Santo Tomás de Aquino (3981)
O quinto procede-se assim. ─ Parece que depois do divórcio o marido pode casar com outra.
1. Pois, ninguém, está obrigado à continência perpétua. Ora, o marido está obrigado, em certo caso a separar perpetuamente de si a esposa adúltera, como do sobre dito se colhe. Logo, parece que ao menos em tal caso pode casar com outra.
2. Demais. ─ Ao pecador não se lhe deve dar mais ocasião de pecar. Ora, o cônjuge separado por culpa de fornicação, se não lhe for lícito buscar outra união, dá-se-lhe maior ocasião de pecado; pois não é provável que quem não foi continente no matrimônio, possa vir a sê-lo depois. Logo, parece que se lhe deve permitir novo casamento.
3. Demais. ─ A mulher não está obrigada senão a cumprir o dever conjugal para com o marido e a coabitar com ele. Ora, de ambas essas obrigações fica desonerada pelo divórcio. Logo, solta fica da lei do marido. Portanto, pode casar com outro. E o mesmo se diga do marido.
4. Demais. ─ O Evangelho diz: Todo aquele que repudiar sua mulher, se não é por causa de fornicação, e casar com outra, comete adultério. Logo, se por causa de fornicação, repudiar a mulher e casar com outra, não adultera. Portanto, terá contraído verdadeiro matrimônio.
Mas, em contrário. ─ O Apóstolo diz: mando não eu, senão o Senhor, que a mulher se não separe do marido; e se ela se separar, que fique sem casar.
2. Demais. ─ Ninguém pode tirar qualquer vantagem do pecado. Ora tira-la-ia a adúltera a que fosse lícito convolar a núpcias mais desejadas; e daria isso ocasião de adultério aos desejosos de contrair novo matrimônio. Logo, não é lícito fazer contração de novo casamento, nem ao homem nem à mulher.
SOLUÇÃO. ─ Nada de sobreveniente ao matrimônio pode ser causa de sua dissolução. Logo, o adultério não pode anular um casamento verdadeiramente existente. Pois, como diz Agostinho, o vinculo conjugal subsiste entre ambos por toda a vida, nem pode ser roto pela separação ou pela união com outra pessoa. Portanto, enquanto vive um não pode o outro passar a segundas núpcias.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora ninguém esteja, absolutamente falando, obrigado à continência, pode um porém o estar por acidente. Assim o estará o marido cuja mulher sofra de doença incurável tal, que impida a cópula carnal. E o mesmo se dará se praticar incorrigivelmente a fornicação, que é uma doença espiritual.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Essa confusão mesma resultante do divórcio, deve coibí-la do pecado. E se não na puder coibir, menos mal será pecar ela só, que lhe tornar cúmplice do pecado o marido.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora a mulher, depois do divórcio, não esteja obrigada a cumprir o dever conjugal para com o marido adúltero e a coabitar com ele contudo ainda subsiste o vínculo matrimonial que a obrigava. Portanto não pode contrair outro casamento, durante a vida do marido. Pode porém, contra a vontade dele, fazer voto de continência; salvo se a Igreja verificar que foi enganada por falsas testemunhas, quando sentenciou o divórcio. Porque em tal caso, mesmo depois de ter emitido o voto de profissão, seria restituída ao marido e estaria obrigada ao dever conjugal, mas o marido não no poderia exigir.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Essa exceção, fundada nas palavras do Senhor, se refere ao repúdio da esposa. Por onde, a objeção procede de um mau entendimento do texto.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que marido e mulher não devem, em causa de divórcio, julgar-se em igualdade de condições.
1. Pois, o divórcio está, na Lei Nova, em lugar do repúdio da Lei Velha, como se lê no Evangelho. Ora, no repúdio, marido e mulher não eram julgados em igualdade de situações; assim aquele podia repudiar a esta, mas não ao contrário. Logo, nem no divórcio devem julgar-se no mesmo pé de igualdade.
