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Art. 6 ─ Se o fogo do inferno é da mesma espécie que o nosso fogo material.

O sexto discute-se assim. ─ Parece que o fogo do inferno não é da mesma espécie que o nosso fogo material.

1. ─ Pois, Agostinho diz, conforme o Mestre: Qual seja a natureza do fogo eterno, penso que ninguém sabe senão talvez aquele a quem o Espírito divino o revelar. Ora, a natureza do nosso fogo todos ou quase todos conhecem. Logo, o fogo do inferno não é da mesma espécie ou natureza que o nosso.

2. Demais. ─ Expondo aquilo de Job ─ Devorá-lo-á o fogo que não se acende, diz Gregório: O fogo corpóreo precisa, para manter-se, de alimentos materiais; e nem pode existir senão aceso, apagando-se se não for entretido. Pelo contrário, o fogo da geena, apesar de corpóreo e de queimar corporalmente os réprobos nele lançados, nem precisa ser aceso por cuidado humano nem de ser alimentado com lenha. Mas, uma vez criado, perdura inextinguível; nem necessita de ser acendido, nem o seu ardor se enfraquece. Logo, não tem a mesma natureza que o nosso fogo.

3. Demais. ─ O eterno e o corruptível não tem a mesma essência, pois, nem comunicam pelo mesmo gênero, segundo o Filósofo. Ora, o nosso fogo é corruptível, ao passo que o do inferno é eterno, conforme aquilo do Evangelho: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno. Logo, não são da mesma natureza.

4. Demais. ─ E da natureza do nosso fogo luzir. Ora, o fogo do inferno não luz; por isso pergunta Job: Porventura a luz do ímpio não se apagará? Logo, não é da mesma natureza que o nosso.

Mas, em contrário. ─ Segundo o Filósofo, as águas são todas da mesma espécie. Logo e pela mesma razão, os fogos são todos da mesma espécie.

2. Demais. ─ A Escritura diz: pelas cousas em que alguém peca, por essas é também atormentado. Ora, os homens pecam pelas cousas sensíveis deste mundo. Logo, é justo sejam também por elas punidos.

SOLUÇÃO. ─ O fogo, por ser de todos os elementos o de maior virtude ativa, tem os outros corpos como a sua matéria, como diz Aristóteles. Daí os dois modos da sua existência: na sua matéria própria, quando está na sua esfera; e na matéria estranha, quer terrestre, como o carvão, quer aérea, como na chama. Ora, de qualquer modo que exista, é sempre especificamente o mesmo, pelo que lhe concerne à natureza; pode porém ser de espécie diferente, quanto aos corpos que lhe constituem a matéria. Por isso, a chama e o carvão diferem especificamente; assim como a madeira em brasa, do ferro em brasa. Nem importa tenha sido o fogo aceso por força de um agente externo, como se dá com o ferro, ou por um princípio intrínseco natural, como no caso do enxofre. ─ Ora, é manifesto que o fogo do inferno, pela sua natureza de fogo, é da mesma espécie que o nosso fogo. Se porém esse fogo existe em matéria própria sua ou, se estranha, de que natureza seja, isso nos é desconhecido. E assim, pode, materialmente considerado, diferir em espécie do nosso fogo. Mas tem certas propriedades diferentes das do nosso, pois, nem precisa de ser acendido, nem de ser alimentado com lenha. Essas diferenças porém não o constituem em espécie diferente, considerada a sua natureza de fogo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Agostinho se refere ao que o fogo do inferno tem de material, e não à sua natureza ígnea.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O nosso fogo alimenta-se de lenha e precisa ser acendido pelo homem, porque é artificial e violentamente introduzido em matéria estranha. Mas o fogo eterno não necessita de ser entretido, porque ou existe na sua matéria própria, ou em matéria estranha, mas não por violência, mas pela natureza e por um princípio intrínseco. Por isso não foi aceso pelo homem, mas por Deus, instituidor dessa natureza. Talo diz a Escritura: O assopro do Senhor, como uma torrente de enxofre é o que acende.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Os corpos dos condenados serão da mesma espécie que o são nesta vida, embora presentemente sejam corruptíveis, e então incorruptíveis por disposição da divina justiça e por causa de ter cessado o movimento do céu. Ora, o mesmo se dá com o fogo do inferno, pelo qual esses corpos serão punidos.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Luzir não é propriedade do fogo sob qualquer forma da sua existência. Assim, quando existe na sua matéria própria não luz; por isso não luz quando na sua esfera própria, como ensinam os filósofos. Do mesmo modo, quando existe em matéria estranha também não luz; assim quando na matéria opaca terrestre, como no enxofre. Também e semelhantemente, quando a sua claridade fica ofuscada por um fumo espesso. Por onde, o fato de o fogo do inferno não luzir não é argumento suficiente a provar que não seja da mesma espécie que o nosso.

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