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A Missa não é somente a Comunhão

A Missa
 
Faltam luzes acerca da missa, a não raro a educação sobre esse mistério de amor é incompleta. Compreender o mistério de fé do altar é mercê altíssima. Que regozijo, ainda que em penumbra!
 
Deve-se basear a piedade na doutrina; caso contrário, é piedade sentimental, piedade de poeta. Não são as flores o essencial, mas o altar. Quando não há altar, onde pondes as flores? Se não há um fundo de doutrina, sobre que apoiareis a piedade?...
 
Veni, Sancte Spiritus. Venha o Paráclito com suas luzes! Glória ao Pai, pelos incomparáveis dons que nos dera! Glória ao Filho, pelo mistério da Sexta-Feira Santa! Glória ao Paráclito, que nos ensinara a erigir o altar para imolar o Cordeiro sem mancha à glória da Trindade. Per Christum Dominum nostrum, pontífice, mediador e hóstia.

 
Dois milagres na Missa
 
Conforme o plano de Deus, deve a Santa Missa realizar sempre dois milagres1:
 
1º a transubstanciação do pão e do vinho;
2º a transubstanciação do padre celebrante e dos fiéis na virtude da comunhão.
 
O primeiro milagre nunca deixa de acontecer, ainda que o padre não seja um santo; mas o segundo milhares de vezes deixa de se realizar. Entregando-se a nós sob a forma de pão e vinho, Nosso Senhor quer consumir-nos, deixando-se consumir por nós. Consumi-lo é fácil, mas nos deixar devorar à nós supõe condições que o Cristo nem sempre encontra. Quer ele fazer-nos a mim e a vós vários Jesus, mas não lho permitimos.
 
Contava um padre sobre os reveses de sua paróquia, onde todavia entronizara o Sagrado Coração. “Pois bem! és tu um santo? E não por isso dizes a missa todos os dias! Se a missa não conseguiu santificar-te, poderia a entronização fazer milagres?”
 
Pode a missa fazer em nós maravilhas, SE a vivermos. A missa deve estar sempre em primeiro plano. Em vossa vocação, tendes um como sacerdócio real para concelebrar2 a missa. Se viverdes a missa, sereis o que deveis ser.
 
Eis algo que aconteceu: o pequeno Luís estava rezando bem concentrado, chegando mesmo a prolongar-se na oração. Pergunta-lhe a tia: “Queres te chamar São Luís Gonzaga, ou um anjo, ou... – Não! Peço a Jesus me tornar um Jesus; peço-lhe me devorar como ele se deixa devorar!”
 
Não tinha mais que oito anos, esta criança. E que resposta!
 
 
A Santa Virgem e a Missa
 
Estudemos os três mistérios maiores da Santa Virgem, relacionados ao mistério da missa:
 
 
Primeira cena: A anunciação... a encarnação... “Incarnatus est”.
 
Este é o milagre que se deve reproduzir na missa a cada manhã. A Virgem sentiu e compreendeu isto: Fiat!... Fiat, e ei-lo ali! vivo da mesma vida de Maria e como Maria.
 
Fiat! Ei-lo dentro de nós, vida de nossa vida, alma de nossa alma, coração de nosso coração. Dada a encarnação, vão dizer ele e Maria ao Pai: “Venha a nós o vosso reino! Bendito seja vosso nome! Seja feita a vossa vontade!”
 
Santos somos na virtude do cálice. Ele está em mim e eu nele. Rogai a Maria a explicação da relação entre o mistério do altar e a encarnação.
 
 
- Segunda cena: Natal e a apresentação no templo.
     
“Pai, Pai, diz Maria, este é vosso filho e o meu. Ele é vosso e também meu. Eu o possuo. Dou-vos para a glória vossa.” É o que se há de fazer no altar, uando ele está aí em vosso coração. Dizei ao Pai: “Posso-vos glirificar, sou grande, sou rico: a hóstia de meu coração é vosso Filho.”
     
Gesto singular o de Maria em Jerusalém no mistério da Apresentação! Repeti tal gesto a cada missa. Sois ricos de uma riqueza que sequer os anjos possuem. O anjo não pode celebrar; eu padre celebro; vós concelebram com o padre; participemos intimamente do sacrifício, então.
 
 
- Terceira cena: Sexta-Feira Santa
 
Maria aos pés da Cruz diz ao Pai: “Ele é meu e vosso; eu vô-lo ofereço. Em meio a soluços, canto vossa glória. Com minhas lágrimas e meu sangue, aceitai o Cordeiro que tira os pecados do mundo, aceitai o cálice.”
     
Vós, pobres criaturinhas, fazei como Maria, digam: “Sou coberto do manto real, aceitai o Cordeiro sem mancha. Sou a religiosa consagrada, Pai, queremos ele e eu glorificar-vos.”
     
De tão belo que é o mistério, não o compreenderíamos sem o Paráclito. Vinde, Espírito Santo, aumentai-me a fé para que veja eu o que não vejo, i. é, que veja, ainda que pouco, o que é ser padre como Maria em Jerusalém e no Calvário. Se o Espírito Santo dá-nos luz, veremos sem ver, seremos esclarecidos nas trevas da fé.
 
O que falta é a fé
 
Uma pobre criancinha camponesa, que só tinha umas poucas letras, recebeu um privilégio especial. Quando assistia a missa, ela via o que se passava no altar, via o que João e Madalena viram na Sexta-Feira Santa. Em sua cândida simplicidade, cria que todos viam o mesmo; assim, não tinha por isso qualquer vaidade.
 
