Santo Tomás de Aquino (3981)
segunda-feira da I semana da Paixão
A todos os males que contraímos pelo pecado, encontramos remédio na Paixão de Cristo. Contraímos pelo pecado cinco males:
Primeiro domingo da Paixão
«E como Moisés levantou no deserto a serpente, assim também importa que seja levantado o Filho do homem, a fim de que todo o que crê nele tenha a vida eterna.» (Jo 3, 14-15)
Aqui há três coisas que devemos considerar:
terça-feira depois do IV domingo da Quaresma
Nosso Senhor assumiu a natureza humana para reparar a queda do homem. Por isso, foi necessário que Cristo padecesse e vivesse conforme a natureza humana, como remédio à queda do pecado.
Ora, o pecado do homem consistiu em ter o homem se apegado aos bens corporais e se desinteressado dos espirituais. Convinha, pois, ao Filho de Deus, por tudo que fez e sofreu na natureza humana que assumira, mostrar-se de modo tal, que fizesse os homens terem por nada os bens e os reveses do século, abandonarem o apego desordenado e se devotarem aos bens espirituais.
Quarta-feira depois do IV domingo da Quaresma
«Mandaram, pois, suas irmãs dizer a Jesus: Senhor, eis que está enfermo aquele que tu amas» (Jo 11, 3 )
Aqui há três coisas que se deve considerar:
Quinta-feira da IV semana da Quaresma
«Nosso amigo Lázaro dorme» (Jo 11, 11)
I. Chamamos alguém de "Nosso amigo", por causa dos numerosos benefícios e serviços que nos prestou; é por isso que não devemos faltar-lhe na necessidade.
Sexta-feira da IV semana da Quaresma
I. — Pelo sangue de Cristo, foi selado o Novo Testamento. "Este cálice é o novo testamento no meu sangue" (1 Cor 11, 25).
Testamento compreende-se de dois modos:
Sábado depois do IV domingo da Quaresma
Tanto um meio é mais conveniente para conseguir um fim, quanto mais ele faz concorrerem elementos conducentes ao fim. Ora, o ser o homem liberado pela paixão de Cristo foi causa de concorrerem muitos elementos conducentes à salvação do mesmo, além da liberação do pecado.
(II Sent., dist. VIII, art., 5; De Malo, q. 3. art. 4; q. 16, art. II).
O quarto discute-se assim. — Parece que o anjo não pode imutar os sentidos humanos.
1. — Pois, a operação sensitiva é vital. Ora, esta operação vital não resulta de princípio extrínseco. Logo, a operação sensitiva não pode ser causada pelo anjo.
2. Demais. — A virtude sensitiva é mais nobre que a nutritiva. Ora, o anjo, como se sabe, não pode imutar a virtude nutritiva, nem as outras formas naturais. Logo, também não pode imutar a virtude sensitiva.
3. Demais. — O sentido é naturalmente movido pelo sensível. Ora, o anjo não pode imutar a ordem da natureza, como antes se disse. Logo, não pode imutar os sentidos, mas sempre estes são movidos pelo sensível.
Mas, em contrário, os anjos que subverteram Sodoma, - feriram os Sodomitas de cegueira de sorte que não podiam encontrar a porta, como diz a Escritura (Gn 19, 11). E o mesmo nesta se lê, a respeito dos Sírios (4 Rg 6), que Eliseu levou para a Samaria.
Solução. — De dois modos podem os sentidos ser imutados. Pelo exterior, como quando é imutado pelo sensível; e pelo interior. Assim, vemos que perturbados os espíritos e os humores os sentidos são imutados; daí vem que a língua do enfermo, cheia de humor colérico, sente tudo amargo, o mesmo se dando com os demais sentidos. Ora, de ambos os supraditos modos, o anjo pode imutar, por virtude natural, os sentidos dos homens. Assim, pode opor exteriormente ao sentido um sensível, formado pela natureza, ou formando-o de novo, como faz, quando assume um corpo, conforme se disse antes (q. 51, a. 2). Semelhantemente, também pode mover interiormente os espíritos e os humores, segundo já disse (a. 3), pelos quais os sentidos sejam diversamente imutados.
Donde a resposta à primeira objeção. — O princípio da operação sensitiva não pode existir sem o princípio interior, que é a potência sensitiva. Mas, esse princípio interior pode ser multiplicemente movido pelo exterior, como já se disse.
