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Santo Tomás de Aquino (3981)

Art. 3 — Se o anjo fala com Deus.

(In Iob., cap. I, lect. II).
 
O terceiro discute-se assim. — Parece que o anjo não fala com Deus.
 
1. — Pois, a locução serve para manifestar alguma coisa a alguém. Ora, o anjo não pode manifestar nada a Deus, que conhece tudo. Lo­go, não fala com Deus.
 
2. Demais. — Falar é ordenar para outrem conceito do intelecto, como já se disse (a. 1). Ora, o anjo ordena sempre para Deus o conceito da sua mente. Se, pois, às vezes fala com Deus, fala sempre; o que poderá parecer inadmissível a alguns, porque às vezes, um anjo fala com outro.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura (Zc 1, 12): E o an­jo do Senhor replicou, e disse: Senhor dos exér­citos, até quando diferirás tu o compadecer-te de Jerusalém? Logo, o anjo fala com Deus.
 
Solução. — Como já se disse (a. 1, 2), a locução do anjo consiste em o conceito da sua mente se ordenar para outrem. Ora, uma coisa se ordena para outra duplamente: — De um modo, para que comunique a outrem alguma coisa; assim, nos seres naturais, o agente se ordena para o pa­ciente; e na linguagem humana, o mestre se or­dena para o discípulo. E, neste ponto de vista; de maneira nenhuma o anjo fala com Deus, nem no referente à verdade das coisas, nem no que depende da vontade criada, porque Deus é o princípio e o instituidor de toda verdade e de toda vontade. — De outro modo, uma coisa se ordena a outra, da qual recebe algo; assim, nos seres naturais, o paciente se ordena para o agen­te e, na locução humana, o discípulo, para o mestre. E desta maneira, o anjo fala com Deus, ou consultando a divina vontade, quanto ao que deve fazer; ou admirando, sem nunca a compreender, a excelência de Deus, como diz Gre­gório: os anjos falam com o Senhor quando, considerando-se a si mesmos, ficam tomados de admiração.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A locução nem sempre serve para nos mani­festarmos a outrem; mas às vezes se ordena, fi­nalmente, a que alguma coisa seja manifestada a quem fala; assim, quando o discípulo per­gunta ao mestre.
 
Resposta à segunda. — Os anjos sempre fa­lam com Deus pela locução que consiste em lou­vá-lo e admirá-lo. Mas, na locução pela qual lhe consultam a sabedoria, sobre como devem agir, falando-lhe só quando lhes ocorre algo de novo a fazer, sobre o que desejam ser iluminados.

Art. 2 — Se o anjo inferior fala com o superior.

(De Verit., q. 9, a. 5; 1 Cor., cap. XIII, lect I).
 
O segundo discute-se assim. — Parece que o anjo inferior não fala com o superior.
 
1. — Pois, a respeito do passo (1 Cor 13, 1) — Se eu falar as línguas dos homens e dos anjos — diz a Glossa, que a linguagem dos anjos são as iluminações, pelas quais os superiores iluminam os inferiores. Ora, os inferiores nunca iluminam os superio­res, como antes se disse (q. 106, a. 3). Logo, também nunca falam com os superiores.
 
2. Demais. — Como já se disse antes (q. 106, a. 1), ilu­minar não é senão manifestar a outrem o que já é, a si mesmo, manifesto; e isto é o mesmo que falar. E portanto, sendo falar o mesmo que ilu­minar, conclui-se o idêntico à objeção anterior.
 
3. Demais. — Gregório diz que Deus fala com os santos anjos quando lhes mostra às men­tes os seus desígnios ocultos e invisíveis. Ora, isto é iluminar. Por onde, toda fala de Deus é iluminação e, por igual razão, toda fala do anjo. E, portanto, de nenhum modo o anjo inferior pode falar com o superior.
 
Mas, em contrário, como expõe Dionísio, os anjos inferiores disseram aos superiores (Sl 23, 10): Quem é este Rei da glória?
 
