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A cruzada albigense (parte I)

[Esse texto foi extraído da obra apologética Histoire partiale, histoire vraie por Jean Guiraud (Beauchesne Editions, 1912). Em uma época em que os livros-texto da Terceira República começavam a dar uma explicação parcial da História da Igreja e de tudo relacionado a ela, Jean Guiraud começou a desmantelar, um a um, os falsos argumentos do anticlericalismo.

Em sua obra Histoire partial, histoire vraie (História Parcial, História Verdadeira), ele dedicou um Capítulo a cada tema. Em cada Capítulo, ele começa citando vários trechos questionáveis de livros didáticos antes de refutá-los.]

 

Aulard et Debidour (Cours Supérieur, p. 91).

“A seita dos cátaros (ou puros)... condenou a corrupção e os excessos da Igreja e pretendia, enquanto simplificava o culto, trazer a moralidade cristã de volta a uma pureza perfeita... O Papa Inocêncio III ordenou uma cruzada contra eles em 1208 que durou mais de 20 anos e foi, apenas, uma grande roubalheira. Grandes cidades foram queimadas, populações inteiras foram massacradas, sem que nem mulheres, nem crianças fossem poupadas; todo o Sul da França foi pilhado, incendiado e manchado de sangue”

(Cours Moyen, p. 29)

“Os Albigenses, a população do Sul da França que não entendia a religião cristã da mesma maneira que os católicos, foram exterminados no Século XIII por vontade do Papa Inocêncio III”

(Récits familiers, p. 71)

“O clero havia se tornado muito corrupto, então parte das pessoas demandava que a Igreja fosse submetida a uma reforma, cujos apoiadores, muitos especialmente no Sul da França, eram geralmente chamados de albigenses... Os cruzados do Norte se comportaram com ferocidade; eles queimaram seus prisioneiros às centenas”

Brossolette (Cours Moyen, p. 22).

“Os albigenses não praticavam mais integralmente a religião católica... Béziers, Narbonne, Toulouse foram saqueadas”

Quatro imagens: 1. Os hereges do Sul escarnecendo de São Domingos; 2. O Conde de Toulouse fazendo penitência e apanhando dos Padres; 3. O saque de Béziers; 4. A caverna de Ombrives, onde os albigenses estavam aglomerados.

Devinat (Cours élémentaire, p. 58).

“Por chamado do Papa, que não conseguiu convertê-los, os cavaleiros do Norte da França atacaram os albigenses”

(Cours Moyen, p. 14).

“O Papa, primeiramente, enviou monges para pregarem, especialmente um monge espanhol chamado Domingos; mas os hereges... não se submeteram. Portanto, o Papa recorreu à espada”

Calvet (Cours Moyen, p. 42).

“Foi um assassinato horrível” p. 36 “Os habitantes do Languedoc tornaram-se suspeitos de heresia” (Cf. Cours préparatoire, p. 36)

(Cours élémentaire, p. 58). “No Sul da França, a Igreja não era amada; dizia-se que os Padres escondiam sua tonsura para não serem insultados... Os habitantes, de fato, eram hereges... O Papa Inocêncio III enviou um legado ao Conde de Toulouse, Raymond VI, para tentar trazê-lo de volta à fé. O legado foi assassinado... Indignado, o Papa pregou uma Cruzada.”

Gauthier et Deschamps (Cours Supérieur, p. 34).

“Os albigenses… pessoas simples, de costumes pacíficos, mas não austeros, que viviam fora da Igreja. Por chamado de Inocêncio III, milhares de saqueadores do Norte atacaram o lindo país dos troubadours... O chefe dos saqueadores, Simon de Montfort, como pagamento por seus serviços, recebeu do Papa as propriedades do infeliz Conde de Toulouse... Aqueles que resistiram foram torturados e, então, queimados vivos em um calabouço... Essa guerra monstruosa, injustificável, que destruiu a brilhante civilização do Sul... Unificou a França occitana e a França de oïl”

(Cours Moyen, p. 12). “Luís VIII cometeu o erro de participar na cruzada abominável”

Guiot et Mane (Cours Supérieur, p. 86).

“Os Albigenses, população feliz, pacificamente viciada em comerciar, que cultivou a poesia, a sonora e harmoniosa língua dos troubadours... Morte a eles!... Eles tinham ideias consideradas heréticas”

(Cours Moyen, p. 52).

“A prosperidade das cidades do Languedoc causaram inveja nos senhores do Norte; os habitantes do Sul foram acusados de heresia”

Rogie et Despiques (Cours Supérieur, p. 131)

“A doutrina dos Albigenses pretendia restaurar a pureza e a simplicidade dos costumes dos primeiros homens”

*

A Cruzada contra os albigenses é um dos grandes fatos históricos utilizados pelos livros-textos e historiadores “seculares” para acusar a Igreja de maneira severa. Para acentuar sua aversão, põem toda a responsabilidade na Santa Sé, enquanto, por outro lado, pintam um quadro idílico das crenças e costumes dos albigenses.

