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Blog de admin

Videomensagem de Dom Carlo Maria Viganó

Novembro 6, 2021 escrito por admin

VÍDEO MENSAGEM DE DOM CARLO MARIA VIGANÓ POR OCASIÃO
de uma manifestação organizada pela Associação "No Paura Day"

15 de Outubro, Turim

 

Vocês se encontram reunidos, em grande número, nesta praça de Turim, enquanto milhares de pessoas ao redor do mundo manifestam sua oposição ao estabelecimento de uma tirania global. Milhões de cidadãos de todas as nações, sob o silêncio ensurdecedor da mídia, vêm gritando seu “não” há meses. Não à loucura pandêmica, não aos confinamentos, não aos toques de recolher, não à vacinação compulsória, não ao passaporte sanitário ou à chantagem de um poder totalitário à serviço das elites. Um poder que se mostra intrinsecamente mau, movido por uma ideologia infernal e motivado por objetivos criminosos. Um poder que agora declara ter quebrado o pacto social e já não nos considera como cidadãos, e sim como escravos de uma ditadura, hoje sanitária, amanhã ecológica.

Este poder está tão convencido de ter conseguido seu golpe de Estado silencioso que descaradamente nos lança não só a ideologia que o move, mas também a religião que o inspira. Hoje, no Quirinal – o palácio que já foi residência dos Soberanos Pontífices na cidade de Roma – foi inaugurada uma exposição emblemática intitulada O Inferno, marcada pela exposição da Porte de l'Enfer, uma escultura de Auguste Rodin, produzida entre 1880 e 1890. Esta obra destinava-se à entrada do Museu de Artes Decorativas de Paris, e o seu esboço foi também apresentado na Exposição Universal de 1900, para selar o carácter maçónico e anticatólico deste evento. E há anos, no Coliseu, encontra-se o ídolo de Moloque, dos sets do filme Cabiria. O demônio devorador de crianças, a porta do inferno inspirada nas Fleurs du mal de Charles Baudelaire, há poucos dias o Festival da Blasfêmia em Nápoles. Na cidade de São Januário, cartazes com horríveis blasfêmias contra Deus foram colocados – com a permissão da Câmara Municipal – para celebrar a liberdade de pensamento e de expressão, insultando Nosso Senhor.

Eles nos dizem claramente: são servos do diabo e, como tais, pretendem se afirmar, serem respeitados e propagar suas ideias. Não só isso, mas em nome de um poder usurpado – um poder que, segundo a Constituição, deveria pertencer ao povo – eles exigem nossa obediência até a automutilação, a privação dos direitos mais básicos e a supressão de nossa identidade.

Esses cortesãos do poder, que ninguém elegeu e que devem sua nomeação à elite globalista que os usa como cínicos executores de suas ordens, desde 2017 vêm declarando em alto e bom som que tipo de sociedade desejam alcançar. Nos documentos relativos à Agenda 2030, que podem ser encontrados no site do Fórum Econômico Mundial, está escrito: “Não tenho nada, não tenho privacidade e a vida nunca foi tão boa.” A propriedade privada, no plano dos globalistas promovidos por Klaus Schwab e Rothschild, deverá ser abolida e substituída por uma renda universal que nos permita alugar uma casa, sobreviver, comprar o que as elites decidirem nos vender, talvez até mesmo o ar que respiramos e a luz do sol.

Este não é um pesadelo distópico: é exatamente o que eles se preparam para fazer, e não é por acaso que durante estas semanas ouvimos falar de revisão de estimativas cadastrais e incentivos à renovação de edifícios. Primeiro, nos endividam com a ideia de restaurar nossa casa, depois os bancos as tomam e as alugam para nós. O mesmo vale para o trabalho: hoje nos dizem que podemos trabalhar se tivermos um passaporte sanitário, uma aberração legal que usa a pandemia para nos controlar, para acompanhar cada movimento nosso e decidir se, onde e quando podemos entrar ou sair. Nesta Agenda 2030, também existe o dinheiro eletrônico, é claro, com a obrigatoriedade de compra e venda com cartão vinculado ao passaporte e ao crédito social. Porque a emergência sanitária e ecológica, agora iminente, legitima os governos a criar um sistema de avaliação de nosso comportamento, como o que já existe na China e na Austrália. Cada um de nós terá uma determinada pontuação, e se não formos vacinados, se comermos muita carne ou se não usarmos carro elétrico, pontos serão subtraídos e não poderemos utilizar determinados serviços, tomar o avião ou o trem de alta velocidade, ou teremos que pagar pelos nossos próprios cuidados de saúde, ou nos resignar a comer baratas e minhocas para recuperar a pontuação que nos permitiria viver. Repito: estes não são os pressupostos de nenhum “teórico da conspiração” mas sim fatos que já estão a acontecer [...].

Mas se hoje é possível nos impedir de trabalhar só porque não nos submetemos a uma regra ilegítima, discriminatória e vexatória, o que impedirá esses tiranos de decidir amanhã que não teremos acesso a restaurantes ou ao local de trabalho se participarmos de manifestações não autorizada, ou escrevermos algo em uma rede social a favor do tratamento precoce, contra a ditadura ou a favor de quem protesta contra a violação de nossos direitos? O que os impedirá de apertar um botão e nos restringir do uso do nosso dinheiro, só porque não somos membros de tal partido ou não veneramos a Mãe Terra, o novo ídolo verde, adorado até por Bergoglio?

Eles querem nos privar dos próprios meios de subsistência, forçando-nos a ser o que não queremos ser, a viver como não queremos viver, a acreditar no que consideramos uma heresia blasfema.

“É preciso ser inclusivo”, dizem-nos; mas em troca são agressivos contra nós, discriminando-nos porque queremos ter saúde, porque consideramos normal que a família seja composta por um homem e uma mulher, porque queremos preservar a inocência dos nossos filhos, porque não queremos matar as crianças no ventre de suas mães ou os idosos e enfermos em suas camas de hospital.

“O nosso modelo de sociedade funda-se na fraternidade”, asseguram-nos; mas nessa sociedade só se pode ser irmão negando e blasfemando o Pai comum. É por isso que vemos tanto ódio contra Nosso Senhor, Nossa Senhora e os Santos. É por isso que, a pretexto de festejar o Poeta Supremo, não fazemos uma exposição sobre o Céu, mas sobre o Inferno, que se tornou o lugar a desejar e a realizar na terra.

"Respeitamos todas as culturas e tradições religiosas", especificam, e é verdade que todos os ídolos e superstições têm seu lugar no Panteão ecumênico da nova religião universal desejada pela Maçonaria e pela Igreja Bergogliana. Mas só há uma religião que está banida de lá: a religião verdadeira que Nosso Senhor transmitiu aos apóstolos, e que a Igreja nos propõe. É verdade que, no caldeirão globalista, todas as culturas são bem-vindas, exceto a nossa: a barbárie da poligamia, a grosseria, a incivilidade, a obscenidade, tudo que é feio e obsceno e ofensivo tem o direito de se apresentar e se impor; ao mesmo tempo - com a maior coerência - a civilização, a verdadeira cultura, os tesouros da arte e da literatura, os testemunhos de nossa Fé traduzidos em igrejas, monumentos, pinturas, música devem ser banidos para que não haja comparação, nenhum termo de comparação que mostre quão horrível é o mundo sonhado por essas pessoas e quão preferível aquele que nos fazem negar e desprezar.

