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As aflições dos homens e as consolações de Deus

[TRANSCRIÇÃO DE AULA DE 06/10/1975] Hoje, vou falar a propósito de um tema sobre o qual escrevi ultimamente em um artigo1, o problema da Santa Missa e do Pontificado — dois problemas interligados.

Em torno da codificação da Missa pelo grande Papa Pio V, especialmente da Bula chamada Quo Primum, fez-se um grande ruído em toda a Europa recentemente, quando as vozes católicas se levantaram em sinal de justa indignação contra a mutilação feita na liturgia pelos padres conciliares — padres convocados para fazer um concílio que não houve. Não houve concílio porque eles quiseram que fosse diferente de todos os demais — e quem quiser fazer uma coisa na Igreja diferente de todas as outras, o melhor a fazer é arranjar de ser excomungado, porque aí fica logo diferente de tudo que é católico. Os bispos declararam, primeiro, que esse concílio seria diferente de todos os outros — o que já o desqualifica como católico — e segundo, que seria essencialmente pastoral, o que, no tempo, nós todos engolimos, mas hoje, com reflexão, vemos que é uma afirmação estranha, pois todos os concílios são pastorais, no sentido de que uma reunião de pastores tem de ser pastoral. Senão, que há de ser? No entanto, para se dizer que esse concílio era essencialmente, unicamente, pastoral, deformaram o sentido da palavra "pastoral".
 
A teologia pastoral está fundamentada em um dos evangelhos mais trágicos, marcado pela intolerância da Santa Igreja em face do mal, e pela disposição do pastor em dar a vida em defesa do bem e em oposição ao mal: “Eu sou o Bom Pastor”. Quem, dentro da Igreja, não ama apaixonadamente o bem e não odeia apaixonadamente o mal, não é digno do Reino de Deus. Fica bem marcado o sinal católico: amar o bem e odiar o mal. E o pastor que não amar o bem e não odiar o mal, não é bom pastor, e o pastor que não estiver disposto a dar a vida por suas ovelhas também não é. Ora, a antiga definição de pastoral é aquele zelo pelo qual o pastor se dispõe a lutar pela sã doutrina, a lutar pelos costumes, a lutar pela fé até o sangue, a estar pronto para dar a vida pelas almas indefesas. Pastoral, portanto, era termo alto que significava a santa intransigência da Igreja, a disposição de dar até o sangue para não transigir. No entanto, não apenas mudaram-lhe o sentido desta palavra, mas passaram até a pronunciá-la de modo diferente.
 
Houve, nisto que hoje ocorre na Igreja, vários fenômenos paralelos ligados à questão de linguagem: primeiro, uma modificação do léxico católico. Os católicos, no concílio e fora dele, passaram a usar palavras que não eram do léxico católico; segundo, uma semântica feita sem o menor respeito pelo significado das palavras, uma mudança do sentido das palavras; terceiro, uma mudança também fonética: neste concílio, a palavra “pastoral” tinha de ser dita, não sei por quê, assim: “PASTORAAAL!” Eu vi isto em minha casa diversas vezes, e não sabia por que o padre, cuja situação emocional não saberia exprimir sem ser em termos um pouco impróprios, por que ele fazia aquelas caretas para dizer esta palavra austera: Pastoral. “Ah! Tão pastoraaal!” Assim também, por exemplo, a palavra moço. Todo mundo sabe o que é um moço: o moço é essencialmente um homem que ainda não sabe direito o que ele é. Se hoje me entrevistassem sobre o que é o moço — eu perdi esta oportunidade, mas aproveitarei logo que houver a ocasião — eu diria como Euclides da Cunha, “o moço é antes de tudo uma besta!” Alguns, com o tempo e o correr dos dias, escaparão desta condição e se tornarão homens razoáveis e até ilustres, e até, quem sabe, admiráveis, mas a maioria perseverará — esta é a condição humana. Agora deixou de se dizer do moço o que o moço é, e passou a chamar-lhe de jovem, termo que nem na linguagem portuguesa nem na brasileira era usual. Em meu tempo dizia-se moço. Posso ter corrido outros riscos em minha vida, mas este jamais corri: jovem jamais fui, sobretudo “Jooovem!”
 
