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Category: Gustavo CorçãoConteúdo sindicalizado

L

LEÓN BLOY

"O que admiramos em Bloy é a estrutura gótica de sua alma, o ardor incondicional de sua fé, e, de certo modo, o motivo mesmo que o leva ao univocismo na compreensão do fenômeno histórico. O que nele admiramos, a par da grandeza de escritor que nem sempre tinha razão contra Rafael, Bossuet, ou contra seu diletíssimo amigo Roualt, é a perfeita fidelidade à Dama Pobreza, que fez dele um genuíno descendente de S. Francisco de Assis."
("Respondendo a uma Provocação", A Ordem, Dezembro de 1947)
 
"Léon Bloy testemunhou, e nos fez sentir como ninguém, a invisível presença dos eleitos, o acotovelar dos anjos, o hálito dos vivos e dos mortos. Muitas noites passava a chorar com as almas do purgatório; e muitos dias passava a esperar as notícias distantes dos invisíveis próximos. Sentia a comunhão dos santos como a aranha sente a teia, como o pássaro sente a brisa, como o ouvido de mãe mal adormecida sente os mil rumores de uma casa cheia de filhos, que se agitam, que ressonam, que estremecem... Sentia os passos dos santos como se o chão da eternidade fosse a pele de um tambor.
 
"A Igreja de Deus é verdadeiramente um corpo, aquecido por um sangue e animado por um espírito: as partes se comunicam, se encontram, e muitas vezes se chocam. O Universo não é tão grande como o pintam os astrônomos: é antes uma nave de catedral onde o humilde cochilo de um penitente ressoa em cada nicho e interessa cada alma." 
("Léon Bloy", in Dez Anos) 
 
LIVROS
"Ora, o que eu quero dizer (...) é que existem obras, em arte e filosofia, desprovidas desse interesse profundo e vital, obras que não tratam do homem, que não lhe concernem, e que, nem ao menos para o destruir, procuram atingi-lo. E é nesse ponto, nessa falta de contato, a meu ver, que se localiza a mediocridade. Não são as blasfêmias — nessa ordem de idéias — que excluem a obra de Nietzsche do campo onde os homens se golpeiam ou se abraçam (...) O que imprime à sua obra um sinal de irremediável ridículo são os atentados ao homem em nome do super-homem. O ateísmo dos marxistas não é também, nesse ponto de vista, a mancha mais repulsiva dos seus tratados, mas o atentado contra o homem em nome do sub-homem. Ambos são ridículos porque, sendo o mundo redondo, o super e o sub se tornam relativos e muitas vezes se confundem."
(O Falso e o Genuíno, in Três Alqueires e uma Vaca)
 
LOUCURA
"Há uma divina loucura, que vem do alto, que libera, que eleva o homem acima dos níveis em que estão instaladas as coisas rotineiras, as verdades superficiais e elementares, uma loucura que é feita de asas e de horizontes insuspeitados, que se chama inspiração, que dilata a alma, que dita aos homens os segredos de Deus; e há uma outra loucura, que prende à carne o espírito, que reduz os horizontes às medidas da obsessão e que, segundo o genial paradoxo de Chesterton, consiste na perda de tudo, exceto da razão. Materialmente semelhantes, pela quebra de padrões usuais, pela extravagância dos resultados, pela fuga ao nível dos valores consagrados, os dois casos estão realmente nos pólos opostos da vida da inteligência. Ou melhor: opõem-se como a vida se opõe à morte. Poderíamos ainda lembrar que há uma outra espécie de loucura "from above" e de delírio verdadeiramente divino: é aquela que se traduziu numa descida de Deus, e que em nós atua como força de sobrenatural subida, e como apetite de cruz. Por causa dela estamos sempre em tensão neste mundo. Não há fórmula de repouso ou de cura, não há receita de relaxing que possa resolver as trágicas equações de nossa vida. Em regra geral, no comum dos casos, que a filosofia da mediocridade chama de normal, vivem os homens o cuidadoso equilíbrio ao rés-do-chão. Têm medo das energias internas que pedem superação, e agarram-se aos preconceitos e às fórmulas da pacata existência. E é por isso, precisamente por iso, por causa da parcimônia espiritual, por causa do medo da divina loucura, por apego ao equilíbrio da carne, que ficam doidos da doidice que pede choque elétrico e camisa-de-força. A loucura do alto é o melhor antídoto para a sandice inferior.
 
"Se o mundo tivesse mais santos, se se entregasse com mais generosidade aos vôos líricos dos poetas, se cultivasse com mais amor o delírio que está num quinteto de Mozart ou num poema de Camões, haveria mais vagas nas casas de repouso. Nós andamos na vida com dois doidos por dentro, um a nos ditar obsessões, outro a nos propor um vôo. Voemos. Libertemos o doido que nos libertará. Cantemos com os cantores, e sobretudo aceitemos o divino convite que nos torna divinos."
("Na mesma língua em que chorou Camões", in O Desconcerto do Mundo)
 
LUCRO
"O lucro é o índice de racionalização do empreendimento. Se você me apresenta um balanço de um negócio sem lucro eu tratarei de dizer que está errado, que é preciso aumentar a produtividade ou diminuir as despesas supérfluas; mas se você alegremente me mostra os déficits monstruosos como os da Central do Brasil e tantos outros, alegando que estas empresas não precisam dar lucro, por serem cobertas pelos cofres públicos e pela indeterminada elasticidade do cinto do brasileiro, eu tentarei, com boas palavras, encaminhá-lo para uma clínica psiquiátrica"
(O Globo, "Sobre o Lucro", 13-2-69)
 
"Como todos sabemos, na Idade Média o apetite de lucro comercial foi sempre visto com suspeição, mas, notem bem, era a preocupaçao de defender o homem contra a ilimitada concupiscência que colocava este conceito na cadeira dos réus sob acusação de Justiça e Temperança"
(O Globo, "Sobre o Lucro", 13-2-69)

 

J

JOÃO GOULART

"Ora, o que nós vemos aqui, em nosso torturado Brasil, é exatamente o contrário do que deveria ser. O chefe do Governo age como se tivesse deliberada intenção de fomentar discórdias, de atirar uns contra os outros e de realizar um grande plano quinquenal de desavenças e ódios. Não sei se em algumas de suas obras -- espécie de diário oficial encadernado que lhe abriu as portas da Academia -- sua excelência terá publicado o lema hitlerista "dividir para governar". Não sei porque não sou dado a esse gênero de leitura; mas sei, sem sombra de dúvida, que esse lema dos infernos está manifesto em todos os atos de seu governo."
(Programa de ódios, Diário de Notícias)
 
JOVENS
"Uma dessas aberrações é a frenética promoção d´O JOVEM. À primeira vista parece simpática, otimista e esperançosa essa exaltação da juventude; melhor reflexão, todavia, revela sua falsidade, e então o que parecia auroreal e otimista torna-se lúgubre e até obsceno. Tomemos por exemplo a frase "eu tenho confiança no jovem" de que muitos Padres e Bispos não conseguiram escapar. Essa frase parece uma proposição inofensiva, um sorriso, uma amabilidade, uma generosidade; na verdade, porém, é uma frase destituída de sentido e carregada das mais dissolventes conotações. De início a proposição é tola porque o jovem, por definição, é algo que ainda não disse ao que veio e, portanto, é alguém de que só posso dizer que tenho esperanças ou inquietações, conforme os sinais que nele observo. Mas dizer que tenho arrematada confiança em quem ainda não deu provas, é dizer um nonsense. A rigor, dos jovens e aos jovens, só podemos dizer com propriedade e sinceridade que cresçam e apareçam.
 
"Com verdadeiro amor só posso dizer aos moços que não tenham tanta jactância de suas imaturidades e que cuidem diligentemente de aprender duas coisas. Primeira -- agradecer a Deus e aos homens o que encontraram feito: água nas bicas e no mar, frutos nas árvores e no prato. O primeiro sinal que me predisporá a ter confiança num moço será essa disposição de agradecer. O segundo será a visível disposição de continuar e prolongar o que encontrou.
 
"Ora, a adulação, com que os padres progressistas cercam os moços, só pode produzir o resultado oposto a essas duas virtudes: sim, só pode produzir fatuidade e soberba."
(O 4o. mandamento, Permanência, no. 59, set. de 1973)
 
"O moço recém-acordado da infância é o menos infantil dos homens e, se não tem a capacidade de uma infância mais alta, a da contemplação que vence o tempo, não pode voltar às figuras do passado nem procurar as estrelas do futuro. Então, só lhe resta o presente, proximidade morna dos outros presentes aprisionados. Sim, só lhes resta esse calor dos gestos sem razão: poderá divertir-se até queimar a carne, poderá sangrar-se até incendiar o mundo. Torno a dizer: prisioneiros do presente. Eis a estranha segregação em que se gloriam os jovens; e ainda mais esquisita e repugnante é a admiração com que os mais idosos assistem ao suplício das almas jovens aprisionadas, no exíguo camarote de um navio-fantasma que não veio de lugar nenhum, e não procura nenhum porto seguro".
(Não sabem o que Querem, O GLOBO)

 

I

 

IDADE MÉDIA
"Para nós, o esplendor medieval não está no brilho das cortes, na oficialização, na penetração do poder temporal; diríamos até que não está no desenvolvimento da escolástica e na altura das catedrais: para nós, o maior, o único esplendor da Idade Média está numa cruz de carvão que São Tomás traçou numa porta que dava para o pecado e nas chagas que um dia apareceram sangrando nas mãos dum pobre de Assis."
 
"Quem presta ouvidos àquela crônica das derrotas da Igreja, onde se diz que ela perdeu oportunidades e terreno, presta ouvidos aos pruridos e não às palavras da fé. Não lhe passa pelo espírito que foi o mundo que perdeu terreno no reino de Deus e não a Igreja que o perdeu nas cidades do mundo. Não se recorda mais que o banquete de núpcias será completo um dia, ainda que bilhões de convidados inventem as mais engenhosas desculpas para não comparecerem."
(A Descoberta do Outro, pág. 146) 
 
IDEALISMO
"O grande desvio do pensamento moderno tem origem nessa inversão interior pela qual a vontade se arroga um direito de conquista onde somente à inteligência cabe o primado. Todos nós, mais ou menos europeus, estamos impregnados de idealismo filosófico até à medula dos ossos, estamos convencidos de que nossa dignidade mais alta reside nesse subjetivismo obstinado que tenta reduzir todas as coisas do céu e da terra a meia dúzia de opiniões. Muita gente pensa que isso é grandeza e marca de caráter e que a personalidade humana se define por esse fechamento diante dos objetos e se engrandece por essa deformação interior. Diante dos objetos mais simples, o homem liberal, que agasalha suas opiniões, que desconfia de tudo que não seja o morno recôncavo de sua interioridade, cai em guarda numa posição crispada; a vontade mete-se de permeio entre a porta dos sentidos e a inteligência, e como o seu caminho é mais curto, ou porque seja ela mais ágil, sua sugestão chega antes do conceito e gera o preconceito. A inteligência perde a liberdade e a vontade então convence o sujeito de que ele é um livre-pensador"
(A Descoberta do Outro, pág. 66)
 
IGUALITARISMO
“A sociedade de nossos sonhos terá a medida de sua perfeição na riqueza das diferenciações enquadradas na mais forte e vitoriosa unidade moral. O mundo que nós desejamos não é o pesadelo de uniformidade desejado pelos marxistas. Ao contrário, é um mundo de diferenças exaltadas, em que a criança seja plenamente infantil, o homem plenamente varonil, e a mulher plenamente mulheril. O mundo que nós desejamos restaurar é, em poucas palavras, aquele em que a natureza das coisas seja esplendidamente afirmada, e em que tudo se valorize pelo que tem de genuíno. O pão será pão e não pedra. O leite será leite, e não um equívoco líquido esbranquiçado. A poesia será poesia, e não um pretexto de andar na vida sem regras morais. E tudo o mais será assim, verídico e autêntico." (Teologia da História, Ed. Permanência).
 
