Category: Jean Guiraud
[Esse texto foi extraído da obra apologética de Jean Guiraud, Histoire partiale, histoire vraie (Beauchesne Editions, 1912). Jean Guiraud desmantela, parte por parte, os falsos argumentos do anticlericalismo, dedicando um capítulo ao tema da Cruzada contra os Albigenses. Na primeira parte, resumiu os argumentos dos anticlericais e mostrou suas contradições. Na segunda, terceira e quarta parte, examina a moral e a doutrina dos albigenses.]
Jean Guiraud
Após analisar a moralidade do albigensianismo e sua negação do casamento, devemos tomar nota de suas doutrinas políticas e sociais.
Negação das sanções sociais e do patriotismo
Os outros compromissos assumidos pelos hereges quando se juntavam à seita são contrários aos princípios sociais nos quais se fundam as constituições de todos os Estados.
Eles prometiam, no dia de sua iniciação, não fazer nenhum juramento, porque, como todas as seitas cátaras ensinavam, “não se deve fazer juramento”. Atualmente, há seitas filosóficas e religiosas que rejeitam a tomada de juramentos com o mesmo ânimo, e conhecemos todas as dificuldades que acarretam em uma sociedade que, apesar de sua secularização, ainda envolve o uso de juramentos como parte dos aspectos mais importantes da vida social.
Que tipo de mudanças profundas tais doutrinas trariam aos Estados da Idade Média, quando todas as relações dos homens entre si, de súditos com seus soberanos, de vassalos com seus suseranos, de cidadãos da mesma cidade, dos membros de uma confraternidade em si, eram garantidas por um juramento, quando, finalmente, toda a autoridade derivava sua legitimidade de um juramento?
Era um dos laços mais fortes do corpo social que os maniqueus destruíam e, ao fazê-lo, se assemelhavam a verdadeiros anarquistas. Agiam também como verdadeiros anarquistas quando negavam à sociedade o direito de derramar sangue em defesa contra seus inimigos internos e externos, invasores e malfeitores.
Tomavam em sentido literal e rigoroso a palavra de Cristo declarando que quem matar pela espada deve perecer pela espada, e disso deduziam a proibição absoluta, não apenas do homicídio, mas também de matar por qualquer razão.
Desse princípio advinham consequências sociais muito sérias, e, em sua formidável lógica, os albigenses não se furtavam delas.
Qualquer Guerra, mesmo que fosse justa em suas causas, tornava-se criminosa em razão das matanças que acarretava: o soldado defendendo sua vida no campo de batalha, após ter se armado pela defesa de seu país, era tão assassino quanto o criminoso mais vulgar; porque nada lhe autorizava derramar sangue humano.
Assim como o soldado em campo de batalha, os juízes, nem qualquer detentor de autoridade pública em seu ofício têm direito de prolatar sentenças de morte. “Deus não quis”, dizia o albigense Pierre Garsias, “que a justiça dos homens pudesse condenar alguém à morte”; e, quando um dos seguidores da heresia se tornou cônsul de Toulouse, ele lhe lembrou do rigor desse princípio.
Os hereges do Século XIII negavam à sociedade o direito em si de punir? É difícil dizer, porque, se a maioria deles parecia sustentar essa posição ao proclamar que “não se deve, de modo algum, fazer justiça, que Deus não quer justiça”, outros não hesitavam em restringir essa negação absoluta às sentenças capitais, “ao condenar alguém à morte”.
A última posição, porém, parece ter sido tomada por considerações políticas, mitigando o rigor do preceito através de restrições razoáveis. A Suma Contra os Gentios nos ensina que todas as seitas ensinavam “que não deveria haver nenhuma punição, nem justiça alguma feita pelo homem”; o que parece indicar que a doutrina cátara em si negava, absolutamente, à sociedade o direito de punir.
De qualquer modo, pela proibição absoluta de juramentos e da guerra, pelas restrições feitas às leis positivas, os albigenses tornaram difícil a existência e a preservação não apenas da sociedade medieval, mas de qualquer sociedade; e é compreensível que a Igreja tenha, incansavelmente, denunciado o perigo que suas doutrinas poderiam representar à humanidade.