A mentira reina e não há cidadania para a verdade. Verificamos isso nos últimos meses, quando o mainstream fez a cobertura da pandemia censurando quaisquer vozes dissidentes; e até hoje quem discorda do Sistema é não apenas ridicularizado e desacreditado, mas criminalizado, tachado de inimigo público, feito parecer um louco a quem impor o TSO. Esses são os meios que cada regime totalitário usou contra oponentes políticos e religiosos. Tudo se repete diante de nossos olhos de forma muito mais sutil e escorregadia. Por outro lado, quem se inclina para o tirano oferecendo-lhe a sua lealdade é elogiado publicamente, como vemos em todos os programas de televisão, e se torna uma espécie de referência.

Nosso protesto contra o passaporte verde não deve se limitar a este evento específico, por mais ilegítimo e discriminatório que seja, mas devemos procurar ter uma visão mais ampla, identificar os objetivos da ideologia globalista; quem são os responsáveis ​​por este crime contra a humanidade e contra Deus; quem são os cúmplices e quem são os nossos possíveis aliados. Se não compreendermos a ameaça a todos nós, limitando-nos a protestar contra um – ainda que macroscópico – pormenor de todo o projeto, não seremos capazes de opor uma resistência forte e corajosa. Uma resistência que deve basear-se não na simples exigência de liberdade – por mais legítima que seja – mas na orgulhosa e altiva exigência de respeito pela nossa identidade, pela nossa cultura, pela nossa civilização e pela nossa fé que fez a grandeza da Itália e que animou todas as expressões da vida do nosso País, das mais humildes às mais sublimes.

O passaporte é apenas mais um passo em direção àquela porta do inferno em exibição hoje no Quirinal, como uma indignação desavergonhada de quem se considera irremovível e se beneficia de proteções poderosas.

Não temos os bilhões de Soros ou Bill Gates; não temos fundações filantrópicas, nem subornamos políticos para que se tornem nossos aliados; não temos redes de televisão ou redes sociais para compartilhar nossas ideias; não somos organizados como os apoiadores do Great Reset e não formulamos hipóteses de pandemia ou cenários econômicos.

Mas, apesar de nossa aparente fraqueza; apesar de não conseguirmos sequer ganhar visibilidade na televisão ou nas redes sociais; apesar do fato de sermos desorganizados e relutantes em nos manifestar e protestar – já que esse sempre foi o domínio de revolucionários profissionais e anarquistas de esquerda – ainda assim temos algo que eles não têm. Temos Fé, a certeza da promessa de Nosso Senhor: "As portas do inferno não prevalecerão". Somos animados por uma força interior que não é nossa, e que lembra a coragem serena com que os cristãos perseguidos enfrentaram a perseguição e o martírio. Uma força que assusta os sem coração, que aterroriza aqueles que servem a uma ideologia de morte e mentiras, aqueles que sabem que estão do lado dos eternamente vencidos.

Esquecem, esses miseráveis ​​servos da Nova Ordem, que sua utopia, mesmo uma distopia infernal, repele a todos nós, justamente porque não considera que não somos feitos de circuitos eletromagnéticos, mas de carne e osso., Paixões, afetos, atos de generosidade e heroísmo. Porque somos humanos, criados à imagem e semelhança de Deus. Mas isso os demônios não podem entender: é por isso que eles falharão miseravelmente.

Aos Portões do Inferno de Rodin, respondemos com o Janua Coeli, o Portão do Céu, o título pelo qual invocamos a Santíssima Virgem. Que ela, que esmaga no Apocalipse a cabeça da antiga serpente, seja nossa Rainha e a Senhora da Guerra, para o triunfo de seu Imaculado Coração.

E para que neste dia, em que se manifesta publicamente e com coragem contra a tirania iminente, não seja estéril e desprovido de luz sobrenatural, convido a todos a rezarem comigo com as palavras que o Senhor nos ensinou. Façamo-lo com fervor, com ímpeto de caridade, invocando a proteção de Nosso Senhor e de sua Mãe Santíssima sobre todos nós, nas nossas famílias, na nossa pátria e no mundo inteiro: Pai nosso, que estás nos céus...

 

+ Carlo Maria Viganò, arcebispo

Duas histórias sobre o Padre Pio e as almas do purgatório

Novembro 2, 2021 escrito por admin

Pe. Thierry Gaudray, FSSPX

Em maio de 1922, em uma noite de inverno após uma forte nevasca, o Padre Pio sentava-se junto à lareira do calefatório, absorto em oração, quando um homem idoso, vestindo um casaco antiquado ainda usado pelos camponeses do sul da Itália naquele tempo, sentou-se ao seu lado. Sobre o homem, Padre Pio declarou: “Não conseguia imaginar como poderia ter entrado no convento àquela hora da noite, porque todas as portas estavam fechadas.” Perguntei a ele: "Quem é você? O que quer? "

O velho respondeu: “Padre Pio, chamo-me Pietro Di Mauro, sou filho do Nicola, apelidado de Precoco”. Ele prosseguiu: “Eu morri neste convento no dia 18 de setembro de 1908, na cela número 4, quando ainda era um asilo. Uma noite, enquanto estava na cama, adormeci com um charuto aceso, que ateou fogo ao colchão e morri sufocado e queimado. Ainda estou no purgatório e preciso que uma Santa Missa para ser liberado. Deus me permitiu vir ao seu encontro e pedir sua ajuda. "

Depois de ouvi-lo, Padre Pio respondeu-lhe: "Fique tranquilo que amanhã celebrarei a missa pela sua libertação”. Padre Pio se levantou e acompanhou-o até a porta do convento. Ele percebeu que a porta estava fechada e trancada: abriu e disse adeus. A lua iluminou a praça coberta de neve. Padre Pio sentiu medo quando o homem desapareceu sem deixar vestígios. Fechou a porta e voltou para o calefatório, onde explicou aos colegas o que acabara de lhe suceder.

Poucos dias depois, o Padre Pio também contou a história ao Padre Paolino, e ambos decidiram ir à prefeitura, onde consultaram os registros civis do ano de 1908 e descobriram que, em 18 de setembro daquele ano, um certo Pietro Di Mauro havia de fato morrido de queimaduras e asfixia no quarto número 4 do convento, então usado como abrigo para moradores de rua.

*  *  *

O Padre Pio contou essa história ao Padre Anastasio. “Uma noite, enquanto rezava sozinho no coro, ouvi o farfalhar de um hábito e vi um jovem monge parado perto do altar-mor. Pareceu-me que o jovem monge espanava os candelabros e endireitava os vasos de flores. Pensei que fosse o Padre Leone quem estava a arrumar o altar e, como era hora da ceia, fui vê-lo e disse-lhe: "Padre Leone, vá jantar, não é hora de tirar o pó e endireitar o altar ”. Mas uma voz que não era a do Padre Leone respondeu: "Não sou o Padre Leone". "E quem é você?” Perguntei-lhe.

“Sou um dos seus irmãos que fez o noviciado aqui. Recebi a ordem de limpar o altar durante o ano do noviciado. Infelizmente, várias vezes não fiz a genuflexão a Jesus ao passar pelo altar, desrespeitando o Santíssimo Sacramento guardado no tabernáculo. Por causa dessa grave negligência, ainda estou no purgatório. Ora, Deus, na Sua infinita bondade, enviou-me ao senhor para que apresse a chegada do momento em que desfrutarei do Paraíso. Cuide de mim!” Acreditando ser generoso com esta alma sofredora, exclamei: “Amanhã de manhã estarás no céu, quando celebrarei a Santa Missa”. Essa alma exclamou: “Como o senhor é cruel!” Então chorou e foi-se embora. Essa reclamação produziu uma ferida em meu coração que senti e sentirei pelo resto da minha vida. Na verdade, poderia ter enviado imediatamente esta alma para o Céu, mas a condenei a ficar mais uma noite nas chamas do Purgatório."

 

(La Sainte-Anne 337)

 

 

O Rosário e a Liturgia

Outubro 16, 2021 escrito por admin

Dom Pius Parsch

Costumam censurar-nos, a nós, os amigos da liturgia, de fazer pouco caso da devoção do Rosário (ou Terço). Será exata essa acusação?