 
INTELECTUAIS
"Por essas e outras é que sempre aconselho aos jovens intelectuais a prática de trabalhos manuais. Aprendam a consertar torneiras, a descobrir curto-circuitos e assim terão um exercício de docilidade ao real. Não é só com a cabeça que o homem pensa, é também com as mãos. É preciso nunca ter mudado um fusível ou nunca ter pregado um botão nas calças para chegar ao irrealismo profundo dos “intelectuais” que trazem seus brilhantes talentos para pronunciamentos que deveriam versar sobre coisas simples como pão e a água e por excesso de categorias mentais deixam de ver o elefante, o piano e outras coisas mais volumosas."
(O Globo 29/08/1970)
 
IMATURIDADE
"Numa reunião de pais de família, uma pergunta é lançada à madre superiora:
 
"- Então a Sra. acha que não devemos obrigar os filhos a ir à missa?
 
"Houve um silêncio. Um suspense. E então a madre, com voz clara e resoluta, respondeu:
 
"- Não. A missa não deve ser imposta às crianças como um castigo, do qual não se pode escapar. A criança deve ser despertada para o significado e a beleza desse encontro semanal com o Cristo. Os pais devem dar o exemplo e mostrar à criança que ela é livre de fazer a escolha...
 
"E aí está. Tudo isto que pareceu muito bonito a vários pais de família é simplesmente monstruoso.
 
"Em primeiro lugar obrigação não é castigo. Em segundo lugar, a educação consiste essencialmente em preparo e em indicar aos educandos as suas obrigações e os seus deveres para com Deus, consigo mesmos e com o próximo. E educação católica consiste essencialmente em preparar a alma do educando para o cumprimento da vontade de Deus, expressa nos mandamentos.
 
"Todos nós sabemos há mais de dez mil anos, para o que concerne a lei natural, e há quase dois mil anos, para a lei revelada, que essa tarefa tem de ser feita com amor, dedicação incansável, alternativas de persuasão e severidade, e, sobretudo, sabemos que o desnível da autoridade paterna se atenua com o crescimento dos filhos. Ninguém pensará em obrigar um filho de 48 anos a cumprir o preceito dominical; mas também nenhum pai cristão de bom senso deverá consentir que um filho de 7 anos não vá à missa porque não quer. Diremos até que é bom, vez por outra, algum atrito, para lembrar à criança que há uma obrigação a cumprir em relação a Deus, e que nessa matéria ela tem de obedecer como o pai e a mãe obedecem. Chamo a atenção do leitor para um aspecto muito curioso da resposta daquela madre. Na religião nova ou na nova filosofia de vida que ela prega, os pais devem... os pais devem... mas os filhos não devem nem aprendem a dever. Observem especialmente esta passagem: “Os pais devem dar o exemplo e mostrar à criança que ela é livre de fazer a escolha...”. Do lado dos pais o dever, do lado dos filhos a liberdade, a livre opção. (Devemos aqui fazer uma distinção que certamente não ocorreu à freira: livre escolha, toda alma racional possui, se se trata de liberdade interior de autodeterminação da vontade; mas livre escolha dos atos exteriores, no sentido de liberdade, de independência, ou de não-obrigação, esta só temos em termos muito relativos já que todos nossos atos são polarizados no universo moral!)
 
"E aí está um exemplo típico do mundo em que vivemos: um colégio católico, de longa tradição, em cinco anos se transforma num “André Maurois”. Não ensinam os deveres e não se entende bem como será que o jovem descobrirá sozinho o dia e a hora em que deixa de ser um imaturo que só age em função do agrado, para ser um responsável."
(Editorial da revista Permanência n° 7, abril de 1969, Ano II)
 
"Como se explica então tal paradoxo? Como se explica que uma sociedade se gabe precisamente do que não tem, e se glorie justamente no que devia envergonhar-se? Estamos diante de mais uma arma de guerra invisível que se trava nos subterrâneos da história contra a dignidade e a grandeza do homem. Basta um esboço de inquérito para nos revelar o seguinte dado: o termo "Cristão adulto" foi lançado precisamente por uma ala que precisava cativar os ressentidos, os imbecis, os imaturos e os perversos. Servia o termo para designar uma atitude nova, livre, autônoma e supostamente adulta. E qual era essa atitude? A da recusa das estruturas da autoridade. Seria "cristã adulta" a mocinha que chegasse em casa e desfeiteasse a mãe antiquada. Seria cristão consciente o garoto semi-analfabeto que soubesse repetir slogans contra a guerra do Vietnam, e que com isto tivesse o conforto de saber que feriria seu pai ou se avô.
 
"Na verdade, verdadeiramente maduro e verdadeiramente consciente é o homem que sabe não ser ele sua própria lei, e que possui interiorizado o austero amor da obediência ao bem. É o homem que se move por convicções próprias, mas, também, e principalmente, pela convicção central e principal de que não é ele que improvisa os critérios com que se move na vida. As convicções são próprias porque se apropriou delas por um processo de reflexão e de obediência. Em obscuro, se não é religioso, ou claramente se tem fé, esse homem maduro sabe que tem deveres e normas mais altas do que seus caprichos e suas inclinações.
 
"O contrário disso é o imaturo. quando ele pensa estar realizando sua mais radiante epifania, e quando pensa estar atingindo sua máxima afirmação, está apenas cumprindo um ato subalterno ditado pelas inclinações inferiores, ou sugeridas pelo líder da turma. E esses pobres títeres se enfeitam com títulos de nobreza que têm a derrisão de apresentá-los pelo avesso do que são.
 
"(...) A moral subjetiva, que recusa a regra exterior, a lei divina, não faz e ninguém um adulto; ao contrário, fixa inexoravelmente suas vítimas numa perpétua adolescência."
(A moral subjetiva, O Globo, 8-2-69)
 
INFELICIDADE
"É claro que o homem é extraordinariamente engenhoso na arquitetura de sua infelicidade. Ainda que os fatores extrínsecos sejam seguros e bonançosos, o homem traz em si a borrasca. Ainda que os elementos econômicos, afetivos e temperamentais sejam favoráveis, o homem se encarrega freqüentemente de inventar sua desventura."
(Amor, casamento, divórcio, A Ordem, fev/52)
 
INIMIGOS
"Hoje, depois de um século de empulhamentos e do triunfal aggiornamento trazido por uma apoteose de equívocos, querem nos inculcar a amolecida idéia de um cristianismo sem combate, sem inimigos e, por via de conseqüência, sem necessidade do Sinal da Cruz. Ouso dizer que a paz mundial, a paz terrestre, a paz feita de bem-estar e do comodismo, etc...constitui uma das principais preocupações do Demônio. Muito melhor do que nós, ele sabe que a obsessão desse cuidado nos leva ao abandono de qualquer ideal de Bem e de Verdade, e diverte-se em saber também que esse é o caminho da mais espantosa explosão de inimizades que o mundo conhecerá. Por mim, confesso que me apavoro, quando sinto o horror que esta simples palavra provoca nesta atualidade costurada de ecumenismos, cursilhos, diálogos e demais retalhos da fantasia dopada. Uma vez, conversando com um general, usei inadvertidamente este vocábulo: “os nossos INIMIGOS”, e ouvi esta afetuosa observação: Professor, eu prefiro o termo adversário...Calei-me aterrado. Se os padres e os militares não sabem mais o que é o “inimigo”, quem o saberá? Porque, na verdade, as duas instituições que devem ter a viva noção desta entidade, são realmente a Igreja e o Exército. Aqui no Brasil, as desavenças acaso ocorridas entre essas duas instituições se explicam umas vezes pelo fato de não serem “da Igreja” aqueles que em nome dela pretendem falar, outras vezes pelo fato de não saberem, os homens da Igreja, que o Exército, de 64 até hoje luta a seu lado contra o inimigo comum.
 
"Imagino que nesta altura meu leitor esteja a revolver as idéias que aprendeu sobre a Caridade, Evangelho, Perdão e outras grandes noções que auriu no regaço da Igreja. Sendo estudioso, lembra-se que o Concílio de Trento trouxe esta definição lapidar: A Igreja Militante é aquela parte de seus membros (ainda na Terra) que luta contra três cruéis Inimigos: o Diabo, o Mundo e a Carne.
 
"Mas meu leitor também se lembrará de uma palavra de Cristo: Mas eu vos digo amareis vossos inimigos... “Meu Deus, como conciliar tantas idéias aparentemente opostas?! Como poderei amar se devo combater? Respondo dizendo: combatendo! Porque esta é a melhor forma de Caridade a que ele tem direito. Por incrível que pareça são os pacifistas que pecam contra a Caridade quando querem que todos se unam e se misturem na mesma indiferença em relação à Verdade e ao Bem. Sim, não há mais odioso pecado contra a Caridade do que a amável condescendência com que permitimos e colaboramos com a permanência no erro e no mal. Não fazer questão de incomodá-lo, de combatê-lo, de tirá-lo da sua tranqüilidade no erro e no mal, é fazer uma das obras prediletas do Demônio.  
("Livrai-nos Deus de nossos inimigos", O Globo, 25-7-74)
 
"Falando ao prelado em questão de tais personagens, que desfiguram a Santa Igreja, disse-lhe eu que o meu mais ardente desejo não era o da convivência pacífica com tais inimigos. Ao contrário, meu mais ardente desejo, repito-o aqui, é que esses maus levitas, que tão estridentemente apregoam sua apostasia, sob os eufemismos de novidade e progresso, tenham a lealdade última de se afastarem da Igreja. Levem sua aventura até a extremidade de irem comer bolotas com os porcos. Estas palavras duras, caro leitor, são palavras dos santos evangelhos, e portanto, palavras de amor, porque assim fazendo, eles teriam talvez nesta vida a última chance de, um dia, sentirem saudades da Casa do Pai que só espera a volta do filho pródigo"
("A Santa Visibilidade", in O Globo 9/8/75)

 

H

HITLER
"Lembro-me bem da primeira vez que vi em Jacarepaguá, num cinema poeira, a figura de Adolf Hitler, a discursar num cenário wagneriano. Levantei-me, como quem acorda, sem poder sopitar uma exclamação: "Esse homem é um louco!" Minha mulher puxou-me pelo casaco, e eu me espantava com a tranqüilidade da platéia. Naquele momento tive uma fulgurante intuição de que começava um período de demência universal, mas não imaginava que traços tomaria e que intinerários seguiria."
(O Século do Nada, Introdução, pág. 19)
 
HUMOR
"O conteúdo do humorismo, isto é, o humour, vem dum senso lúdico como também a poesia (...) e eu diria até que o humorismo é uma espécie de poesia dos canhotos."
(Chesterton e Maritain, in A Descoberta do Outro)

G

GOSTOS
"Já ouvi dizer inúmeras vezes que gosto não se discute. Ultimamente disseram-me essa frase, que bem figuraria entre as proclamações do direito do homem, a propósito da obra de Machado de Assis e da pintura de Picasso. Estou pronto a concordar que gosto não se discute quando se trata de pratos. Custa-me um pouco, mas reconheço a perfeita legitimidade do gosto pela beterraba. No que concerne à pintura de Picasso ou aos livros de Machado, compreende-se ainda uma certa relatividade na simpatia temperamental, um gosto, mas não posso concordar que o juízo sobre tais coisas se reduza a esse elemento da ordem do sensível. Seria a última concessão da inteligência: a submissão aos sentidos.
 
"Diante de um quadro de Picasso, uma pessoa afetada desse liberalismo subjetivo, convencida da alta dignidade da livre opinião, não hesita em formular uma condenação peremptória ainda que o difícil problema da arte não tenha tomado dez minutos de reflexão em toda sua vida. Antes da reflexão, do estudo, do esforço de procurar, antes de qualquer coisa está o direito, estranhamente glorificado, da opinião."
(A Descoberta do Outro, pág. 67)
 
GUERRA
"Se uma guerra só é justa quando seus dirigentes puderem ter a certeza de poder evitar qualquer excesso, qualquer crueldade acidental, então voltamos ao quadro caricato de uma guerra com espingardas de rolha, baionetas de papelão e bombas de creme. Só essa será justa. E então concluiremos que um cristão é um homem que jamais deve combater em defesa dos valores cristãos. E quanto mais cristã for a razão de sua guerra, mais odiosa e menos justa será essa guerra. Curiosa doutrina? Curioso pacifismo que contradiz toda a civilização cristã e que troca as cores violentas dos vitrais de nossa História por um cinzento budismo ou quietismo de qualquer inspiração sem sangue!"
("Espanha, Roma e França" in O Século do Nada)
 
"O conselho evangélico me diz que será bom para minha vida personalíssima, e interioríssima, isto é, para minha intimidade sobrenatural, oferecer a outra face se me esbofeteiam numa; mas não me diz que seja bom oferecer a face de minhas filhas e de meus netos. O conselho evangélico nos diz que quem com ferro fere com ferro será ferido; mas o preceito, desdobrado em moral natural e sobrenatural, nos comanda a defesa do próximo, a defesa da família, a defesa da civilização cristã, que só pôde durar um milênio porque seus habitantes usavam espadas e preferiam imitar o rei Luís de França, filho de Branca de Castela, a imitar os pacifistas hindus."
("Espanha, Roma e França"  in O Século do Nada)

F

 

FAMÍLIA
"Em relação aos muros da casa de família há porém um problema semelhante ao das fronteiras das nações. Há casas patrióticas e casas nacionalistas. Poderíamos também mencionar as casas internacionalistas, onde entra e sai quem quer, onde todo o mundo faz o que lhe passa pela cabeça, e onde, em suma, impera tamanha tolerância que não seria impróprio chamá-las casas de tolerância.
 
