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Brasil vitorioso

Gustavo Corção

 

Não, amigo, não me refiro ao futebol de cuja vitória já me expandi nesta coluna; refiro-me hoje a outra luta mais cruel, mais desleal, que o Brasil começou em 1964. O desmantelamento da quadrilha de Marighella, no ano passado, e o desmascaramento dos maus religiosos que desonravam a ordem dominicana foram os marcos da primeira vitória contra a conjuração terrorista que quer fazer o Brasil regredir aos tempos sombrios em que o comunismo chegou ao poder.

Os agentes da guerra revolucionária, obedientes a ordens emanadas de Havana, de Pequim ou de Paris, com assaltos de bancos, sequestros de embaixadores, conseguiram incomodar, inquietar a opinião pública. Em compensação alegraram e confortaram Dom Hélder Câmara que, em entrevista dada a L’Express, declarou sem a menor hesitação seu afeto e sua admiração por esses rapazes que assaltam bancos, sequestram embaixadores, matam policiais e sequestram aviões dispostos a matar o piloto e a sacrificar todos os passageiros. Dom Hélder só lamenta que seja pouco o dinheiro roubado aos bancos porque com ele seus rapazes não podem fazer frente ao Exército.

Ora, meu grito de triunfo, meu deslumbramento de hoje se refere à vitória da operação perfeita realizada por nossa Aeronáutica na semana passada. Foi realmente uma operação em que a organização perfeita e a bravura exemplar neutralizaram a chantagem sinistra que os perversos terroristas fazem com as vidas de mulheres, velhos e crianças. A dificuldade em que se acham as autoridades nas situações criadas pelos terroristas vem do receio de ser, não a causa, mas a ocasião de perdas de vidas inocentes. Mas essa delicadeza, esse temor, tem seus limites mormente quando se vê o crescendo insuportável da insolência dos criminosos. Desta vez já exigiam que lhes trouxessem dois cardeais, D. Jaime Câmara e D. Agnelo Rossi. Como? Amarrados? Encaixotados? E tudo em tempo marcado. E se um dos cardeais tivesse um enfarte? Os amigos de Dom Hélder Câmara não se embaraçam com tais escrúpulos. Sentem a delicadeza das autoridades e roncam grosso: “Ninguém deverá aproximar-se do nosso aparelho sem nosso prévio consentimento”,

O comandante do Caravelle foi perfeito; perfeito foi o Comandante da Base Aérea na resposta: “Não dialogo com terroristas”; e perfeitíssimas as operações subsequentes. Dirá alguém que bravos soldados da Aeronáutica puseram em risco a vida dos passageiros? Responderei que tinham o direito de fazer porque começaram por arriscar as próprias vidas quando forçaram a porta e entraram no avião. E a feliz combinação de bravura e organização nos deram a espetacular vitória que oferecemos ao mundo inteiro como exemplo.

É curioso. No dizer dos sociólogos e economistas somos subdesenvolvidos, somos atrasados, mas na luta contra a anarquia que envenena toda a civilização temos marcando mais pontos do que qualquer outro país. Em 1964 corremos com os comunistas que já estavam no poder. Um jornal comunista da cortina de ferro foi o único que nos homenageou: o redator fazia uma autocrítica e reconhecia que os comunistas no Brasil haviam subestimado a classe média. Não direi que foi só por isso que perderam, mas o fato é que o Brasil foi o único país do mundo que soube repelir o comunismo já instalado.

No sequestro do embaixador americano, em 24 horas tinham nossos policiais a casa descoberta e focalizada com teleobjetivas. Só não cercaram a casa e prenderam os sequestradores porque quiseram proteger a vida do embaixador. E o curioso é que, nessa ocasião, não ocorra a nenhum americano que os inimigos que aqui sequestram embaixadores são os mesmos que no Vietnam eles combatem. Ora, se no Vietnam eles combatem os comunistas com sacrifício de vidas americanas, porque não admitir que aqui os ajudemos a combater com risco de vida de um embaixador.

O que não é possível é admitir a progressão geométrica das concessões e dos diálogos com criminosos. No caso do embaixador alemão exigiram a libertação de presos, e a publicação de manifestos. No caso da semana passada exigem dois cardeais. Por que não o Papa? Essa questão de delicadezas e de salvar vidas já está a um milímetro da desonra. A um milímetro da exigência de todo o berçário imaginado por Nelson Rodrigues.

E foi essa brusca evidência que desencadeou a bravura e a operação perfeita do Galeão. O Brasil mais uma vez está de parabéns.

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Mas há uma outra evidência que entra pelos olhos: a necessidade de uma fiscalização mais severa, e a punição dos responsáveis pela má fiscalização. Já sugeri aqui, tempos atrás, vários meios eletrônicos ou eletromagnéticos para detectar a presença de armas de material magnético. Tudo tem de ser feito para devolver à navegação aérea seu teor, já não digo de segurança, mas de decência. O que me choca especialmente é este paradoxo: justamente no momento em que a pessoa parece estar fruindo o creme de todo um apuro civilizacional, de repente, está ao rés da barbárie.

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Não posso deixar de consignar neste mesmo artigo de júbilo o nosso triunfo diplomático na OEA. Nossa tese, que é a do bom-senso, saiu vencedora. Os países da América Latina começam a desconfiar de que devem ouvir o Brasil.

 

(O Globo, 09/07/1970)

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