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Suspiros da alma amante - jaculatórias do pde. Manuel Bernardes

DÉCADA XI
 
415 — Ó doçura de meu coração! Ó vida de minha alma! Ó agradável repouso de meu espírito! Abstraí-me de todas as criaturas, para que só em vós descanse.
 
Ó meu Deus e Senhor, toda a minha esperança e refúgio meu! Ó alvo aonde atiram os meus desejos! Quando, quando apartareis de mim tudo o que de vós me aparta?

Ó amado meu mais que todas as coisas amáveis! Ó Esposo florido, Esposo melífluo da minha alma! Quando me adornareis com aquelas jóias ricas das vossas virtudes, com que vos pareça bem?
 
Atraí-me após de vós, Esposo caríssimo; puxai por mim, para que corra em vosso seguimento com alegria, com ligeireza, com perseverança.
 
Formai, Deus meu, com o vosso espírito o meu coração, de sorte que se amolde justamente ao vosso. Edificai dentro em mim um secreto cubículo, muito limpo e bem ornado, onde venhais a morar comigo.
 
Tomara, Amado meu, tomara do generoso vinho de vosso santo amor, que me alheara os sentidos de tudo o que é criatura, e os pusera só em vós, ó glória minha.
 
Fogo incriado: quando me abrasarás nos incêndios de teu amor? Quando consumirás em mim o que tenho de mim mesmo? Quando me unirás e transformarás em ti perfeitamente?
 
Por vós chamo, Amado meu; oh! abri-me. Abri, Senhor: deixai-me entrar em vós, que fora de vós pereço.
 
Vós sois meu, e eu sou vosso; pegai de mim, e possuí-me, para que pegue de vós, e vos possua. Oh, como ficarei rico convosco, que sois meu rico Deus! O meu tesouro é Deus, a minha herança é Deus, os meus bens todos é Deus; dai-me os parabéns, ó Céu e ó terra; dai-me os parabéns de tão imensa dita.
 
Quem me dará asas como de pomba, e voarei, e descansarei? Descansarei em vós, meu Deus, que sois o centro dos meus desejos.
 
DÉCADA XII
 
416 — Senhor Deus: se quereis fazer uma coisa, que alegre a todos os Anjos e Santos, e que console muito a minha alma, glorificai vosso nome, fazei vossa santíssima vontade; dai o vosso conhecimento e amor a todos os que dele são capazes.
 
Ó minha felicidade! ó total e único deleite meu! quando será que, tirados todos os impedimentos, me introduzais na magnífica recâmara de vossa glória, e me unais convosco inseparavelmente?
 
Todas as criaturas, se por uma parte me declaram vossa formosura, por outra ma escondem; aparecei, meu Amado, que só o vosso rosto busco; recordai, dentro em meu ser, que só a vós suspiro.
 
Não quero, Senhor, seguir-vos pelo caminho das consolações e suavidades, senão pelo do amor verdadeiro e puro. Não quero o que sai de vós, senão a vós mesmo puramente; só a vós quero, só a vós desejo, só por vós suspiro.
 
Em vós, Senhor, está todo o meu ser, todo o meu deleite, o meu bem todo. Nada tenho meu senão a vós; porque só vós sois todo dos que são vossos; ó doce amor, ó vida minha!
 
Dai-me, ó Jesus dulcíssimo, entranhável amor à vossa Cruz; que a busque, que a abrace, que a estime; para vos abraçar a vós, que estais dentro dela.
 
Ó desprezos, ó dores, ó pobreza de espírito: vós sois preciosíssimas relíquias da Paixão de meu amor Jesus Cristo; seja o meu coração relicário vosso, onde vos conserve muito adoradas.
 
Meu Senhor Jesus Cristo, Filho natural de Deus: enxertai-me em vós por fé viva, e pelos Sacramentos, e pelas tribulações, para que o vosso espírito, que é vossa Divindade, me irmane convosco, pelo comércio de vossa natureza.
 