"As nacionalistas são aquelas que mais abrigam uma quadrilha do que uma família. Não porque sejam os seus membros ferozmente desunidos; antes porque são unidos ferozmente. Unidos contra as outras casas."
(A Casa, O Globo 3/1/76)
 
FILHOS
"Vejam, vejam senhores como o mundo do homem é feito de sucessivas e concêntricas fronteiras que vão, desde aquelas que vemos no mapa com rios e cordilheiras, até a porta fechada da câmara conjugal. Mas agora apreciam o reverso do fenômeno: cada uma dessas muralhas é sucessivamente superada, como barragem de açude que se quer cheio para que transborde em serviço. O dinamismo das fronteiras está voltado para fora. E agora, vejam, vejam nessa nova direção como se expande o mundo do homem.
 
"De fato, se é verdade que os esposos se escondem, em compensação não há nada menos escondido do que o fruto do seu segredo e não há nada mais apregoado, mais publicado do que a criança que nasce. Toca cem vezes o telefone, esse pequeno sino familiar do natal dos homens. É menino ou menina? Expedem-se cartões. Abrem-se janelas. Como se chama? Quanto pesa? Com quem se parece? As vizinhas comentam; as criadas, esquecidas de tudo, enternecem-se, e varrem melhor, lavam melhor, como se o filho, sendo da casa, fosse como pouco delas também; e as tias e as avós emitem vaticínios, ou confirmam profecias de que aliás ninguém mais se recorda.
 
"O segredo tornou-se público. A porta misteriosa foi arrombada por um ladrão recém-nascido. E o aroma de alfazema que sai pelas frestas da casa, que se dilui no ar, no ar da rua, da paróquia, da cidade, já é a primeira suave emanação da amizade cívica, o oxigênio das almas.
 
"A casa nesse dia deu o seu fruto. Fez a sua entrega.
 
"Nasceu hoje uma criança. Nem é preciso telefonar para saber que naquela casa nasceu hoje uma criança. Vê-se de longe. Quem estiver acaso à janela pelas cercanias logo verá que alguma coisa aconteceu naquela casa, naquele navio ancorado: porque no seu exíguo convés, em sinal de festa, tremula uma carreira de fraldas ao vento — bandeiras brancas de júbilo e de paz."
(A Casa, O Globo 3/1/76)
 
FILOSOFIA POLÍTICA
"Seu João soltou então um grande rugido que a custo reprimia.
 
-- Ai, minha senhora, os maçons mataram nosso Rei, e mais o Príncipe Luiz. Estamos sem Rei. É uma desgraça uma grande desgraça...
 
E para bem exprimir seus sentimentos, Seu João, no tom mais respeitoso do mundo, soltava palavrões (...). Foi nesse tempo que ouvi as lições de uma insuspeitada sabedoria que naquele tempo nos fazia sorrir. Foi preciso viver 77 anos para descobrir que valeu a pena prestar ouvido as palavras aladas de seu João. Sobretudo as que exprimiam a sua filosofia política. Uma noite resolvi enfrentar seu máximo furor, e perguntei-lhe porque se apegava tanto à monarquia e tanto se enfurecia contra a república. Com palavras e argumentos precoces para meus nove anos de menino vivo nascido numa república, tentei confundir o lusitano perguntando-lhe porque razão fazia questão de um Rei. Erguendo seus quase dois metros de altura, e ainda avantajando com os braços enormes atirados ao teto, seu João soltou um rugido de leão flechado; mas depois começou a falar pausadamente. O menino era muito novo; a experiência da vida é que ensina. Ora, o que ela ensina é que, para governar um povo nada se inventou melhor do que um rei. E seu João repetia com uma voz grave e lenta: "Um RRRei! Sim, meu menino, um Rei". Sentando-se com as mãos nos joelhos, debruçado e didático prosseguiu: -- O que lá está e se diz presidente, o tal de Bombardino Rachado (Beranrdino Machado), sai à rua com um guarda-chuva e diz que é igual a um de nós, pedreiro como eu ou carpinteiro como José. Ora m'o M'nino, se ele é igual a João Martins Duarte, pedreiro, como é que pode governar Portugal?
 
"E depois de uma pausa para meditação seu João me deixou cravado na memória esse argumento sublime e definitivo: -- Naquele tempo (o da monarquia) m'o m'nino, quando Sua Majestade saía de seu Palácio de Viçosa, quem estivesse nas ruas, alçava-se nas pontas dos pés, quem estivesse nas lojas assomava à porta, quem estivesse em casa chegava à janela, a GENTE VIA O REI PASSAR.
 
"Naquele tempo o menino de 9 anos ria-se do fantástico argumento de seu João Martins Duarte e precisou viver 77 anos para desconfiar que se ria com riso errado."
(O Globo, 5/12/74)
 
"E agora, sem nenhum receio dos adjetivos e advérbios que me atirarão, ouso dizer que, nas circunstância do mundo contemporâneo, para ser razoavelmente bom o regime político deve ser preliminarmente anticomunista e nesta conditio sine qua non deve evitar qualquer sinal de nostalgia democrática. As nações do mundo inteiro estão à espera de um regime onde os dirigentes procuram fazer o bem e evitar o mal. E também ouso dizer que o governo que disso mais se aproximou no século XX foi o governo de Franco na Espanha que durou 39 anos de paz e prosperidade"
(O Globo, 11/5/78)
 
FRANÇA
"E detenho-me para aproveitar o pouco espaço que resta para dizer que há duas Franças, uma corrompida, achatada e em processo acelerado de imbecilização, e outra -- louvado seja Deus -- que continua a vocação católica da França de Santa Maria Madalena, de São Luís, de Santa Joana d´Arc, do Cura d´Ars e de Santa Teresinha do Menino Jesus.
 
"Essa França verdadeiramente francesa e verdadeiramente católica é hoje o lugar do mundo onde as mais inteligentes e corajosas equipes lutam dia e noite, com revistas, livros, retiros, movimentos espirituais, contra toda a onda do mal desencadeada pela revolução que quer obter a universalidade da recusa de Deus e a unanimidade de um Pecado Terminal que seria para os levitas do "progressismo" o arremate da "reussite de l´homme". Honra e glória à França sempre francesa e sempre católica! Honra e glória à França que quer purgar, pagar e corrigir os erros, as traições, os crimes cometidos nos dias medonhos da Resistance e da Épuration em que, sob inspiração comunista, a França viveu "en état de bassesse" depois de ter vivido dez anos "en état de bêtise" sob a inspiração do Front populaire."
(Os três Brasis e as duas Franças, O Globo, 8-11-71)
 
 
FREUD
"O que há de curioso na obra de Freud, a meu ver, é o seu completo desinteresse pelo centro do homem. Suas admiráveis descobertas vieram revelar a diversidade, a riqueza misteriosa de nosso organismo psíquico. Conclui ele então que o homem é um pobre ser dilacerado e sem unidade. Ora, isto me parece ilógico. A mim, quanto mais diferenciado e decidido se evidenciar nosso psiquismo, mais forte se afirmará o princípio de unificação que apesar de tudo ainda consegue uma vitória, mais penosa, mas por isso mesmo mais valiosa, por ser um domínio sobre numerosos e dispersos elementos. Na doutrina de Freud, ao contrário, a ilógica conclusão a que se chega, ou pelo menos aquela a que ele nos convida com insistência, é a do enfraquecimento de nosso centro de gravidade. Na estrutura que Freud propõe para o nosso psiquismo, como já observou um moderno psicólogo, a parte principal do drama se passa entre o id e o super-ego. O enredo interessante está todo nas obscuras intrigas de nosso inconsciente e nas categóricas repressões policiais da zona exterior do super-ego, ficando no meio do palco, anódino, inerme, com as mãos abanando, o Ego consciente. Vê-se pois que essa psicologia, e suas derivadas, se caracteriza por um forte extrinsecismo, disfarçado, porque chega muito perto do centro, e tanto mais forte e resoluto quanto resiste com maior deliberação à poderosa atração da proximidade. Ao que me parece, essa psicologia, com toda a sua respeitável contribuição, é antes uma força de dissociação do homem do que uma tentativa de descoberta do princípio que faz de um eu a coisa mais una, mais separada, mais brutalmente segregada do universo. Ela contraria, por curiosidade analítica, por dissociação, o primeiro fato bruto da primeira experiência da alma."
(Lições de Abismo, 15a. edição, Agir, pág. 199-200) 

 

E

EÇA DE QUEIRÓS
"Nos romances de Eça de Queirós tudo é claro, tudo é visível e colorido. Como porém lhe falta o gênio de um Tolstoi ou de um Proust, essa claridade é mais um verniz do que uma radiação própria que venha de dentro das coisas. Sua luminosidade, em suma, é uma superficialidade. No que concerne ao jogo psicológico das situações dramáticas, essa visibilidade chega freqüentemente ate o mau gosto. O autor não deixa nada implícito, não supõe uma vida interior, e nem de longe imagina os abismos inconscientes da alma humana. Tudo se diz, tudo se explica e tudo se compreende (...)
 
O que torno a dizer dos romances de Eça de Queirós, com o acréscimo do que disse acima, é que seu enorme talento de descrever estava ligado a um talento menor de acompanhar os passos das humanas paixões"
("Na mesma língua em que chorou Camões", in O Desconcerto do Mundo)
 
EDUCAÇÃO
"Quem enlouqueceu, leitor, foi o mundo, sim, o mundo na sua efervescente pluralidade e majestosa rotundidade. Foi o mundo, a civilização, a época, o século - ou que outro nome lhe dêem; e um dos muitos efeitos dessa loucura, que reflui sobre os indivíduos na variada proporção da permeabilidade que encontra, está na idéia que atribui aos aparelhos institucionais, às máquinas de educar, o principal papel na formação dos valores humanos. Este erro funestíssimo é próprio de uma época gregária, cujos critérios pegajosos, colantes e massificantes sufocam e estrangulam as iniciativas pessoais, que desde São Tomás, e até desde Aristóteles, são o fator principal da formação dos veros valores da pessoa humana."
(Ensina-te a ti mesmo, Permanência, Jan/Fev de 1975)
 
EMPIRISMO
"O homem filosofa, ainda que freqüentemente filosofe mal. A existência do empirismo prova contra o empirismo. Se as teses do empirismo fossem verdadeiras, não existiria o empirismo. Se o materialismo fosse verdadeiro, o homem seguiria seu caminho sem se deter para apregoar o materialismo. A única filosofia que se pode apregoar com lógica é aquela que permite filosofar.
 
"Em resumo, o homem só pode negar a vida do espírito, embora com veemente falta de lógica, porque é espiritual; só pode negar a liberdade e a lei moral porque é livre."
(O Tecnicismo e suas Origens, in As Fronteiras da Técnica)
 
EROTISMO
"Estamos numa Guerra. A Guerra Mundial III. E contra quem? Contra o homem, contra a Imagem e semelhança de Deus.
 
"No Oriente a Guerra toma a forma de escravidão. No Ocidente, liberal, relaxado, entregue ao igualitarismo e ao mito da liberdade total; no Ocidente que deu à luz o que já se chama a "permissive society" - e que nós traduziríamos por "sociedade do vale tudo" - a Guerra toma a forma da liquefação e putrefação de todo o brio humano. Com violência aturdidora, espalha-se um furor de erotismo, uma febricitante promoção da sexualidade, degradante e destrutiva como se todas as energias humanas se concentrassem no mesmo propósito: levar o homem a descrer definitivamente de todos os seus títulos de transcendência e nobreza."
("A Escalada do Erotismo e a Censura", in Carta Mensal, julho de 1970)
 
"— Ó galata pouco inteligente! geme São Paulo. Ó leitor desatento! Gememos nós. Consideremos o espetáculo dos costumes que aflige tantas famílias, lembremos os casos de tantas e tantas moças que se transviam, que se perdem, que se prostituem, e que ainda respondem aos pais “que eles estão por fora e não entendem nada”.
 