“Devemos admitir”, diz o autor das Adições à História do Languedoc, “que os princípios do maniqueísmo e dos hereges dos Séculos XII e XIII, atacando as fundações últimas da sociedade, produziriam as perturbações mais estranhas e perigosas e colocariam em cheque as leis e a sociedade política para sempre”.
Esses são os hereges que Aulard e Debidour apresentam como sendo simples reformadores do Cristianismo, que Gauthier e Deschamps apresentam como “pessoas simples e pacíficas” e que Guiot e Mane apresentam como homens gentis e inofensivos, sonhando, apenas, com poesia.
O Sr. Lea, em sua História da Inquisição, entendia os cátaros melhor. Embora fosse protestante e inimigo da Igreja, percebeu que o niilismo dos albigenses representava um retorno ao barbarismo, enquanto a doutrina cristã representava a civilização e o progresso.
A vitória dos Albigenses teria sido o despertar do fanatismo mais terrível, pois dava glória ao homem que cometesse suicídio e o dever às famílias de se dissolverem. Ao combate-los, a Igreja Católica defendeu, com a verdade da qual é depositária, a causa da vida, do progresso, da civilização.
É isso que dizem os documentos contra esses historiadores privados de consciência, que pintam um quadro falso e fantasioso dos albigenses, para melhor representá-los como inocentes vítimas da Igreja.
Esse texto foi extraído da obra apologética de Jean Guiraud, Histoire partiale, histoire vraie (Beauchesne Editions, 1912). Jean Guiraud desmantela, parte por parte, os falsos argumentos do anticlericalismo, dedicando um capítulo ao tema da Cruzada contra os Albigenses. Na primeira parte, resumiu os argumentos dos anticlericais e mostrou suas contradições. Na segunda e na terceira parte, examina a doutrina dos albigenses.]
Após analisar a moralidade do albigensianismo e sua negação do casamento, devemos tomar nota de sua licenciosidade fundamental e sua rejeição da família.
Casamento e libertinismo
Os hereges tinham tanta aversão ao casamento que chegaram ao ponto de declarar que o libertinismo era preferível a ele e que era mais grave “praticar o ato carnal com a própria esposa do que com outra mulher”.
E isso não era nenhuma brincadeira, pois davam a essa opinião uma justificativa em perfeita concordância com seus princípios. Frequentemente ocorre -- diziam eles -- de um homem ter vergonha de seus pecados; desse modo, ao pecar, o faz em segredo. Portanto, sempre é possível que venha a se arrepender e a cessar o pecado; por essa razão, o libertinismo é quase sempre oculto e temporário.
Ao contrário, o que é particularmente grave no estado de casamento, é que não se tem vergonha dele e que não se pensa em abandoná-lo, pois não se suspeita do mal que é praticado dentro dele. Isso explica a condescendência estranha que os “Perfeitos” demonstravam com as desordens de seus seguidores.
Eles mesmos faziam profissão de castidade perpétua, fugindo com horror da mínima ocasião de impureza; e, ainda assim, aceitavam as concubinas dos crentes na sua sociedade e as deixavam participar dos ritos mais sagrados, mesmo quando não tinham intenção de emendar suas vidas.
Os crentes mesmos não tinham problemas em manter suas amantes enquanto aceitavam o direcionamento dos "Perfeitos". Entre os crentes que, por volta de 1240, compareceram à pregação de Bertrand Marty em Montségur, podemos distinguir vários falsos casais: “Guillelma Calveta, amante de Pierre Vitalis, Willelmus Raimundi de Roqua e Arnauda, sua amante, Pierre Aura e Boneta e o amante de sua esposa, Raimunda, amante de Othon de Massabrac”
Essas concubinas e bastardos, que aparecem tão frequentemente nas assembleias cátaras, foram a causa desses hereges serem acusados da torpeza mais imunda. Dizia-se que suas rigorosas doutrinas eram apenas uma máscara, debaixo da qual os piores excessos estavam escondidos. Gauthier e Deschamps fazem eco dessas acusação quando apresentam os albigenses como um povo simples, de moral pacífica e não austera.
Por outro lado, é certo que as populações, com muita frequência, deixavam-se seduzir pela impressão de austeridade que os "Perfeitos" lhes transmitiam, e isso é mencionado por Aulard e Debidour, Rogie e Despiques quando falam da pura moral desses hereges.