Solução. — Os anjos inferiores podem falar com os superiores. E, para evidenciá-lo, deve­mos considerar que, nos anjos, toda iluminação é locução, mas nem toda locução é iluminação. Pois, como já se disse (a. 1), o falar de um anjo não é senão fazer com que, por vontade própria, o seu conceito seja conhecido de outro. Ora, o que a mente concebe pode se referir a um duplo princípio: a Deus mesmo, verdade primeira; e à vontade de quem intelige, pela qual um objeto é considerado em ato. Ora, como a verdade é a luz do intelecto, e a regra de toda verdade é o próprio Deus, a manifestação do que é conce­bido pela mente, é, no que depende da verdade primeira, tanto locução como iluminação; assim, p. ex., se um homem disser a outro, que o céu foi criado por Deus, ou o homem é um ani­mal. Porém a manifestação do que depende da vontade de quem intelige não pode se chamar iluminação, mas somente locução; assim, p. ex., se alguém disser a outrem: quero aprender isto, quero fazer isto ou aquilo. E a razão é que a vontade criada não é luz, nem regra da verdade, mas participante da luz. Por onde, comunicar o que depende da vontade criada, como tal, não é iluminar. Pois, constitui a perfeição do meu intelecto, não, conhecer o que tu queres ou inteliges, mas somente o que se encerra na verdade da causa
 
É pois manifesto que os anjos são conside­rados superiores ou inferiores por comparação ao princípio, que é Deus. Por onde, a iluminação, dependente desse princípio, desce aos anjos inferiores por meio dos superiores. Ao passo que, em relação ao princípio, que é a vontade, o ser mesmo que quer é primeiro e supremo. E por isso, a manifestação do que depende da von­tade comunica-se a outrem por meio do indivíduo mesmo que quer. E deste modo, tanto os anjos superiores falam com os inferiores, como estes com aqueles.
 
Donde se deduzem as respostas à primeira e à segunda objeções.
 
Resposta à terceira. — Toda locução dos anjos com Deus é iluminação; porque, como a vontade de Deus é a regra da verdade, mesmo saber o que Deus quer pertence à perfeição e à iluminação da mente criada. Mas, como já se disse, o mesmo não se dá com a vontade do anjo.

Art. 1 — Se um anjo fala com outro.

(II Sent., dist. I, part. II, a. 3; De Verit., q. 9, a. 4; I Cor., cap. XIII, lect. I).
 
O primeiro discute-se assim. — Parece que um anjo não fala com outro.
 
1. — Pois, diz Gregório, que no estado da ressurreição a corpulência dos membros não esconderá a mente de um dos olhos de outro. Por onde, com maior razão, a mente de um anjo não poderá esconder-se a outro. Ora, a locução serve para manifestar a outrem o que está oculto na mente. Logo, não é preciso que um anjo fale a outro.
 
2. Demais. — Há dupla locução: a interior, pela qual falamos conosco mesmos; e a exterior, pela qual falamos com os outros. Ora esta manifesta-se por algum sinal sensível, como a voz ou um aceno; ou por algum membro do corpo, como a língua ou o dedo; o que tudo não pode convir ao anjo. Logo, um anjo não fala com outro.
 
3. Demais. — Quem fala excita o ouvinte a atentar para o que diz. Ora, não se vê por onde um anjo excite outro a que atente; pois isso se faz, nos homens, por algum sinal sensível. Logo, um anjo não fala com outro.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura (1 Cor 13, 1): Se eu falar as línguas dos homens e dos anjos.
 