Agora são os Justos filhos de Deus, e ainda não aparece a sua glória; sabemos que quando aparecer serão semelhantes a Deus, porque verão a Deus. Ó estupenda dignação! Quem é o homem, Senhor, para o fazerdes um quase Deus?
 
Todo sois amável, Amado meu; todo para desejado; mostrai-me vosso rosto e serei salvo.
 
DÉCADA XIII
 
417 — A minha alma sem a vossa presença parece a terra sem Sol. Oh! amanhecei, Senhor, que é já muito prolongada esta noite; vejam meus olhos saudosos a alegre luz de vosso rosto.
 
Céus e Terra, e quanto neles se compreende, estão alagados com os dilúvios de vossa bondade e formosura. Qual será o abismo donde manam tantos e tão profundos mares? Desejo, Senhor, desatar-me deste miserável corpo, para ver vossa formosura. Oxalá rompêreis esses orbes celestes, para que a minha dureza derretida se desfizesse, e todo eu, incendido em vosso amor, vos invocara com os gemidos de que só vós entendeis o significado!
 
Senhor, fazei-vos seta, que eu me farei alvo; atirai-me convosco; feri-me dentro para que tenha saúde, matai-me depressa, para que tenha vida.
 
Que tens, coração meu, que linguagem muda falas de muitos afetos todos juntos e velozes como relâmpagos? Não sei, Senhor: morro por unir-me convosco.
 
Não sois a formosura dos Céus estrelados nem a frescura dos vales floridos; não sois a harmonia, nem a ordem, nem a virtude, nem a grandeza, nem a cópia, nem a ciência, nem o poder; não sois o que olhos viram, ou podem ver, nem o que a fantasia pinta, ou o pensamento concebe, ou a mente define. Sois o que sois, sois o que só vós compreendeis. Oh, quem vos vira! Oh, quem vos gozara!
 
Ai de mim! que o meu desterro se prolonga; e sou violentado a viver onde não quisera estar; e a não estar onde só quero e posso viver, que é em vossa doce e bem-aventurada companhia.
 
Oh! quem me dera voar por toda a redondeza da terra habitada, e lançar este pregão com espírito do Céu: Filhos dos homens, até quando haveis de ser de coração pesado? Para que amais a vaidade e buscais a mentira? Viva o amor de Deus; viva o amor de Jesus Cristo.
 
Ó claridade incriada, Deus Trino e Uno, apascenta-me com tuas influências. Ó simplíssimo e deliciosíssimo bem, ó bem incomutável! enche-me de ti mesmo; passa-me para ti, que és minha origem; recolhe-me em ti, que és a minha essência.
 
Ó amado princípio meu, quando te acharei venturosamente? Quando ardentíssimamente te amarei? Quando me arrebatarás todo para ti? Quanto me absorverás e unirás contigo?
 
DÉCADA XIV
 
418 — Dizei-me, Pastor bom: Onde dormis a sesta ao meio-dia? No leito da minha Cruz. Oh, como está florido convosco, que sois Nazareno! Fazei-me digno de ter aí lugar convosco.
 
Desvelado ando, tomara dormir um sono, e descansar em vós, minha paz saborosíssima. Oh! faça-se o vosso silêncio, que encerra palavras de vida eterna.
Salve, ó Rei da Glória, salve, ó Jesus, Esposo delicadíssimo das almas boas. Eu vos saúdo, venero e adoro com o afeto de todos os vossos escolhidos. Vivificai e regei com vosso espírito todos os movimentos de meu coração.
 
Concedei-me, Senhor (se assim for vossa vontade), que vos veja sem meio de forma corpórea, nem de espécie imaginária, nem de luz criada. Atraí-me a vós, fora de todas as criaturas.
 
Mandais-me, Senhor, e pondes-me preceito de que vos ame? Que coisa é, ó amor meu, o amar-vos senão ser justo, ser vivo, ser vosso filho, ser sumamente ditoso? Quem, senão vós, mandara tal doçura!
 
