Pe. Desgenettes, pároco de Nossa Senhora das Vitórias, a fundar a Arquiconfraria de seu Coração Imaculado, para a conversão dos pecadores. Essa paróquia, a partir desse instante, é transformada e hoje essa arquiconfraria conta mais de 50 milhões de membros espalhados pelo mundo.

Em 1842, a Santíssima Virgem suscitou um grande movimento para a conversão dos judeus, aparecendo, tal qual está representada na Medalha Milagrosa, ao jovem israelita Afonso de Ratisbona, enquanto este visitava por curiosidade a Igreja de Sant’Andrea delle Fratte, em Roma, e nem sequer pensava em converter-se. Maria fez-lhe um gesto para que se ajoelhasse, e ele sentiu uma força irresistível que o converteu instantaneamente e o fez ardentemente desejar o batismo. Assim como seu irmão mais velho, Teodoro, Afonso de Ratisbona entrou pouco depois no sacerdócio e ambos fundaram o Instituto dos Religiosos e Religiosas de Nossa Senhora de Sion, cuja ação é muito eficaz na França e estende-se amplamente no exterior, notadamente no Brasil.

Em 1846, Maria apareceu a duas crianças em La Salette e deu-lhes uma mensagem para “seu povo”. “Não posso mais disse segurar o braço de Meu Filho”. Ela enumerou as faltas que vão provocar os castigos divinos se não houver arrependimento; apontou como crimes “a blasfêmia, a profanação do domingo, a violação da abstinência e do jejum, o esquecimento da oração”. A advertência da Mãe de Misericórdia é pouco compreendida, mas essa indiferença não cansa o seu amor materno.

Em 8 de dezembro de 1854, no mesmo dia da proclamação do dogma da Imaculada Conceição, o bispo de Puy colocou a primeira pedra da estátua gigantesca que desejava erigir a Nossa Senhora da França no Monte Corneille, e que foi construída com os 213 canhões tomados do inimigo durante a expedição para a Criméia, pelo marechal Pélissier.

Em 1858, Maria apareceu 18 vezes em Lourdes a Bernadette Soubirous e se nominou “A Imaculada Conceição”, como que dizendo: eu sou a única criatura humana que escapou completamente da dominação infernal. Em virtude desse privilégio que lhe assegura a vitória sobre o inimigo de nossa salvação, ela nos traz o perdão de Seu Filho dizendo: “Orai e fazei penitência”.

A segunda advertência é ainda pouco entendida. Assim, a França não tardou a sofrer em 1870 a invasão alemã e a guerra civil. É o custo por não ter seguido os conselhos da Virgem de La Salette e de Lourdes.

Não obstante, por distintos caminhos, muitas pessoas recebem então a inspiração de fazer um voto nacional ao Sagrado Coração, cuja Basílica de Montmartre perpetua a memória.

Em 17 de janeiro de 1871, Maria apareceu a duas crianças em Pontmain e lhes disse: “Rezem, meus filhos, Deus os escutará em breve. Meu Filho se deixa comover pela piedade”. Ora, é um fato certo que a partir do momento em que a Virgem apareceu em Pontmain o inimigo não deu sequer mais um passo no território francês. Dois meses mais tarde a paz foi feita e seis meses depois a Comuna foi vencida; a França estava salva.

Em 1876, Maria apareceu a Estela Faguette, paralítica e tísica, em Pellevoisin; ela a cura e lhe dá a entender que também quer curar a França, a quem Satanás tornou, do ponto de vista espiritual, tísica e paralítica pelas falsas doutrinas e pelas leis ímpias. Libertada dessas cadeias, a França deve recobrar a saúde e voltar à oração e às tradições seculares da fé. Maria, ao mesmo tempo, ordena a difusão do Escapulário do Sagrado Coração, porque os méritos de Seu Filho são a fonte da salvação, e a Virgem promete sua assistência.

Apesar dessas intervenções sobrenaturais, o trabalho satânico operado pelas lojas maçônicas para a descristianização de nossa pátria continua. Mas a generosidade das almas mais crentes é tal que a França é mais ainda vítima que culpada; a qualidade predomina sobre a quantidade nos pratinhos da balança do bem e do mal. Assim, Maria nunca abandona o seu reino. A França está ainda salva apesar de uma nova invasão alemã em 1914. Após a vitória de Marne, a prisão imediata das tropas alemãs permanece humanamente inexplicável, uma vez que possuíam uma artilharia três vezes superior em número e em potência à nossa e que nossas tropas estavam privadas de munição 15.