Solução. — Os anjos falam de certo modo. Mas como diz Gregório, é digno que a nossa mente, excedendo a qualidade da linguagem corpórea, fique suspensa em relação aos modos su­blimes e incógnitos da linguagem íntima. Para se entender, pois, como um anjo fala com outro, deve-se considerar que, como já dissemos ao tra­tar dos atos e das potências da alma (q. 82, a. 4), a vontade move o intelecto à operação deste. Ora, o inteligível está no intelecto de tríplice modo: habitualmente, ou pela memória, como diz Agos­tinho; como atualmente considerado ou conce­bido; e como referido a outra coisa. É mani­festo, porém, que o inteligível transfere-se do pri­meiro para o segundo grau, pelo império da vontade; e por isso define-se o hábito como aquilo de que alguém usa, quando quer. E se­melhantemente, também, pela vontade transfere­-se do segundo grau para o terceiro; pois, por ela, o conceito da mente se ordena a outra coisa p. ex., a fazer ou a manifestar algo a outrem. Ora, quando a mente se atualiza, considerando o que tem, habitualmente, então falamos conosco mesmos; pois, o conceito mesmo da mente se chama verbo interior. Quando, pois, o con­ceito da mente de um anjo se ordena a ma­nifestar-se a outro, por vontade do primeiro, en­tão, esse conceito faz-se conhecido do outro; sendo assim que um anjo fala com outro. Pois, falar com outrem não é senão manifestar-lhe o conceito da mente.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — O conceito interior da nossa mente se oculta por um como duplo obstáculo. O primeiro é a von­tade mesma, que pode reter interiormente o conceito do intelecto ou ordená-la para o exte­rior; e, no primeiro caso, só Deus, e mais ninguém, pode conhecer a mente de um homem, conforme aquilo da Escritura (1 Cor 2, 11): Qual dos homens conhece as coisas que são do homem, senão o espírito do homem que nele mesmo reside? O segundo é a materialidade do corpo. E assim, mesmo quando a vontade ordena o conceito da mente a manifestar-se a outrem, nem por isso ele é imediatamente conhecido deste, sendo ne­cessário acrescentar-se algum sinal sensível. E é o que pensa Gregório, quando diz: conservamos o segredo da mente, aos olhos alheios, como ocul­tando-o por trás da parede do corpo; e quando desejamos nos manifestar, saímos pela como ja­nela da língua, mostrando-nos como interior­mente somos. Ora, este obstáculo não existe no anjo; e por isso quando um quer manifestar o seu conceito, imediatamente o outro o conhece.
 
Resposta à segunda. — A locução externa por meio da palavra nos é necessária por causa do obstáculo do corpo. Por onde, convém ao anjo, não esta, mas só a locução interior, pela qual pode um anjo, não só falar consigo mes­mo, concebendo interiormente, mas ainda mani­festar-se voluntariamente a outro. E assim diz-se metaforicamente, que a locução dos anjos é a virtude mesma de cada um, pela qual manifesta o seu conceito, do modo predito.
 
Resposta à terceira. — Em relação aos an­jos bons, que sempre se vêm mutuamente no Verbo, não é necessário haver nenhum excitante, porque, como um sempre vê a outro, assim tam­bém sempre vê, nesse outro, tudo quanto para si for destinado. Mas, como já no primeiro estado da natureza, podiam falar uns com os ou­tros; e como os anjos maus, ainda agora, falam-­se entre si; deve-se dizer que, assim como o sen­tido é movido pelo sensível, assim, o intelecto, pelo inteligível. Assim como, pois, o sentido é excitado pelo sinal sensível, assim pode ser excitada a atenção da mente angélica por alguma virtude inteligível.

Questão 107: Da locução dos anjos.

Em seguida devemos tratar da locução dos anjos. E nesta questão cinco artigos se discutem:

Art. 4 — Se o anjo superior ilumina, em relação a tudo o que sabe, o inferior.

O quarto discute-se assim. – Parece que o anjo superior não ilumina, em relação a tudo o que sabe, o inferior.
 
1. – Pois, diz Dionísio, que os anjos supe­riores têm ciência mais universal, que a dos in­feriores, que é mais particular e dependente. Ora, maior compreensão tem a ciência univer­sal que a particular. Logo, nem tudo o que sa­bem os anjos superiores o sabem, por ilumina­ção deles, os inferiores.
 
2. Demais. – O Mestre das sentenças diz, que os anjos superiores conheceram, desde os séculos dos séculos, o mistério da Encarnação; ao passo que os inferiores não o conheceram en­quanto ela não se consumou. E isto se conclui de que, a uns anjos que interrogam, como quem ignora (Sl 23, 10) – Quem é este Rei da glória? – outros respondem, como quem sabe – O Senhor das virtudes, esse é o Rei da glória – segundo expõe Dionísio. Ora, tal não se daria, se os anjos su­periores iluminassem, em relação a tudo o que sabem, os inferiores; logo, não os iluminam desse modo.
 
3. Demais. – Se os anjos superiores anun­ciassem tudo o que conhecem, aos inferiores, nada do que aqueles conhecessem seria desconhe­cido destes. Portanto, sobre nada mais poderiam os superiores iluminar os inferiores, o que é inadmissível. Logo, os superiores não iluminam, sobre tudo, os inferiores.
 