Antes de examinar a sinceridade dos argumentos que eles usaram em ambos os casos, é necessário fazer uma observação preliminar.

 

Contradições anticlericais sobre os albigenses

Primeiramente, salientemos que todos os nossos autores se contradizem tanto, que basta confrontarmos uns com os outros para tornar dúbias suas versões.

Se crermos em Aulard, Debidour, Rogie e Despiques, os albigenses pretendiam reformar a mores [os costumes] do clero. Austeros, enamorados da virtude e da santidade, estariam escandalizados pela vida relaxada mantida no Sul da França pela Igreja Católica e teriam pretendido remediá-la trazendo-a de volta às práticas puras do Cristianismo primitivo.

No sentido contrário, Gautier e Deschamps escrevem que os albigenses eram pessoas simples, de costumes pacíficos e não muito austeros. Qual a origem, portanto, da luta, e de quem é a responsabilidade? É da Igreja, que, por fanatismo, travou uma guerra contra homens pacíficos e indefesos, dizem Aulard e Debidour, Devinat, Gauthier e Deschamps.

Foram os senhores do Norte que, movidos por ganância, tomaram a defesa da ortodoxia como um pretexto e atiraram-se às populações cujas fortunas e terras eles cobiçavam, dizem Guiot e Mane.

E, quando a Igreja pregou a Cruzada contra os albigenses, qual era o motivo dela? Fanatismo, insinuam os autores mais “seculares” . Irritação por não conseguir converter o Sul, diz Devinat. O desejo de vingar o legado assassinado por ordem do Conde de Toulouse, diz Calvet.

Essas contradições nos provam que os problemas levantados pela Cruzada albigense foram múltiplos e complexos; a maioria dos historiadores só analisou um lado da questão. O amigo da verdade científica deve considerar todos.

Quando o fizer, perceberá que os fatos são mais complexos do que nossos historiadores simplórios geralmente pensam, e que as responsabilidades incumbem a várias pessoas em uma guerra que foi tanto religiosa quanto política, cujos combatentes haviam entrado em ação pelos motivos mais díspares: fé e ambição, o serviço de Deus e o amor da pilhagem, e que, finalmente, foi controlada tanto pelos chefes do feudalismo leigo, quanto pelos representantes da Igreja.

Culpar o Catolicismo por eventos que foram inspirados em política feudal, atos de crueldade e espoliação guiados por ganância e ambição seria supremamente injusto, especialmente se se mostrar que a Igreja protestou contra todos esses eventos e condenou esses atos. Portanto, é com as maiores precauções que devemos nos aproximar dessa delicada questão que envolveu a todos, libertando-nos de nossos preconceitos parciais e paixões, para deixar apenas os textos falarem.

Acerca das crenças e costumes dos albigenses os julgamentos proferidos pelos historiadores anti-católicos são os mais contraditórios.

Calvet nos diz que eles foram apenas “suspeitos de heresia”, Guiot e Mane que eles tinham “ideias consideradas heréticas”, e Brossolette “que eles não praticavam, integralmente, a religião católica.”

A conclusão que esses autores querem sugerir é que a repressão foi bárbara e odienta, pois foi covarde, e as nuances que distinguiam os albigenses dos católicos eram quase imperceptíveis.

Gauthier e Deschamps, ao contrário, nos dizem que os albigenses “permaneceram fora da Igreja”. Nessas duas afirmações, contraditórias ou, no mínimo, bastante diferentes umas das outras, aquela de Gauthier e Deschamps é a verdadeira.

Na realidade, a metafísica e a teologia dos cátaros divergia da metafísica e teologia católica. A Igreja ensina que Deus é um, os catáros, que havia dois deuses, o deus bom e o deus mau, ambos eternos, igualmente poderosos e em luta constante um contra o outro.

A Igreja diz que nosso mundo foi criado por Deus por seu amor, e que o homem recebeu a existência de seu Criador para o seu bem.

Os cátaros pregavam que a natureza e o homem são obras do deus mau, de quem são fantoches e vítimas, nas quais ele constantemente exerce sua maldade. Para os católicos, Cristo é Deus, vindo a este mundo para expiar o pecado original da humanidade através da obra da Redenção. Para os cátaros, era um eon (poder spiritual) ou uma emanação distante da divindade, que veio trazer ao homem o conhecimento das suas origens e, portanto, para o tirar, não por virtude ou pelo seu sangue, mas apenas por sua doutrina, da servidão miserável em que o homem vive. Portanto, por qualquer lado que olharmos, havia um antagonismo declarado entre Cristianismo e albigensianismo.

< continua >

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