Resposta à segunda. — Pela moção interior dos espíritos e dos humores, o anjo pode operar algo para imutar o ato da potência nutritiva; e semelhantemente, da potência apetitiva e da sensitiva, e de qualquer potência que se sirva de órgão corpóreo.
Resposta à terceira. — O anjo nada pode fazer contra a ordem de todas as criaturas; mas o pode contra a ordem de uma natureza particular, porque não esta sujeito a tal ordem. E assim, de modo singular pode imutar os sentidos, fora do modo comum.
(II Sent., dist. VIII, a. 5; De Malo, q. 3, a. 4; q. 16, a. II).
O terceiro discute-se assim. — Parece que o anjo não pode imutar a imaginação do homem.
1. — Pois, como diz Aristóteles, a fantasia é um movimento provocado pelo sentido em ato. Ora, se fosse proveniente de imutação angélica não procederia do sentido em ato. Logo, é contra a natureza da fantasia, ato da virtude imaginária ser causada por imutação angélica.
2. Demais. — As formas da imaginação, sendo espirituais, são mais nobres que as da matéria sensível (q. 110, a. 2). Ora, o anjo não pode imprimir formas na matéria sensível, como já se disse. Logo, não pode imprimi-las na imaginação e, portanto não pode imutá-la.
3. Demais. — Como diz Agostinho, um espírito pode, influindo sobre outro, por meio de tais imagens, comunicar o que sabe a este último, quer, este mesmo intelija, quer pelo primeiro, sejam manifestadas as coisas inteligidas. Ora, o anjo não pode influir na imaginação humana; nem esta pode apreender os inteligíveis que o anjo conhece. Logo, não pode imutar a imaginação.
4. Demais. — Na visão imaginária, o homem adere às semelhanças das coisas, como se fossem as próprias coisas. Mas nisso vai um engano. Ora, como o anjo bom não pode ser causa de engano, conclui-se que não pode causar a visão imaginária, imutando a imaginação.
Mas, em contrário, as coisas vêm-se nos sonhos, por visão imaginária. Ora, os anjos revelam certas coisas nos sonhos, como se lê, no Evangelho (Mt 1; 2), do anjo que apareceu desse modo a José. Logo, o anjo pode mover a imaginação.
Solução. — Tanto o anjo bom como o mau, pode, em virtude da sua natureza, mover a imaginação do homem. O que se pode explicar do seguinte modo. Como já se disse (q. 110, a. 3), a natureza corpórea obedece ao anjo, quanto ao movimento local. Assim, tudo quanto pode ser causado pelo movimento local de certos corpos cai sob o alcance da virtude natural dos anjos. Ora, é manifesto que as aparições imaginárias são às vezes causadas em nós pela mutação local dos espíritos corpóreos e dos humores. Por onde, Aristóteles, assinalando a causa da aparição dos sonhos, diz que, quando o animal dorme descendo muito sangue para o princípio sensitivo, descem simultaneamente os movimentos, i. é, as impressões deixadas pelos movimentos dos sensíveis, conservadas nos espíritos sensuais — e movem o princípio sensitivo; de modo que resulta uma aparição, como se então o princípio sensitivo fosse movido pelas próprias coisas exteriores. E pode ser tão grande a comoção dos espíritos e dos humores, que tais aparições se dêm mesmo nos acordados, como bem se vê nos loucos e semelhantes. Ora, como isso se dá por movimento natural dos humores e às vezes mesmo por vontade do homem, que imagina voluntariamente o que antes sentira; assim também pode dar-se por virtude do anjo bom ou mau, ora com privação dos sentidos corpóreos, ora, sem tal privação.
Donde a resposta à primeira objeção. — O princípio da fantasia vem do sentido em ato. Pois, não podemos imaginar o que de nenhum modo sentimos, total ou parcialmente; assim, um cego nato não pode imaginar a cor. Mas, às vezes a imaginação é informada, como já se disse, pelas impressões conservadas interiormente, de modo que surja o ato do movimento fantástico.
Resposta à segunda. — O anjo transmuta a imaginação, não por certo imprimindo alguma forma imaginária, que antes não tivesse sido de nenhum modo apreendida pelo sentido; assim, não pode fazer com que o cego imagine as cores; mas ele opera a sobredita transmutação por meio do movimento local dos espíritos e dos humores.
Resposta à terceira. — A referida influência do espírito angélico sobre a imaginação humana não é pela essência, mas pelo efeito que, do modo predito, causa na imaginação, à qual ele manifesta o que conhece, não porém do modo pelo qual conhece.