Mas, em contrário, diz Gregório: Na pátria celeste, embora certas coisas sejam dadas, exce­lentemente, contudo nada é possuído singular­mente. E Dionísio: Cada essência celeste co­munica à inferior a inteligência que lhe foi dada pela superior, como é claro pelo passo supra-­exarado (a. 1).
 
Solução. – Todas as criaturas participam da divina bondade, de modo a difundirem nas outras o bem que possuem; pois, é da essência do bem comunicar-se. Donde vem que os próprios agentes corpóreos transmitem, tanto quanto possível, a sua semelhança a outros. Por onde, quanto mais um agente participa da divina bondade, tanto mais tende a transfundir nos outros, no máximo possível, as suas perfeições. E por isso São Pedro adverte os que participam, pela graça, da divina bondade, dizendo (1 Pd 4, 10): Cada um, segundo o dom que recebeu, comunique-o aos outros, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus. Logo, com maior razão, os santos anjos, que participam plenissimamente da divi­na bondade, dividem com os que lhes são inferiores tudo o que recebem de Deus. Mas o que é recebido pelos inferiores nestes não está do mes­mo modo excelente por que está nos superiores. E por isso estes permanecem sempre em ordem mais alta e têm ciência mais perfeita; assim co­mo o mestre intelige uma mesma coisa mais plenamente que o discípulo, que dele aprende.
 
Donde a resposta à primeira objeção. – Considerar-se mais universal a ciência dos anjos superiores, quanto ao modo mais eminente de inteligir.
 
Resposta à segunda. – Não se devem entender as palavras do Mestre das Sentenças co­mo significando que os anjos inferiores ignora­ram completamente o mistério da Encarnação; mas como significando que, além de não o terem conhecido, tão plenamente como os superiores, progrediram depois no conhecimento do mesmo, até que ele se cumprisse.
 
Resposta à terceira. – Até o dia do juízo, sempre novas revelações serão feitas por Deus aos anjos supremos, no tocante à disposição do mundo e sobretudo à salvação dos eleitos. Por onde, sempre haverá matéria em que os anjos superiores iluminem os inferiores.

Art. 3 — Se o anjo inferior pode iluminar o superior.

(Infra, q. 107, a. 2; De Verit., q. 9, a. 2).
 
O terceiro discute-se assim. – Parece que o anjo inferior pode iluminar o superior.
 
1. – Pois, a hierarquia eclesiástica é deri­vada da celeste e a representa, sendo por isso a superna Jerusalém chamada mãe nossa (Gl 4, 26). Ora, na Igreja, os superiores são iluminados e ensina­dos pelos inferiores, conforme aquilo do Após­tolo (1 Cor 14, 31): Podeis profetizar todos, um depois do ou­tro, a fim de que todos aprendam, e todos sejam exortados. Logo, também na hierarquia celeste, os superiores podem ser iluminados pelos in­feriores.
 
2. Demais. – Assim como a ordem das subs­tâncias corpóreas depende da vontade de Deus, assim também a das substâncias espirituais. Ora, como já se disse (q. 105, a. 6), Deus às vezes opera fora da ordem das substâncias corpóreas. Logo, opera também às vezes fora da ordem das substâncias espirituais, iluminando as inferiores por meios superiores. E, portanto, os inferiores, ilumina­dos por Deus, podem iluminar os superiores.
 
3. Demais – Um anjo ilumina o para o qual se converte, como antes se disse (a. 1). Ora, co­mo essa conversão é voluntária, o anjo supremo pode se converter para o ínfimo, sem passar por nenhum meio. Logo, pode iluminá-lo imediata­mente, e assim, este último pode iluminar os superiores.
 
Mas, em contrário, diz Dionísio: é lei imutável da divindade, que os seres inferiores dependam de Deus, por meio dos superiores.
 
Solução. – Os anjos inferiores nunca ilu­minam os superiores; antes, são sempre ilumina­dos por estes. E a razão é que, como já se disse (q. 105, a. 6), uma ordem está compreendida noutra, como uma causa noutra. E por isso não há inconve­niente em que, às vezes, alguma coisa se faça fora da ordem da causa inferior para se ordenar à causa superior; como, nas coisas humanas, abandona-se a ordem do chefe para se obedecer ao príncipe. Donde vem que, fora da ordem da natureza corpórea, Deus opera certos milagres, para conduzir os homens ao seu conhecimento. Ora, o abandono da ordem própria às substân­cias espirituais de nenhum modo levaria os ho­mens a se ordenarem para Deus, pois as opera­ções dos anjos não nos são manifestas, como as dos corpos sensíveis. Por onde, a ordem que convém às substâncias espirituais nunca é aban­donada por Deus, de modo que sempre os seres inferiores são movidos pelos superiores e não inversamente.
 