Principiemos por estabelecer uma distinção de princípio: a oração das Horas e a Missa, são ofícios litúrgicos, isto é, do culto público da Igreja. O rosário é uma oração particular, uma devoção particular, que é sem dúvida aprovada e recomendada pela Igreja. Ora, uma oração litúrgica tem direito a uma maior consideração que uma oração particular. Eis aí o princípio. Trata-se de duas coisas inteiramente diferentes. Mas, posto isto, o rosário não deve ser desprezado, em absoluto. De mais, nós, os adeptos da liturgia, combatemos o costume espalhado em certos países de recitar o rosário durante a missa, pois queremos que todos os fiéis tomem tanto quanto possível parte integrante no Santo Sacrifício, coisa que certamente não se pode dar, se se rezar nesse mesmo tempo do ofício uma oração diferente como é o rosário.

A Missa é um Sacrifício e um ato, enquanto o Rosário é uma meditação e uma oração. Não negamos certamente que o rosário possa ser uma boa preparação e um excelente complemento da Missa. A essência dos mistérios do rosário é a "vida, a morte e a ressurreição" do Senhor, e portanto, a obra redentora do Cristo que a Missa representa. Mas, podemos ainda estabelecer um ponto de contato entre o rosário e a liturgia. É ainda hoje chamado o saltério de Maris. As 150 Ave-Marias, de que ele se compõe, são para muitos um sucedâneo resumido da oração das Horas que eles não podem recitar, por falta de tempo, de costume ou de comodidade. O saltério de Maria é, portanto, um "breviário" mais curto e simples (um ofício abreviado) acompanhando de perto o ofício comum da Igreja.

Se considerarmos agora os salmos dentro do conjunto da oração litúrgica das Horas, vemos então quantos pontos de contato há entre o rosário e a liturgia. O símbolo dos Apóstolos acha-se no começo do rosário e das Matinas, e encontra-se várias vezes no curso do ofício. Da mesma maneira, o Pai Nosso aparece no começo de cada dezena como no princípio de cada Hora Canônica. O mesmo acontece com a Ave Maria, que constitui a essência da oração vocal do rosário. Cada salmo termina pela invocação em honra da SS. Trindade; assim também, cada dezena do rosário termina com o Gloria Patri... Os quinze mistérios do rosário que constituem sua própria essência, fazem passar rapidamente aos nossos olhos a vida de Jesus e Maria! Eles nos transportam diretamente ao Evangelho e à Bíblia; não podemos meditá-los convenientemente sem considerar a Bíblia; em vários lugares, antes de recitar a dezena, faz-se uma leitura referente à narração bíblica para facilitar e servir de assunto à meditação, coisa essa profundamente litúrgica. Desta maneira chegamos a recitar o rosário seguindo um método que se assemelha ao método litúrgico.

Quem reza o rosário não pensa em cada Ave Maria ou em cada palavra da oração; mas enquanto seus lábios pronunciam as palavras, seu espírito, sua atenção e piedade são empolgados por alguns pensamentos elevados, algumas cenas grandiosas ou altos sentimentos, e sobretudo pelos mistérios. O resto é posto de lado, como faz aquele que recita os salmos, ou qualquer outra oração litúrgica. Em vez de meditar nas idéias em seus detalhes, aquele que recita os salmos frequentemente só se prende à idéia dominante, nem mesmo às vezes considera o salmo todo senão o versículo que o encerra, o texto básico, ou mesmo a antífona.

O método da oração litúrgica não é, portanto, estranho a quem recita o rosário; pelo contrário, suas disposições de alma se harmonizam frequentemente com ela.

Note-se somente que a oração litúrgica das Horas é muito mais rica, mas variada, mais bela e mais profunda, sem falar da Vida que ela encerra. Mas o método ativo de oração litúrgica, esse que vem da origem, a recitação alternada, sempre é possível e fácil àquele que tiver a devoção do rosário: ele está habituado a pronunciar com exatidão e dignidade as orações vocais, ao mesmo tempo que reflete, medita e contempla. O rosário pode assim conduzir à oração litúrgica e andar de par com a oração das Horas. O leigo conhecedor da liturgia recitará uma ou outra das Horas Canônicas, sobretudo em Domingo ou dias de festa; subordinará sua meditação a uma leitura, seja da Bíblia, seja dos Padres da Igreja, seja da vida de um santo. Os dias em que não recitar uma parte qualquer do breviário, especialmente nos dias de doença, o rosário será para ele uma companhia sobremodo apreciada. O saltério de Maria e o saltério litúrgico hebdomadário vão juntos, amigavelmente unidos. Não se colocam como adversários. Há um coro imenso de orações que se unem; enquanto rezam multidões o rosário, por todo o mundo outras multidões recitam a oração litúrgica das Horas. Seja isto portanto um coro harmonioso de orações e de cantos, cujas vozes ressoem e subam alegremente até o trono de Deus!

 

(Traduzido de "Le guide dans l´année liturgique" - A Ordem)

Como "Amoris lætitia" permitiu a um jornalista ter uma visão clara sobre o Concílio

Setembro 3, 2021 escrito por admin

O vaticanista Aldo Maria Valli foi entrevistado na Rádio Spada em 27 de fevereiro de 2021. Durante a entrevista, explicou como havia descoberto a Tradição e os efeitos do Concílio Vaticano II na vida da Igreja. Aqui estão os trechos mais significativos desse testemunho corajoso. As passagens em negrito são da redação do DICI.

 

Rádio Spada: Se o senhor tivesse que resumir em poucas linhas sua posição sobre este acontecimento histórico que foi para a Igreja o Vaticano II e suas consequências, o que nos diria?

Aldo Maria Valli: Cultivei admiração por muitos atores das sessões conciliares, e a Providência permitiu-me conhecer pessoalmente alguns deles. Sempre apreciei sua paixão e amor pela Igreja.

Tendo crescido na Igreja pós-conciliar (no meu caso, em Milão), durante muito tempo nem sequer suspeitei que o Concílio pudesse trazer consigo as sementes de uma evolução teológica e pastoral e, pior ainda, de um desvio em relação à Tradição e ao depósito da fé. Durante os anos que acompanhei os pontificados de João Paulo II e Bento XVI como vaticanista, abracei a visão do que se chama "a hermenêutica da continuidade".

Minhas primeiras perplexidades datam de meados dos anos 90 do século passado, quando, por motivos profissionais, me mudei de Milão para Roma. Por mais paradoxal que pareça, foi precisamente em Roma que percebi os sintomas de uma degradação, sobretudo litúrgica, que me levou a fazer-me algumas perguntas.

Então, no ano 2000, durante o grande jubileu [do Ano Santo], tive pela primeira vez a oportunidade de observar e de conhecer os sacerdotes da Fraternidade São Pio X, durante sua edificante peregrinação. Desde então, minha posição em relação ao Concílio tornou-se cada vez mais crítica até que, com o pontificado de Francisco, vejo nele todas as contradições internas.

Em suma, creio que a incoerência fundamental em relação à Tradição já se encontra no discurso de abertura de João XXIII, Gaudet Mater Ecclesia. No momento em que afirma que a tarefa do Concílio é defender e difundir uma doutrina certa e imutável, o Papa diz: “Por enquanto, a Esposa de Cristo prefere usar o remédio da misericórdia ao invés de usar as armas do rigor. "

É aqui que reside o problema. Do ponto de vista católico, não há sentido em se opor a misericórdia ao rigor. Pelo contrário, o rigor na defesa e divulgação da justa doutrina é a forma suprema de misericórdia, porque visa a salvação das almas.