Pai do Céu, meu Criador, meu Redentor, Senhor Supremo, Rei da Glória, Ser infinito, Eterno, Imenso, Onipotente, todo o bem: dai-me sequer um grão de vosso amor, por cada título, que sois amável: e amar-vos-ei infinitamente.
 
Muitas graças vos sejam dadas por me dardes ser capaz de vos amar; muitas graças, porque mandastes ao mundo o vosso Verbo, e o Espírito Santo, para me ensinardes a vos amar; muitas graças, porque me castigais por vos não amar. Quero, Senhor, amar-vos muito, muito; dai-me o vosso amor que me pedis; amai-me, para vos eu amar.
 
Clementíssimo Pai: faça-se em mim vossa santíssima vontade; assim o quisestes antes que eu fosse, lá desde a eternidade. Eu troco de boamente a minha liberdade pelo vosso beneplácito. Oh, que rendosa troca! fico mui interessado.
 
Oxalá, meu suavíssimo Jesus, ardera eu naquele incêndio de amor em que ardem os Serafins, em que arde vossa Mãe Santíssima, em que ardeis vós mesmo!
 
Oh, quem pudera, Senhor, arrancar de meu coração, e dos de todos, todo o amor que não é vosso, e plantar aí a árvore da vida de vosso amor, que levara copiosos frutos de vossa glória!
 
DÉCADA XV
 
419 — Vida, não te apartes de mim; vida, não consintas que eu de ti me aparte; vida, une-te comigo; vida, rouba-me para ti. Vida de todas as vidas, vida pura, vida simples, vida permanente, vida viva: só tu sejas para sempre a minha vida.
 
Ó eternidade bem-aventurada: com que serena e indefectível claridade resplandeces! Que precioso, que suave, que seguro, que compreensivo é o teu ponto, onde cabem as rodas de séculos infinitos! Tu és a minha consolação, alívio, quando fujo aborrecido dos ruídos deste mundo visível.
 
Ó origem do meu ser: quando de vós saí para o número das criaturas, nem notícia de vós tinha; por vossa misericórdia ma destes pela Fé; e desde então até o presente nunca vos vi, sendo vós meu verdadeiro Pai. Oh! consolai-me já com vosso rosto, e, pois me destes a fome de vos ver, dai-me a fartura.
 
Oh! se pudera, Deus meu, desandar para trás todos os anos da minha vida já passada, e encher todos os seus instantes de atos de vosso amor! Oh, quem sempre vos houvera amado, quando tantas coisas fora de vós amava!
 
Ó amor meu e todas minhas delícias: quando se inclinarão as sombras de minha mortalidade, e amanhecerá o sereno dia da luz eterna? Quando, posta de parte a carga deste pesado corpo, vos louvarei perpetuamente em companhia de vossos Santos?
 
Oh, Senhor meu, e Deus meu! Ame eu só a vós, e só por amor de vós, e nada ame senão em vós.
 
Ó bem sobre todo o bem! Ó fim, que careces de fim! Quando gozarei de ti sem medida e sem fim?
 
Como sois formoso, Amado meu! formoso e amável sem semelhante; não para a carne e sentido, mas para a alma que crê, para o coração limpo, para o espírito que estima as coisas invisíveis.
 
Meu dulcíssimo Jesus: desejo, quantas vezes tomo o ar respirado, tantas atrair-vos para dentro de minha alma, com cordial afeto; de sorte que todos os meus pensamentos, palavras e obras se unissem com a vossa vontade, e assim unidos se apresentassem a vosso Eterno Padre, para maior glória sua.
 
Desde o profundo de meu coração brado a vós, Deus clementíssimo, pedindo-vos tireis de mim o vão amor de todas as criaturas, e me dediqueis todo ao puríssimo amor de vossa bondade. Amém.

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