2. Demais. ─ É mais contra no à lei natural uma mulher ter vários maridos, que um homem várias mulheres; por isso era às vezes permitida esta última situação, mas nunca a primeira. Logo, no adultério a mulher peca mais gravemente que o homem. E por tanto não devem ser julgados no mesmo pé de igualdade.
3. Demais. ─ Tanto maior é o dano causado ao próximo, tanto mais grave é o pecado. Ora, maior dano causa a mulher adúltera ao marido, que à esposa o marido adúltero; porque o adultério da mulher causa a incerteza da prole, mas não o do marido. Logo, o pecado da mulher é mais grave. E portanto, marido e mulher não devem julgar-se no mesmo pé de igualdade.
4. Demais. ─ O divórcio foi introduzido para corrigir o crime de adultério. Ora, pertence sobretudo ao marido, cabeça da mulher, na expressão do Apóstolo, corrigir a mulher, e não o inverso. Logo, não devem marido e mulher, em causa de divórcio, ser julgados no mesmo pé de igualdade, mas deve ser superior a condição do marido.
Mas, em contrário. ─ Parece que, em causa de divórcio, superior deve ser a condição da mulher. Porque quanto maior for a fragilidade do pecador, tanto mais digno de vênia será o pecado. Ora, na mulher há maior fragilidade que no homem, em razão do que, diz Crisóstomo ser a luxúria a paixão própria da mulher. E o Filósofo ensina que as mulheres, propriamente falando, não podem chamar-se continentes, por causa de resvalarem facilmente na concupiscência. Assim também os brutos não podem ser continentes, por não poderem impor nenhum freio à concupiscência. Logo, deve haver maior contemplação com as mulheres ao aplicar a pena do divórcio.
2. Demais. ─ O homem foi constituído cabeça da mulher a fim de governá-la. Logo, peca mais gravemente que ela. E portando deve sofrer pena maior.
SOLUÇÃO. ─ Em causa de divórcio, marido e mulher são julgados como tendo direito a coisas iguais, de modo a ser lícito e ilícito a um o que também o for ao outro. Mas não são julgados como no mesmo pé de igualdade em relação à essas coisas; porque a causa de divórcio é maior em um que em outro, embora ambos dêem causa suficiente a êle. Pois, o divórcio é a pena do adultério, enquanto este vai contra os bens do matrimônio. Quanto porém ao bem da fidelidade, a que os cônjuges estão mutuamente obrigados, tanto peca contra o matrimônio o adultério de um como o de outro, sendo em ambos causa suficiente de divórcio. Mas quanto ao bem da prole, mais grave é o adultério da mulher que o do marido; portanto, maior causa de divórcio é o adultério dela que o dele. Por onde, marido e mulher estão adstritos a obrigações iguais, mas não por causa igual. Nem há nisso injustiça, porque em ambos os casos há causa suficiente para a pena do divórcio, como se dá com dois réus condenados à mesma pena de morte, embora tenha um pecado mais gravemente que outro.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O repúdio não era permitido senão para evitar o homicídio. E como esse perigo mais corria o homem que a mulher, por isso ao marido, pela lei do repúdio, se lhe permitia deixar a mulher, e não ao inverso.
RESPOSTA À SEGUNDA E À TERCEIRA. ─ Essas objeções procedem enquanto, relativamente ao bem da prole, maior causa de divórcio é o adultério da esposa que o do marido. Mas daí não se segue que não sejam julgados com direito a coisas iguais, como do sobredito se colhe.
RESPOSTA À QUARTA. - Embora o homem seja a cabeça da mulher, como governando-a, não fica por isso constituído em juiz dela; e nem inversamente. Portanto, no processo judicial não tem maior poder o marido sobre a mulher, que esta sobre aquele.