Eu não diria, entretanto, que foi propriamente o concílio, especificamente, marcadamente, a causa disto tudo. O concílio já foi, por sua vez, um efeito de uma causa anterior. Veio de mais longe — estamos cansados de falar aqui — de um desvio grave que ocorreu quando começou o Humanismo a disputar lugar ao Cristianismo. Nesse tempo começou a crise a trabalhar dentro da Igreja. Eu diria até que o Humanismo Renascentista é, em si, um fenômeno histórico mais significativo, mais grave, mais profundo e mais perverso do que a Reforma de Lutero. Só hoje sabemos disto, a duras penas aprendemos, e por isto temos de estar sempre fazendo revisões. Mas devemos estar vigilantes porque o diabo está usando todos os recursos. Estes exemplos são ilustrativos: ele usa a fonética, a semântica... os desvios teológicos ele até está usando pouco, porque hoje em dia ninguém mais estuda teologia.
 
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Ora, este artigo que escrevi ultimamente para a PERMANÊNCIA visa advertir para dois graves e importantíssimos problemas da nossa vida religiosa. Eu me lembro de ter começado o artigo com uma palavra de Santo Agostinho, lembrando que “A Igreja peregrina na terra entre as aflições dos homens e as consolações de Deus”. As aflições dos homens que atingem os membros da Igreja são de dois tipos: o primeiro, produzido pelos homens que estão fora da Igreja — pelo mundo. Como sabemos, a Igreja peregrina neste mundo entre três cruéis inimigos2, sendo um deles o “mundo inimigo” do capítulo XV de S. João. A palavra mundo é equívoca e tem três sentidos diferentes. Um deles é puramente ontológico: a entidade dos homens que cobrem o planeta, e que Cristo veio salvar. O mundo, neste sentido, é objeto de solicitudes de Nosso Senhor, e não tem conotação moral. Noutro sentido, tem a conotação moral de não fazer parte da Igreja, mas de ser algo neutro, superficial, e costuma-se dizer que é mundano o católico mais preocupado com as coisas deste mundo do que com as coisas da Igreja. Mas este ainda não é o sentido propriamente grave de inimigo da Igreja. Este é o terceiro sentido, usado para designar certos movimentos históricos que no mundo se armam especificamente contra a Igreja, pretendendo ser anti-Igreja, sendo dirigida por Satanás e/ou por homens a seu serviço para a perdição das almas. Porém, quando Santo Agostinho diz “...entre as aflições dos homens e as consolações de Deus”, refere-se também a aflições do mundo neutro, como, por exemplo, quando temos uma reunião social — há sempre alguma pessoa prezada e amada dizendo besteiras contra a Igreja, ou contra sua própria alma e a dos outros. Este é o mundo indiferente que não sabe o que faz, não sabe o que diz. Mas não é propriamente o "mundo inimigo", do qual, infelizmente hoje fazem parte a maioria dos Bispos e religiosos, e aqueles que efetivamente militam contra a Igreja Católica. Ainda há um segundo tipo de aflições dos homens, produzidos pelos próprios membros da Igreja; tratam-se daqueles atritos que produzimos entre nós, uns com os outros, quando deveríamos nos amar e trabalhar em suave e doce concordância a serviço de Deus, mas se interpõe o nosso amor-próprio, produzindo pequenas querelas que sangram o coração e que atrasam a boa causa e o bom serviço, e que, sobretudo, prejudicam o nosso vôo para o céu, que deve ser a nossa preocupação principal.
 
