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A independência do Brasil

Gustavo Corção

A independência das nações não pode ser definida nem medida em termos de autossuficiência econômica. Sendo uma categoria antes de tudo política, e portanto moral, a independência de uma nação consiste na sua autonomia política como nação, na consciência nacional dessa autonomia, e, para ser efetiva, no reconhecimento pacífico dessa autonomia pelas outras nações, e principalmente por aquelas a que anteriormente estava vinculada essa nação.

No vocabulário da moderna civilização, marcada pelo funesto princípio da vital inimizade entre os homens, de Hobbes a Marx, essa autonomia das nações é enfaticamente chamada de soberania. Este termo vem carregado de uma espécie de macroegoísmo, que é a característica principal da civilização nascida do humanismo renascentista e protestante, que já anunciava, há quatro séculos, a revolta idolátrica da anti-Igreja que hoje adora um bizarro bonzo chamado Homem Moderno.

Por paradoxo, essa mesma filosofia política que exalta as “soberanias” nacionais, a partir de uma “descoberta do Homem”, obscurece a lei natural que pede o concurso e a convergência de todas as nações no bem comum mundial.

E a partir dessas considerações cabe a pergunta: será sempre um bem, para a própria nação e para o mundo, a sua independência? A essa pergunta responderemos tranquilamente contra toda a onda desencadeada pelas esquerdas e concentradas no vácuo chamado ONU. A independência, como processo de consciência e afirmação de maioridade, pede toda uma constelação de condições, e só se reduz a um lema de brutal simplificação nos momentos históricos marcados pela estupidificação.

Parece-me claro que, para a mais bela manifestação da grande aventura humana neste mundo, Deus quer a diferenciação de nações, como quer a variedade de rosas e de pássaros. Nessa variedade, cada grupo nacional terá uma missão, uma vocação, um papel especial, um especial timbre da mesma grande voz. Mas eu creio que há nações que indubitavelmente se constituem para esse testemunho do homem, e para esse louvor de Deus, enquanto outras há que nasceram ao acaso, e ao acaso dos ventos se desfizeram. O frenesi anticolonialista é indubitavelmente uma das muitas asneiras de nosso bravo século; mas o reconhecimento do valor e do papel transcendente das nações autônomas é lema da mais sábia filosofia.

No caso do Brasil parece-me transluminosamente clara a glória de sua independência, e a mim me parece mais clara essa evidência por duas razões principais, uma que está na origem histórica, cujos 150 anos agora festejamos, e outra que está no desenrolar da nossa história, e principalmente na atualíssima proclamação que vale por uma confirmação profunda de nossa verdadeira independência.

A primeira razão reside na feição singularmente pacífica e continuadora, que deu à nossa maioridade um caráter único no continente. Devo declarar, para desfazer qualquer equívoco, que não pertenço à família espiritual dos que se molestam por esse caráter de continuidade luso-brasileira de nossa independência, e muito menos dos que se entusiasmam com as influência do iluminismo e do revolucionarismo produzidos pelo século XVIII, que, para meus parentes espirituais, foi o menor dos séculos, a despeito dos seus “filósofos”, enciclopedistas e revolucionários; ou foi o mais chato dos séculos precisamente por causa desses “filósofos” e de todos os pedantíssimos iluminados. Não me aquece o sangue a ideia de ter sido Pedro I pressionado pelos que daqueles iluminismos se inspiravam; antes o aquece a ideia de descendermos de Nuno Álvares Pereira.

É digno de nota o fato de terem sido nobremente ponderadas e pacíficas as independências dos dois grandes países americanos. Se é verdade que os norte-americanos tinham queixas sérias da metrópole, não é menos verdade que souberam exprimir sua Declaração de Independência nos mais sóbrios e serenos termos: “Quando, no curso dos acontecimentos humanos, sente-se um povo compelido a dissolver os laços políticos  que o ligavam a outro povo, e a assumir, entre as várias nações do mundo, uma independente e igualada situação, à qual tem direito pelas leis da natureza e pela lei de Deus, um decente respeito pela opinião de toda a humanidade exige que esse povo declare as causas que o compelem à independência.”

A independência do Brasil, por suas razões profundas e a despeito de todas as intrigas com que se tecem as histórias superficiais dos povos, foi a transmissão de um legado, e só merece ser hoje comemorada festivamente se esse legado foi dignamente cumprido. Ora, é aqui que cabe inserir a segunda razão que concorre para nos rejubilarmos especialmente nesta Semana da Pátria de 1972

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Hoje o Brasil, graças ao movimento de 64, emancipou-se do mais cruel e estúpido imperialismo: o da ideologia revolucionária que, no mundo inteiro, inebria os “intelectuais” e envenena as fontes de informação. Sim, o que está poluído – como gritou o doutor Thomas Stockmann, no “Inimigo do Povo” de Ibsen – não é o ar que respiramos, nem são as fontes d´água que bebemos, é antes a trama de informações e o sistema de comunicações da civilização em agonia. E dentro deste envoltório o Brasil deu ao mundo inteiro uma lição de real independência. Resistindo à mais volumosa e eficiente cadeia de calúnias e pressões, o Brasil de hoje repeliu os adversários de sua vocação e proclamou, ou melhor, confirmou gloriosamente seus cento e cinquenta anos de independência. O Brasil será um baluarte dos valores cristãos, ou não será o Brasil. Rezemos a Deus pedindo que nossos governantes, a tempo e contratempo, e a despeito das dificuldades criadas por alguns bispos e arcebispos, persevere na defesa dos valores humanos e divinos, e corajosamente mantenha e amplie sua independência.

(O Globo, 7/9/72)

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