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Art. 4 – Se Paulo, durante o rapto, ficou alheado dos sentidos.

O quarto discute–se assim. – Parece que Paulo, durante o rapto, não ficou alheado dos sentidos.

1. – Pois, diz Agostinho: Por que não havemos de crer que a um tão grande Apóstolo, Doutor das Gentes, arrebatado até essa excelentíssima visão, Deus quis mostrar a vida que, depois desta, viveria eternamente? Ora, nessa vida futura, os santos, depois da ressurreição, verão a essência de Deus sem se separarem dos sentidos do corpo. Logo, também Paulo não sofreu essa separação.

2. Demais. – Cristo, vivendo neste mundo, gozou sempre da visão da essência divina, e contudo não sofreu alheação dos sentidos. Logo, também Paulo não teve necessidade de a sofrer para que visse a essência divina.

3. Demais. – Paulo, depois de ter contemplado a essência divina, ficou lembrado do que viu nessa visão e por isso diz: Ouvi lá palavras secretas que não é permitido a um homem referir. Ora, a memória faz parte da sensibilidade, como está claro no Filósofo. Logo, parece que também Paulo, vendo a essência de Deus, não sofreu alienação dos sentidos.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Quem não morrer de algum modo a esta vida, quer por se apartar a alma completamente do corpo, quer por separar–se e alhear–se dos sentidos carnais, não poderá ser levado à visão celeste.

SOLUÇÃO. – A essência divina não pode ser contemplada por uma potência cognoscitiva outra que o intelecto. Ora, o intelecto humano não se converte aos sensíveis senão mediante os fantasmas, por meio dos quais recebe dos sentidos as espécies inteligíveis e nos quais, considerando–os, julga–os e os dispõe. Por onde, sempre que no seu ato o nosso intelecto se aparta dos fantasmas, há de também necessariamente alhear–se dos sentidos. Ora, o nosso intelecto, nesta vida, há de necessariamente apartar–se dos fantasmas, se vir a essência de Deus. Pois, a essência divina não pode ser vista por meio de nenhum fantasma; nem muito menos, por nenhuma espécie inteligível criada, porque a essência de Deus excede infinitamente não só todos os corpos, susceptíveis de fantasmas, mas também todas as criaturas inteligíveis. Ora, quando o intelecto do homem é elevado à altíssima visão da essência divina, é necessário que toda a contenção da mente nela se concentre, de modo a nada mais inteligir, por meio de fantasmas, e a ficar totalmente enlevada em Deus. Por isso, é impossível o homem, nesta vida, ver a Deus em essência, sem sofrer a alheação dos sentidos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ Como se disse, nos bem–aventurados, que virem a essência de Deus, depois da ressurreição, haverá uma redundância do intelecto para as potências inferiores que chegará até o corpo. Por onde, a regra mesma da visão divina é que governará a alma nas suas relações com os fantasmas e com os sensíveis. Mas essa redundância não se dá naqueles que são objeto de rapto, como se disse. Por isso não há semelhança de razão.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A inteligência da alma de Cristo foi glorifica da pelo habitual lume da glória, pelo qual via a divina essência muito mais que qualquer anjo ou homem. Mas, vivia esta vida mortal por causa da passibilidade do corpo, segundo a qual por um pouco foi feito menor que os anjos, como diz o Apóstolo, por uma dispensa divina e não porque houvesse qualquer deficiência no seu intelecto. Por isso, a comparação não colhe, feita entre ele e os outros mortais.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Depois que cessou de contemplar a essência divina, Paulo se lembrava do que conhecera nessa visão, por meio de certas espécies inteligíveis que, desde então, lhe permaneciam habitualmente no intelecto. Assim como também, na ausência do sensível, permanecem certas impressões na alma, de que ela se lembra quando, depois, as relaciona com os fantasmas. Por isso, aquele conhecimento, que o Apóstolo haurira da visão, não podia totalmente trazê–la ao pensamento nem exprimi–la por palavras.

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