As aflições dos homens, então, para nós, são múltiplas, variadíssimas e nos perseguem por toda parte, por mais que nós nos abriguemos aqui dentro e fujamos — é sempre recomendável fugir um pouco do mundo. É inteiramente contra-indicado para uma alma católica se abrir para o mundo, como foi dito a partir do século XX, como, por exemplo, pela espiritualidade, digamos, de Maritain e sua corrente, de todos os ativistas dos anos 30 e do Papa João XXIII, que se escancarou ao mundo um pouco excessivamente. Mostrar interesse pelo mundo, sim, mas interesse segundo aquilo que é essencial, que é a salvação das almas, e não segundo a sociologia e a economia. Destes problemas a Igreja pode se desinteressar totalmente que não estará fugindo de sua missão — foi isso que os papas do século XIX não perceberam. Maritain diz que se estava processando um perigoso fechamento ao mundo, que se agrava e se torna máximo em 1932. Mas ele aponta a data em que terminou esta confusão: a fundação da revista Esprit, revista característica do progressismo. Ora, nunca vi um pensador descrever um fenômeno tão rigorosamente ao contrário do que aconteceu. Como é que o mundo católico pôde engolir aquelas três páginas em que o filósofo nos diz que foi no século XX que se agravou o rigorismo católico? Onde foi que o pensador observou este fenômeno? No resto de sua filosofia, Maritain era um mestre, mas nas suas filosofias política e cultural cometeu erros graves, e sua idéia mestra, a de que devemos ser abertos, o põe ao nível de nosso Tristão de Athayde.
 
Ora, a partir do século XVII o que se observa na Igreja é o laxismo, o relaxamento cada vez maior, e a cada vez maior abertura ao mundo. Esse mal veio crescendo e nada o traduz melhor que as aflições dos homens. Pode ser que em outras épocas as aflições dos homens de que sofria a Igreja fossem mais internas do que externas.
 
Essas aflições dentro da Igreja serviram para suscitar pelos seus próprios atritos, movimentos de santificação: a vida de todos os santos é exemplo disso. A pequenez e a mesquinharia de seus companheiros de vida religiosa foram os estimulantes, os instrumentos de paixão, que levaram, por exemplo, Santa Terezinha do Menino Jesus a se santificar. Aquela mesquinharia que a cercava foi a maneira humana de que Deus se serviu para acelerar a sua santificação. As almas verdadeiramente generosas postas em contato com os ressentimentos humanos se beneficiam. Ao contrário, as almas que não são verdadeiramente generosas, de amor-próprio inflamado, nesse contato com outro amor-próprio inflamado, entram no jogo dos ressentimentos. As almas libertadas postas no choque da mesquinharia encontram a ação do sofrimento mais purificador. Santa Terezinha foi mais suscitada a se tornar santa pela mesquinharia das suas irmãs do que pela morte de seu filho espiritual. Essas aflições para ela eram menores do que a mesquinharia e os atritos das casas internas, que é o que há de pior dentro da Igreja. A pessoa que fala em abertura da Igreja, decididamente, não sabe o que é Igreja.
 
Este fenômeno vai desaparecendo e tomando um outro aspecto. A pequenez de uma alma que sai todo dia do mosteiro e vai fazer não-sei-quê programa na televisão, esta pequenez ninguém mais percebe, nem mais se percebe se há alma. O problema desaparece porque fica tudo superficial, tudo mundano, tudo meio imbecil. As pessoas que se contentam com os remédios, com as aspirinas baratas dos psicólogos modernos, dirão que essas pessoas estavam torturadas, que davam sinal de tortura psíquica, e que agora estão mais à vontade, mais oxigenadas. As atuais autoridades da Igreja chamam a isso de aberturas para o mundo, e é por estas mesmas aberturas que as almas se precipitam, e é por esses caminhos, com todas as características do mundo, que as almas se afastam da coisa que existe no centro da Igreja, e que está muito longe de ser amena: a cruz de Nosso Senhor, plantada num dia que escureceu, para que todos nós soubéssemos que a paixão de Nosso Senhor é uma dor, um espetáculo de opróbrio, um espetáculo horrível e sombrio, e aprendêssemos a não procurar aqui neste mundo todas as alegrias, roubadas à verdadeira Esperança teologal.
 