"Pergunto eu: qual é o critério principal que norteia a vida dessas pobres moças embrutecidas? Todos proclamam: “é o hoje” é a “atualidade” unanimemente afinada pelo diapasão do orgulho que esmaga o 4° Mandamento, despreza Deus e diz aos moços que só eles são juizes de seus atos, como, com todas as letras, já foi dito num “catecismo” editado pela Sono-Viso, aprovado pela CNBB e evidentemente inspirado pelo Diabo.
 
"O inimigo evidente das pobres moças que se perdem é “o que todo mundo faz”, é o que se vê nos filmes, nas TV’s, ora, é esse gênio mau que Jesus chama “mundo”. E os jovens idiotas, quando pensam que estão sendo movidos por sua esplêndida e brilhante soberba, quando pensam que estão agindo livremente, COITADOS !!!, é justamente nesses arrebatamentos que estão sendo arrastados, puxados, levados para a sarjeta e para o prostíbulo pelo aparelho da perdição que Jesus chama “mundo” do qual Ele nos veio apartar, do qual nos veio salvar."
 (Editorial da Revista Permanência, n° 76-77, Março-Abril de 1975.)
 
"E nós, herdeiros desse júbilo divino, devemos compreender que a dignidade humana mais depressa começa pelo decoro da veste do que pela conquista da Lua."
(Editorial Permanência, n°18, Ano III, Março de 1970.)
 
ESCRITOR
"Imagino que as pessoas alheias ao ofício julguem que a substância de um escritor é feita de mistura e da soma de outros escritores e que, assim sendo, caberia aqui um largo tópico onde eu discorresse sobre os livros que li e os autores que devorei. Parece-me todavia que um escritor mais se parece com uma salada do que com um panteão ou com uma academia. Salada de quê? De experiências, de cabeçadas, e sobretudo de malogros.
(Quando nasce o escritor? in Conversa em Sol Menor)
 
"Como pode o escritor ser escritor se não tiver o gosto supremo das mais finas exatidões? E como pode o escritor ser escritor, e lograr comunicação, se não possuir nos recôncavos da alma as ressonâncias, os abalos da terra, do chão, do rumor dos passos e descompassos das marchas e das danças?"
(Quando nasce o escritor? in Conversa em Sol Menor)
 
"Mas o escritor não nascerá somente da matéria que lhe dá corpo. Para que ele venha a nascer é preciso que dentro dele nasça a paixão violenta, invencível, de deixar sinais escritos, mots, words, vocábulos, sinais, língua. O escritor nascerá para escrever, para passar a vida pondo tudo o que viveu neste imperativo vital de respirar escrevendo ou neste veredicto de não respirar se não escrever."
(Quando nasce o escritor? in Conversa em Sol Menor)
 
ESPERANÇA
"Nossa esperança, senhores, vem de Deus mesmo. Não somos nós que a inventamos, que a deduzimos, que a fabricamos. Deus mesmo é quem no-la deposita na alma, com as outras virtudes teologais, a Fé e a Caridade, que é a maior. E nós sabemos, agora, que nosso Destino não é a força cega que empurrava o rei Édipo para o parricídio e para o incesto. Nós sabemos que as portas de nossos destinos abriram-se; sabemos que o Filho de Deus deitou-se sobre o abismo de dor e morte para que nós todos, um por um, pudéssemos passar por cima de seu corpo. Nós sabemos que uma festa está sendo preparada para nós, desde toda a eternidade, e, quando apuramos os ouvidos, conseguimos distinguir os ruídos desses preparativos...
 
"Quando éramos pequeninos, nas vésperas dos aniversários, ou das noites de Natal, ficávamos às vezes acordados na cama, nervosos, impacientes; e trocávamos olhares compreensivos com nossos irmãos, noite a dentro, ouvindo os passos, as vozes, os ruídos novos de objetos novos, e trocávamos olhares cheios de suposições, ouvindo a surda azáfama dos pais que povoavam nossa noite de mistérios e esperanças.
 
"Ora, nossa esperança de hoje, essa esperança teologal, parece-se muito com aquela esperança filial de antigamente. Nós sabemos, com a certeza da fé, que há uma festa preparada para nós, e sabemos, desde já, que os preparativos escondidos não nos estão inteiramente escondidos. Ouvimos sinos que batem, ouvimos passos em procissão, ouvimos, como um rio de amor, um murmúrio de orações - e sabemos que é aqui mesmo, aqui em baixo, aqui e agora, entre velas, cálices, e pães, que o Cristo Jesus e sua Mãe preparam, para nós!, as garantias da ressurreição..."
("O valor da vida", in As Fronteiras da Técnica)
 
"Bem sabemos, Senhor, que a beleza maior da Igreja, a beleza sem par, está guardada para o céu. Bem sabemos, Senhor, que aqui na jornada nossas alegrias são de esperanças e portanto de lágrimas. Mas não é só por nós mesmos, por nosso pobre irmão corpo que nos apegamos às alegrias deste chão tão doce de pisar, desta água tão bela de beber, deste sol que comemos com os olhos. Não é só por nós e para nós que rogamos um reflexo de esperança nas nossas pobres coisas, esta mesa, os livros, a casa lá dentro, a pobre família mal amada... não é só por nossa casa que rogamos uma beleza de vergel, uma largueza de mar, uma suavidade de jardim, é também, Senhor, para vossa Igreja que rogamos a beleza da terra. E perdoai-nos, Senhor, a fraqueza de nossa esperança..."
("Encruzilhada de Traições" in O Século do Nada)
 
ESTUDO
"Na vida do estudante temos a supervalorização da Universidade: os moços esperam demais da universidade. Sim, esperam receber dela não apenas uma iniciação, não apenas um aperfeiçoamento a ser continuado, mas quase a substância plástica de sua personalidade profissional.
 
"Abrem-se as torneiras das aulas e os estudantes se enchem daquela "matéria dada". Ora, nós sabemos que, ainda hoje, qualquer profissional que se destaca é quase totalmente um autodidata. Aprendeu sem dúvida alguma coisa nos bancos escolares, mas sobretudo aprendeu por iniciativa própria muitíssimo mais. Não contraponho aqui o estudo à prática da vida, como se costuma fazer num esquema convencional; contraponho o estudo escolar com o estudo por iniciativa própria, o estudo solitário, o estudo personalíssimo, que é o único capaz de formar elites criadoras de que o mundo precisa constantemente para seus repetidos emperros.
 
"Os moços de hoje acreditam demais na universidade, e acreditam de menos no valor próprio, no esforço próprio, e na fecundidade desse esforço procurado na solidão da alma. Nós sabemos há mais de mil anos que o agente principal da educação e do ensino é a atividade imanente do próprio educando, sabemos que o mestre, e portanto toda a universidade, é um agente ministerial secundário, mas os moços de hoje perderam essa noção que só é individualística na cabeça das pessoas que raciocinam com o ruído das palavras."
("O Valor Próprio", in A Tempo e Contratempo)
 
"Qualquer transmissão de experiência viva, qualquer magistério, só pode funcionar com o primado da palavra e por isso qualquer pedagogia tem de ser fundamentalmente passiva. Esse vocábulo é considerado hoje obsceno; mas para um cristão ele tem o mais elevado sentido e com ele afrontamos o ridículo do mundo, porque toda nossa vida consiste em ser compassiva."
(A Descoberta do Outro, pág. 176)
 
EUTANÁSIA
"Às vezes tentamos esse empreendimento de medir o que é incomensurável, e tomamos o metro da dor física para concluir que é melhor que morra o paciente se o pouco que lhe resta de vida está condenado ao sofrimento. A eutanásia é a ilógica conseqüência do excesso de lógica. Ela aconselha a matar baseada na certeza da morte próxima, e no direito sobre a dor. Ora, se a morte é próxima, porque abreviá-la? E qual é a diferença essencial entre o moribundo e um de nós? Se é por causa da dor qual é o critério, a medida, o grau centígrado de dor que perdoa ou condena? E quem poderá dizer o significado de cinco minutos de vida?"
("O valor da vida", in As Fronteiras da Técnica)
 
EVOLUCIONISMO
"Parece-nos indispensável marcar bem a intolerância em relação à Evolução dos evolucionistas, que tira o mais do menos, que faz passar a potência ao ato sem nada que esteja em ato, o que consiste precisamente em ser um processo autocriador que torna sub-repticiamente aceitável a criação “ex-nihilo” sem um Deus Todo Poderoso, desde que essa criação se torne infinitesimal e suficientemente lenta para que as inteligências tardas não percebam o mecanismo do absurdo, e fiquem, de tantos em tantos metros, ou de tantos em tantos séculos, diante de uma situação de fato.
 
"É preciso denunciar a absoluta inaceitabilidade do evolucionismo dos racionalistas e dos empiristas."
(As Descontinuidades da Criação, Ed. Permanência, 1992)

D

 

DESCONCERTO DO MUNDO
"Na verdade, a causa principal do desconcerto do mundo que tanto aflige o poeta, está no fato de ser o homem maior do que o mundo por sua principal dimensão (...)
 
"O homem está nesse mundo sempre de algum modo desfalcado, e portanto, de algum modo obrigado a submeter o maior ao menor, o eterno ao transitório, o espiritual ao corpóreo. E por isso estará sempre em posição mais ou menos cômica, ou mais ou menos trágica."
(O Desconcerto do Mundo, in O Desconcerto do Mundo)
 
"Todas as almas afinadas, um Pascal, um Peguy, a seu turno, e cada um com seu modo, dirão que o homem é uma incôngrua criatura, "un monstre de contradictions, un puits d´inquietude". O próprio Camões, mais de uma vez volta à obsessiva idéia do "desconcerto do mundo" trazido pela mesma conturbada condição humana. Nós sabemos pela Fé que tais desconcertos e contradições são conseqüências do pecado de nossos primeiros pais, e Chesterton dizia que, de todos os dogmas e mistérios da fé, o mais claro, o mais evidente é sem dúvida o do pecado original. Basta efetivamente olhar em torno de si com alguma atenção para descobrir que o animal racional é o menos razoável dos seres, e para começar a crer que algum grave mal-entendido está na origem do homem, e perdura em sua condição ao longo dos séculos."
(Mísera sorte! Estranha condição, O Globo, 13/5/78)
 
"Será preciso dizer que muitos filósofos, e atrás deles muita gente, julgam que não existe o universo de seres imateriais; que a alma humana é apenas um princípio de vida física, como a alma dos animais; que o conhecimento sensível e o racional são de mesma natureza e que, por conseguinte, é pura ficção a diferença específica do homem? Um dos mais estridentes desconcertos do mundo, como atrás já disse, reside nessa tentativa de achatar o homem para acomodá-lo, para naturalizá-lo no planeta. Se são suas excrescências que impedem a boa instalação, reduzamo-la. Na base de todas as grandes tentativas para diminuir o homem, está aquela filosofia que risca a diferença específica, como se fosse possível solucionar nosso problema cortando-nos o que temos de principal! Em todo o caso não percamos de vista o fato. Há filósofos e seguidores que recomendam a prática da castração espiritual, e que dizem que a alma espiritual é sonho de alguns, como a borboleta amarela do chinês, ou como o chinês da borboleta amarela."
(O Desconcerto do Mundo, in O Desconcerto do Mundo)
 
DESIGUALDADE
"Quererão os reformadores do mundo inventar um sistema em que o aumento de produtividade e de riqueza geral não beneficiasse em primeiro lugar seus próprios criadores, e não criasse por conseguinte desníveis de riqueza? Então terão de inventar outro homem, outro coração, outra alma insensível aos proveitos pessoais e desinteressada do progresso. O que há de especialmente estúpido nas utopias socialistas é a contradição dos que ao mesmo tempo desejam o progresso, sem o qual não se pode proporcionar bem-estar material a uma multidão, e reivindicam um igualitarismo, com o qual não se vê como se dará partida ao motor do progresso."
(O Século do Nada, p. 102)
 