Depois de 1918, temos ainda cometido muitíssimas faltas que mereciam uma nova lição da Providência. O amor ao prazer, o divórcio, o controle de natalidade, a luta de classes conduzem os povos à desagregação e atraem os castigos de Deus. Só o Evangelho e a graça divina podem reanimar-nos para a reorganização do trabalho, da família e da pátria.

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Todas essas graças concedidas por Maria no decorrer dos séculos depois de dois mil anos para restabelecer a paz entre os povos concederam-lhe o título de Rainha da Paz. E é para nós uma nova razão para pedir ao Soberano Pontífice a consagração do gênero humano ao Coração Imaculado de Maria para obter aos povos e para aqueles que os governam as graças da luz, da cordialidade, da união, da estabilidade e da força, que, nos tempos tão perturbados em que estamos, são indispensáveis para a pacificação do mundo, que somente Deus pode realizar.

 

Fórmula de oblação de si mesmo a Maria, para que ela nos ofereça plenamente a seu Filho

Convém que as almas interiores, sobretudo as almas consagradas, que vivem da verdadeira devoção à Santíssima Virgem tal como a expôs o Santo de Montfort, ofereçam-se à Virgem Maria para que ela mesma os ofereça plenamente a seu Filho, segundo sua perfeita prudência e a extensão de seu zelo maternal. Não caminharemos, assim, nem muito rapidamente pela presunção, nem demasiado lentamente pela falta de generosidade. Poderemos para isso nos servir, por exemplo, desta fórmula:

“Santa Mãe de Deus, eu me ofereço a vós, para que vós me ofereçais plenamente e sem reserva ao vosso Filho segundo a grandeza de vosso zelo e segundo a vossa prudência perfeita, que conhece bem meus limites, minha fraqueza e fragilidade, mas que conhece também todas as graças que me são oferecidas e os desígnios de Deus para cada um de nós. Dignai-vos oferecer-me cada vez mais e ofereço-me a mim mesmo ao amor misericordioso e abrasador do Salvador. Que ele destrua em nós tudo o que deve ser destruído e que, sobretudo, atraia-nos cada vez mais, vivificando-nos e incorporando-nos a Ele. Preparai-nos, Santa Mãe de Deus, para esse reencontro vivificante de nosso amor purificado e do amor de vosso Filho. Preparai-nos para esse reencontro que é o prelúdio da vida do Céu e fazei-nos compreender que quanto mais nos oferecemos a Ele sem reservas, mais Ele nos acolherá para vivificar-nos e fazer-nos trabalhar com Ele para a regeneração das almas. Assim seja”.

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Vê-se, por fim, como se deve responder à questão: pode-se amar demasiado a Santíssima Virgem? Deve-se responder com o Pequeno Catecismo da Santíssima Virgem, muito bem escrito: “Não; se Maria é um caminho para Deus, quanto mais a amarmos, mais amaremos a Deus, e o verdadeiro amor à Santíssima Virgem, que é amor não de adoração, mas de veneração, deve sempre aumentar”.

 

fim

  1. 1. Cf. hamon, Notre-Dame de France, t. I, p. 352; dom morim, Histoire du Gatinais, p. 765.
  2. 2. P. L., t. CXXXV, pp. 51 ss., col. 1168; hincmaro, Vita sancti Remigii, c. 54; flodoardo, Hist. Eccl. Remensis, 1. I, c. 18.
  3. 3. Cf. op. cit, pp. 63-75
  4. 4. Cf. op. cit, p. 70.
  5. 5. Cf. op. cit, p. 75.
  6. 6. Cf. op. cit, p. 77-79.
  7. 7. Cf. op. cit, p. 100.
  8. 8. Cf. op. cit, p. 107.
  9. 9. Cf. op. cit, p. 118.
  10. 10. Cf. op. cit, p. 130.
  11. 11. Cf. op. cit, p. 144.
  12. 12. Cf. op. cit, p. 166.
  13. 13. C. G. Goyau. L'Epopée française au Canada.
  14. 14. Cap. I, pp. 128 e ss.
  15. 15. Ver o que diz sobre o assunto m. de la franquerie, La Vierge Marie dans l'histoire de France, 1939, p. 271.
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