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DESCONCERTO DO MUNDO
"Na verdade, a causa principal do desconcerto do mundo que tanto aflige o poeta, está no fato de ser o homem maior do que o mundo por sua principal dimensão (...)
 
"O homem está nesse mundo sempre de algum modo desfalcado, e portanto, de algum modo obrigado a submeter o maior ao menor, o eterno ao transitório, o espiritual ao corpóreo. E por isso estará sempre em posição mais ou menos cômica, ou mais ou menos trágica."
(O Desconcerto do Mundo, in O Desconcerto do Mundo)
 
"Todas as almas afinadas, um Pascal, um Peguy, a seu turno, e cada um com seu modo, dirão que o homem é uma incôngrua criatura, "un monstre de contradictions, un puits d´inquietude". O próprio Camões, mais de uma vez volta à obsessiva idéia do "desconcerto do mundo" trazido pela mesma conturbada condição humana. Nós sabemos pela Fé que tais desconcertos e contradições são conseqüências do pecado de nossos primeiros pais, e Chesterton dizia que, de todos os dogmas e mistérios da fé, o mais claro, o mais evidente é sem dúvida o do pecado original. Basta efetivamente olhar em torno de si com alguma atenção para descobrir que o animal racional é o menos razoável dos seres, e para começar a crer que algum grave mal-entendido está na origem do homem, e perdura em sua condição ao longo dos séculos."
(Mísera sorte! Estranha condição, O Globo, 13/5/78)
 
"Será preciso dizer que muitos filósofos, e atrás deles muita gente, julgam que não existe o universo de seres imateriais; que a alma humana é apenas um princípio de vida física, como a alma dos animais; que o conhecimento sensível e o racional são de mesma natureza e que, por conseguinte, é pura ficção a diferença específica do homem? Um dos mais estridentes desconcertos do mundo, como atrás já disse, reside nessa tentativa de achatar o homem para acomodá-lo, para naturalizá-lo no planeta. Se são suas excrescências que impedem a boa instalação, reduzamo-la. Na base de todas as grandes tentativas para diminuir o homem, está aquela filosofia que risca a diferença específica, como se fosse possível solucionar nosso problema cortando-nos o que temos de principal! Em todo o caso não percamos de vista o fato. Há filósofos e seguidores que recomendam a prática da castração espiritual, e que dizem que a alma espiritual é sonho de alguns, como a borboleta amarela do chinês, ou como o chinês da borboleta amarela."
(O Desconcerto do Mundo, in O Desconcerto do Mundo)
 
DESIGUALDADE
"Quererão os reformadores do mundo inventar um sistema em que o aumento de produtividade e de riqueza geral não beneficiasse em primeiro lugar seus próprios criadores, e não criasse por conseguinte desníveis de riqueza? Então terão de inventar outro homem, outro coração, outra alma insensível aos proveitos pessoais e desinteressada do progresso. O que há de especialmente estúpido nas utopias socialistas é a contradição dos que ao mesmo tempo desejam o progresso, sem o qual não se pode proporcionar bem-estar material a uma multidão, e reivindicam um igualitarismo, com o qual não se vê como se dará partida ao motor do progresso."
(O Século do Nada, p. 102)
 
DESTINO
"Para os gregos antigos o trágico humano estava no confronto com um destino implacável, consistia numa escatologia fechada e opressiva que calcava a vida humana de cada dia, pesando em cada gesto, penetrando cada palavra, orientado nada passo. A encarnação e a ressurreição do Cristo vieram abrir as portas da Parusia e libertar o homem; e uma nova luz acesa no mundo revelou com nitidez o verdadeiro trágico humano, a treva que contrasta com o Cristo, o mistério da iniqüidade. O cristão acha hoje ridícula a ameaça antiga do destino, acha risível a própria palavra que ficou relegada para a literatura amorosa de subúrbios, porque tem consciência de uma liberdade terrível e de uma tremenda batalha com o mal."
("Vade Retro, Satana", in A Descoberta do Outro)
 
DIVERSIDADE
"O mundo moderno, por lamentável engano, pensa que o mal e o sofrimento humano vem da diversidade. Procura então destruí-la, arrastando limites e paredes, e fundindo numa grossa pasta, onde serão trituradas, todas as coisas que constituem o esplendor da civilização. Não é justo dizer que isto seja uma idéia de bárbaro: um bárbaro não teria nunca uma idéia tão prodigiosamente estúpida. Não podemos imaginar um selvagem a fundar doutrina para simplificar seu "boomerang" ou a composição do seu curare. Mas posso dizer que essa idéia conduz à barbárie: o primeiro que a formula é geralmente um indivíduo muito civilizado, que num certo ponto de sua história, toma nojo da sua condição; o segundo, que a repete, é geralmente um tolo; o terceiro, um idiota; o quarto ou o quinto será então um bárbaro, e esse já não se dará ao trabalho de formular idéias".
(Introdução a um livro, A Ordem, Janeiro de 1947)
 
DOM HELDER CÂMARA
"... Dias depois li a famosa entrevista concedida por Dom Helder a L'Express, onde, entre outras coisas contava que "felizmente tivera na sua adolescência de seminário um PADRE MESTRE QUE O LIBERTARA DO TEMOR DE DEUS; e mais adiante incitava os seqüestradores e assassinos de reféns com palavras de entusiasmo: "eu os amo, eu os amo..."
 