É fácil resolver essa aparente contradição lembrando que havia dois tipos de albigenses: os crentes, que simpatizavam com as doutrinas cátaras e não estavam totalmente sob sua influência; e os "Perfeitos", que aderiam integralmente a ela e praticavam-na em suas prescrições.
Enquanto os crentes não tivessem recebido a iniciação completa, se fosse necessário, poderiam viver com uma mulher, porém fora do laço do casamento. Qualquer ato sexual era indubitavelmente mau, mas a coabitação poderia ser tolerada, jamais o casamento, pois, se acontecesse uma iniciação completa, seria mais fácil romper um laço ilegal.
Negação da família.
Desnecessário aprofundar-se nas consequências antissociais de tal doutrina. Ela visava, nada mais nada menos, que a supressão do elemento essencial de toda a sociedade, a família, ao tornar toda a humanidade numa vasta congregação religiosa sem recrutamento e sem futuro.
Embora aguardando o advento desse estado de coisas, que deveria emergir do triunfo das ideias cátaras, os "Perfeitos", gradativamente, quebraram, como resultado do progresso de seu apostolado, os laços familiares já formados.
Se quisessem ser salvo, antes de se submeter à lei de castidade rigorosa, o marido devia abandonar a esposa, a esposa, o marido, os pais deviam abandonar os filhos, fugindo de um lar que lhes inspirava apenas horror, pois a heresia lhes ensinava “que ninguém pode ser salvo mantendo-se em companhia de seu pai e de sua mãe”. E, portanto, toda moralidade doméstica desaparecia, juntamente com a família, que era sua raison d’être.
Esse ódio da família era, além disso, entre os albigenses, apenas uma forma particular de sua aversão a tudo que fosse estranho à sua seita. Eles se abstinham de relações com todos que não pensassem do mesmo modo que eles, exceto quando julgavam possível conquistá-los às suas doutrinas, e faziam as mesmas recomendações aos crentes.
No dia do exame de consciência ou apparelhamentum, que acontecia todo mês, exigiam dos crentes um relato severo das relações que haviam mantido com os infiéis. E isso é compreensível: eles só tinham como homem aquele que, como eles, havia se tornado, pelo consolamentum, um filho de Deus.
Quanto aos outros, que haviam permanecido no mundo mau, eles, de algum modo, pertenciam a outra raça e eram estranhos, para não dizer inimigos.
(Continua)
Esse texto foi extraído da obra apologética de Jean Guiraud, Histoire partiale, histoire vraie (Beauchesne Editions, 1912). Jean Guiraud desmantela, parte por parte, os falsos argumentos do anticlericalismo. O primeiro artigo resumiu os argumentos dos anticlericais e mostrou suas contradições. O segundo examina a doutrina dos albigenses.
Hostilidade com o Cristianismo
De suas doutrinas metafísicas e teológicas, [extraímos que] os albigenses praticavam uma moralidade em oposição formal à moralidade cristã, e Aulard e Debidour estão grosseiramente errados quando nos apresentam suas pretensões como sendo um desejo de “trazer de volta a moralidade cristã à pureza perfeita”; na realidade, suas ideias morais eram o oposto do ideal cristão, e nenhuma reconciliação era possível entre ambas.
Quaisquer que tenham sido as diferentes maneiras através das quais os cristãos tentaram colocar seus princípios em prática, porém, a teoria que a Igreja nos apresenta da vida, de seu valor e do objetivo em direção à qual ela deve se organizar podem ser resumidas em um pequeno conjunto de proposições.
Para a Igreja, a vida neste mundo não é nada além de um teste. Inclinado ao mal pelos maus instintos de sua natureza decaída, pelas seduções e fraquezas da carne e pelas tentações do demônio, o homem é chamado ao bem pela Lei Divina, pelas boas tendências que a queda original não conseguiu fazer desaparecerem completamente nele e, especialmente, pela assistência divina que pode ter ao pedi-la e que aumenta exponencialmente a força da vontade humana, sem destruir sua liberdade ou responsabilidade, e que chamamos de graça.