RESPOSTA À QUINTA. ─ O pecado de adultério implica a mesma gravidade que a fornicação simples agravada pelo fato de lesar o matrimônio. Considerado pois o que há de comum entre o adultério e a fornicação, o pecado do homem está para o da mulher como o excedente para o excedido; porque a mulher, sendo mais rica em humores, é mais propensa à concupiscência; ao passo que no varão há maior ardência, excitante da concupiscência. Contudo, absolutamente falando e todas as circunstâncias iguais, o homem, na fornicação simples, peca mais gravemente que a mulher, porque tem mais desenvolvido o bem da razão, que prevalece sobre os movimentos das paixões do corpo. Quanto à ofensa porém ao matrimônio, que o adultério acrescenta à fornicação simples e que causa o divórcio, mais gravemente peca a mulher que o homem, como do sobre dito se colhe. E como isto é mais grave que a simples fornicação, por isso, simplesmente falando, e em igualdade de condições, mais grave é o pecado da adúltera que o do adúltero.
RESPOSTA À SEXTA. ─ Embora o governo que o marido tem sobre a mulher, seja uma circunstância agravante, contudo, a circunstância da lesão do matrimônio, que muda a espécie do pecado, torna-o por isso mais grave; pois essa lesão fá-lo transformar-se numa espécie de injustiça, porque introduz uma prole espúria, furtivamente.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que o marido pode, por juízo próprio, repudiar a esposa que fornicou.
1. Pois, a sentença proferida por um juízo podemos executá-la sem necessidade de nenhum outro juízo. Ora, Deus, juiz justo, proferiu a sentença em virtude da qual o marido pode, por causa de fornicação, repudiar a esposa. Logo, não é necessário, para tal nenhum outro juízo.
2. Demais, ─ O Evangelho diz, que José, como era justo, resolveu deixar secretamente a Maria. Logo, parece que o marido pode resolver a separação ocultamente, sem o juízo da Igreja.
3. Demais. ─ Se o marido, depois de saber da fornicação da mulher, cumprir para com ela o dever conjugal, perde a ação que contra ela tinha. Logo, a denegação de cumprir o dever conjugal, causa de separação, deve preceder ao juízo da Igreja.
4. Demais. ─ O que não pode ser provado não pode ser trazido ao juízo da Igreja. Ora, o olho do adúltero observa a escuridade, ao dizer da Escritura. Logo, não deve a referida separação ser trazida perante o juízo da Igreja.
5. Demais. ─ Uma acusação deve ser precedida da inscrição pela qual se obriga à pena de crime da fornicação não pode ser provado, porque talião quem não conseguir, provar a acusação. Ora, tal não é possível nesta matéria; pois, qualquer que fosse o resultado do processo, o marido conseguiria o seu intento, quer devesse repudiar a esposa, quer a esposa repudiar a ele. Logo, não deve tal acusação ser trazida perante o tribunal da Igreja.
6. Demais. ─ Mais obrigado está o marido para com a mulher que para com um estranho. Ora, não devemos deferir ao juízo da Igreja o crime alheio, mesmo de um estranho, senão depois de termos feito advertência em segredo, como esta claro no Evangelho. Logo, muito menos deve o marido deferir à Igreja o crime da esposa, sem primeiro tê-la advertido particularmente.
Mas, em contrário. ─ Ninguém deve ser juiz em causa própria. Ora o marido, que por arbítrio próprio demitisse a esposa prevaricadora, seria juiz em causa própria. Logo, isso não lhe deve ser permitido.
2. Demais. ─ Ninguém pode ser autor e juiz numa mesma causa. Ora, o marido é o autor queixoso de uma ofensa que sua mulher lhe fez. Logo, não pode ser também juiz. E assim, não deve repudiá-la por arbítrio próprio.