Por meio dessa brecha, aberta desde o início do Concílio, o relativismo se infiltrou na Igreja, os abusos e as traições penetraram nela. Em suma, o [espírito do] mundo adentrou e o homem foi colocado no lugar de Deus. Certamente, o trabalho de subversão já havia começado muito antes, mas o Concílio funcionou como um detonador, também em razão de um otimismo injustificado com relação à modernidade.

RS: Com o passar dos anos, suas posições sobre essas questões foram se aproximando gradativamente do que -- em termos jornalísticos -- pode ser definido (e simplificado) como “tradicionalismo”. Houve um evento desencadeador que determinou esse pensamento de sua parte?

AMV: O desencadeador foi a publicação de Amoris lætitia, em 2016. Se as dúvidas já existiam no início deste século, e foram aumentando gradativamente desde 2013, com a eleição de Francisco, a exortação apostólica “Sobre o amor na família” definitivamente abriu meus olhos.

Devo salientar que a ambigüidade e o relativismo, até hoje, não só entraram na Igreja, mas tomaram a forma de um magistério. Devo dizer que no início, no que concerne a Amoris lætitia, fiquei tão incrédulo que neguei o óbvio. Então, reli várias vezes e finalmente tive que reconhecer, com dor, a realidade.

O documento está imbuído da ideia de que existe um dever de Deus de perdoar e um direito humano a ser perdoado, sem que aja a necessidade de se converter. A lei divina eterna se curva a pretensa autonomia do homem.

O conceito de discernimento é instrumentalizado a fim de exonerar do pecado. Eu diria que Amoris Lætitia validou a revolução que havia ocorrido: não uma mudança de paradigma (expressão nebulosa usada para justificar a subversão), mas o triunfo da visão modernista, tanto no conteúdo quanto no método. […]

 

O preço da fidelidade

RS: [...] Em que medida o senhor acha que existe ou que se desenvolve a consciência de que - além do que o Papa Bergoglio está fazendo - estamos enfrentando uma crise que é causada pelo Concílio Vaticano II?

AMV: É difícil pintar um quadro geral, pois as posições são muito diferentes. Existem os ideólogos, os modernistas que dogmatizaram o Concílio e que atacam todos aqueles que tentam lançar luz sobre suas aporias.

Existem os oportunistas que se conformam com a visão modernista não por convicção, mas pelos benefícios que ela traz.

Há os silenciosos que, mesmo sabendo dos problemas, preferem calar-se, fingindo que só resta rezar, enquanto esperam que passe a tempestade.

Existem aqueles que pouco a pouco abriram os olhos, mas não sabem como agir.

Em geral, tenho notado que existe um problema psicológico generalizado entre aqueles, como eu, que cresceram na Igreja pós-conciliar. Entre as pessoas consagradas e os leigos, é difícil para muitos rasgar o véu, pois isso seria o mesmo que admitir que toda a sua vida foi consagrada a uma Igreja desviante.

Eu os entendo. Posso dizer eu mesmo que “estava melhor quando estava pior [no relativismo da Igreja conciliar. Nota do editor] ". Quando ainda não estava consciente, não sentia a amargura e o desânimo que muitas vezes tomam conta de mim hoje, em face aos abusos litúrgicos, aberrações doutrinárias, às concessões feitas ao mundo, às traições da fé.

Mas a verdade é fonte de divisão. Jesus diz isso claramente: "Não vim trazer a paz, mas a espada" (Mt 10,34). Uma Igreja que é toda de paz e amor, toda de açúcar, é uma construção mental e cultural que não tem equivalente nas Escrituras ou na história da civilização cristã. […]

 

Francisco não age como papa

Nesta entrevista, Aldo Maria Valli esclarece sobre o artigo que publicou em seu blog Duc in altum de 20 de fevereiro de 2021, intitulado “Roma sem o Papa. Bergoglio está lá, mas Pedro não ”(ver FSSPX.News de 26/02/21).

Eu sou alheio a qualquer tentação sedevacantista e acredito que Francisco é o Papa. As dúvidas levantadas sobre os supostos constrangimentos que conduziram à renúncia de Bento XVI, bem como sobre a retidão da eleição de Francisco, não levaram a nenhuma prova: há suspeitas, mas nenhuma prova. Em relação à escolha feita por Joseph Ratzinger, creio que foi uma fuga. […]

No que diz respeito a Francisco, acredito que ele não age como papa, ainda que o seja. As razões da minha avaliação são de ordem teológica. Francisco não nos apresenta o Deus da Bíblia, mas um deus adulterado, um deus adaptado às pretensões humanas, um deus que não perdoa, mas exonera.

Como escrevi em meu artigo, esse deus empenhado mais que tudo a exonerar o homem, esse deus em busca de circunstâncias atenuantes, esse deus que se abstém de comandar e prefere compreender, esse deus que "está perto de nós como uma mãe que canta um canção de ninar ”, este deus que não é juiz mas “proximidade ”, este deus que fala da “fragilidade” humana e não do pecado, este deus inclinado à lógica do “acompanhamento pastoral” é uma caricatura do Deus da Bíblia.

Pois Deus, o Deus da Bíblia, é certamente paciente, mas não laxista; é certamente amoroso, mas não permissivo; é atencioso, mas não complacente. Em suma, é pai no sentido mais completo e autêntico do termo.

A perspectiva adotada pelo Papa Bergoglio parece, ao contrário, ser a do mundo: que muitas vezes não rejeita totalmente a idéia de Deus, mas rejeita características que estão menos de acordo com a permissividade reinante.

O mundo não quer um verdadeiro pai -- amoroso, na mesma medida em que julga -- mas um companheiro; melhor ainda, um parceiro de viagem que releva tudo e diz: "Quem sou eu para julgar?" E Francisco apresenta ao mundo justamente esse deus que não é pai, mas parceiro de viagem.

Por isso, afirmo que Francisco não atua como papa, porque não confirma seus irmãos na fé. A prova é que recebe aplausos dos distantes [afastados da fé e da Igreja], que se sentem confirmados no seu afastamento, enquanto com as suas ambigüidades e os seus desvios desconcerta os que estão próximos.

A questão agora é saber se o fato de não agir como papa também significa não ser papa. Na minha opinião, não. Francisco é o Papa, mas no entanto está no erro. Alguns dizem: impossível, porque tem o auxílio do Espírito Santo.

Mas a assistência do Espírito Santo deve ser aceita. Se for recusada, os erros e os pecados podem se propagar, pois o Senhor nunca viola nosso livre arbítrio ao nos forçar praticar atos contrários à nossa vontade.

No paradoxo de sua infinita misericórdia, Deus nos deixa livres para desobedecê-lo, para nos condenar, para recusar a beatitude eterna; Ele nos envia graças sobrenaturais que, no entanto, as podemos recusar. Se assim não fosse, o homem não teria nenhum mérito em escolher Deus e sua lei e em renunciar a Satanás e suas seduções. […]

 

O sofrimento das almas

Desde o meu posto de observação, vejo crescer a perplexidade e o sofrimento.

Mesmo que não faltem encrenqueiros com sua natureza agressiva, vejo e encontro principalmente muitos bons católicos que amam o Papa e rezam por ele, mas que, por isso mesmo, sofrem quando ele não os confirma na fé, mas se reduz a atuar como capelão das Nações Unidas e a defender o politicamente correto, quando é ambíguo em questões de doutrina e moral, dando a impressão de se mover e raciocinar mais como político do que como pastor.

Grande parte do rebanho se sente sem guia. Nem todo mundo tem formação teológica, mas o sensus fidei permite a muitos de ver o que está errado. A adoração idólatra rendida à Pachamama produziu uma verdadeira estupefacção. Uma sensação de perturbação se espalhou quando o Papa Bergoglio se curvou para beijar os pés dos governantes do Sudão do Sul. A assinatura da declaração de Abu Dhabi também suscitou perplexidade. Sem mencionar a abertura aos chamados direitos LGBT.