É legítimo o homem ter certas alegrias terrestres, moderadas, de objetos da temperança e da vida espiritual, mas deve-se tomar cuidado com a noção de felicidade inerente à natureza humana. “Todos os homens querem ser felizes”, disse Aristóteles. Mas o católico, o homem salvo pelo Sangue de Cristo, que ouviu um dia, sentado no chão, o Sermão da Montanha — porque todos nós estávamos lá, e, se não estávamos, estivemos um dia ao pé de outra montanha quando um Cristo-sacerdote nos repetiu esse sermão — compreendeu que todas essas bem-aventuranças eram promessas para a Pátria verdadeira, e não promessas para este Vale de lágrimas, porque “o Meu Reino não é deste mundo”. E isto não é fuga, nem recusa ao mundo, e sim a colocação das coisas em seus verdadeiros lugares. O mundo tem uma importância capital para nós, porque é o lugar de nossa santificação, é o cadinho onde nós vamos ser provados, e, portanto, tem um valor infinito. Mas, imaginem se toda uma corrente religiosa se voltar para a procura da felicidade aqui neste mundo, imaginem se uma civilização se polarizar por um marcado hedonismo... Ora, a característica da civilização moderna, que escapou a Maritain, é a do hedonismo desenfreado. O hedonismo é a filosofia do prazer, o culto do prazer. Fazer disto a filosofia da vida é desprezar as bem-aventuranças e cada qual eleger-se as suas próprias. E nunca o mundo foi tão furiosamente hedonista e tão infeliz como o mundo moderno, e nunca os católicos tão abertos para o mundo.
 
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As consolações de Deus, oferecidas pela Santa Igreja, são principalmente, a Santa Missa, que é o contato com Jesus — “estarei convosco até o fim dos tempos”. É pensar que Ele continua falando ao nosso lado, como em Emaús — “lembra como nosso coração ardia enquanto Ele falava” — e dia-a-dia ouvi-lo, e reconhecê-lo na Sagrada Eucaristia. Essa é a principal consolação de Deus. A outra consolação de Deus, é a de termos dentro da Igreja uma hierarquia protetora: o pastor capaz de dar a vida por suas ovelhas, capaz de ensinar quando aquele quer se desgarrar e errar. Então, com essas duas consolações de Deus nós podemos fazer frente a todas as aflições dos homens. Estamos ameaçados de sermos privados desta principal consolação de Deus com os ataques feitos ao Sacrário e ao centro da vida religiosa, que é a celebração da Santa Missa. E justamente esses ataques estão sendo realizados pela hierarquia, ou seja, estamos também sendo privados de pastores. Não há mais pastores, não sei onde estão.
 
Desde São Pedro até o século VI quantos papas terão sido reconhecidos e apresentados como santos? A resposta é: TODOS. Durante toda a Idade Média, onde houve pela primeira vez uma civilização cristã, o papa não estava ainda tão exposto. A época de ouro para Igreja foi a dos mártires; a melhor posição que a Igreja pode ter neste mundo é a da perseguição. O critério fica proposto em termos bem nítidos: se quiseres servir e ser seguidor de Cristo aí está: César ou o dente do leão. Hoje, para um progressista, é inteiramente impensável que um homem tenha dado a sua vida, e de uma maneira especialmente penosa: ser derrubado no chão, e um bicho enorme, uma boca enorme, um hálito horroroso, aqueles dentes cravando nas carnes e a pessoa morrendo, sendo comida por um bicho. Dificilmente podem imaginar a força de alma de um Santo Inácio de Antioquia que, condenado pelo juízo de Roma, veio de Antioquia, e nos portos em que parava, os cristãos o saudavam e ele fazia um pequeno sermão, onde começava dizendo que era um trigo de Cristo que iria ser moído nos dentes de um leão, e que já tinha impaciência de chegar lá. Esses cristãos que o tinham visto, iam para casa com uma idéia um pouco mais aproximada do que seja o Cristianismo. Esse era um bispo, meu Deus, esse era um bispo de Antioquia! Não admira que neste tempo, se os bispos eram assim, os papas eram santos.
 