SOLUÇÃO. ─ O marido pode repudiar a mulher de dois modos. ─ Primeiro, só quanto ao tóro. E então pode fazê-lo, por juízo próprio, desde que lhe souber da infidelidade. Nem fica obrigado a cumprir para com ela o dever conjugal, quando dele o exigir, salvo se a Igreja lh'o impuser. E neste último caso, o cumprimento desse dever não lhe causa nenhum dano. ─ De outro modo, quando ao tóro e à coabitação. E então não na pode repudiar senão por juízo da Igreja. E se proceder diferentemente, deve ser compelido à coabitação, salvo se lhe puder provar imediatamente o fato da infidelidade. E esse repúdio se chama divórcio. Donde devemos concluir que este não pode ser decretado senão por juízo da Igreja.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Uma sentença é a aplicação do direito comum a um fato particular. Por isso, o Senhor promulgou o direito, de acordo com o qual deve ser formulada a sentença no juízo.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ José quis deixar a Maria, não pela suspeita de infidelidade, mas por lhe respeitar a santidade, temendo coabitar com ela. ─ Mas o símile não colhe. Porque nesse tempo o adultério não só dava lugar ao divórcio, mas além disso, à lapidação. Não porém agora, no processo perante o tribunal da Igreja.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Deduz-se do que foi dito.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Pode o marido, suspeitando a esposa de adultério, vigiá-la a fim de com testemunhas, apanhá-la em flagrante delito de adultério e poder depois proceder à acusação. ─ Além disso, se o fato não puder ser provado, pode haver dele suspeitas veementes, provadas as quais, provado também ficará o adultério; assim, se foi encontrada a sós com um homem, em horas e lugar suspeitos, e estando ambos despidos.
RESPOSTA À QUINTA. ─ De dois modos pode o marido acusar a esposa de adultério. ─ Primeiro, perante o juízo espiritual, com o fim de obter a separação do toro. E então não é preciso que se obrigue de ante-mão e por escrito à peça de talião; porque seria isso conseguir exatamente o seu intento, como a objeção o prova. Outro fim seria a punição do crime em juízo secular. De outro modo, há de proceder a inscrição, pela qual se obriga à pena de talião, se não puder provar a acusação.
RESPOSTA À SEXTA. ─ Como determina uma decretal, pode proceder-se de três modos, no juízo criminal. Primeiro, por inquisição, que deve ser precedida do rumor público insinuativo da existência, o que tem lugar de acusação. Segundo, por acusação, que deve ser precedida pela inscrição. Terceiro, pela denúncia, a que deve preceder a correção fraterna. Ora, as palavras do Senhor se entendem, aplicáveis quando se procede por via de denúncia, e não por via de acusação; por que então o fim não é só a correção do delinquente, mas também a punição, com o fito de conservar o bem comum, que pereceria com a falta de justiça.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que a mando esta obrigado por lei a repudiar a esposa que fornicou.
1 . Pois o marido, sendo chefe da mulher, esta obrigado a corrigi-la. Ora, a rotura do laço conjugal foi permitida para a correção da esposa, prevalecedora. Logo, está o marido obrigado a separar-se dela.
2. Demais. ─ Quem consente em que outro peque mortalmente também mortalmente peca. Ora, o marido, que consente em coabitar com a esposa infiel, consente no pecado dela, como diz o Mestre. Logo, peca se não na arreda de si.
3. Demais. ─ O Apóstolo diz: O que se ajunta com a prostituta jaz um mesmo corpo com ela. Ora, ninguém pode ser ao mesmo tempo membro de uma prostituta e de Cristo, como no mesmo lugar se diz. Logo, o marido, consentindo em coabitar com a esposa infiel, deixa de ser membro de Cristo, por pecar mortalmente.
4. Demais. ─ Assim como o parentesco impede o vínculo matrimonial, assim a infidelidade separa do toro. Ora, o marido, se depois de saber o parentesco que tem com sua mulher, consentir em ter conjunção carnal com ela, peca mortalmente. Logo, mortalmente também peca, se o consentir depois de saber que ela fornicou.
Mas, em contrário, diz a glosa, que o Senhor permitiu ao marido repudiar a esposa, por causa de fornicação. Logo, não o estabeleceu como preceito.
2. Demais. ─ Todos podemos perdoar a quem contra nós pecou. Ora, a mulher prevaricando, pecou contra o marido. Logo, este pode perdoá-la deixando de a repudiar.