DESTINO
"Para os gregos antigos o trágico humano estava no confronto com um destino implacável, consistia numa escatologia fechada e opressiva que calcava a vida humana de cada dia, pesando em cada gesto, penetrando cada palavra, orientado nada passo. A encarnação e a ressurreição do Cristo vieram abrir as portas da Parusia e libertar o homem; e uma nova luz acesa no mundo revelou com nitidez o verdadeiro trágico humano, a treva que contrasta com o Cristo, o mistério da iniqüidade. O cristão acha hoje ridícula a ameaça antiga do destino, acha risível a própria palavra que ficou relegada para a literatura amorosa de subúrbios, porque tem consciência de uma liberdade terrível e de uma tremenda batalha com o mal."
("Vade Retro, Satana", in A Descoberta do Outro)
 
DIVERSIDADE
"O mundo moderno, por lamentável engano, pensa que o mal e o sofrimento humano vem da diversidade. Procura então destruí-la, arrastando limites e paredes, e fundindo numa grossa pasta, onde serão trituradas, todas as coisas que constituem o esplendor da civilização. Não é justo dizer que isto seja uma idéia de bárbaro: um bárbaro não teria nunca uma idéia tão prodigiosamente estúpida. Não podemos imaginar um selvagem a fundar doutrina para simplificar seu "boomerang" ou a composição do seu curare. Mas posso dizer que essa idéia conduz à barbárie: o primeiro que a formula é geralmente um indivíduo muito civilizado, que num certo ponto de sua história, toma nojo da sua condição; o segundo, que a repete, é geralmente um tolo; o terceiro, um idiota; o quarto ou o quinto será então um bárbaro, e esse já não se dará ao trabalho de formular idéias".
(Introdução a um livro, A Ordem, Janeiro de 1947)
 
DOM HELDER CÂMARA
"... Dias depois li a famosa entrevista concedida por Dom Helder a L'Express, onde, entre outras coisas contava que "felizmente tivera na sua adolescência de seminário um PADRE MESTRE QUE O LIBERTARA DO TEMOR DE DEUS; e mais adiante incitava os seqüestradores e assassinos de reféns com palavras de entusiasmo: "eu os amo, eu os amo..."
 
(...) Escrevi-lhe logo outra carta mais breve e simples: "Depois de ler a entrevista a L'Express esperei desmentido seu em vão. Não o tendo, quero dizer-lhe que doravante o Sr. está dispensado de me escrever qualquer carta, e até de me dizer bom-dia, porque, depois de sua entrevista, o senhor perdeu o direito à estima e ao respeito dos homens de bem".
(Dom Helder, O Globo 14/5/77)  
 
"Quando  D.  Helder  diz  que  há  no  Brasil  uma  injustiça  intrínseca  a  exigir  revolução,  já  não  fala  como  católico  e  muito  menos  como  arcebispo.  Despreza  o  ensinamento  da  Igreja.  E  quando  quer  corrigir  essa  injustiça  com  socialismo,  não  apenas  despreza  como  contraria,  desobedece  frontalmente  à  Igreja" (Jornal do Brasil, antologia de citações, 7/7/1978)
 
DOR HUMANA
"Eu li o comovente artigo de Carlos Drummond sobre o outro menino, apaixonado de um dia, que teve pressa de matar-se. Li, e creio ter compreendido a pungente aflição daquela enorme alma de poeta quando lhe passa pela mente que o menino poderia salvar-se se alguém, naquelas poucas horas de um prelúdio de dor, o tomasse pela mão, o levasse à praia, e risse com ele nas espumas do mar. Raramente senti tamanha afinidade, tamanha simpatia, como nesse artigo escrito ele todo com um nó na garganta; (...)
 
"Mas não basta, ó poeta, mostrar às almas aflitas a doçura das relvas, a frescura das ondas, e a ternura dos regaços de amor. Porque isto não é toda a verdade da vida. E é preciso ser verdadeiro. É preciso, sempre, ser verdadeiro. Em toda a extensão. Em toda a profundidade. Nos dois hemisférios de luz e sombras da verdade.
 
"O que é preciso dizer, a esses moços que por tão pouco desesperam, é que existe uma dignidade no centro mesmo da dor; que a dor não excomunga; que a dor já foi santificada para que possa santificar. O que é preciso, ó poeta de alma grande, é abrir velas ao mar, e descobrir a verdadeira extensão do mundo e da vida.
 
"Ah! essa história maravilhosa, que a mim me contaram, como eu gostaria de lhe contar, longamente! longamente!"
(Os Meninos se Matam, in Dez Anos)
 
DOR SOBRE-HUMANA 
"Sabei ao menos leitor impaciente, que é por vós mesmos que grito e choro. Dói-me só de pensar um segundo no mal imenso que fazem os destruidores da Santa Igreja — mal que não se traduz somente nos tenebrosos novíssimos, mas desde já produz esse inferno na terra, que está sendo triunfal desfecho de uma civilização que estrepitosamente professa a aversão de Deus e a conversão à carne.
 
"Não me gabo do monopólio da dor. Todos eles sofrem, mais ou menos obscuramente, mais ou menos vertiginosamente. Agradeço a Deus a graça de saber qual é a causa da dor pela qual o mundo chora e de, sabendo-a, sofrê-la dez vezes mais, porque então à dor do mundo, que partilhamos, se somam a dor do Céu, as lágrimas de Nossa Senhora e a flagelação de Nosso Senhor, que pelos séculos e séculos se perpetua. Peço-vos, pois — ó múltiplo e vago leitor — ver nestas páginas de tão variado tom sempre o mesmo agradecimento e a mesma compaixão."
(Agradecimentos, in Conversa em Sol Menor)
 
DOSTOIEVSKI
"A leitura de Crime e Castigo me trouxe a convicção melancólica de estarmos vivendo uma depressão histórica. O mundo inteiro está passando por um processo de laminação, de mediocrização, de perseguição de um conforto elementar e não creio ser possível em algum lugar deste mundo de hoje alguém escrever um livro como este e outros de Fedor Dostoievski. Quem sabe se não seria melhor, mais higiênico, mais decente, calarmo-nos todos durante um milênio?"
(Relendo Dostoievski, 4/3/71)
 

 

C

 

CARIDADE
"A Caridade é a luz que nos revela a coisa mais extraordinária do mundo: o outro. Nem sempre conseguimos essa prodigiosa banalidade, e no meio da multidão sentimo-nos isolados, únicos, como se todas as pessoas que vemos não passassem de meras sombras, de sinais saídos de nosso interior. Mesmo em família ainda cada um tem uma significação relativa ao nosso eu. Esta é minha mulher, aquele é meu cunhado (...)
 
"A luz da Caridade opera uma separação; põe-nos diante do outro. Separa-nos para nos livrar da insuportável solidão. Os maus poetas que só conhecem o amor erótico, não sabem que o verdadeiro amor separa, e que separa de um modo perfeito. A união da amizade não é um aniquilamento de um no outro, mas o esplendor de uma separação. Os amigos não se desmancham, os santos não se dissolvem, mesmo diante de Deus, mas reúnem-se de mãos dadas e cantam o mesmo louvor, cada um com sua voz, separados e reconciliados. O modelo perfeito do amor é a Santíssima Trindade, onde as três pessoas se amam numa perfeita separação."
("A Maior das Três", in A Descoberta do Outro)
 
"O reino de Deus vem. A mais ardente prece que Jesus ensinou diz "adveniat" e a oração inefável do Espírito Santo diz "veni". O céu vem. A esposa vem. Mas como seria possível imaginar o grito ardente que chama, que pede a vinda, o "veni", sem o impulso ainda mais ardente de correr ao encontro de quem chama? Que esposo apaixonado chamaria a esposa, gritaria: vem! sem se levantar de sua cadeira, sem esticar os braços, sem atirar corpo e alma ao encontro da bem-amada? Assim também só podemos entender a mensagem da esperança na caridade, e o reino de Deus está nesse encontro impetuoso em que Pai e filhos se atiram num imenso abraço de reconciliação.
 
"E quando ele ainda estava longe, seu Pai o viu; e, tocado de compaixão, correu, atirou-se em seus braços e cobriu-o de beijos."
("Ainda um pouco de tempo", in Descoberta do Outro) 
 
CARIDADE FRATERNA
"O cristianismo é todo ele uma soma de pequeníssimas histórias familiares. Basta ver nas epístolas. Depois do Dogma vêm os nomes de uns poucos amigos; depois da doutrina, os abraços da cordialidade paroquial. Lembranças a Prisca e Aquila. Lembranças e abraços a Andrônica, Amplius, Urbano, Persida e Rufus.
 
"Quem são esses santos ignorados cujos nomes vêm assim arrastados pelos séculos e séculos na cauda da doutrina?
 
"E Lucius, Jasão, Sosipater; e Erastos, o tesoureiro da cidade; e Quartus, nosso irmão?
 
"Quem são esses que ficaram gravados na Sagrada Escritura pela força dos abraços?"
(O Elogio da Pequenez, A Ordem, Dezembro de 1946)
 
"Não há mal em ser pequeno grupo dentro da Igreja Universal. Ao contrário, o mal está em supor que é possível a vida cristã na solidão das multidões, ou em imaginar que as grandes concentrações constituem resultado mais genuinamente cristão do que o pequeno grupo. O homem se perde, só ou nas multidões. Isolado ou dissolvido na massa o homem deixa de ser homem, e por mais forte razão, de ser católico. Uma paróquia com cinqüenta mil paroquianos é um absurdo, simplesmente porque não é possível abraçar e mandar lembranças a cinqüenta mil indivíduos.
 
"O mundo moderno padece de hipertrofia em tudo, e persegue implacavelmente todos os pequenos grupos, desde a oficina do artesão até a família, desde a paróquia até a granja. O pequeno grupo é a célula cristã por excelência, sendo medido com o côvado da amizade, esse metro humano que é aproximadamente igual aos braços de uma cruz."
(O Elogio da Pequenez, A Ordem, Dezembro de 1946)
 
"Mais de uma vez amigos escrupulosos externaram seus temores sobre os riscos do pequeno grupo. É fato que existe nele uma tendência ao fechamento e uma outra a um certo sentimento de superioridade. Mais de uma vez, como medida de precaução, nos foi proposto um alargamento de horizontes.
 
"Eu creio, porém, que há um engano nesses temores. É claro que nada existe sem riscos, mas convém notar antes de tudo que é a Igreja e não cada um de seus grupos que é propriamente universal. o corpo tem as propriedades gerais da soma, os membros, porém, têm as suas especificações. Alargar o âmbito das mãos e dos pés é qualquer coisa como meter os pés pelas mãos. O Papa é um só, e se cada um de nós se mete na cabeça ser um papa em miniatura, então o corpo será um monstro formado de miríades de cabeças.
 
"Quanto ao sentimento de superioridade que se torna a equação de um grupo, eu não vejo o inconveniente, nem vejo como seria possível funcionar, ou sequer existir, um grupo sem esse sentimento. Tudo depende do critério em que se firma esse sentimento. Se é no objeto que ele se prende, então não há nenhum inconveniente, pois é na firmeza e na dureza de um objeto que nós nos gloriamos."
(O Elogio da Pequenez, A Ordem, Dezembro de 1946)
 
"Quando durante a guerra atroz que pulverizou mosteiros seculares, eu subia a ladeira de São Bento, cada vez mais íngreme para o peso dos dias; e quando, em cima, eu via a clara fachada de sol, as torres, os sinos, o portão monumental com lavores em ferro, e o pequeno alpendre ao lado, onde dois ou três amigos já de longe me sorriam; muitas vezes eu pensei que aquilo — a casa, o portão, as torres, o alpendre acolhedor — tudo poderia um dia me faltar, reduzido a um montão de escombros, como a tantos no mundo aconteceu. Bem sabia que a Igreja de Deus é imperecível sendo frágil porém cada um de seus sinais. Frágil é o mosteiro apesar da ingênua grossura das paredes que, para os bons portugueses de trezentos anos atrás, seriam eternas como o céu; frágil o grupo de amigos; frágil o bronze, a pedra, a vida — tudo o que não seja a palavra de Deus.
 