Na Idade Média, a civilização era cristã, os santos floresciam e abundavam em conseqüência do martírio, do sangue de mártires que semearam santos pela Europa toda. A Europa encheu-se de santos, as figuras mais belas e gloriosas, durante um milênio.
 
Chegamos, assim, ao século XIII, e o último papa santo da Idade Média foi S. Celestino V. De lá até hoje quantos papas santos tivemos? Dois. Isto em si já significa em que situação está a Igreja em relação ao mundo, e em que situação está o mundo em relação à Igreja, isto deveria indicar algo a todos os papas que reinaram durante esse tempo e, principalmente, a esses mais modernos que tiveram idéias audaciosas. Para cada católico há hoje um critério elementar: se nós queremos saber qual o pensamento da Igreja, devemos procurar ouvir, consultar e ver as palavras e as obras dos dois últimos papas que a própria Igreja nos diz que devem servir de exemplo para nós. A própria Igreja quando canoniza é para isto, é para dizer: “estes devem ser mais especialmente ouvidos, mais especialmente seguidos como exemplo”. Para isto foram canonizados. Ora, justamente os últimos papas reinantes tiveram o cuidado de evitar, especificamente, o que disseram e o que fizeram os dois últimos papas santos: “consultem tudo, menos S. Pio V e S. Pio X”. Ora, o que está canonizado em Pio X é seu pontificado; o que está canonizado em Pio V é seu pontificado. Mais especialmente, o papa Pio X no combate ao Modernismo, aos alargamentos da Igreja, aos aggiornamentos etc. — com S. Pio X aprendemos quais são os erros do mundo; S. Pio V, na codificação da Santa Missa, na sua vida, na sua santidade e na sua obra é um modelo para quem quiser saber o que é Igreja Católica. Para quem quiser saber as aflições do papado, deve-se ler a história de Alexandre VI e outras, abundantemente traçadas, como a dos papas modernos que perderam a cabeça.
 
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Hoje, acabei de escrever um artigo que se chama “Viva o Chile”, onde começo dizendo, “Leiam: o General Pinochet fez uma declaração no jornal dizendo, “Viva a Espanha do General Franco, apoio integral ao governo da Espanha que está sendo cercado pelo mundo inteiro pelo fato de estar fazendo a repressão ao comunismo e punindo com a pena capital os perversos assassinos de inocentes policiais..., e acrescenta, os outros que se solidarizaram são cúmplices daqueles assassinos”. No dia seguinte houve mais três assassinatos cometidos por terroristas e hoje mais três. E acrescento em meu artigo que, um velho militante, que antes de 1964 sempre lutou contra a perversão e a subversão com risco de vida, e, em 1968, fora novamente ameaçado, diariamente, vê com infinita tristeza que o governo do Brasil, neste episódio, diz que sua política exterior é pragmática. Ora, este termo é rigorosamente sinônimo de amoral. O velho militante que teve sua vida exposta e trabalhou incessantemente antes e depois de 1964 até hoje, não pode acompanhar esta atitude do governo brasileiro que se gloria de ser amoral, ao dizer que o problema dos outros países não nos diz respeito. O combate ao comunismo, mal intrinsecamente perverso, transcende as fronteiras. E quando o Brasil, gloriosamente, foi o único país do mundo a resistir ao comunismo em nome da lei natural, nos deu um critério para desejar que esse mal não estivesse em país nenhum: estar solidário com os portugueses quando eles estivessem sofrendo, e com os espanhóis quando estivessem sofrendo por sua vez, e não para considerar esse um problema da área interna de cada país. Como velho católico, maior ainda é a tristeza quando vejo que o rádio do Vaticano — porque não é ninguém que está falando no Vaticano, mas o rádio, portanto, as ondas eletromagnéticas — faz um pronunciamento reprovando os terroristas, ao informar que eles mataram inocentes... trabalhadores. O rádio do Vaticano, através de seus dispositivos eletrônicos, suponho, filtrou cuidadosamente a palavra policial, porque, do Vaticano não podia sair nada, evidentemente, em defesa de policiais, pois parece que a policia é intrinsecamente má. Torno então a invocar a luta que venho tendo, em razão da qual me ofereço, coloco-me à disposição daqueles que me ameaçaram, porque nunca me escondi, para que façam comigo o que estão fazendo com os policiais da Espanha e que meu sangue caia na cabeça desses que hoje são neutros diante do que acontece na Espanha, ou daqueles do rádio do Vaticano visivelmente a favor dos terroristas. Chegamos a esse ponto.
 