SOLUÇÃO. ─ O repúdio da mulher que prevaricou foi permitido para, como pena, corrigi-la do pecado. Ora, uma pena corretiva não pode aplicar-se onde não há possibilidade de emenda. Logo, se a mulher fizer penitência do pecado, não está o marido obrigado a repudiá-la. Esta porém obrigado, se ela não se penitenciar dele, a fim de não parecer consentir nele, por não lhe aplicar a correção devida.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O pecado de fornicação cometido pela mulher pode ser castigado, não somente pela pena referida, mas também por palavras e açoites. Por onde, se está disposta a aceitar outras correções, não está o marido obrigado a castigá-la com a referida pena.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Então é o marido considerado como consenciente no pecado da mulher, quando continua a coabitar com ela sem que ela deixe o pecado passado. Mas, desde que se emendou, não mais pode ser considerado como dando o seu consentimento.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Desde que sua mulher se penitenciou da prevaricação, em que caiu, não pode ser considerada meretriz. Portanto o marido, unindo-se com ela, não se torna membro de uma meretriz. ─ Ou podemos responder que não se une com ela como meretriz, mas como esposa.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Não há símile. Porque o parentesco faz com que não possa haver entre as partes o vínculo conjugal; portanto, torna-se ilícita a cópula carnal. Ao contrário, a fornicação não elimina o referido vínculo. Logo, o ato em si mesmo considerado, permanece lícito; e só acidentalmente será ilícito, enquanto o marido consente na torpeza da esposa.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Essa permissão se deve entender como significando a privação da proibição. E assim não está em oposição com nenhum preceito, pois também o objeto de um preceito não constitui uma proibição.
RESPOSTA À SEXTA. ─ A mulher não peca tanto contra o marido, como contra si mesma e contra Deus. Logo, o marido não pode perdoar totalmente a pena, sem que se ela emende.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que por causa de fornicação não é lícito ao marido repudiar a esposa.
1. Pois, não devemos pagar o mal com o mal. Ora, o marido, repudiando a esposa por causa de fornicação, paga o mal com o mal. Logo, não lho é lícito.
2. Demais. ─ Mais grave era o pecado de fornicação de ambos, que de um só. Ora, a fornicação de ambos não pode dar lugar à separação. Logo, nem a de um só.
3. Demais. ─ A fornicação espiritual e certos outros pecados são mais graves que a fornicação carnal. Ora, aquela não pode ser causa de rotura do laço conjugal. Logo, nem a fornicação carnal.
4. Demais. ─ O vício contra a natureza é mais contrário aos bens do matrimônio que a fornicação, que se pratica de acordo com a natureza. Logo, devia ser, mais que a fornicação, causa de separação.
Mas, em contrário, o Evangelho.
2. Demais. ─ Para com quem quebra a fidelidade prometida ninguém está obrigado a ser fiel. Ora, a mulher que fornica quebra a fé devida ao outro cônjuge. Logo, este pode repudiá-la por causa de fornicação.
SOLUÇÃO. ─ O Senhor permitiu repudiar a mulher por causa de fornicação, como pena à mulher da fé quebrada e como favor ao marido que se conservou fiel; de modo que o cônjuge fiel não mais está obrigado a cumprir para com o infiel o dever conjugal. Por isso se excetuam sete casos nos quais não é lícito ao marido repudiar a esposa infiel, nos quais ou a mulher fica isenta de culpa eu ambos são atualmente culpados. ─ O primeiro é quando também o marido fornicou. ─ O segundo, se prostituiu a esposa. ─ O terceiro, quando a mulher, crendo com probabilidade que o marido morreu, fundada na sua longa ausência, casou com outro. ─ O quarto, se teve relações com um homem que, sob a figura de ser marido, e sem que ela o soubesse, lhe participou do leito. ─ O quinto, se assim procedeu oprimida pela violência. ─ Sexto, se o marido, depois de ter ela adulterado, se reconciliou tendo relações carnais com ela. ─ O sétimo se, tendo sido o matrimônio contraído entre dois cônjuges infiéis, o marido mano dou libelo de repúdio à mulher e esta se casou com outro; pois então, se ambos se converterem, está obrigado o marido a recebê-la.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O marido que repudiar a mulher, que fornicou, levado pela vingança, peca. Se porém a repudiou para não parecer participante do seu crime, ou para corrigir o pecado da mulher, ou para evitar a incerteza da prole, não peca.