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Art. 1 — Se um anjo fala com outro.

(II Sent., dist. I, part. II, a. 3; De Verit., q. 9, a. 4; I Cor., cap. XIII, lect. I).
 
O primeiro discute-se assim. — Parece que um anjo não fala com outro.
 
1. — Pois, diz Gregório, que no estado da ressurreição a corpulência dos membros não esconderá a mente de um dos olhos de outro. Por onde, com maior razão, a mente de um anjo não poderá esconder-se a outro. Ora, a locução serve para manifestar a outrem o que está oculto na mente. Logo, não é preciso que um anjo fale a outro.
 
2. Demais. — Há dupla locução: a interior, pela qual falamos conosco mesmos; e a exterior, pela qual falamos com os outros. Ora esta manifesta-se por algum sinal sensível, como a voz ou um aceno; ou por algum membro do corpo, como a língua ou o dedo; o que tudo não pode convir ao anjo. Logo, um anjo não fala com outro.
 
3. Demais. — Quem fala excita o ouvinte a atentar para o que diz. Ora, não se vê por onde um anjo excite outro a que atente; pois isso se faz, nos homens, por algum sinal sensível. Logo, um anjo não fala com outro.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura (1 Cor 13, 1): Se eu falar as línguas dos homens e dos anjos.
 
Solução. — Os anjos falam de certo modo. Mas como diz Gregório, é digno que a nossa mente, excedendo a qualidade da linguagem corpórea, fique suspensa em relação aos modos su­blimes e incógnitos da linguagem íntima. Para se entender, pois, como um anjo fala com outro, deve-se considerar que, como já dissemos ao tra­tar dos atos e das potências da alma (q. 82, a. 4), a vontade move o intelecto à operação deste. Ora, o inteligível está no intelecto de tríplice modo: habitualmente, ou pela memória, como diz Agos­tinho; como atualmente considerado ou conce­bido; e como referido a outra coisa. É mani­festo, porém, que o inteligível transfere-se do pri­meiro para o segundo grau, pelo império da vontade; e por isso define-se o hábito como aquilo de que alguém usa, quando quer. E se­melhantemente, também, pela vontade transfere­-se do segundo grau para o terceiro; pois, por ela, o conceito da mente se ordena a outra coisa p. ex., a fazer ou a manifestar algo a outrem. Ora, quando a mente se atualiza, considerando o que tem, habitualmente, então falamos conosco mesmos; pois, o conceito mesmo da mente se chama verbo interior. Quando, pois, o con­ceito da mente de um anjo se ordena a ma­nifestar-se a outro, por vontade do primeiro, en­tão, esse conceito faz-se conhecido do outro; sendo assim que um anjo fala com outro. Pois, falar com outrem não é senão manifestar-lhe o conceito da mente.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — O conceito interior da nossa mente se oculta por um como duplo obstáculo. O primeiro é a von­tade mesma, que pode reter interiormente o conceito do intelecto ou ordená-la para o exte­rior; e, no primeiro caso, só Deus, e mais ninguém, pode conhecer a mente de um homem, conforme aquilo da Escritura (1 Cor 2, 11): Qual dos homens conhece as coisas que são do homem, senão o espírito do homem que nele mesmo reside? O segundo é a materialidade do corpo. E assim, mesmo quando a vontade ordena o conceito da mente a manifestar-se a outrem, nem por isso ele é imediatamente conhecido deste, sendo ne­cessário acrescentar-se algum sinal sensível. E é o que pensa Gregório, quando diz: conservamos o segredo da mente, aos olhos alheios, como ocul­tando-o por trás da parede do corpo; e quando desejamos nos manifestar, saímos pela como ja­nela da língua, mostrando-nos como interior­mente somos. Ora, este obstáculo não existe no anjo; e por isso quando um quer manifestar o seu conceito, imediatamente o outro o conhece.
 
Resposta à segunda. — A locução externa por meio da palavra nos é necessária por causa do obstáculo do corpo. Por onde, convém ao anjo, não esta, mas só a locução interior, pela qual pode um anjo, não só falar consigo mes­mo, concebendo interiormente, mas ainda mani­festar-se voluntariamente a outro. E assim diz-se metaforicamente, que a locução dos anjos é a virtude mesma de cada um, pela qual manifesta o seu conceito, do modo predito.
 
Resposta à terceira. — Em relação aos an­jos bons, que sempre se vêm mutuamente no Verbo, não é necessário haver nenhum excitante, porque, como um sempre vê a outro, assim tam­bém sempre vê, nesse outro, tudo quanto para si for destinado. Mas, como já no primeiro estado da natureza, podiam falar uns com os ou­tros; e como os anjos maus, ainda agora, falam-­se entre si; deve-se dizer que, assim como o sen­tido é movido pelo sensível, assim, o intelecto, pelo inteligível. Assim como, pois, o sentido é excitado pelo sinal sensível, assim pode ser excitada a atenção da mente angélica por alguma virtude inteligível.

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