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Art. 1 ─ Se o mundo será purificado.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que o mundo não sofrerá nenhuma purificação.
 
1. ─ Pois, só precisa de ser purificado o que é impuro. Ora, as criaturas de Deus não são impuras; donde o dizer a Escritura ─ Ao que Deus purificou não chames tu comum, i. é, impuro. Logo, as criaturas do mundo de nenhuma purificação precisam.

2. Demais. ─ A purificação, segundo a justiça divina, se ordena a delir a impureza da culpa; tal o efeito da purificação depois da morte. Ora, os elementos deste mundo nenhuma contaminação da culpa podem ter. Logo, parece não precisarem de purificação.

3. Demais. ─ Dizemos que um ser é purificado, quando dele se separa o que lhe é estranho e o degrada; pois, tirar-lhe o que lhe aumenta a nobreza não é purificá-lo, mas diminuí-lo. Ora, é para sua perfeição e nobreza, que os elementos estão mesclados com seres de natureza estranha; pois, a forma de um corpo misto é mais nobre que a de um simples. Logo, parece que de nenhum modo é possível os elementos deste mundo passarem por qualquer purificação.

Mas, em contrário. ─ Toda renovação supõe uma purificação. Ora, os elementos serão renovados, conforme aquilo da Escritura: Vi um céu novo e uma terra nova; porque o primeiro céu e a primeira terra se foram. Logo, os elementos serão purificados.

2. Demais. ─ Áquilo do Apóstolo: É passageiros figura deste mundo, diz a Glosa: A beleza deste mundo passará pela conflagração dos fogos terrestres.

SOLUÇÃO. ─ O mundo foi, de certo modo, feito para o homem. Portanto, glorificado o corpo humano, os outros corpos do mundo hão de necessariamente passar para um estado melhor, ficando em lugar mais conveniente e com aspecto mais deleitável. Ora, para o homem ser glorificado no seu corpo, é mister, primeiro, purificar-se do que se lhe opõe à glória, a saber: a corrupção e a mácula da culpa. Por isso, diz o Apóstolo: A corrupção não possuirá a incorruptibilidade; e da cidade da glória estarão fora todos os impuros. Semelhantemente, os elementos do mundo terão que ser purificados das disposições contrárias antes de introduzidos no seu novo estado glorioso, na mesma proporção em que isso se der com o homem. Pois, embora os seres materiais não possam propriamente ser contaminados pela culpa, contudo esta lhes imprime uma certa inaptidão a servirem para fins espirituais. Assim, vemos que os lugares, onde se cometeram crimes, não se consideram apropriados a nenhum ofício sagrado senão depois de purificados. Por isso, a parte do mundo onde habitamos contraiu, pelos nossos pecados, uma certa incapacidade para receber a glória. Daí o precisar de ser purificada. Do mesmo modo, os elementos são susceptíveis, pelo contato, na região média do ar, e de muitas gerações, corrupções e alterações, que se lhes opõem à pureza. Donde a necessidade de serem purificados, para convenientemente passarem ao novo estado da glória.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Quando dizemos que toda criatura de Deus é pura, significa isso que não tem na sua substância mescla de malícia nenhuma. Ao contrário da doutrina dos Maniqueus, que ensinavam serem o bem e o mal duas substâncias de certo modo distintas e, de certo outro, mescladas. Mas o dizermos que uma criatura é pura não lhe exclui a mescla de natureza estranha que, embora boa em si mesma, repugna à perfeição da referida criatura. Também não impede possa uma criatura sofrer a contaminação de um mal, embora este não esteja mesclado com ela, como se lhe fizesse parte da substância.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora os elementos corpóreos não possam ser contaminados pela culpa, contudo, pela culpa cometida contra eles, contraem uma certa incapacidade para receberem a perfeição da glória.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A forma do misto e a do elemento pode ser considerada a dupla luz. Na sua perfeição específica, e então um corpo misto é mais nobre. Ou na perpetuidade da sua duração; e então mais nobre é o corpo simples, por não ser em si mesmo susceptível de nenhuma corrupção, salvo se esta lhe advier de uma causa externa. Ao contrário, um corpo misto traz em si mesmo a causa da sua corrupção, que é a composição de elementos contrários. Por onde, o corpo simples, embora parcialmente corruptível, é incorruptível no seu todo ─ o que do misto não se pode dizer. E como a glória, na sua perfeição, é incorruptível, por isso a perfeição de um corpo simples convém mais à perfeição da glória do que a de um corpo misto; salvo se este trouxer em si um princípio de incorrupção, como o corpo humano, cuja forma é incorruptível. Contudo, embora o corpo misto seja em si mesmo mais nobre que o simples, todavia este, quando existe por si mesmo e separadamente, tem o ser mais nobre que quando existe no misto. Porque no misto os corpos simples existem de certo modo em potência; ao passo que, existindo como tais e separadamente, existem em toda a sua perfeição.

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