O grande abismo dos conservadores

Junho 13, 2021 escrito por admin

O pontificado do Papa Francisco tem assistido ao número de “conservadores” aumentar incessantemente

 

Deve-se compreender que “conservadores” são definidos, aqui, como católicos que não estão dispostos a vender a fé católica, que esperam uma renovação ou um reflorescimento da Igreja neste mundo secularizado e que estão, sinceramente, ansiosos para ver o Corpo Místico voltar a fruir, a expandir-se através de novas conversões. Em outras palavras, aqueles que têm mantido o espírito católico.

Mas, ao mesmo tempo, esses conservadores querem seguir todas as reformas operadas pelo Concílio Vaticano II. Algo que parecia possível a eles com alguns contorcionismos... Até a chegada o Papa Francisco.

Porém, desde o começo deste pontificado, e de maneira particular em certas ocasiões – como os dois Sínodos sobre a família, a exortação pós-sinodal Amoris Laetitia, o Sínodo da Amazônia e, especialmente, seu instrumentum laboris, ou, ainda, o Documento sobre a Fraternidade Humana – os conservadores têm se sentido cada vez mais desconfortáveis.

Isso se manifesta através de protestos cada vez mais frequentes, cujas origens estavam situados cada vez mais alto na hierarquia eclesiástica: protesto contra Amoris Laetitia por várias petições, incluindo a famosa correctio filialis, bem como as cartas dubia de quatro Cardeais; ataques frequentes contra documentos romanos ou atos de Eminências como os Cardeais Müller, Brandmüller, Burke ou Zen, bem como por Bispos.

Esse desafio é uma novidade. Quase não havia algum traço dele até 2013 e a chegada do atual Soberano Pontífice ao Trono de Pedro. Portanto, há uma clara conexão entre as duas coisas. E devemos acrescentar que essa contradição, às vezes, assume formas graves entre vários Cardeais e Bispos.

Tudo isso é um sinal de inquietação crescente entre os “conservadores” tais quais definidos acima. Uma ilustração possível apta a descrever a situação: um homem cujos pés estão situados sobre duas pedras diferentes, equilibrando-se acima de um vão. Devido a movimentos tectônicos, as duas pedras estão começando a se afastar uma da outra. A situação já quase chegou ao ponto em que a distância entre ambas está grande demais.

Só há três soluções para essa situação: perder o equilíbrio e cair; tomar refúgio na pedra da direita; ou aderir à pedra da esquerda. Nada é mais desconfortável que esse tipo de posição.

Infelizmente, os conservadores obstinados ainda querem crer que as pedras vão unir-se um dia e que eles não precisarão fazer uma escolha. Claro, isso é uma possibilidade, se olharmos para o plano meramente físico. Uma força contrária poderia aproximar as duas pedras.

Mas, no plano das ideias, e, especialmente, no plano da Teologia, a história é completamente diferente. Não há a menor possibilidade do erro aproximar-se da verdade, ou vice-versa. Pretender manter-se fiel a ambos ao mesmo tempo seria uma distorção da inteligência. E, se o sujeito possuir um mínimo de integridade intelectual, a violência da divisão parecerá cada vez mais intolerável.

De fato, desde o Concílio, a distância apenas aumentou entre os erros modernos e a Tradição da Igreja, com mais ou menos intensidade de acordo com a personalidade dos Papas que se sucederam na cátedra de Pedro. E, é claro, deve-se reconhecer que essa distância tem aumentado consideravelmente desde 2013.

A vantagem dessa situação é que podemos mostrar, com maior clareza, as posições “tradicionalistas”, que desafiaram o Concílio desde que ele ocorreu, baseadas em fundações sólidas. E, gostem eles ou não, a linha conservadora está começando a ser forçada a reconhecer isso.

Além disso, e talvez ainda mais doloroso de se reconhecer: sem essa firmeza doutrinal, os conservadores, há muito tempo, já teriam perdido uma das pedras sobre a qual um de seus pés se situa e teriam sido forçados a adotar uma linha apenas. Porque, se certos pilares ainda estão de pé – se, por exemplo, a Missa tradicional ainda pode ser celebrada hoje com alguma liberdade – isso se deve à tenacidade e firmeza daqueles que se recusaram a compactuar com o erro.

Portanto, é profundamente inconsistente declarar e repetir que essa tenacidade assemelha-se a uma obstinação desarrazoada ou a uma teimosa desobediência.

E tão inconsistente quanto isso seria, como é feito por vários conservadores que temem ser tachado de extremistas, relegar como “marginais fora da Igreja”, com um aceno de mão ou um estalar de dedos, aqueles que guardam a Tradição sem fazer concessões.

Só há uma maneira verdadeiramente eficiente e intelectualmente satisfatória de sair dessa posição tão decepcionante e desagradável: com honestidade, tomar um lado e declarar-se por Jesus Cristo incondicionalmente. Desse modo, eles poderão prestar um enorme serviço à Igreja, e isso é o que importa.

Não são petições e pedidos de explicações que farão as coisas progredirem, mas a profissão pública da fé, acompanhada dos atos que devem se seguir a ela.

Com o cisma alemão em processo de consumação, e a preocupação crescente com os fundamentos básicos da vida moral, a defesa integral da fé torna-se cada vez mais urgente. Em breve, não haverá sequer espaço para colocar um pé na pedra do Concílio.

 

(traduzido da versão em inglês, disponível em: https://fsspx.news/en/news-events/news/conservatives-straddling-gap-66694)

O Pe. Mateo e a Adoração noturna ao Sagrado Coração de Jesus

Maio 30, 2021 escrito por admin

No começo do Século XX, um Padre meio inglês, meio peruano que havia crescido no Chile, foi a Paray-le-Monial, França, onde Nosso Senhor em pessoa havia aparecido a Santa Margarida Maria. Esse Padre, Pe. Mateo Crawley-Boevey, da Congregação dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria, havia sido enviado à França por seu Superior na esperança de que sua frágil saúde iria se recuperar após trabalho intenso.

Pe. Mateo, que tinha uma grande devoção ao Sagrado Coração, sempre havia desejado ir a Paray-le-Monial para estar no exato lugar onde Nosso Senhor havia aparecido à sua santa favorita. Enquanto rezava no santuário das aparições do Sagrado Coração, no dia 24 de agosto de 1907, repentinamente sentiu todo o seu ser estranhamente movido: não apenas se viu curado, mas também compreendeu, com clareza, o plano metódico da obra que deveria realizar pela regeneração cristã das famílias e da sociedade. Ele se determinou a tomar sobre si o trabalho delineado por Santa Margarida Maria, de organizar a prática da Entronização do Sagrado Coração nos lares, escolas e locais de trabalho e, em uma cruzada mundial de amor, fazer do Sagrado Coração de Jesus o Rei das famílias e, portanto, estender seu reinado por todo o mundo.

 

América do Sul

Naquela mesma noite, de joelhos, Pe. Mateo definiu e revisou o plano e o cerimonial de sua cruzada. Então peregrinou à Terra Santa, onde inaugurou seu apostolado da Entronização. Àquela altura, tinha recebido a bênção e o encorajamento do Papa S. Pio X, do Cardeal Vives e do seu próprio Superior-Geral. Então, retornou a Valparaiso, Chile, onde, em 1908, lançou sua campanha, continuando, ao mesmo tempo, seu curso na Faculdade de Direito. No Chile, a Entronização foi coroada com sucesso surpreendente, espalhando-se por toda a América do Sul.

