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Artigo 1 - Se estamos obrigados a testemunhar.

O primeiro discute-se assim. – Parece que ninguém está obrigado a testemunhar.

1. – Pois, como diz Agostinho, Abraão, afirmando da sua mulher - É minha irmã - quis ocultar a verdade e não, proferir uma mentira. Ora, quem oculta a verdade abstém-se de testemunhar. Logo, ninguém está obrigado a testemunhar.

2. Demais. – Ninguém está obrigado a agir fraudulentamente. Ora, a Escritura diz: O que anda com dobreza descobre os segredos; mas o que é de coração leal cala o que o amigo lhe confiou. Logo, nem sempre estamos obrigados a testemunhar; sobretudo quando se trata de um segredo que um amigo nos confiou.

3. Demais. – Os clérigos e os sacerdotes estão sobretudo obrigados ao que é de necessidade para a salvação. Ora, aos clérigos e aos sacerdotes é proibido testemunhar num processo de crime capital. Logo, testemunhar não é de necessidade para a salvação.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Tanto quem oculta a verdade com quem profere uma mentira são réus: aquele porque não quer ser útil; este porque quer prejudicar.

SOLUÇÃO. – No ato de se dar o testemunho é preciso distinguir; porque às vezes o testemunho de uma testemunha é pedido, e às vezes, não. Quando o testemunho de um inferior é pedido por autoridade do superior a que, em matéria de justiça, está obrigado a obedecer, sem dúvida está obrigado a testemunhar, desde que a ordem jurídica assim lho exige. Por exemplo, nos crimes manifestos e naqueles que são denunciados pelo rumor público. Se, porém, o testemunho é pedido em outros casos, como o de crimes ocultos e o dos não denunciados pelo rumor público, então não está obrigado a fazê-lo.

Mas, quando o testemunho não é pedido por autoridade superior a que esteja obrigado a obedecer, então é mister distinguir. Quando o testemunho é pedido para livrar alguém de morte injusta, de uma pena qualquer, de uma acusação infamante ou de algum dano, então há obrigação de testemunhar. E mesmo que não lho hajam pedido, está a testemunha obrigada a fazer o possível para revelar a verdade a quem possa utilizar-se dela. Pois, diz a Escritura. Tirai ao pobre e livrai ao desvalido da mão do pecado E noutro lugar: Tira do perigo aqueles que são levados à morte. E ainda. - São dignos de morte não somente os que estas coisas fazem, senão também os que consentem aos que as fazem. Ao que diz a Glosa: Consentir é calar quando podes redarguir.

No concernente porém, à condenação de outrem, ninguém está obrigado a testemunhar senão quando obrigado pelo superior, conforme às exigências da ordem jurídica. Porque se em tal caso a verdade ficar oculta, ninguém sofre com isso um dano especial. Ou, se houver perigo iminente para o acusador, não devemos levá-lo em conta porque espontaneamente se meteu ele nesse perigo. Mas, diferente é o caso do réu que, contra a sua vontade, corre um perigo iminente.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­– Agostinho refere-se à ocultação da verdade quando não estamos obrigados a revelá-la por autoridade superior; e quando o ficar ela oculta não é especialmente danoso a ninguém.

RESPOSTA À SECUNDA. – Do que é confiado a outrem sob sigilo de confissão, de nenhum modo é lícito testemunhar, porque o foi não como a homem, mas, como a ministro de Deus; e o vínculo do sacramento é mais estreito que o preceito de quem quer que seja. Quanto porém ao segredo que, diferentemente do da confissão, nos é confiado, é necessário distinguir. Assim, às vezes esses segredos são de tal natureza que estamos obrigados a revelá-los desde que chegaram ao nosso conhecimento. Por exemplo, se dizem respeito à corrupção espiritual ou corporal da multidão, ou a grave dano de outrem, ou a casos semelhantes, em que estamos obrigados a revelá-los testificando ou denunciando. E não podemos nos eximir a esse dever obrigando­nos pelo que nos foi confiado em segredo; porque, do contrário, quebrariamos a fidelidade devida a outrem. Outras vezes porém trata-se do que não estamos obrigados a revelar; e então podemos nos obrigar a guardar o segredo que nos foi confiado. Caso em que de nenhum modo estamos obrigados a revelá-lo, mesmo por ordem superior. Porque guardar a fidelidade é de direito natural e nada nos pode ser mandado contra os preceitos desse direito.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Agir ou cooperar para a morte de um homem é próprio dos ministros do altar, como já dissemos. Logo, a ordem jurídica não nos pode compelir a testemunhar num processo de crime capital.

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