(...) Escrevi-lhe logo outra carta mais breve e simples: "Depois de ler a entrevista a L'Express esperei desmentido seu em vão. Não o tendo, quero dizer-lhe que doravante o Sr. está dispensado de me escrever qualquer carta, e até de me dizer bom-dia, porque, depois de sua entrevista, o senhor perdeu o direito à estima e ao respeito dos homens de bem".
(Dom Helder, O Globo 14/5/77)  
 
"Quando  D.  Helder  diz  que  há  no  Brasil  uma  injustiça  intrínseca  a  exigir  revolução,  já  não  fala  como  católico  e  muito  menos  como  arcebispo.  Despreza  o  ensinamento  da  Igreja.  E  quando  quer  corrigir  essa  injustiça  com  socialismo,  não  apenas  despreza  como  contraria,  desobedece  frontalmente  à  Igreja" (Jornal do Brasil, antologia de citações, 7/7/1978)
 
DOR HUMANA
"Eu li o comovente artigo de Carlos Drummond sobre o outro menino, apaixonado de um dia, que teve pressa de matar-se. Li, e creio ter compreendido a pungente aflição daquela enorme alma de poeta quando lhe passa pela mente que o menino poderia salvar-se se alguém, naquelas poucas horas de um prelúdio de dor, o tomasse pela mão, o levasse à praia, e risse com ele nas espumas do mar. Raramente senti tamanha afinidade, tamanha simpatia, como nesse artigo escrito ele todo com um nó na garganta; (...)
 
"Mas não basta, ó poeta, mostrar às almas aflitas a doçura das relvas, a frescura das ondas, e a ternura dos regaços de amor. Porque isto não é toda a verdade da vida. E é preciso ser verdadeiro. É preciso, sempre, ser verdadeiro. Em toda a extensão. Em toda a profundidade. Nos dois hemisférios de luz e sombras da verdade.
 
"O que é preciso dizer, a esses moços que por tão pouco desesperam, é que existe uma dignidade no centro mesmo da dor; que a dor não excomunga; que a dor já foi santificada para que possa santificar. O que é preciso, ó poeta de alma grande, é abrir velas ao mar, e descobrir a verdadeira extensão do mundo e da vida.
 
"Ah! essa história maravilhosa, que a mim me contaram, como eu gostaria de lhe contar, longamente! longamente!"
(Os Meninos se Matam, in Dez Anos)
 
DOR SOBRE-HUMANA 
"Sabei ao menos leitor impaciente, que é por vós mesmos que grito e choro. Dói-me só de pensar um segundo no mal imenso que fazem os destruidores da Santa Igreja — mal que não se traduz somente nos tenebrosos novíssimos, mas desde já produz esse inferno na terra, que está sendo triunfal desfecho de uma civilização que estrepitosamente professa a aversão de Deus e a conversão à carne.
 
"Não me gabo do monopólio da dor. Todos eles sofrem, mais ou menos obscuramente, mais ou menos vertiginosamente. Agradeço a Deus a graça de saber qual é a causa da dor pela qual o mundo chora e de, sabendo-a, sofrê-la dez vezes mais, porque então à dor do mundo, que partilhamos, se somam a dor do Céu, as lágrimas de Nossa Senhora e a flagelação de Nosso Senhor, que pelos séculos e séculos se perpetua. Peço-vos, pois — ó múltiplo e vago leitor — ver nestas páginas de tão variado tom sempre o mesmo agradecimento e a mesma compaixão."
(Agradecimentos, in Conversa em Sol Menor)
 
DOSTOIEVSKI
"A leitura de Crime e Castigo me trouxe a convicção melancólica de estarmos vivendo uma depressão histórica. O mundo inteiro está passando por um processo de laminação, de mediocrização, de perseguição de um conforto elementar e não creio ser possível em algum lugar deste mundo de hoje alguém escrever um livro como este e outros de Fedor Dostoievski. Quem sabe se não seria melhor, mais higiênico, mais decente, calarmo-nos todos durante um milênio?"
(Relendo Dostoievski, 4/3/71)
 

 

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