Donde a resposta à primeira objeção. – A hierarquia eclesiástica imita a celeste, de certo modo, mas não reproduz perfeitamente a semelhança dela. Pois, na hierarquia celeste, a razão total da ordem provém da proximidade com Deus. E por isso, os mais próximos de Deus são de grau mais sublime e de ciência mais clara; donde resulta que os superiores não são nunca iluminados pelos inferiores. Ao passo que na hierarquia eclesiástica, às vezes os mais próximos de Deus, pela santidade, são de grau ínfimo e de ciência não eminente; e certos são eminentes numa coisa, mesmo quanto à ciência, e deficientes em outra. E por isso, os superiores podem ser ensinados pelos inferiores.
 
Resposta à segunda. – Como já se disse, não é pelo mesmo fundamento que Deus age fora da ordem da natureza corpórea e da espi­ritual. Por onde, a objeção não colhe.
 
Resposta à terceira. – O anjo converte-se, pela vontade a iluminar outro anjo; mas a von­tade do anjo é sempre regulada pela lei divina que instituiu a ordem dos anjos.

Art. 2 — Se um anjo pode mover a vontade do outro.

(Infra, p. 111, a, 2; 1ª IIªª, q. 9 a. 6; III Cont. Gent., cap. LXXXVIII; De Verit., q, 22, a. 9; De Malo, q. 3, a. 3).
 
O segundo discute-se assim. – Parece que um anjo pode mover a vontade de outro.
 
1. – Pois, segundo Dionísio, assim como um anjo ilumina outro, assim também o puri­fica e aperfeiçoa, conforme é claro pela autori­dade supracitada (a. 1). Ora, a purificação e a per­feição respeitam à vontade; pois, aquela se refere à mácula da culpa, que concerne à vontade; esta se obtém pela consecução do fim, que é objeto da vontade. Logo, um anjo pode mover a von­tade de outro.
 
2. Demais. – Como diz Dionísio, os nomes dos anjos designam-lhes as propriedades. Assim, chamam-se serafins os que abrasam ou aquecem, o que se realiza pelo amor, que diz respeito à vontade. Logo, um anjo move a vontade de outro.
 
3. Demais. – O Filósofo diz que o apetite superior move o inferior. Ora, como o intelecto do anjo superior é superior, assim também o apetite. Logo, conclui-se que o anjo superior pode imutar a vontade de outro.
 
Mas, em contrário. – Pode imutar a vontade quem pode justificá-la, pois, a justiça é a reti­dão da vontade. Ora, só Deus pode justificar. Logo, um anjo não pode mudar a vontade de outro.
 
Solução. – Como já se disse antes (q. 105, a. 4), a von­tade é imutada duplamente: por parte do ob­jeto e por parte da potência mesma. – Por parte do objeto movem a vontade: o bem em si, objeto dela, assim como o desejável move o apetite; e quem mostra o objeto, p. ex., quem mostra que alguma coisa é boa. Mas, como já se disse (ibid), os outros bens inclinam a vontade, de certo modo, que nenhum a mova suficientemente, o que só faz o bem universal, que é Deus; e esse bem só o mostra, como é visto em essência pelos bem-aventurados, aquele que, a Moisés que dizia: Mostra-me a tua glória – respondeu: Eu te mostrarei todo o bem, como se lê na Escri­tura (Ex 33, 18-19). Portanto, o anjo não move suficiente­mente a vontade, nem como objeto, nem como indicador do objeto. Mas a inclina como algo de amável e como manifestativo de certos bens criados ordenados para a bondade de Deus; e assim pode inclinar por modo de persuasão, ao amor da criatura ou de Deus. – Por parte, po­rém, da potência, em si, a vontade não pode ser movida, de nenhum modo, salvo por Deus. Pois, a operação da vontade é uma inclinação de quem quer para a coisa querida. Ora, tal inclinação só pode imutá-la quem conferiu à vontade a vir­tude volitiva; assim como só pode mudar a in­clinação natural o agente, que pode dar a vir­tude, donde resulta essa inclinação. E como, só Deus é quem dá à criatura a potência volitiva, porque só ele é o autor da natureza intelectual, conclui-se que um anjo não pode mover a von­tade de outro.
 