Resposta à quarta. — O anjo, causando uma visão imaginária, ora, ilumina simultaneamente o intelecto, para que este conheça o que tais semelhanças significam e, então, não há engano nenhum. Outras vezes, porém, pela operação do anjo, aparecem na imaginação só as semelhanças das coisas; mas então o engano não por defeito do intelecto, ao qual tais coisas aparecem. Assim, Cristo não foi causa de engano, propondo às turbas, em parábolas, muitas coisas que lhes não explicou.
(Supra, q. 106, a. 2; 1ª II ªº, q. 80, a. 1; II Sent., dist. VIII, a. 5; III Cont. Gent., cap. LXXXVIII, XCII; De Verit., q. 22, a. 9; De Malo, q. 3, a. 3, 4; In Ioann, cap. XIII, lect I).
O segundo discute-se assim. — Parece que os anjos podem imutar a vontade do homem.
1. — Pois, a propósito do passo da Escritura (Heb 1, 7) — Que faz aos seus anjos espíritos, e aos seus ministros chama de fogo — diz a Glossa, que são fogo por serem férvidos, de espírito, e queimarem os nossos vícios. Ora, tal não seriam sem imutarem a vontade. Logo, os anjos podem imutá-la.
2. Demais. — Beda diz, que o diabo não é o causador dos maus pensamentos, mas, o incensor. Damasceno porém diz mais, que também é o causador; pois, escreve: toda malícia e as paixões imundas são excogitadas, por influência dos demônios, pois, lhes é concedido causarem-nas nos homens. E por igual razão, os anjos bons causam e incitam os bons pensamentos. Ora, isso não poderiam fazê-lo se não imutassem a vontade. Logo, imutam-na.
3. Demais. — Como já se disse (a. 1), o anjo ilumina o intelecto do homem mediante os fantasmas. Ora, como a fantasia, que serve ao intelecto, pode ser imutada pelo anjo, assim também o apetite sensitivo, que serve à vontade, pois, este é também uma virtude que usa de órgão corpóreo. Logo, assim como ilumina o intelecto também pode iluminar a vontade.
Mas, em contrário, imutar a vontade é próprio de Deus, conforme a Escritura (Pr 21, 1): O coração do rei está na mão do Senhor, ele o inclinará para qualquer parte que quiser.
Solução. — A vontade pode ser imutada de dois modos. — Interiormente; e então, como o seu movimento não é senão a inclinação para a coisa querida, só Deus, que dá à natureza intelectual a virtude para tal inclinação, pode imutá-la. Pois, assim como a inclinação natural procede de quem dá a natureza, assim a inclinação da vontade só pode proceder de Deus, que causa a vontade. — De outro modo, a vontade é movida pelo exterior. E isto, no anjo, se dá de uma só maneira, a saber, pelo bem apreendido pelo intelecto. Por onde, a causa de ser alguma coisa apreendida como bem desejado, move a vontade. De modo que só Deus pode mover eficazmente a vontade; o anjo, porém, e o homem podem movê-la, persuadindo-a, como antes se disse (q. 106, a. 2). — Mas além deste modo, também a vontade do homem é movida pelo exterior, e isso pela paixão referente ao apetite sensitivo; assim, pela concupiscência ou pela ira a vontade é inclinada a querer um certo objeto. E então, também os anjos, na medida em que podem provocar essas paixões, podem movê-la; não porém necessariamente, porque a vontade sempre fica livre de consentir na paixão ou lhe resistir.
Donde a resposta à primeira objeção. — Diz-se que os ministros de Deus, homens ou anjos, queimam os vícios e inflamam as virtudes, persuadindo.
Resposta à segunda. — Os demônios não podem originar os pensamentos, causando-os interiormente porque a virtude cogitativa está sujeita à vontade. Diz-se porém, que o diabo é incensor dos pensamentos, na medida em que incita a pensar ou a desejar o que foi pensado, persuadindo ou concitando a paixão. E esse mesmo incender Damasceno chama causar, porque tal operação é interior. Ao passo que os bons pensamentos são atribuídos a Deus, princípio mais alto, embora sejam provocados pelo ministério dos anjos.
Resposta à terceira. — O intelecto humano, no estado presente, não pode inteligir, a não ser voltando-se para os fantasmas. Mas a vontade humana pode querer alguma coisa, pelo juízo da razão, sem seguir a paixão do apetite sensitivo. E por isso o símile não é o mesmo.