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A separação por causa de fornicação se processa acusando um cônjuge ao outro. E como ninguém pode acusar, que cometeu o mesmo crime, quando ambos fornicaram a separação não pode ter lugar; embora seja maior pecado contra o matrimônio a fornicação de ambos que a de um só.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A fornicação vai diretamente contra o bem do matrimônio, porque elimina a certeza da prole, quebra a fé conjugal e o simbolismo, porque então um dos cônjuges repartiu com várias outras pessoas a sua carne. Por isso os outros crimes, embora talvez mais graves que a fornicação, não causam contudo a separação. Mas como a infidelidade, chamada fornicação espiritual, também vai contra o bem do matrimônio, que é educar os filhos para o culto de Deus, também ela causa a separação. Diferentemente porém da fornicação corporal. Porque um só ato de fornicação carnal basta para justificar a separação, mas não um só ato de infidelidade; pois esta deve ser habitual e assim reveladora da pertinência, que dá à infidelidade toda a sua plenitude.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Também o vício contra a natureza pode ser causa de separação. Mas dele não se faz menção entre as causas de separação, tanto por ser uma paixão nefanda, como por ser rara a sua prática quer porque não causa nenhuma incerteza em relação à prole.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que uma mulher não pode casar com outro, por ter o seu marido entrado em religião, antes da cópula carnal.
1. Pois, o que pode coexistir com o matrimônio não rompe o vínculo matrimonial. Ora, o vínculo matrimonial ainda perdura entre os que professavam, por voto igual, em religião. Logo, o entrar um em religião não o absolve do vínculo matrimonial. Mas, enquanto esse vínculo liga a um, não pode a mulher casar com outro. Logo, etc.
2. Demais. ─ O homem, depois de entrado em religião, pode, antes da profissão, voltar ao século. Se pois, uma mulher pode casar com outro, tendo o marido entrado em religião, também ele poderá casar com outra, voltando ao século. O que é absurdo.
3. Demais. ─ Pela nova decretal, a profissão feita antes de um ano é considerada nula. Logo, se depois de uma tal profissão, o marido voltar a viver com a mulher, está obrigada esta a recebê-lo. Portanto, nem pela entrada do marido em religião, nem pelo voto, é dado à mulher o poder de casar com outro.
Mas, em contrário. ─ Ninguém pode obrigar outrem a praticar obras de perfeição. Ora, a continência é uma obra de perfeição. Logo, não pode a mulher ficar adstrita à continência, pelo fato de seu marido entrar em religião. E portanto, pode casar com outro.
SOLUÇÃO. ─ Assim como a morte corporal do marido dissolve o vínculo matrimonial, a ponto de poder a mulher casar com quem quiser, na expressão do Apóstolo, assim também depois da morte espiritual do marido, pelo ingresso em religião, poder ela casar com quem quiser.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Quando cada um dos cônjuges faz por igual o voto de continência então nenhum renuncia ao vínculo conjugal que, por isso, continua a subsistir. Mas quando um só o fez, então de sua parte renuncia a esse vínculo. Logo, também o outro fica liberado do mesmo.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Não se entende morto ao século pelo ingresso em religião quem ainda não emitiu os votos. Logo, até esse tempo está obrigada a esposa a esperar, para se decidir.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Da profissão assim feita antes do tempo determinado pelo direito, devemos fazer o mesmo juízo que do voto simples. Por onde, assim como, depois do voto simples do marido, a mulher não mais está adstrita para com ele ao dever conjugal, contudo nem por isso teria ela o poder de casar com outro ─ assim o mesmo se dá no caso vertente.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que não o pode, nem mesmo antes da cópula carnal.
1. Pois, a indivisibilidade do matrimônio resulta de ser ele um sacramento, i é, como significativo da perpétua união entre Cristo e a Igreja. Ora, antes da cópula carnal e depois do consentimento, expresso por palavras de presente, existe verdadeiramente o sacramento do matrimônio. Logo, não pode haver nenhuma divisão pelo fato de entrar um em religião.