A perfeição consiste em superar os maus instintos da carne, para que o corpo permaneça o que deve ser, o servo da alma; em subordinar todos os movimentos da alma à caridade, isto é, ao amor de Deus, de tal modo que Deus seja tanto o começo, quanto o fim do homem, de suas energias, de suas ações.
Para isso, devemos aceitar as provações da vida com resignação, atravessando-as com coragem e fazendo de todas as circunstâncias na quais nos encontramos oportunidades de santificação e salvação. Quem, portanto, não vê que para o cristão a vida tem um valor infinito, pois ela lhe dá os meios de adquirir a santidade e a bem-aventurança eterna que é consequência dela? Quem não enxerga que, para o cristão, as ações mais vulgares adquirem uma nobreza sobrenatural quando, feitas por Deus, elas se tornam um reflexo da eternidade, “sub specie aeternitatis”?
Suas doutrinas teológicas e metafísicas
A ideia de vida que o albigense extraía de sua concepção de Deus e do universo era bastante diferente. Procedendo da crença no bem e no mal através de uma dupla criação, o homem era uma contradição viva: o corpo e a alma que o compunham jamais poderiam ser reconciliados.
Alegar a pretensão de harmonizar ambos era tão absurda quanto querer unir dois opostos: dia e noite, bem e mal, Deus e Satã. No corpo, a alma não era nada além de um prisioneiro, e seu tormento era tão grande quanto o das tristes pessoas que estivessem unidas aos corpos. Só poderia achar paz aquele que recuperasse sua vida espiritual, e só seria capaz de fazê-lo através da separação do corpo.
O divórcio desses dois elementos irreconciliáveis, isto é, a morte – a morte não apenas como algo que se tolera, mas adorada como uma bênção – era o primeiro passo em direção à felicidade. Tudo que a precedia era miséria e tirania. Esse mundo não era nada além de uma prisão, e as ações humanas eram deploráveis porque, praticadas por um corpo corrupto, carregavam consigo o estigma dessa corrupção.
Sua moral: Negação do casamento
A teoria albigense do casamento era a consequência lógica de sua ideia profundamente pessimista da vida. Se a vida, como ensinavam, era o maior mal, não bastava querer destruí-la em si mesmo através do suicídio ou do nirvana; também era necessário tomar precauções para não a comunicar a novos seres, que se tornavam partícipes na desgraça comum da humanidade, ao trazê-los à existência.
Além disso, quando os cátaros conferiam a iniciação do Consolamentum, eles faziam o neófito submeter-se a um voto de castidade perpétua. Os ministros albigenses repetiam, continuamente, que um homem pecava com sua mulher como pecaria com qualquer outra, o contrato e o sacramento do matrimônio sendo para eles apenas uma legalização e regularização da devassidão.
Na feroz intransigência de sua castidade, os puros do Século XIII encontraram a fórmula hoje adotada pelos apoiadores da livre união e do direito a todo prazer sexual: “Matrimonium est meretricium” – “o casamento é o concubinato legalizado”.
(Continua)
[Esse texto foi extraído da obra apologética Histoire partiale, histoire vraie por Jean Guiraud (Beauchesne Editions, 1912). Em uma época em que os livros-texto da Terceira República começavam a dar uma explicação parcial da História da Igreja e de tudo relacionado a ela, Jean Guiraud começou a desmantelar, um a um, os falsos argumentos do anticlericalismo.
Em sua obra Histoire partial, histoire vraie (História Parcial, História Verdadeira), ele dedicou um Capítulo a cada tema. Em cada Capítulo, ele começa citando vários trechos questionáveis de livros didáticos antes de refutá-los.]
Aulard et Debidour (Cours Supérieur, p. 91).
