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Art. 3 – Se Paulo, durante o rapto, viu a essência de Deus.

O terceiro discute–se assim. Parece que Paulo, durante o rapto, não viu a essência de Deus.

1. – Pois, assim como lemos que Paulo foi arrebatado até o terceiro céu, assim, que a Pedra lhe sobreveio um rapto de espírito. Ora, Pedra no seu rapto não viu a essência de Deus, mas uma certa e imaginária visão. Logo, parece que também Paulo não viu a essência de Deus.

2. Demais. – A visão de Deus torna o homem feliz. Ora, Paulo, durante o rapto, não foi feliz; do contrário nunca voltaria a esta miserável vida, mas o seu corpo teria sido, redundantemente glorificado pela alma, como se dará com os santos depois da ressurreição. O que é evidentemente falso. Logo, durante o rapto, Paulo não viu a essência de Deus.

3. Demais. – A fé e a esperança não podem coexistir com a visão da essência divina, como diz o Apóstolo. Ora, Paulo, durante o rapto, teve a fé e a esperança. Logo, não viu a essência de Deus.

4. Demais. – Como diz Agostinho, pela visão imaginária se veem umas imagens dos corpos. Ora, a Escritura diz que Paulo, durante o rapto, viu umas certas imagens; por exemplo, do terceiro céu e do Paraíso: Logo, parece ter sido, antes, um rapto de visão imaginária do que de visão da divina essência.

Mas, em contrário, Agostinho ensina, que a substância mesma· de Deus pôde ser vista por certos, durante esta vida; assim, Moisés e Paulo que, durante o rapto, ouviu palavras inefáveis que não é permitido a um homem referir.

SOLUÇÃO. – Alguns disseram que Paulo, durante o rapto, não viu a essência mesmo de Deus, mas uma certa refulgência do seu esplendor. Mas Agostinho ensina manifestamente o contrário, e o mesmo faz a Glosa e o demonstram as próprias palavras do Apóstolo. Pois, diz ter ouvido inefáveis palavras, que não é permitido a um homem referir. Ora, o mesmo se dá com a visão dos bem–aventurados, que excede a condição da vida presente, segundo aquilo da Escritura: O olho não viu, exceto tu, Ó Deus, o que tens preparado para os que te amam. Logo e mais convenientemente se diz, que viu a Deus por essência.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A mente humana é arrebatada por Deus à contemplação da verdade divina, de três modos. – Primeiro, para o contemplar por meio de certas imagens imaginárias. E tal foi o arroubo de alma que sucedeu a Pedro. De outro modo, para contemplar a verdade divina por meio dos efeitos inteligíveis, como aconteceu a Davi no seu êxtase, de que declarou: Eu disse no meu êxtase – todo homem é mentiroso. – Em terceiro lugar, para que a contemple na sua essência. E tal foi o rapto de Paulo e também o de Moisés; no que há bastante congruência, pois, como Moisés foi o primeiro Doutor dos Judeus, assim Paulo foi o primeiro Doutor das Gentes.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A essência divina não pode ser contemplada pelo intelecto criado senão pelo lume da glória, do qual diz a Escritura: No teu lume veremos o lume. O qual porém pode ser participado de dois modos. Primeiro, a modo de forma imanente; e é assim que faz bem–aventurados os santos na pátria. Segundo, a modo de uma como paixão transeunte, como dissemos a respeito do lume de profecia. E deste modo teve Paulo esse lume, quando foi arrebatado. Por isso tal visão não a tornou feliz, em sentido absoluto, de modo que houvesse redundância para o corpo, senão só de certa maneira. Por onde, esse rapto de algum modo pertence à profecia.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Paulo durante o rapto não teve a felicidade dos Santos habitualmente, mas só atualmente. E por consequência não praticou então simultaneamente um ato de fé, mas simultaneamente nele existiu a fé habitual.

RESPOSTA À QUARTA. – Pelo nome de terceiro céu podemos, num sentido, entender um céu material. E então terceiro céu é o chamado empíreo denominado terceiro em relação ao céu aéreo e ao céu sideral, e em relação ao céu aquoso ou cristalino. Assim, o Apóstolo diz ter sido arrebatado ao terceiro céu, não por ter sido arrebatado à visão da imagem de um ser corpóreo, mas por ser esse lugar o da contemplação dos bem–aventurados. Donde a explicação da Glosa, que o terceiro céu é o céu espiritual em que os anjos e as almas santas gozam da contemplação de Deus. E quando anuncia que foi arrebatado até ele, significa ter–lhe Deus mostrado a vida em que deverá ser contemplado eternamente.

Noutro sentido, pode–se entender por terceiro céu alguma visão ultramundana, susceptível desse nome de terceiro céu por três razões. – Primeiro, relativamente à ordem das potências cognoscitivas. Então, chamar–se–ia primeiro céu a visão ultramundana corporal, por meio dos sentidos; assim foi vista a mão de quem escrevia na parede. O segundo céu seria uma visão imaginária, por exemplo, como a de Isaías e João. O terceiro céu, uma visão intelectual – como expõe Agostinho. – Num segundo sentido o chamado terceiro céu pode ser assim considerado em relação à ordem dos cognoscíveis. Então, primeiro céu. se chama u conhecimento dos corpos celestes; segundo, o dos espíritos celestes; terceiro, o conhecimento de Deus mesmo. – Num terceiro sentido, pode chamar–se terceiro céu a contemplação de Deus, quanto aos graus do conhecimento em que ele é contemplado. Então, o primeiro grau pertence aos anjos da ínfima hierarquia; o segundo, aos anjos da média; o terceiro, aos da suprema, como diz a Glosa.

E como a visão de Deus não pode deixar de ser acompanhada de prazer, por isso o Apóstolo não somente disse que foi arrebatado ao terceiro céu, por causa da contemplação; mas também, que o foi ao Paraíso, em razão do prazer consequente.

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