2. Demais. ─ Pelo próprio consentimento expresso por palavras de presente, um dos cônjuges transfere para o outro poder sobre o seu corpo. Logo, pode um exigir o cumprimento do dever conjugal quando o quiser, do outro, que a tal esta obrigado. Logo, não pode um entrar em religião, contra a vontade do outro.
3. Demais. ─ O Evangelho diz: não separe o homem o que Deus ajuntou. Ora, a união existente, mesmo antes da cópula carnal, se funda na lei divina. Logo, não pode ser dissolvida por vontade humana.
Mas, em contrário, segundo Jerônimo, Deus chamou a João para seu discípulo, apesar de casado.
SOLUÇÃO. ─ Antes da cópula carnal entre os cônjuges só existe um vínculo espiritual; depois, porém, há também um vínculo carnal. Por onde, assim como depois da cópula carnal o matrimônio fica dissolvido pela morte carnal, assim também dissolvido fica pelo ingresso em religião, antes da cópula carnal. Porque a religião é uma morte espiritual, pela qual se morre ao século, a fim de viver para Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O matrimônio, antes da cópula carnal, significa a união entre Cristo e a alma, pela graça. União que fica dissolvida pela disposição contrária resultante do pecado mortal. Mas depois da cópula carnal simboliza a união entre Cristo e a Igreja pela assunção da natureza humana na unidade de pessoa; e essa união é absolutamente indivisível.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Antes da cópula carnal não houve absolutamente transferência do corpo de um para o poder de outro, mas só condicional: salvo se um dos cônjuges convolar à perfeição de uma vida melhor. Pela cópula carnal, porém a referida transferência se perfaz; porque então entra cada um na posse corpórea do poder que lhe foi conferido. Por onde, mesmo antes da cópula carnal não há obrigação de cumprir o dever conjugal, depois de contraído o matrimônio por palavras de presente; mas é dado ao cônjuge que quer entrar em religião o tempo de dois meses, por três razões. Primeiro, para poder nesse ínterim deliberar se deve entrar ou não. Segundo, para preparar o necessário às solenidades nupciais. Terceiro, a fim de o marido não julgar de pouco preço uma esposa, pela qual não suspirou dilatadamente.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A união matrimonial, antes da cópula carnal, é, certo, perfeita quanto ao seu ser primeiro; mas não consumada, quanto ao ato segundo, que é uma operação, e é assimilada à posse corpórea. Por onde, não tem omnimoda indivisibilidade.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que um dos cônjuges, mesmo depois da cópula carnal, pode, contra a vontade do outro, entrar em religião.
1. Pois, a lei divina deve ser mais favorável às causas espirituais que a lei humana. Ora,a lei humana o permite. Logo e com maior razão, também a lei divina deve permiti-lo.
2. Demais. ─ Um bem menor não pode impedir um maior. Ora, o estado do matrimônio é menor bem que o de religião, como o diz o Apóstolo. Logo, pelo matrimônio não deve o homem ficar impedido de poder entrar em religião.
3. Demais. ─ Toda religião supõe um matrimônio espiritual. Ora, é permitido passar de uma religião mesmo rigorosa para outra mais rigorosa. Logo, também deve ser lícito deixar o matrimônio carnal, de jugo menos pesado, pelo matrimônio espiritual, de mais pesado jugo, mesmo contra a vontade da mulher.
Mas, em contrário, como ensina o Apóstolo, os esposos não devem nem mesmo vacar à oração, sem ser que se abstenham de usar o matrimônio, com mútuo consentimento.
2. Demais. ─ Ninguém pode fazer licitamente o que contraria a outro, sem a vontade deste. Ora, o voto de religião, emitido por um dos cônjuges, redunda em prejuízo do outro, porque um tem poder sobre o corpo do outro. Logo, não pode um emitir o voto de entrar em religião, sem o consentimento do outro.
SOLUÇÃO. - Ninguém pode fazer oblação a Deus do bem alheio. Por onde, como pelo matrimônio consumado o corpo do marido passou a pertencer à mulher, não pode sem o consentimento dela oferecê-lo a Deus, pelo voto de continência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A lei humana considera o matrimônio só enquanto lei da natureza. Ora, a lei divina o considera como sacramento, que lhe confere a sua omnímoda indivisibilidade. Logo, não há símile.