“A seita dos cátaros (ou puros)... condenou a corrupção e os excessos da Igreja e pretendia, enquanto simplificava o culto, trazer a moralidade cristã de volta a uma pureza perfeita... O Papa Inocêncio III ordenou uma cruzada contra eles em 1208 que durou mais de 20 anos e foi, apenas, uma grande roubalheira. Grandes cidades foram queimadas, populações inteiras foram massacradas, sem que nem mulheres, nem crianças fossem poupadas; todo o Sul da França foi pilhado, incendiado e manchado de sangue”
(Cours Moyen, p. 29)
“Os Albigenses, a população do Sul da França que não entendia a religião cristã da mesma maneira que os católicos, foram exterminados no Século XIII por vontade do Papa Inocêncio III”
(Récits familiers, p. 71)
“O clero havia se tornado muito corrupto, então parte das pessoas demandava que a Igreja fosse submetida a uma reforma, cujos apoiadores, muitos especialmente no Sul da França, eram geralmente chamados de albigenses... Os cruzados do Norte se comportaram com ferocidade; eles queimaram seus prisioneiros às centenas”
Brossolette (Cours Moyen, p. 22).
“Os albigenses não praticavam mais integralmente a religião católica... Béziers, Narbonne, Toulouse foram saqueadas”
Quatro imagens: 1. Os hereges do Sul escarnecendo de São Domingos; 2. O Conde de Toulouse fazendo penitência e apanhando dos Padres; 3. O saque de Béziers; 4. A caverna de Ombrives, onde os albigenses estavam aglomerados.
Devinat (Cours élémentaire, p. 58).
“Por chamado do Papa, que não conseguiu convertê-los, os cavaleiros do Norte da França atacaram os albigenses”
(Cours Moyen, p. 14).
“O Papa, primeiramente, enviou monges para pregarem, especialmente um monge espanhol chamado Domingos; mas os hereges... não se submeteram. Portanto, o Papa recorreu à espada”
Calvet (Cours Moyen, p. 42).
“Foi um assassinato horrível” p. 36 “Os habitantes do Languedoc tornaram-se suspeitos de heresia” (Cf. Cours préparatoire, p. 36)
(Cours élémentaire, p. 58). “No Sul da França, a Igreja não era amada; dizia-se que os Padres escondiam sua tonsura para não serem insultados... Os habitantes, de fato, eram hereges... O Papa Inocêncio III enviou um legado ao Conde de Toulouse, Raymond VI, para tentar trazê-lo de volta à fé. O legado foi assassinado... Indignado, o Papa pregou uma Cruzada.”
Gauthier et Deschamps (Cours Supérieur, p. 34).
“Os albigenses… pessoas simples, de costumes pacíficos, mas não austeros, que viviam fora da Igreja. Por chamado de Inocêncio III, milhares de saqueadores do Norte atacaram o lindo país dos troubadours... O chefe dos saqueadores, Simon de Montfort, como pagamento por seus serviços, recebeu do Papa as propriedades do infeliz Conde de Toulouse... Aqueles que resistiram foram torturados e, então, queimados vivos em um calabouço... Essa guerra monstruosa, injustificável, que destruiu a brilhante civilização do Sul... Unificou a França occitana e a França de oïl”
(Cours Moyen, p. 12). “Luís VIII cometeu o erro de participar na cruzada abominável”
Guiot et Mane (Cours Supérieur, p. 86).
“Os Albigenses, população feliz, pacificamente viciada em comerciar, que cultivou a poesia, a sonora e harmoniosa língua dos troubadours... Morte a eles!... Eles tinham ideias consideradas heréticas”
(Cours Moyen, p. 52).
“A prosperidade das cidades do Languedoc causaram inveja nos senhores do Norte; os habitantes do Sul foram acusados de heresia”
Rogie et Despiques (Cours Supérieur, p. 131)
“A doutrina dos Albigenses pretendia restaurar a pureza e a simplicidade dos costumes dos primeiros homens”
*
A Cruzada contra os albigenses é um dos grandes fatos históricos utilizados pelos livros-textos e historiadores “seculares” para acusar a Igreja de maneira severa. Para acentuar sua aversão, põem toda a responsabilidade na Santa Sé, enquanto, por outro lado, pintam um quadro idílico das crenças e costumes dos albigenses.
Antes de examinar a sinceridade dos argumentos que eles usaram em ambos os casos, é necessário fazer uma observação preliminar.
Contradições anticlericais sobre os albigenses
Primeiramente, salientemos que todos os nossos autores se contradizem tanto, que basta confrontarmos uns com os outros para tornar dúbias suas versões.