Donde a resposta à primeira objeção. – Deve-se compreender a purificação e a perfeição conforme o modo de iluminação. E como Deus ilumina, imutando o intelecto e a vontade, as­sim os purifica dos defeitos e os aperfeiçoa quan­to ao fim. A iluminação angélica, porém, re­portando-se ao intelecto, como já se disse (a. 1), a purificação do anjo se entende relativamente à deficiência do intelecto, que é a ignorância; pois a perfeição é a consecução do fim do intelecto, que é a verdade conhecida. E é o que significa Dionísio quando diz: Na hierarquia celeste, a purificação, relativa às essências sujeitas, é uma como iluminação, quanto ao desconhecido, que as conduz a uma ciência mais perfeita. Assim, como se disséssemos que a visão corpórea é purificada, pela remoção das trevas; iluminada, pela perfusão da luz; aperfeiçoada, enfim, quando levada ao conhecimento do objeto colorido.
 
Resposta à segunda. – Um anjo pode levar outro ao amor de Deus, a modo de persuasão, como já antes se disse
 
Resposta à terceira. – O Filósofo se refere ao apetite inferior sensitivo, que pode ser mo­vido pelo apetite superior intelectivo, perten­cente à mesma natureza da alma, e porque o apetite inferior é uma virtude do órgão corpóreo. O que não tem lugar nos anjos.
 

Art. 1 — Se um anjo ilumina outro.

 

(Infra, q. 111, a. 1; II, Sent., dist. IX, a. 2; dist. XI, part. II, q. 1, a. 2; De Verit., 1. 9, art. 1, 5; Compend. Theol., cap. CXXVI).
 
O primeiro discute-se assim. – Parece que um anjo não ilumina outro.
 
1. – Pois, os anjos possuem, atualmente, a beatitude que esperamos, no futuro. Ora, então, um homem não iluminará outro, conforme a Escritura (Jr 31, 34): E não ensinará daí em diante varão ao seu próximo, nem varão ao seu irmão. Logo, atualmente, também um anjo não ilumina outro.
 
2. Demais. – Tríplice é a luz dos anjos: a da natureza, a da graça e a da glória. Ora, o anjo é iluminado, quanto à primeira luz, pela natureza criadora; quanto à segunda, pela graça justificante; quanto à terceira, pela glória beatíficante, o que tudo vem de Deus. Logo, um anjo não ilumina outro.
 
3. Demais. – A luz é uma certa forma da mente. Ora, como diz Agostinho, a mente racional é formada só por Deus, sem interposição de nenhuma criatura. Logo, um anjo não ilumina a mente de outro.
 
Mas, em contrário, diz Dionísio: Os anjos da segunda hierarquia são purificados, iluminados e aperfeiçoados pelos da primeira.
 
SOLUÇÃO. – Um anjo ilumina outro. E is­so se evidência considerando que a luz, no refe­rente ao intelecto, não é mais do que uma manifestação da verdade conforme a Escritura (Ef 5, 13): Tudo o que se manifesta é luz. Por onde, ilu­minar, não é mais do que transmitir a outrem a manifestação da verdade conhecida; e nesse sentido é que o Apóstolo diz (Ef 3, 8-9): A mim, que sou o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de manifestar a todos qual seja a comu­nicação do sacramento escondido, desde os séculos, em Deus. Assim, pois, diz-se que um anjo ilumina outro, manifestando-lhe a verdade que conhece. E por isso Dionísio diz: Os teó­logos mostram claramente que as ordens inferio­res das substâncias celestes são ensinadas, no tocante às operações divinas, pelas mentes su­premas.
 