"Poderia o Senhor consentir que o Demônio me cobrisse o corpo de chagas e, de uma só vez, me arrebatasse a família, o mosteiro, a clara fachada, os sinos e o alpendre, e de uma só vez cobrisse a face de meus amigos: mas então, eu pediria a Deus, num clamor de suplicações, que sem demora me descobrisse sua própria Face."
(O Elogio da Pequenez, A Ordem, Dezembro de 1946)
 
"Tenho para mim com firmíssima convicção: as almas dadas, dedicadas, debruçadas não se podem perder."
(Regina, in conversa em Sol Menor)
 
CASAMENTO
"A fragilidade do matrimônio decorre de uma desmedida exigência de felicidade, ou melhor, da aplicação dessa exigência a uma coisa que não suporta tal pressão. Há uma insolência nossa nessa impaciente cobrança de ventura, e há sobretudo um equívoco, porque pretendemos tirar da casa, do matrimônio, do amor humano, um infinito rendimento, quando é finita e sempre muito exígua a nossa própria contribuição. Depositamos com mesquinharia e queremos juros generosos, infinitamente generosos. E no desejo desse absurdo balanço nós somos injustos com o próximo, e injustos com Deus."
(Patriotismo e Nacionalismo, in As Fronteiras da Técnica
 
"No caso vertente, e para descobrir que as famílias estão funcionando mal, eu não preciso andar de porta em porta com um impertinente questionário. Basta-me observar a rua, os bondes, os cafés, para poder concluir que as casas já não retém as pessoas. A febre nas ruas prova a agonia das casas. E como a felicidade conjugal está vinculada à casa, ao equilíbrio, ao poder de retenção da casa, posso deduzir do aspecto publicado nas ruas as infelicidades escondidas nas casas."
(Amor, casamento, divórcio, A Ordem, fevereiro de 52)
 
"Quando se diz que o fim principal do casamento é a prole ou a fundação de uma célula social, não se pretende, de modo algum, que deva ser este o  mais veemente desejo dos noivos, nem que contrarie a essência do estado conjugal quem dele se aproxime sem sentir arroubos de ternura pelas criancinhas que vão nascer. Com o risco de parecer contraditório, declaro que não veria com bons olhos o futuro genro que tivesse mais ternos sentimentos pela prole futura, ou pelo bem comum social, do que pela noiva. Seria até capaz de vetar tal casamento, na medida em que hoje pode um pai vetar alguma coisa. E se o moço viesse dizer que seguia nisso as minhas lições, seria obrigado a dizer-lhe, com a máxima sinceridade, que então — tenha paciência! — não entendeu nada.
 
"[...] Está na natureza das coisas começar o casamento pela exaltação amorosa recíproca, como também está na natureza das coisas vir a flor antes do fruto. E não se diga, por favor, que essas flores são ardis da natureza astuta e traiçoeira que assim pega desprevenidos os corações e as abelhas. Nem se diga que são ilusórios os idílios e as paixões. As flores e os amores são realidades que jorram da profunda e intrínseca generosidade do ser. Não pecam, pois, por individualismo os noivos que se amam de um modo esquecido de tudo, os noivos que se isolam numa ilha, in a kingdom by the sea..., e que põe a máxima ênfase nesse recíproco afeto ao se acercarem do altar."
(Um caminhar lado a lado, in Claro Escuro)
 
"Um encontro não se transforma em núpcias gradativamente e inevitavelmente; entre uma coisa e outra é preciso inserir um elemento decisivo.
 
Há um provérbio de aparência imbecil que diz assim: “Quem pensa não casa.” É costume ver nesse provérbio um encorajamento para se ficar, durante a vida inteira, fechado numa prudência burguesa. Pensar, nesse caso, quer dizer: calcular despesas, prever doenças, avaliar a liberdade perdida em confronto com os novos encargos contraídos. Quem pensar assim não casará; resta-lhe a sabedoria negativa do provérbio para consolo. Não casa, mas pensa. É livre e pensa; é uma espécie de livre-pensador.
 
Atrás desse sentido comodista, o provérbio encerra uma advertência e sugere que é melhor casar do que ficar pensando. Quando um sujeito, nos caprichos da vida, encontra moça que acha de sua afeição e que lhe corresponde, tem essa alternativa: escolher ou pensar. O escolher é precedido, evidentemente, de um certo pensar; é de toda prudência que se conviva com a moça, que se converse, que se observem umas tantas coisas, antes de decidir a escolha. O homem é dotado de razão também para casar e deve aplicá-la na justa medida.
 
A tarefa não é fácil. A moça se esconde atrás de certas manobras que, no dizer de muitos autores, lhe moram nas glândulas. O pretendente pode estar certo que ela mudará enormemente; não é assim como agora se ri que ela vai rir; não é disso que hoje chora que vai chorar. Seus gestos serão diferentes, sua forma se alterará, e sua própria voz, que tanto agrada hoje, será mais cheia e mais dura no difícil cotidiano. O mais atento leitor de um Bourget ou de um Montherlant se enganará redondamente se quiser fazer previsões psicológicas sobre a esposa escondida na noiva. Assim sendo, é justo que se pense e razoável que se cogite. Mas num certo ponto do conhecer é preciso decidir. Ou escolhe, abrindo mão nesse único ato de todas as outras moças, entregando-se totalmente, correndo todos os riscos, agüentando todas as conseqüências, querendo desde já no seu coração agüentá-las, tendo confiança, pelo pouco que sabe, no muito que desconhece, trocando generosamente o pouco pelo muito, empenhando a vida inteira a vir em cima de alguns meses que já passaram; ou então continua pensando. E se pensa não casa. Não casa porque pode passar a vida inteira pensando. Sondando; sopesando; excogitando. Conheço diversos casos assim, de namoros tristes que duraram mais de vinte anos: o noivo pensava. Num caso desses, em vez de festa de núpcias houve luto, porque o noivo morreu pensando... "
(Quem Pensa não Casa, in Descoberta do Outro)
 
"Existirá sempre esse problema, essa tensão entre os dois sexos. Como diz Chesterton, o homem e a mulher são de fato incompatíveis. Viverão sempre em dificuldades. Serão sempre dois estrangeiros cada um a falar mal o idioma do outro. Prolongarão indefinidamente esse duelo que leva as maiores santas a nos tratarem, pobres de nós, ora com astúcia, ora com provocação. Santa Escolástica, para iludir o rigor monástico de seu santo irmão, rezou pedindo uma chuva torrencial. Santa Teresa d’Ávila, espanhola e atrevida, dizia, pensando num diretor espiritual que fora injusto com uma de suas filhas: «Olhe que nós outras não somos assim tão fáceis de compreender». E a história de Heloísa e Abelardo não foi outra coisa senão uma contínua e ininterrupta esgrima de provocações.
 
"Essa tensão entre os dois pólos da humanidade não é um mal. O homem e a mulher podem viver, em honroso convívio, uma civilização, discutindo e brigando – como no matrimônio – desde que mantenham a honra do combate. É claro que o bom entendimento recíproco é bom. No casamento o bom entendimento, o paralelismo de gostos e opiniões, é uma coisa maravilhosa, mas não creiam que seja, como se diz, o elemento mais importante. No casamento, o decisivo é compreender bem, em tempo e contratempo, a natureza mesma do ato matrimonial, e a honra do novo estado. Enquanto essa bandeira estiver no mastro da nau familiar, pode chover e ventar, podem as ondas avolumarem-se em montanhas e cavarem-se em abismos, que a arca portadora desse casal, que Deus prefere a todos os outros casais, chegará ao monte da salvação. Não serão muito felizes os viajantes dessa tormentosa travessia, sem dúvida, mas chegarão. E numa travessia é isso o que importa."
(A Vocação da Mulher, in As Fronteiras da Técnica)
 
CASTELO BRANCO
"Em outra ocasião em que também o Presidente me honrou com um convite que também não pude aceitar, a conversa prolongou-se e eu queria perguntar-lhe uma coisa e dizer-lhe outra:
 
"— Posso perguntar uma coisa ao meu Presidente?
 
"Ele olhou-me com aqueles olhos profundos de que não me esquecerei e, pousando a mão no meu braço, disse-me:
 
"— Ao Sr. eu abrirei meu coração.
 
"E eu que dantes nunca entrara em palácios, que sou por vocação muito mais povo que fidalgo, embora admire a fidalguia dos que a sabem trazer, vi de repente naquele varão as duas coisas sem as quais não pode haver estadista: a pequenez da condição comum que nos irmanava, e a majestade de um verdadeiro Chefe de Estado designado por Deus. Saí do Palácio Laranjeiras indeciso nas minhas convicções republicanas."
(Castelo Branco, O Globo 20/07/72)
 
CATARINA DE SENA
"Lembrei-me de escrever estas linhas de homenagem à dolce mamma Caterina, porque ultimamente tenho pensado muito na moleza e tolerância dos tempos modernos, que nos mais altos lugares são apregoadas como virtudes máximas. Apeguemo-nos à adamantina dureza da santidade. Santa Catarina de Sena jamais abriria a boca, jamais emprestaria o seu sorriso de virgem ardorosa e pura para pronunciar essas melosas declarações de incondicional tolerância e falsa bondade. Catarina de Sena tinha ódios. Santa Catarina de Sena não saberia, jamais, fazer um programa de promoção do Reino de Deus naquele tom de amaciamento da vontade e de derrame sentimental. O que nos ensinam os santos, com palavras e obras, é que não basta o sentimento enternecido, nem basta traçar na areia a tênue linha que separa o bem do mal. O que nos ensinam os santos é que é preciso, resolutamente, entre os céus e os infernos, erguer muralhas de ódio e cavar abismos de amor. E o que nos ensina com particular insistência essa moça de vinte e poucos anos, Catarina, filha do tintureiro Benincasa, de Sena, é que devemos andar como os paladinos do Santo Sepulcro, entre duas cruzes, no peito e nas costas: a cruz do santo ódio e a cruz do santo amor. E é por isso que a Igreja, no dia de sua festa, dizia no Intróito da Missa: Dilexisti justitiam et odisti iniquitatem, fórmula que bem exprime o claro-escuro, ou melhor, o preto-e-branco da vontade bem polarizada pelos mandamentos de Deus."
(Catarina de Sena, O Globo 4/5/78)
 
Desde os primeiros anos de sua peregrinação na terra, "entre as aflições dos homens e as consolações de Deus", a Igreja sempre marcou uma especial devoção pelo Sangue de nossa salvação. Já o Apóstolo em Hebreus IX, 22 diz: "É com sangue que quase todas as coisas se purificam e sem efusão de sangue não há salvação".
 
Mas foi no tormentoso século XIV que Catarina de Sena, nas cartas e nas lições ditadas aos seus discípulos, pôs uma singular ênfase na riqueza de significações do Sangue, sim, uma ênfase marcante no Sangue! Transcrevemos a seguir algumas amostras de sua pregação colhidas ao acaso no livro Sainte Catherine de Sienne vous parle do Pe. S. Bezin O.P., ed. L´Abeille, Lyon, 1941: "Corramos, então, corramos todos cristãos fiéis, atraídos pelo odor do Sangue" (pág. 251). "Inebriemo-nos do Sangue de Jesus crucificado já que o temos ao nosso alcance. Não nos deixemos morrer de sede. Não nos contentemos com pouco, mas tomemos muito para nos embriagarmos e nos afastarmos de nós mesmos". "Nós não fomos resgatados por preço de ouro, nem somente por amor mas pelo Sangue". "Não há outra maneira de saciar o homem: somente neste Sangue poderá alguém se desalterar". "Este Sangue é nosso, foi derramado para nós, ninguém nô-lo pode tirar a não ser nós mesmos" (pág. 252).
 
Folheando o epistolário de Santa Catarina de Sena em seis volumes (Le Lettere di S. Catarina de Siena, Casa Editrice Marzocco, Firenze 1947) não resistimos ao desejo de transcrever mais este grito da Dolce Mama: "Caminho sobre o sangue dos mártires, o sangue dos mártires ferve e convida os vivos a serem fortes".
 