RESPOSTA À SEGUNDA. - Nenhum inconveniente há em um bem maior ficar impedido por um menor, que o contrarie; assim como o bem pode ficar impedido pelo mal.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Em toda religião o matrimônio é contraído com a só pessoa de Cristo, para com quem, contudo, uma religião impõe maiores obrigações que outra. Ao contrário, o matrimônio carnal não é feito com a mesma pessoa com que o é o espiritual. Logo, o símile não colhe.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que o uxoricídio não impede o matrimônio.
1. Pois, mais diretamente se opõe o adultério ao matrimônio, que o homicídio. Ora, o adultério não impede o matrimônio. Logo, nem o uxoricídio.
2. Demais. ─ É mais grave pecado matar a mãe que a esposa; pois não sendo nunca lícito açoitar a própria mãe, o é açoitar a esposa. Ora, matricídio não impede o matrimônio. Logo, nem uxoricídio.
3. Demais. ─ Mais gravemente peca quem, por causa de adultério, mata a esposa alheia, que quem mata a própria esposa; porque não teria excusa de uma paixão cega, nem tem o direito de corrigir a mulher dos outros. Ora, quem mata a esposa alheia não fica impedido do matrimônio. Logo nem quem mata a própria.
4. Demais. ─ Removida a causa, removido fica o efeito. Ora, o pecado de homicídio pode ser removido pela penitência. Logo, também o impedimento ao matrimônio que ele causa. Portanto, parece que depois de feita penitência, não perdura a proibição de contrair casamento.
Mas, em contrário, dispõe um cânone: Os assassinos de suas esposas deverão fazer penitência e não mais poderão casar-se.
2. Demais. ─ Por onde alguém peca por aí também deve ser punido. Ora, peca contra o matrimônio quem mata a esposa. Logo, deve ter como punição ficar privado do matrimônio.
SOLUÇÃO. ─ O uxoricídio, pela legislação da Igreja, impede o matrimônio. ─ Umas vezes porém impede apenas de contraí-lo, sem anular o que já o foi; assim, quando por causa de adultério ou levado do ódio, o marido mata a esposa. Contudo, se houver receio que não guarde continência, pode a Igreja dispensá-lo e permitir que se case de novo. ─ Outras vezes porém dirime o casamento já contraído; assim, quando o marido mata a esposa, para casar com aquela com quem vive em adultério. Então se torna absolutamente incapaz de casar com esta, e se o fizer, nulo será o casamento. Mas isso não no torna incapaz, absolutamente falando, de casar com qualquer outra mulher. E assim, casando com outra, embora peque por proceder contra a lei da Igreja, contudo não fica por isso anulado o casamento contraído.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O homicídio e o adultério em certos casos impedem matrimônio de vez contraído e o anulam se já foi; tal o que se dá com o uxoricídio, como acabamos de dizer e com o adultério, de que já tratamos. ─ Ou devemos responder, que o uxoricídio é contra a essência do casamento, mas o adultério é contra a fidelidade conjugal que ele implica. Mas, o adultério não se opõe mais diretamente ao matrimônio, do que o uxoricídio. Logo, a objeção procede de bases falsas.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Absolutamente falando, mais grave pecado é matar a própria mãe, que a esposa, e mais contrário à natureza; porque naturalmente respeitamos a nossas mães. Por isso, é mais desnaturado o matricida que o uxoricida. E é para reprimir qualquer tentação de uxoricídio, que a Igreja proibiu o casamento aos culpados desse crime.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Quem mata a mulher de outro não peca contra o matrimônio, como quem matou a própria esposa. Logo, o símile não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Delida a culpa daí não decorre necessariamente que fique delida toda a pena, como bem o mostra a irregularidade. Pois, a penitência não restitui o pecador à sua dignidade primeira, embora possa restituir-lhe o esta do anterior de graça, como dissemos.