 

Europa

Quando a 1ª Guerra Mundial estava em seu auge, Pe. Mateo encarregou-se de pregar o Reinado do Sagrado Coração na França. Seu zelo e entusiasmo atraíam multidões de pessoas onde ia, e uma grande renovação de piedade resultava em muitas famílias que, solenemente, entronizavam o Sagrado Coração. Diocese após diocese sentiu os efeitos de seu zelo apostólico. Indiferença e tepidez deram lugar ao amor, e milagres de graça eram registrados diariamente.

Da França, o Pe. Mateo foi à Holanda, onde até mesmo os protestantes aglomeravam-se em suas conferências. Em seguida foi à Itália, onde foi recebido em audiência pelo Papa Bento XV, que lhe pediu que pregasse e organizasse a obra naquele país. Duas semanas mais tarde, o Santo Padre lhe presentou com uma carta escrita de punho próprio, na qual dava sua bênção apostólica à cruzada de amor.

Por anos, o Pe. Mateo cruzou os países da Europa (França, Espanha, Itália, Suíça, Holanda, Bélgica, Inglaterra e Escócia, Portugal), dando inúmeras conferências e retiros aos Bispos, Padres, seminaristas, associações católicas, leigos, Reis e Princesas. Fazia cinco ou seis pronunciamentos por dia, todos os dias, em Igrejas lotadas, auditórios e salões. As pessoas voltavam continuamente para lhe ouvir. Graças a seu zelo interminável, a Espanha, a Bélgica e Portugal foram consagrados ao Sagrado Coração de Jesus.

 

Hora Santa em casa

Após 20 anos de promoção da Entronização, o Pe. Mateo começou a promover a Hora Santa em casa. Ele havia percebido que, para manter acesa a chama da fé nos lares, era preciso mais. Muitos católicos generosos, devido a obrigações familiares, distância ou doenças, não podiam ir à Igreja, especialmente à noite, para participar na adoração perpétua do Santíssimo Sacramento. Então, o Pe. Mateo pensou que os poderia alistar como adoradores pedindo-lhes que fizessem uma hora santa no lar. Três anos após começar a promoção da Hora Santa em casa, a adoração se tornou perpétua em dezesseis países. A Entronização é como os tijolos de uma construção, e a Hora Santa é a argamassa que mantém o conjunto unido.

Dali em diante, a Entronização e a Hora Santa em casa eram pregadas em conjunto. O Papa Pio XI deu seu selo de aprovação com sua carta encíclica Miserentissimus Redemptor, na qual aprovou enfaticamente e encorajou tanto a Entronização quanto a Hora Santa em casa: a Entronização (ou Consagração), como o ato de dar o devido lugar a Nosso Senhor como Rei da sociedade, das famílias e países... E a Hora Santa como expiação, para dar satisfação por nossos “inúmeros pecados, ofensas e negligências”. Não apenas por nossas ofensas, mas também pelas de outras pessoas, para reparar a honra de Cristo e para promover a salvação eterna das almas.

 

Extremo Oriente

O Pe. Mateo sempre havia desejado ir ao Extremo Oriente e, finalmente, conseguiu ir ao Japão com a ordem do Papa Pio XI de “ir e pregar santidade aos Padres”. Ele passou cinco anos de apostolado zeloso e frutífero no Japão, China, Ilhas do Pacífico, Filipinas, Havaí, Indochina (Camboja, Laos e Vietnã), Malaca, Macau, Índia e Ceylon (Sri Lanka)

 

América do Norte

Então, foi aos EUA, chegando em São Francisco em 1940. Em uma carta escrita antes de sua chegada, Pe. Mateo expressou a alegria e a determinação com as quais estava pronto a se entregar “nessa terra promissora para fazer as almas amarem o Amante Adorável, e para espalhar e fortalecer o Reinado Social do Sagrado Coração em casa. A casa é o santuário da família, e a família é a rocha sobre a qual a Igreja constrói o presente e o futuro da sociedade”. Ele trabalhou por quatro anos, nos quais retiros para os sacerdotes, dias de recolhimento, conferências e simpósios se seguiam uns aos outros em rápida sucessão.

Em seguida, foi para o Canadá por dois anos, até que a doença finalmente o forçou a internar-se em um hospital.

 

De volta ao começo

Após ter se recuperado, retornou a Valparaiso, Chile. Continuou sua obra orando, sofrendo (ele teve ambas as pernas amputadas devido a gangrena) e escrevendo. Pouco antes de morrer, Pe. Mateo disse ao seu Superior-Geral: “Diga a todos que Pe. Mateo prega de sua cama e que insiste na adoração noturna, a flor mais bela de sua obra. Essa é a oração da casa: orações em união com o Coração de Jesus, orações no espírito de reparação à noite, durante as horas da escuridão”

 

Essas informações foram retiradas de “Jesus, King of Love” pelo Pe. Mateo Crawley-Boevey e The Firebrand, The Life of Father Mateo por Marcel Bocquet, SS.CC, Corda Press.

Um mínimo de violência

Maio 23, 2021 escrito por admin

Pe Xavier Beauvais, FSSPX

Diz-se que a violência é condenável por atentar contra a liberdade do outro. Ora, isso imediatamente suscita uma questão: A que nível se situa essa liberdade, e que uso se faz dela? O mau uso é considerado por todos os moralistas como uma alienação da liberdade. Esquece-se muitas vezes que a liberdade não é um dado imutável e definitivo: costuma-se ser pressuposta quando deve ser buscada. A liberdade no homem é um esboço sempre aperfeiçoável e sempre ameaçado; é um começo sem fim, uma elaboração contínua, e a violência sempre tem um lugar aí. Uma absoluta não-violência nesse domínio só poderia resultar no triunfo de todos os instintos de preguiça e anarquia, ou seja, na ruína de toda a liberdade real.

Daí a necessidade e mesmo a legitimidade de certas formas de violência, não só para melhorar o indivíduo, mas para proteger a sociedade. 

Existe uma violência educadora: É aquela que exercemos sobre a criança que educamos. Ao educar uma criança, nós a obrigamos a renunciar agora a uma parte da sua liberdade para garantir melhor a sua liberdade amanhã. Sacrificamos algo no presente para o repormos amanhã.

“A cultura -- dizia Alain, que não é suspeito de ser um direitista – a cultura começa com o aborrecimento.”

Começa quando se faz com que uma criança faça o que não quer fazer. Hoje em dia, esse tipo de violência é negado. Quantas crianças pisariam na escola se tivessem escolha? Como dizia o poeta: “Com a recusa, tudo começa; com a liberalidade, tudo acaba”.

Hoje em dia é exatamente o oposto: as crianças são pequenos deuses que aprenderão todas as coisas de modo espontâneo, com boa vontade, tudo será maravilhoso. -- É assim que fazemos delas uns monstrinhos.

Existe uma violência repressiva, representada pelos organismos da terapêutica social que são, para citar alguns, a polícia e a justiça penal. Como ensinava Santo Agostinho: “o castigo é a ordem do crime”. Sua função é reeducar os delinquentes.

Exista uma última forma de violência que é muito legítima: a violência defensiva, que consiste, por exemplo, em resistir a agressão anticristã, ou na revolta de uma nação contra outra, ou contra uma casta opressora. Há também a guerra justa, ou a sublevação desencadeada contra uma tirania.

Há no homem faculdades e tendências que exigem um mínimo de violência. De um lado, os mecanismos da sensibilidade e dos humores precisam ser adestrados e disciplinados; de outro, a inclinação ao mal que deve ser freada ou, no limite, extirpada. E aos indivíduos ou às coletividades que se mostram incapazes de exercer essa violência sobre si mesmas – em outras palavras, de curar-se desde o interior – é legítimo e mesmo benfazejo que lhe sejam impostas desde fora.

[...] 