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Nós se quisermos saber onde se perdeu o caminho, onde está a verdadeira Igreja, temos as figuras exemplares a consultar, temos o catecismo a reler. Primeiro a figura do Crucificado que deve estar sempre diante de nós a repetir o Sermão da montanha, essa pregação maravilhosa em que, pela primeira vez, Nosso Senhor anunciou a um povo simples, ignorante, que a felicidade que ele trazia e que ele anunciava não era deste mundo, era o avesso deste mundo. As outras figuras exemplares que podemos consultar e olhar também são os santos, como São João da Cruz, exemplo de amor, que dizia que um só pensamento que não seja dirigido a Deus é um roubo a Sua Majestade. Não deve ser fácil chegar a essa perfeição e ele a chegou com a graça de Deus, mas também com um aproveitamento como muito poucos tiveram, e os santos são aqueles que sabem aproveitar bem a graça de Deus e os não-santos são aqueles que não aproveitam e até desprezam os dons de Deus.
 
A História da Igreja está cheia de Papas medíocres, e o Papa que não é santo é um triste Papa, e o Papa que não põe o problema da santidade em primeiro lugar, é mais triste ainda. O interesse temporal do Papa Paulo VI é publicado todos os dias nas suas alocuções, é ele mesmo quem estridentemente anuncia que se interessa muito pelos interesses do mundo, pela paz! pela paz! Mas não é pela paz que Cristo veio nos trazer, diferente da que o mundo nos traz, porque não é dessa que o Papa deve cuidar. Esta ele deve deixar com os homens e se voltar mais para os problemas da sua santificação e da santificação de seu rebanho. Em vez de pensar na paz do mundo, em vez de fazer discurso na ONU, em vez de se afligir com execuções de terroristas, em vez de receber terroristas portugueses, receber, sim, os sacerdotes que dão sinais de virtude e santidade. Mas basta dar sinais de virtude e santidade, o Vaticano se fecha, basta dar sinais de subversão e comunismo, o Vaticano se abre.
 
Não estamos sendo atendidos por Deus no tipo de consolação de bons pastores, agora na atualidade do governo da Igreja. Mas temos presentes dentro da Igreja que não têm atualidade, porque ela não é só o dia que passa, abundantes consolações na sua história e, sobretudo, os recursos espirituais do próprio Cristo na cruz, no sacramento da Santa Missa. Estaremos sempre ao pé de Nosso Senhor, estaremos sempre com a cabeça no joelho de Nossa Senhora, basta uma Ave-Maria rezada com um pouco mais de amor filial. As chagas de Nosso Senhor estão oferecidas à nossa adoração e essas são as consolações que nos restam. E dizer isto como se fosse pouco seria a última das últimas palavras que o católico poderia dizer, porque estas consolações sempre serão as maiores. Quanto às outras, paciência.
 
Peçamos, então, a Deus, coragem, porque ela nos vai ser pedida como testemunho.
 
 
Transcrição: PERMANÊNCIA

  1. 1. [N. da P.]Corção refere-se ao artigo “A voz dos Papas canonizados”
  2. 2. [N. da P.] É clássica a distinção entre Igreja Padecente, Triunfante e Militante, pertencendo à primeira as almas do purgatório, à segunda, as almas no céu, e à terceira, todos nós, homines viatores. Combatem esta Igreja Militante e Peregrina os três inimigos a que alude Gustavo Corção, a saber: a carne, o mundo e o demônio.
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