Tenho a firme convicção de que Santa Catarina de Sena falava com esta obsessiva insistência por uma razão muito simples e muito extraordinária: a vigésima terceira filha do tintureiro Benincasas via o Sangue do nosso Salvador em todos os sinais sagrados da Igreja. Quando por exemplo ela procurava seu confessor Frei Raimundo de Capua costumava dizer: "Vou-me ao Sangue".
(No Sangue, O Globo, 13/7/78)
 
CENTRO DOM VITAL
O Centro Dom Vital foi fundado para o apostolado da inteligência, e, portanto, para a atuação no plano em que muita gente imagina que a religião exige de nós uma piedosa abdicação das faculdades mentais. Ao contrário do "abêtissons nous", o Centro Dom Vital prega o afinamento da inteligência e a sua vivificação pela Fé.
(O Centro Dom Vital, DN 28/4/60)
 
CETICISMO
"O que mais entristece e irrita na atitude do cético em relação ao milagre não é a incredulidade, por teimosa que seja em face das evidências. De certo modo, eu diria que o homem católico mais depressa simpatiza com o incrédulo, com o homem que defende o reduto intelectual de qualquer rápido assentimento, do que com a credulidade fácil que traduz negligência intelectual. Se me permitem o paradoxo, direi que nós somos terrivelmente incrédulos, porque temos cristalizado e bem definido o nosso sistema de crenças. A rigor, o católico é o homem que não acredita numa imensidade de coisas em que todos acreditam. Não é pois a incredulidade que mais nos afasta do homem que não crê em milagres; é antes uma posição puramente intelectual e puramente metafísica, antes de ser uma atitude de Fé teologal. O homem que não acredita em milagres se apresenta geralmente como indivíduo mais racional, mais raciocinante e até mais razoável do que o homem que acredita. No íntimo, está convencido de ser mais inteligente ou pelo menos de ser mais fiel aos dados da pura inteligência contra as armadilhas dos dados emocionais. Ora, o que acontece é exatamente o contrário. O homem infenso ao mistério e ao milagre é justamente aquele que não tem olhos lavados para a profundidade do ser, para as riquezas da realidade, para o que há de extraordinário na simples existência do mais ordinário dos seres (...) Dizia Santo Agostinho que o hábito de ver embota a inteligência e torna vis as coisas. Essas almas rotineiras usam a parte cartesiana da razão, a parte quadriculada do espírito, e estão convencidas de que todo o espírito, toda a alma humana e toda a realidade do universo cabe no magro diagrama que não é senão o esqueleto do real. Não vêem o que o poeta chamou a lágrima das coisas, e que poderia ter chamado também o riso das coisas. Não vêem a novidade permanente de todos os seres contingentes pendurados na fonte viva que lhes garante a existência. Para o olhar do poeta, do metafísico e do místico não há senectude, não há repetição essencial e mecânica dum universo montado como imensa relojoaria: eles vêem a origem absoluta escondida, e vêem no frêmito da contingência uma perpétua ressonância do ato criador."
(O Centenário de Lourdes, A Ordem, Julho de 1958)
 
CHARLES MAURRAS
"Tomada como "movimento histórico", que realizava o mais vigoroso engajamento numa realidade nacional em movimento jamais visto, A. F. surgiu como adversário implacável da corrente revolucionária, que evoluiria rapidamente em direção ao marxismo. Concretamente, Charles Maurras opunha-se, atravessava-se no caminho de Marc Sangnier e dos sillonistas com a disposição marcial de Pétain em Verdum: "ON NE PASSE PAS". 
("Estamos no século XX" in O Século do Nada)
 
"O fato é que Charles Maurras, dizendo-se um homem sem fé, e depois de uma literatura ostensivamente pagã e às vezes quase blasfematória, põe-se à frente de um movimento que defende a Igreja de todos os sucessivos ultrajes sofridos dos governos da república e congrega em torno de si os católicos mais sérios da França. O mundo católico inteiro sentiu a irradiação dessa alma poderosa, e aqui no Brasil Jackson de Figueiredo, fundador do Centro D. Vital, foi um maurrasiano fervoroso."
("Estamos no século XX" in O Século do Nada)
 
CHARLES PÉGUY
"Péguy, de fato, não freqüentou os sacramentos; e não os freqüentou por uma razão extremamente simples: porque morreu durante o processo de conversão. O que amamos nele é esse itinerário, longo, difícil, penoso, que ele percorreu com os olhos postos na Virgem Santíssima. Começou, esse singular convertido, por onde geralmente termina o filho pródigo: pelo culto de Nossa Senhora e pelo gosto da oração. Se nós víssemos um amigo querido, um irmão, seguir esse itinerário em direção à Igreja, rezando e honrando a mãe de Deus; se nós soubéssemos que esse amigo, ou esse irmão, tinha morrido com uma bala na testa, em defesa de sua honra, de sua pátria, e da verdadeira Rainha de França; e se nos contassem que na véspera da morte, esse amigo, ou esse irmão, tinha passado a noite a enfeitar de rosas um altar para a festa de Nossa Senhora; nós teríamos uma imensa esperança em sua salvação (...)
 
"O espetáculo que guardamos no coração e que não parece ter impressionado o sr. Mesquita Pimentel é este: um homem passa correndo numa pista difícil; um homem passa, cantando e rezando; um homem passa, levando a vida de seus filhos numa longa peregrinação; para entregar a quem de direito, a vida de seus filhos; e vai, e passa, e anda, e corre pelas terras da Normândia, vendo ao longe, afinal desenhar-se contra o céu a agulha fina e escura de uma catedral, onde os reis de França dormem, à espera da ressurreição. Vemo-lo passar, vemo-lo correr; rezando e cantando. De repente, em meio do caminho, quando o horizonte se cobre de nuvens escuras e estremecem as catedrais, vemos um vulto de pé, reto, varonil, estender os braços em cruz e cair, molhando com seu bom sangue, beijando em sua agonia, a antiga terra de mártires e de heróis...
 
Heureux ceux qui sont morts pour la terre charnelle
Mais pourvu que ce fût dans une juste guerre.
Heureux ceux qui sont morts pour quatre coins de terre.
Heureux ceux qui sont morts d'une morts solennelle.
Heureux ceux qui sont morts dans les grandes batailles,
Couchés dessus le sol à la face de Dieu.

Heureux ceux qui sont morts sur un dernier haut lieu,
Parmi tout l'appareil des grandes funérailles.
Heureux ceux qui sont morts pour des cités charnelles.
Car elles sont le corps de la cité de Dieu.
Heureux ceux qui sont morts pour leur âtre et leur feu,
Et les pauvres honneurs des maisons paternelles.
 
"Ora, depois disto, chega-nos o sr. Mesquita Pimentel, de roupa marrom e colarinho duro, para nos dizer secamente, com argumentos de corretor de seguros, que lamenta muito, mas que o nosso cliente morreu sem pagar sua última apólice."
(Respondendo a uma Provocação, A Ordem, Dezembro de 1947)
 
CHESTERTON
"Chesterton trouxe-me uma libertação, uma recuperação da infância, encheu-me da confiança que mais tarde, pela misericórdia de Deus, seria vestida de Esperança". 
(A Descoberta do Outro, pág. 112)
 
"... posso dizer que há um pequeno equívoco a respeito da obra de Chesterton. Realmente, ela foi escrita sobre o homem da rua, mas não para ele. O autor inglês trata sempre do homem ordinário, mas dirige-se indiscutivelmente aos intelectuais, tentando convencê-los da vantagem imensa de tornarem a ser homens ordinários."
(A Descoberta do Outro, pág. 115)
 
CIÚME
"O ciúme puro, o ciúme congênito, não consiste numa falta de confiança; é antes uma avareza, que não pode tolerar que alguma coisa da mulher, sua figura, seu calor, seu perfume, possa ser atingida por um outro. Um contato causal numa cadeira de teatro basta para produzir nele uma angústia insuportável, ainda que tenha a certeza da sua casualidade e da sua inconseqüência. O ciúme puro não se alimenta de dramas; não tem história; não depende de um enredo. É uma tragédia seca, toda instalada no presente, na idéia de uma posse absoluta, como a do avarento. Pelo seu gosto, o ciumento desse puro ciúme esconderia a mulher, como o avaro esconde na terra o seu tesouro."
(Lições de Abismo, 15a. edição, Agir, pág. 101).
 
"Não. Otelo não foi avaro nem suspeitoso de Desdêmona. Otelo foi um crédulo, um grande e generoso confiante, que só representou, do drama do ciúme, as cenas de ira e da violência. Sua cólera teve a medida de sua confiança traída. Esse foi o seu drama. Qual é o ciumento que precisa da astúcia e da perfídia de um Iago? (...)
 
"O ciúme do curioso, do desconfiado (...) é dramático, inventivo, inquieto, urdidor, e dispensa qualquer intriga, porque ninguém melhor do que ele as fabrica. Dispensa os ardis, porque ninguém melhor do que ele os executa. E tem febre de esmiuçar, febre de saber, chegando a experimentar uma lívida satisfação ao ver confirmadas as suas suspeitas. E raramente castiga. Diante da evidência da traição, ele desfruta a mesma esquisita alegria intelectual que leva as pessoas mais compassivas a dizer "eu bem sabia..." quando vêem os seus presságios confirmados"
(Lições de Abismo, 15a. edição, Agir, pág. 102-103).
 
COLETIVISMO
"O coletivismo de que morre o mundo e de vivem os novos aventureiros é a teoria do ajuntamento sem unidade; é a tentativa de encontrar significado na multidão, já que não se consegue descobrir o significado de cada um: é a conspiração dos que se ignoram; a união dos que se isolam; a sociabilidade firmada nos mal-entendidos; o lugar-geométrico dos equívocos."
(Lições de Abismo, 15a. edição, Agir, pág. 87).
 
COMUNISMO
" [...] deve ou não deve ser extirpado o comunismo do corpo da democracia, no qual figura como um fibroma?
 
"Deve. Deve ser extirpado, sem a menor dúvida (...) É portanto errado dizer que a democracia, como a entendemos, confere direitos a qualquer idéia se discutir e a qualquer doutrina arrolar adeptos. — Este indiferentismo moral é o grave erro do liberalismo, fulminado pela Igreja."
(Combate ao Comunismo, Editorial de "A Ordem", Janeiro de 1947)
 
"Há uma fórmula bondosa que parece muito cristã e que diz assim: combater o comunismo amando os comunistas. Esta fórmula é parcialmente verdadeira, mas carece de uma distinção justamente quando parece estar fazendo uma fina distinção. Na verdade podemos e devemos combater o comunismo combatendo os comunistas. O que se pretende dizer, com aquela disposição de amar os comunistas refere-se a pessoas como pessoas, e não às pessoas como comunistas. Rigorosamente falando não estamos obrigados em relação ao comunista como tal, mesmo porque é impossível combater praticamente o comunismo sem combater os comunistas e sem os detestar na medida em que são comunistas. Levando aquela fórmula a rigor, cairíamos no erro de reduzir nosso combate ao campo puramente doutrinário, de que já nos ocupamos. A luta tem de ser prática, e por conseguinte tem de se realizar num corpo a corpo onde aquela distinção se manifesta imperfeita. É claro que em qualquer fase da luta, em cada caso particular, nossa indignação estará pronta a se transformar em amizade cristã. Mas isso não pode constituir uma condição vaga, preliminar à luta.
 
Não devemos ter medo da justa indignação; da justa detestação. Devemos, ao contrário, ter medo dessa dulçurosa falta de combatividade que nos obriga a recuar para dentro das capelas. Nos evangelhos, a divina indignação não se dirige ao farisaismo, mas aos fariseus. É claro que cada homem mereceu o sangue do redentor e pode amanhã se tornar santo. O sr. Prestes poderá ser um santo. Isto é ponto de doutrina. Mas o que é claro também, de modo ofuscante, é que hoje o sr. Prestes é nosso adversário político e deve ser considerado como tal.
(...)
Passaram os tempos de doçuras; saibamos ser duros com justiça. E entreguemos a Deus nosso amor, para que dele disponha, e para que escolha quem virá amanhã ao nosso encontro."
("Combate ao Comunismo", A Ordem, Editorial, Janeiro de 1947)
 
CONFIDÊNCIAS
"Todos nós temos nossos santos prediletos, mais próximos segundo não sei que espécie de afinidade, ou talvez mais favoráveis por algum decreto de Deus para a comunhão dos santos. O fato é que os temos. Depois de Deus — tu solus altissimus... — depois da Virgem Santíssima e dos santos apóstolos, começa então a lista caprichosa dos afetos sobrenaturais de cada um. Não escondo a minha, onde o leitor em vão procurará a razão que também não encontrei de tal predileção. Ei-la: Santo Tomás, São Bento, Santa Perpétua, Santa Catarina de Sena, São João Cancio, Santa Bernardete, Santo Cura d'Ars, Santa Teresa d'Avila, São Francisco e São Pio X, o mais próximo na data de canonização e o mais importunado para que interceda no céu, como trabalhou na Terra, em defesa da Fé e da Igreja peregrina. Vou mais longe na confidência: trago sempre comigo, no bolso da camisa, em cima do coração, uma medalha do grande e Santo Papa, e tenho no missal uma imagem e uma oração."
(São Pio X, in O GLOBO, 21/8/69)
 
"Nos dias que se seguiram, lembro-me bem, eu não podia passar quinze minutos sem pensar no santo nome de Deus. Era um assédio, um atropelo, era uma verdadeira perseguição que me acuava contra o altar. Uma onda de mérito de todos os santos, um vento de todas as orações, puxava-me o chão em baixo dos pés. E eu não sabia que o silencioso mover de lábios de toda a cristandade cuidava de mim, dizia um segredo que me interessava, como os cochilos de gente grande nas vésperas de Natal, quando eu era pequenino..."
(Nas portas de um Reino, in A Descoberta do Outro)
 
CONTRADIÇÕES DO HOMEM
"Aí está nessa esplêndida imagem a figura do homem: um ser capaz de galopar em todas as direções. Em outras palavras, o homem, como o vemos, na situação em que está, é o mais evasivo dos seres. Sua explosiva natureza, composta de espírito e matéria, isto é, de fogo e pólvora, já deixaria entrever, em abstrato, que sua história não seria cômoda. Sua natureza é tão aventurosa, que parece melhor realizar-se quando rompe seus próprios limites e se ofende a si mesma.
 