Se crermos em Aulard, Debidour, Rogie e Despiques, os albigenses pretendiam reformar a mores [os costumes] do clero. Austeros, enamorados da virtude e da santidade, estariam escandalizados pela vida relaxada mantida no Sul da França pela Igreja Católica e teriam pretendido remediá-la trazendo-a de volta às práticas puras do Cristianismo primitivo.
No sentido contrário, Gautier e Deschamps escrevem que os albigenses eram pessoas simples, de costumes pacíficos e não muito austeros. Qual a origem, portanto, da luta, e de quem é a responsabilidade? É da Igreja, que, por fanatismo, travou uma guerra contra homens pacíficos e indefesos, dizem Aulard e Debidour, Devinat, Gauthier e Deschamps.
Foram os senhores do Norte que, movidos por ganância, tomaram a defesa da ortodoxia como um pretexto e atiraram-se às populações cujas fortunas e terras eles cobiçavam, dizem Guiot e Mane.
E, quando a Igreja pregou a Cruzada contra os albigenses, qual era o motivo dela? Fanatismo, insinuam os autores mais “seculares” . Irritação por não conseguir converter o Sul, diz Devinat. O desejo de vingar o legado assassinado por ordem do Conde de Toulouse, diz Calvet.
Essas contradições nos provam que os problemas levantados pela Cruzada albigense foram múltiplos e complexos; a maioria dos historiadores só analisou um lado da questão. O amigo da verdade científica deve considerar todos.
Quando o fizer, perceberá que os fatos são mais complexos do que nossos historiadores simplórios geralmente pensam, e que as responsabilidades incumbem a várias pessoas em uma guerra que foi tanto religiosa quanto política, cujos combatentes haviam entrado em ação pelos motivos mais díspares: fé e ambição, o serviço de Deus e o amor da pilhagem, e que, finalmente, foi controlada tanto pelos chefes do feudalismo leigo, quanto pelos representantes da Igreja.
Culpar o Catolicismo por eventos que foram inspirados em política feudal, atos de crueldade e espoliação guiados por ganância e ambição seria supremamente injusto, especialmente se se mostrar que a Igreja protestou contra todos esses eventos e condenou esses atos. Portanto, é com as maiores precauções que devemos nos aproximar dessa delicada questão que envolveu a todos, libertando-nos de nossos preconceitos parciais e paixões, para deixar apenas os textos falarem.
Acerca das crenças e costumes dos albigenses os julgamentos proferidos pelos historiadores anti-católicos são os mais contraditórios.
Calvet nos diz que eles foram apenas “suspeitos de heresia”, Guiot e Mane que eles tinham “ideias consideradas heréticas”, e Brossolette “que eles não praticavam, integralmente, a religião católica.”
A conclusão que esses autores querem sugerir é que a repressão foi bárbara e odienta, pois foi covarde, e as nuances que distinguiam os albigenses dos católicos eram quase imperceptíveis.
Gauthier e Deschamps, ao contrário, nos dizem que os albigenses “permaneceram fora da Igreja”. Nessas duas afirmações, contraditórias ou, no mínimo, bastante diferentes umas das outras, aquela de Gauthier e Deschamps é a verdadeira.
Na realidade, a metafísica e a teologia dos cátaros divergia da metafísica e teologia católica. A Igreja ensina que Deus é um, os catáros, que havia dois deuses, o deus bom e o deus mau, ambos eternos, igualmente poderosos e em luta constante um contra o outro.
A Igreja diz que nosso mundo foi criado por Deus por seu amor, e que o homem recebeu a existência de seu Criador para o seu bem.
Os cátaros pregavam que a natureza e o homem são obras do deus mau, de quem são fantoches e vítimas, nas quais ele constantemente exerce sua maldade. Para os católicos, Cristo é Deus, vindo a este mundo para expiar o pecado original da humanidade através da obra da Redenção. Para os cátaros, era um eon (poder spiritual) ou uma emanação distante da divindade, que veio trazer ao homem o conhecimento das suas origens e, portanto, para o tirar, não por virtude ou pelo seu sangue, mas apenas por sua doutrina, da servidão miserável em que o homem vive. Portanto, por qualquer lado que olharmos, havia um antagonismo declarado entre Cristianismo e albigensianismo.
< continua >