Não se esqueçam de que a vida do homem será sempre um combate; as virtudes guerreiras sempre terão o seu lugar, pois o mal sempre adquirirá novas faces e disfarces. Para a boa violência, à serviço da verdade e do bem, sempre haverá emprego. O homem se reduz com a paz falsa: O que tiraríamos de uma espécie de tranquilidade no pântano? Não devemos esquecer, enfim, que toda facilidade exterior que não cria uma exigência interior, degrada o homem. Não devemos nos iludir. Enquanto existir o mal, o bem não poderá jamais se defender sem um mínimo de violência.

 

(L´Acampado, 170)

A ressurreição de Cristo

Maio 2, 2021 escrito por admin

Meditada pelo Padre Leonardo Castellani

 

“Ao terceiro dia ressurgiu dos mortos”: não significa dizer que Cristo Nosso Senhor tenha estado três dias no sepulcro, senão que, morto na Sexta-feira, ressuscitou e saiu do sepulcro no Domingo de manhã. Esteve no sepulcro por mais de 30 e menos de 40 horas.

A Ressurreição de Nosso Senhor é um acontecimento histórico, o evento sustentado com maior peso de testemunho histórico do que qualquer outro evento no mundo.

Os quatro evangelhistas narram os fatos do Domingo de Páscoa de forma totalmente impessoal, assim como o resto da vida de Cristo; não há exclamações, comentários, afetos, espantos ou gritos de triunfo. Os Evangelhos são quatro crônicas inteiramente excepcionais: o cronista registra uma série de eventos de maneira inteiramente enxuta e concisa. Aqui, os fatos são as aparições de Cristo revivido, as quais viram, ouviram e tocaram aqueles que iriam dar testemunho.

Este testemunho pode ser resumido brevemente pelas seguintes circunstâncias:

1° - São quatro documentos distintos, escritos em momentos diferentes e sem conivência mútua, cujos autores não tinham o menor interesse em fabricar uma enorme e incrível impostura, mas, pelo contrário, arriscaram a própria vida ao escrevê-los.

2° - Os Fariseus e Pôncio Pilatos não fizeram nada. Eles teriam que ter feito alguma coisa para criar uma impostura, e seria uma impostura facilíma de se inventar: bastava mostrar o cadáver. Depois julgar e condenar os impostores. Mas, ao invés disso, mentiram e usaram de violência para fazê-los calar.

3° - Na manhã de Pentecostes, os antes amedrontados apóstolos corajosamente saíram para pregar à multidão que Jesus era o Messias e que havia ressuscitado. Na multidão havia muitas testemunhas oculares das obras de Cristo, inclusive de Sua Paixão e Morte. A multidão acreditou nos apóstolos.

4° - No espaço de uma vida humana, por todo o vasto Império Romano havia grupos de homens que acreditavam na Ressurreição de Cristo, e se expunham aos piores castigos por crer e confessa-la.

5° - Três séculos depois, todo o Império Romano, ou seja, todo o mundo civilizado acreditou na Ressurreição de Cristo; e a religião cristã era a religião oficial de Roma; para chegar até aí, houve milhares e mesmo milhões de mártires, entre as quais as doze primeiras testemunhas que deram suas vidas em meio a tormentos atrozes. “Eu acredito em testemunhas que dão suas vidas” - disse Pascal no século XVII.

Claro que havia incrédulos no Império Romano: sempre os há. Contra eles, Santo Agostinho escreveu seu famoso argumento: "Os Três Incríveis".

INCRÍVEL é que um homem tenha ressuscitado dentre os mortos; INCRÍVEL é que tantos tenham acreditado nesse incrível; INCRÍVEL é que doze homens rudes, simples e plebeus, sem armas, iletrados e desconhecidos, tenham convencido o mundo, sábios e filósofos, daquele primeiro INCRÍVEL.

 “O primeiro INCRÍVEL não queirais crer; no segundo INCRÍVEL, não tens outro remédio que constatá-lo; de onde tereis que admitir o terceiro INCRÍVEL. Mas esse terceiro incrível é uma maravilha tão assombrosa quanto a Ressurreição de um morto

Assim dizia Santo Agostinho; e isso é o que o Concílio Vaticano I chamou de "o milagre moral" da Igreja.

 

Padre Leonardo Castellani, em “El Rosal de Nuestra Señora”, Buenos Aires, Ediciones Nuevas Estructuras, 1964 – páginas 103 a 105.

Satanás, onde te escondes?

Março 13, 2021 escrito por admin

Pe. Gabriel Billecocq, FSSPX

No alvorecer do dia 13 de outubro de 1884, enquanto fazia a sua ação de graças, Leão XIII viu o diabo sendo desacorrentado no nosso mundo contemporâneo. Como age hoje em dia o anjo caído para atrair as almas? É o que veremos no presente artigo.

 

Por modo de ausência

Um espião invisível é bem mais poderoso do que um inimigo descoberto. Eis a razão do demônio gostar de ser esquecido: quanto menos se fala dele, menos é notado e denunciado, tornando-se mais poderoso e satisfeito. Pois, desse modo, os homens não se previnem.

É o que ocorreu no fim do século XX. O diabo se esconde por detrás de todos os erros que promovem o homem. Poderíamos pensar, inicialmente, no ceticismo. Realmente, o racionalismo e, sobretudo, o cientificismo, são engenhosos esconderijos para o príncipe deste mundo. O cientismo particularmente, que busca demonstrar tudo por meio da ciência moderna postulando a inutilidade de Deus, o poderio do homem e, portanto, a ausência do demônio. Auguste Comte o formulou muito bem, ele, que chegou a inventar a religião cientista, na qual o gênero humano seria o sacerdote da natureza.

Infelizmente, a igreja conciliar tomou a frente desse mecanismo diabólico. O ecumenismo, cujo fundamento é a relativização de toda verdade, tem por sucedâneo uma tamanha tolerância que tudo se torna verdadeiro desde que os homens assim o pretendam. O mal não existe mais, as forças diabólicas não têm razão de ser. Como disse recentemente o Papa Francisco a propósito do vírus universal: o homem agrediu a natureza e ela lhe deu o troco com esta doença.

Exit Deus da vida do homem. Exit portanto o demônio, que reina melhor quanto mais escondido está.

 

Por modo de sugestão

O fato de ser ignorado não significa que ele não age, muito ao contrário. E seu modo de agir é velho como o mundo. Desde Eva e até o final dos tempos, a estratégia é a mesma. A tentação passa pelos sentidos exteriores, penetra a imaginação para excitá-la antes de se propagar mais profundamente na alma, com o intuito de arrancar da vontade o consentimento.

O ponto de partida não é difícil de se conhecer: são as três concupiscências. O amor dos prazeres sensuais e grosseiros, a posse imoderada de riquezas e bens desse mundo, o desejo de poder e o orgulho, tais são, infelizmente, as tristes engrenagens de toda alma humana manchada pelo pecado original. Não há nada de novo, a tática é sempre a mesma, mas funciona.

No tocante ao católico que combate e faz sacrifícios, o demônio percebe logo que as sugestões grosseiras tem menos influência. É por isso que, antes de tentá-lo no sentidos, obceca a imaginação ao ponto de perturbar a sua inteligência. Ele quer que o vejamos por toda parte, que sua presença assombre a tal ponto a alma que o pobre católico creia que atua de modo universal em todos os acontecimentos da sua vida. Essa obsessão engendra a necessidade impulsiva de falar do diabo a todo tempo, chegando ao ponto de pedir um exorcismo. Sugestão terrível e diabólica que nos faz pensar no gato que brinca sem parar com uma bola de meia.

 

Por modo de temor

Para além da sugestão a se mostrar por toda parte, o diabo concentra a alma do infeliz homem. Então, a alma vive no temor, enxerga pecado em tudo, dá à vida humana um aspecto pessimista e sombrio, em seguida engendra o descorajamento interior.