"Não admira muito que, na origem de nossa história, a integridade de tão explosiva natureza e a observância de tão dinâmicos limites precisassem apoio num pacto de sagrada obediência. Ora, essa obediência foi uma vez quebrada, os diques do pacto rompidos, e a humanidade precipitou-se pelos vales da história como uma avalanche. E nós vemos passar em tumulto esses estranhos seres crivados de contradições, capazes de desejar com ardor aquilo mesmo que fere a sua própria natureza, capazes de assaltar e pilhar o próprio domicílio, capazes de morder o próprio coração."
("O valor da vida", in As Fronteiras da Técnica)
 
COTIDIANO
"A vida só é cristã quando tudo pesa na balança da eternidade, e por isso a mesa do trabalho, ainda do mais obscuro trabalho, que não é nada, menos do que nada, se pretende ser uma atividade salvadora do mundo, é muito e pesa, se significa a aceitação da tarefa diária, a entrega do cotidiano, a preparação de um ofertório. Evidentemente, fazem-se nessa mesa coisas sem brilho e sem festa e ninguém cairá em êxtase diante dum memorando. Mas a vida não é só festa, nem mesmo para os filhos de Deus e aos pés de Deus, porque ainda temos que caminhar um pouco de tempo carregando a cruz de Nosso Senhor.
 
"Não adianta nada evitar o realismo cotidiano e banal com a espera de situações ideais, dum emprego apostólico, duma ocupação heróica, duma noiva total e perfeita, porque é bem possível que essas coisas não existam. Aliás, essa idéia de aguardar coisas que pesem, que valham realmente a pena de nosso esforço, é uma impertinência e uma presunção. Caíram nisso homens muito piedosos como aqueles que São Cipriano exortava: atacados duma prosaica peste, achavam ruim porque já haviam decido, cada um no seu foro íntimo, que queriam ser mártires... Esse escrúpulo de levar a sério um orçamento ou um horário, essa preocupação de ser despreocupado, também traduz um desejo de ser cada um o próprio autor dos acontecimentos ou então uma displicência boêmia em relação ao fluxo de fatos reais que nos vêm ao encontro cada dia."
("Ainda um pouco de Tempo", in A Descoberta do Outro)
 
CRISE DA IGREJA
"Sim, é cruel demais ter de explicar, ou tentar explicar o que acontece em nossa Igreja. Na verdade ainda não medimos bem a extensão de nossa desgraça. Mais do que nunca, a Igreja, que conheci jovem e bela como a mais bela das filhas de Jerusalém, nos aparece como uma pessoa viva, preciosa em sua carne e em sua alma, preciosa para o mundo, carregada de promessas, de dons, de beleza, de doçura e agora ferida, caída no chão, indizivelmente humilhada, a esmolar de seus filhos uma gota de piedade...
 
"A impressão que todos nós sentimos, todos nós que a amamos e há tantos séculos a vemos sempre virgem e sempre bela, e sempre moça, é a de que Ela foi traída por todos os lados. Essa idéia corresponde sem dúvida à realidade, desde que se dê à palavra traição um sentido muito mais extenso, mais complexo, e ao mesmo tempo muito mais doloroso e menos carregado de intenções criminais do que se costuma dar. É um sentido mais profundo e mais antigo... E também desde que de todas as traições de que falo só de uma tenha uma certeza íntima e indiscutível, uma certeza experimentada que, com a graça de Deus por Ela mesma servida, ao filho ingrato lhe dá forças para cair de joelhos e chorar..."
("Encruzilhada de Traições" in O Século do Nada")
 
"A história da Igreja será necessariamente uma imitação da história de Cristo. Teve sua infância obscura, teve o massacre dos inocentes, teve um período de construção e consolidação da doutrina da Salvação. Teve durante mil anos o domingo de Ramos. Entrou depois em quatro séculos de Gethsemani. E agora terá não sei quantos milênios de flagelação.
 
Estamos no começo do segundo mistério doloroso. O Corpo Místico de Cristo é insultado, chicoteado, cuspido. E a mais bela das casas expõe aos viandantes um deplorável aspecto de desolação e ruína. Virão depois os milênios da coroa de espinhos, os milênios do caminho da cruz e os milênios da crucificação. O que não é admissível – mas foi longamente admitido por equívoco – é a confortável e rotineira instalação da Igreja no Mundo. E o que também não é admissível é que a promessa de que não prevalecerão as portas do Inferno se aplique aos Suíços do Vaticano, aos paramentos e à cor das meias dos prelados. Entre as notas essenciais da Igreja sabemos que sua santa visibilidade foi desde o início concebida por Deus, mas também sabemos que a Igreja não é visível em todas as suas partes, nem é sempre visível em todos os momentos naquelas partes em que se concentra o fulgor de sua visibilidade.
 
Preparemo-nos, sem ilusões, sem apegos, e sem medo, ao dia do grande eclipse."
("Um Otimismo Descabido", O Globo, 02/12/1972)
 
"Miséria, dolência, fraqueza, tudo isto se entende, ou se admite sem se entender, ou se entende sem se admitir — tudo isto constitui o imenso pátio dos milagres que é o campo do Cristo neste mundo; mas inimigos? inimigos militantes? inimigos atuantes, de consciente hostilidade, dentro da Igreja?... Eis o que nos parece um exponencial e hiperbólico abismo dos abismos do mal.
 
[...] Um eclesiólogo rigoroso poderá, das próprios palavras do Evangelho, deduzir a falta de homogeneidade entre o joio e o trigo, e concluir que esses inimigos realmente só para efeito visível de sua odiosa tática estão dentro do recinto da Igreja, mas não estão dentro de sua substância santa. o contato que têm com a Igreja não é o dos pecadores que pensam no regaço materno e chegam a manchar o seu manto; é um contato mais íntimo: o que tiveram os flageladores com a Carne santíssima de Jesus Nosso Senhor."
(Editorial, Permanência no. 27, Dez de 1970)
 
"O que é particularmente penoso, ou particularmente repugnante, é o tom de superioridade, o ar inteligente e adiantado com que esses relapsos criticam os tempos em que a cristandade detestava e castigava heresias, e a Igreja pronunciava anátemas. Esses senhores progressistas não chegam e não chegarão jamais a compreender que, em favor de uma cordial permissiveness para seqüestradores, comunistas, autores de burríssimas fichas catequéticas etc. etc, eles deixaram de apreciar o valor das coisas de Fé."
(A Casa de Tolerância, O Globo, 13/2/1971)
 
"Peço ao leitor a paciência de suportar a insistência com que bato na mesma tecla: o nervo de toda a subversão e de toda a agitação que se observa hoje no mundo católico, especialmente no clero, é o da contestação do Mandamento honrarás pai e mãe".
("O 4o. Mandamento", Permanência no. 59)
 
"Não posso hesitar em meu testemunho, já que a isto se reduz tudo o que me cabe neste resto de vida. Deus o quer. Já tenho dito mais de uma vez que professo a Religião Católica e que, em muita algaravia que vem de Roma ou das Conferências Episcopais, e agora do Sínodo, eu mais ouço os relinchos do Cavalo de Tróia do que a voz de minha Mãe e Mestra; continuo tranqüilamente, e peço a Deus que me renove todos os dias a mesmíssima Fé, continuo a crer na Igreja de Cristo, depositária e distribuidora da doutrina da Salvação; continuo a pensar que é essa mesma doutrina que deve ser ensinada a jovens e velhos, para que se salvem; continuo a pensar, em termos de Fé e de senso comum, que os pais, padres e arcebispos devem diligentemente dizer aos moços que com Deus não se brinca e que a salvação da alma deve ser o principal cuidado de sua vida. Conseqüentemente, não é de admirar que eu continue a seguir o conselho de S. Paulo aos Gálatas: a quem fizer profissão pública de outra doutrina, direi: anathema sit. Ou então, em vernáculo: não seja idiota!"
("A Salvação das Almas", Permanência, no. 74)
 
CRISE DE ESCOLHAS
"Ora, é fácil mostrar que a sociedade moderna, na grave crise que atravessa, parece ter esquecido essa pequena regra elementar das escolhas nítidas. Quem casa, continua muitas vezes a viver como se não se tivesse casado; quem estuda medicina não afasta de si muitas vezes a idéia de fazer disto um negócio; quem cinge a espada não deixa de espreitar, muitas vezes, as menores oportunidades de ocupar cargos civis. Não discuto aqui as causas. Vejo somente o fato bruto: a todos nós, homens deste século e desta cultura mórbida, repugna a escolha."
("O valor da vida", in As Fronteiras da Técnica)
 
"O mundo é um anárquico depósito, uma loja monumental onde a gente compra estrelas e flores para a festa silenciosa e recatada no recesso da alma. Não é assim que fazem os escultores, quando arrancam o barro do chão e o trazem para o encontro do amor? Não é assim, por exclusão, por ablação, que o poeta destaca o que quer do anônimo e bulhento reservatório comum? O importante, na poesia e na vida, é a escolha; e por conseguinte a recusa. A poesia é uma greve, um protesto, como o que fazem os límpidos cristais, com suas intolerantes arestas, no seio opressivo da montanha. Ninguém rejeita tanto como o poeta, e como o apaixonado."
(Lições de Abismo, 15a. edição, Agir, pág. 35).

 

B

 

BOM SENSO 
"O bom-senso não é apenas um prêmio da moderação e do bom comportamento: é um troféu violentamente arrebatado".
("Uma restrição", in Três Alqueires e uma Vaca)
 
BRASIL
"Parado diante de mim, em vacilante equilíbrio, o homem conseguiu exclamar: -- O nosso grande Brasil... está... está todo estrombicado!
"Era um bêbado. Velho, gordo, rubro, de lacrimejantes olhos azuis, parecia um vovô de estampa que em dia de festa se houvesse excedido, se não fosse o desalinho e a sujeira da roupa, que denunciava de longe o inveterado. Estava bêbado, mas tinha razão embora eu não saiba precisamente o que quer dizer estrombicado. Pela idéia que o termo me sugere achei que o homem estava muito próximo da verdade, e dei-lhe a entender, com um aceno cordial, que tinha  em mim um adepto de sua filosofia."
(Nosso grande Brasil..., Diário de Notícias)
 
BURRICE
"Os católicos, em todas as épocas foram sujeitos aos pecados de todos os matizes, mas nunca pecaram, como hoje, de um modo tão humilhantemente burro. Tudo isto porque abriram portas e janelas quando deviam fechá-las: isto é, quando era evidente que o melhor serviço que a Igreja podia prestar a um mundo enlouquecido era a defesa de sua virgindade. Apregoaram admiração e até agradecimentos, SINCEROS AGRADECIMENTOS, quando deviam clamar sem cessar que o homem é homem, e Deus é Deus. Todas as baixezas e tolices foram praticadas em nome de ecumenismos, diálogos e outros apelidos da prostituição. Levaram a fúria de AGRADAR AO MUNDO até a infinita soberba de DESPREZAR A DEUS.
 
Até quando Deus manteria o sombrio mistério de sua permissão? E nós? Que devemos fazer para opor àquela onde de AGRADO DO MUNDO uma onda de AGRADO DE DEUS que Ele espera de nós para suspender a terrível permissão"
("Cosmolatria"-- editorial de Abril/Maio de 74 da Revista Permanência)

 

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