Ora, como para a intelecção concorrem dois elementos, conforme já se disse antes (q. 103, a. 3), que são a virtude intelectiva e a semelhança da coisa inte­ligida; quanto a esses dois elementos, um anjo pode notificar a outro a verdade conhecida. – Primeiro, fortificando-lhe a virtude intelectiva. Pois, assim como a virtude de um corpo mais imperfeito é corroborada pela situação próxima de outro mais perfeito, aumentando, p. ex., o calor do menos cálido com a presença do mais cálido, assim, a virtude intelectiva de um anjo inferior é corroborada pela conversão, para o mesmo, de um anjo superior. Pois, a ordem da conversão faz, no espiritual. o que faz, nas coisas corpóreas, a ordem da proximidade local. – Mas, em segundo lugar, um anjo manifesta a verdade a outro, quanto à semelhança da coisa inteligida. Porque o anjo superior alcança o conhecimento da verdade por uma concepção universal, para apreender a qual não é suficiente o intelecto do anjo inferior, pois, a este lhe é conatural apreender a verdade mais particular­mente. Por onde, o anjo superior distingue, de certo modo, a verdade que apreende universal­mente, de maneira a poder ela ser apreendida pelo inferior, e, assim, lhe propõe a este para que seja conhecida. Assim como, entre nós, os doutores distinguem multiformemente o que apreendem em síntese, acomodando-se à capaci­dade dos outros. E é o que Dionísio diz: Cada substância intelectual divide e multiplica, com provida virtude, a inteligência uniforme que lhe foi dada por um ser mais divino, conforme a analogia com a substância inferior, que eleva para cima.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Todos os anjos, tanto os superiores como os in­feriores, vêm imediatamente a essência de Deus e, a esta luz, um não ensina outro. E é a esta doutrina que o Profeta se refere quando diz: Não ensinará o varão ao seu irmão dizendo: conhece o Senhor. Porque todos me conhecerão, desde o menor até ao maior. Mas, quanto às razões das obras divinas, conhecidas em Deus, como na causa, por certo que Deus as conhece todas, em si mesmo, porque a si mesmo se com­preende; ao passo que, dos que vêm a Deus, nele conhecerá mais razões quem mais perfeita­mente o vir. Por onde, o anjo superior conhece mais razões das obras divinas, em Deus, do que o inferior e, sobre elas, ilumina a este. E é o que Dionísio significa, afirmando que os anjos são iluminados, quanto às razões das coisas existentes.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. – Um anjo não ilu­mina outro, transmitindo-lhe a luz da natureza, da graça ou da glória, mas corroborando-lhe o lume natural e manifestando-lhe a verdade sobre o que pertence ao estado da natureza, da graça e da glória, como já se disse.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. – A mente racional é formada imediatamente por Deus; ou como a imagem, pelo exemplar, porque não foi feita segundo nenhuma outra imagem, a não ser a de Deus; ou como o sujeito pela última forma com­pletiva, porque a mente criada é sempre repu­tada informe, se não aderir à verdade primeira. Ao passo que as outras iluminações, provenientes do homem ou do anjo, são umas como disposi­ções para a última forma.

 

Questão 106: Da iluminação dos anjos.

Em seguida devemos considerar como uma criatura move outra; e tal consideração será tripartida. De modo que, primeiro, consideremos como os anjos movem, criaturas puramente espirituais, Segundo, como os corpos movem. Terceiro, como os homens movem, que são compostos de natureza espiritual e corpórea.
 
Sobre o primeiro ponto, ocorre tríplice consideração. Primeira, como um anjo age sobre outro. Segunda, como agem os anjos sobre a criatura corpórea. Terceira, como agem sobre os homens
 
Na primeira questão, é necessário considerar a iluminação e a locução dos anjos, como se ordenam entre si, tanto os bons como os maus.
 
Sobre a iluminação, quatro artigos se discutem:

12. Segundo domingo da Quaresma: Se Deus Pai entregou Cristo à Paixão.

II Domingo da Quaresma   
  
«O que não poupou nem o seu próprio Filho, mas por nós todos o entregou» (Rm 8, 32)
  
Cristo sofreu voluntariamente, em obediência ao Pai. E de três modos Deus Pai entregou Cristo à paixão:
  
1º. Conforme sua eterna vontade, determinou a paixão de Cristo para a libertação do gênero humano, de acordo com o que diz Isaías: «O Senhor carregou sobre ele a iniqüidade de todos nós» (Is 53, 6)e «O Senhor quis consumi-lo com sofrimentos» (Is LIII, 10).

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