Nisso, o demônio é fortíssimo. Ele insiste em uma verdade essencial: é preciso combater o pecado e não abandonar a nossa alma no mal. Mas, insiste a tal ponto nessa verdade, que nos faz esquecer o correlativo necessário e redentor: a luta contra o pecado passa primeiro pelo amor de Deus. Assim, a alma humana, ao invés de se entregar à confiança e à esperança teologal, fecha-se num temor desmedido do demônio.

O mundo moderno que tanto escraviza os homens estimula o medo nas almas humanas. O demônio se aproveita desse temor onipotente, aguça-o para afastar as almas de Deus. O medo do demônio domina a alma e faz com que se dê ao demônio demasiada importância. Quanto mais nos ocupamos dele e nos concentramos na sua presença, mais nos esquecemos de que a alma é feita para Deus e que, pela graça divina, ela está nas mãos do seu Criador.

 

Por modo divino

Finalmente, excetuando-se os católicos que conhecem o demônio, obcecam-se por ele e caem nas suas redes, há ainda outros homens que o conhecem bem. Infelizmente, não são católicos. Estes votam-lhe um verdadeiro culto.

Essa é a vitória mais terrível do demônio, na qual toma o lugar de Deus para ser honrado. Pense-se nos sacrifícios humanos, bem mais numerosos do que parece. Pensem nas missas negras e comércios de crianças para cumprir esses ritos. Pense-se finalmente como os príncipes da igreja conciliar se entregam agora ao jogo do globalismo e da maçonaria, tornando o príncipe desse mundo mestre do universo inteiro.

 

Um brilho sublime de esperança

Em vista desse quadro, haveria motivo para se desesperar ou, ao menos, para desanimar. Mas isso seria esquecer duas coisas:

A primeira, que nós não pertencemos àquela raça de fariseus que procuravam a felicidade aqui embaixo. Os sequazes de Satanás podem fazer o que querem, mas não podem nos fechar o Céu. Antes, é o Céu que se fecha para eles.

A segunda é a palavra de Nosso Senhor aos seus apóstolos: “tende confiança, eu venci o mundo”, subentende-se aqui o império de Satanás. E acrescenta: “Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo”.

Se Nosso Senhor está conosco, quem será contra nós?

(Tradução: Permanência. Le Chardonnet, nov/2020)

A unidade... por acréscimo!

Fevereiro 21, 2021 escrito por admin

A unidade por acréscimo

Ao criticar as reações de alguns católicos diante das decisões episcopais tomadas em resposta às restrições de culto impostas pelo governo, um bispo francês afirmou, numa recente emissão de rádio, que ele era o “garantidor da unidade” da sua diocese. Para além da banalidade dessa observação – pois toda autoridade legítima e reconhecida é, em si mesma, garantia da unidade do organismo do qual está à frente – essa afirmação causa espanto: esperaríamos antes que um bispo se apresentasse como “garantidor da fé”, como ensina o catecismo.

Sem dúvida, deve-se atribuir a esse episódio um caráter talvez aproximativo, próprio do discurso verbal; o autor talvez não escreveria o que disse. Pois, desde quando garantir a unidade do rebanho que lhe foi confiado é a função primeira de um bispo? Não seria antes a consequência de outro atributo da função episcopal? De todo modo, é uma definição incompleta.

 

Que unidade?

A unidade é certamente um bem e, a esse título, merece ser procurada. Mas, a unidade pode servir a fins diferentes, nem todos necessariamente honestos: é possível haver unidade no erro -- nesse caso, a unidade já não é um bem. De modo análogo, quando reconhecemos que a união faz a força, isso nem sempre é bom, pois a união faz a força... tanto para os bons, como para os maus, infelizmente!

Desse modo, é preciso definir de que unidade se trata. A unidade pode ser constituída de diversos modos: ao redor de um homem, de um princípio, de uma tarefa a ser realizada... Pode haver uma unidade exterior, formal, visível, circunstancial, que se traduza em atos concretos, mas não implique em uma unidade interior acerca dos princípios ou dos fins a serem alcançados. A unidade pode ser substancial, como a do corpo humano, apesar da diversidade dos seus órgãos. Pode ser uma unidade simplesmente de ordem, como a que há em uma família ou em um exército.

Portanto, há diferentes formas de unidade; nem todas possuem o mesmo valor ou força. Dizer-se garantidor da unidade é, por conseguinte, insuficiente para definir uma função.

Contudo, objetarão alguns, Nosso Senhor disse: “(...) que sejam todos um, como tu, Pai, o és em mim, e eu em ti, para que também eles sejam um em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21). Sim, mas, quando disse isso, Nosso Senhor não se dirigia aos apóstolos, antes, pedia uma graça ao seu Pai. A Pedro, Jesus não disse: “guardai os teus irmãos na unidade”, e sim: “E tu, uma vez convertido, conforta os teus irmãos” (Lc 10, 32). Ao enviar os apóstolos, não disse: “uni as nações!”, mas: “Ide, pois, ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19).

 

Um princípio de unidade

No seu tempo, Santo Agostinho ensinava: “In necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus caritas.” (Nas coisas necessárias, união; nas debatidas, liberdade; em todas as coisas, caridade”). Para esse grande doutor da Igreja, a unidade devia ser procurada, portanto, antes de tudo nos princípios. E até em época recente, a união dos batizados se fazia em torno dos princípios da fé, como o símbolo de Nicéia-Constantinopla, ou nas três grandes referências: a Santa Virgem, a Missa e o Papa.

Mas, nos nossos dias, em favor da abertura ao mundo preconizada pelo Vaticano II, um desvio realizou-se: a união é frequentemente procurada não mais em torno da adesão a princípios claros, mas ao redor de uma participação ativa em atos exteriores. Por exemplo, pede-se aos padres apegados à missa tradicional marcar a sua unidade com o seu bispo participando da missa crismal. O novo rito do batismo leva a ver o sacramento mais como uma acolhida pela comunidade eclesial do que o apagar da mancha original e a recuperação da vida sobrenatural.

A união, portanto, não é mais marcada pela afirmação de uma mesma fé, mas pela participação em um novo cerimonial. Claro, a participação em uma cerimônia marca uma certa forma de unidade, mas de nível inferior. A unidade espiritual em torno dos dogmas da fé é de ordem superior pois ela conduz a outra unidade, dessa vez exterior: a participação em ações comuns. O inverso não é verdadeiro: podemos participar em uma cerimônia sem, contudo, partilhar da mesma fé. Os encontros de Assis são prova disso.

 

Unidade na verdade

Portanto, é necessário buscar a unidade na verdade: antes de tudo, é preciso que haja união na fé, união em Jesus Cristo. Era essa unidade na fé que produzia a união da Europa, antes da Reforma a ter implodido; isso apesar das lutas, por vezes ferozes, entre os diferentes reinos.

A unidade europeia quebrou-se quando o catolicismo deixou de ser a referência comum. A Europa moderna marcha para a sua perdidão pois busca recuperar sua unidade em torno de valores materiais: dinheiro, fronteira, defesa... recusando toda referência às suas origens cristãs.

Pois há uma unidade do gênero humano que Nosso Senhor não quer: aquela que se faz sem Ele. A única e verdadeira fonte de união é a que se faz na fé e na verdade ou, se quisermos, a união pela verdade ou em torno da verdade.

É por isso que, bispos ou não, a atitude que devemos ter deve se inspirar no Sermão da Montanha (São Mateus, capítulos 5 e 6), em que Nosso Senhor declara o seguinte:

Buscai pois, em primeiro lugar, o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo

 

(Action Familiale et Scolaire, 247. Tradução: Permanência)

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