Não dizeis: “Se fosse assim comigo!”, pois temos mais que isso: a fé. Os olhos desta criancinha pode-la-ia enganar; a fé não nos enganará: o que nos falta é a fé, e não os olhos. Teresinha jamais tivera tais visões, mas talvez visse mais. Há de se rasgar o véu com a fé e a oração. Veni, Sancte Spiritu... para abrasar-nos a fé.
 
Contar-vos-ei o que conto aos padres sobre esse tema. Observaram já o quadro que está aqui3; vou contar-vos algo que é a lembra perfeitamente esse quadro, mas sem ter que ver com ele. Estava celebrando a missa em uma capela comunitária, acho que uma missa fúnebre. Havia na primeira fila um “demônio” que não deveria estar ali; ele tinha a blasfêmia a figura e no gesto, com um sorriso de desdém. Grande fora a surpresa quando, chegado o momento da consagração, cai o demônio de joelhos; debate-se... ofega...: “Ah! Ah! Oh! Oh!”. Perguntavam se era “um ataque de loucura”. Terminada a missa, aquele homem interroga: “Onde está o padre que estava no altar?” Vieram dizer-me e, em poucos minutos, lá estava eu...
 
- Senhor, disse ele.
- Não se diz “Senhor”, e sim “padre”.
- Está bem! Padre, que fizestes no altar? É isso mesmo, que fazieis no altar?
- Celebrava a santa missa!?
- Que é a santa missa?
- Não sois católico?
- Não.
- Vossa mãezinha era católica?
- Sim.
- Bem, quando éreis criança ela vos disse que o Filho de Deus foi pregado na cruz em favor da humanidade, por mim e vós?
- Sim, ela mo dissera umas cem vezes.
- Pois bem, sabeis o que é o Calvário?
- Sim.
- Então, a missa é a mesma coisa.
- Mas, atentai que uns dez ou quinze minutos depois que chegastes, vós disaparecestes e no lugar, que beleza!... uma figura, oh! não sei como dizer... mexia os lábios, enquando o sangue caia no cálice... Oh! que maravilha! Durou uns dez minutos, depois a figura sumira e vós, vós retornastes.
 
Eis o que se deve enxergar a cada manhã em lugar do padre. Tomará a Santa Virgem vos ensine a orar, vos ensine a orara como ela orava na Sexta-Feira Santa, na comunhão dos sofrimentos e dores das divinas chagas. Imaginai a missa que teria celebrado Francisco de Assis, se fora padre! Infelizmente a missa é mais das vezes rotina para o padre e os fiéis.
 
Sabeis vós qual o grande culpado disso? Ele. Sim vós nos amastes em demasia, Jesus; vós nos destes em demasia. Se vós nos houvera dito para celebrar a missa uma vez por ano, oh! no entanto... há missa todos os dias! sim, destes-nos em demasia! Não desprezamo-la, claro, mas uma missa a mais ou a menos não nos perturba nem um pouco; antes, um milagre. Como se a missa não fosse ela um milagre. A missa é o maior e mais assombroso dos milagres! Quanto temo-la em conta? qual deferência tendes vós por ela?
 
 
Por que vi, não cri
 
Um figurão de Oxford, bom, honesto, mas incréu, casara-se com uma católica, mulher santa. Pouco a pouco ela lhe fala das verdades na religião. Conduziu-o a Roma junto aos jesuítas. Após dois anos de estudos e leituras, acreditou ela ele estar assaz instruído. Por ocasião de uma jornada eucarística, ela lhe pede para acompanhá-la, e ele aceita. Das quatro da manhã até às dez da noite, vão de igreja a igreja. Na volta, diz a mulher:
 
- Agora que viste, és ou não católico?
- As teorias do livro são muito bonitas, respondeu ele, mas a prática já não é tanto. Dizem que o Cristo está lá e o tratam daquela maneira?... Não acredito; por que vi, não acredito.
 
Certo dia, parei em uma igreja para rezar. Começava a missa. Escutei um como rumor de orações em voz alta. Que será?... Uma novena a Santo Antônio, depois a São Judas Tadeu, mais uma ainda a Santa Teresa: três santos que roubaram o lugar de Deus! como se a Virgem Santa e os demais santos não estivessem ali também para a missa. Fazei novenas pelas ruas, digo-vos; aqui é a missa, e para missa estão aqui. Se Teresinha e outros santos viessem para assistir a missa, que missa assistiriam!
 
Tenho entre as mãos um corporal vermelho sangue... que aconteceu? Uma menina mui decente se casou com um judeu que não fazia caso de religião. Eis que um dia, à mesa, falavam de Jesus Cristo presente na hóstia.
 
- Crês nisto de que ele está lá? disse o judeu.
- Sim, ele está lá!
- Não é forma de dizer?
- Não, ele está lá mesmo.
 
Então veio-lhe uma idéia para constatar se isso era verdade. Certa noite saiu e foi atè a sacristia, e disse ao sacristão: “Sou um cavalheiro, um advogado; queres me emprestar por esta noite as chaves da sacristia e do tabernáculo?” Ele as conseguiu. Às duas horas da manhã, entra na sacristia, penetra no santuário, abre o tabernáculo, estende o corporal sobre o altar, põe o cibório sobre o corporal... Estava tremendo, e respeitosamente pega uma hóstia e a observa: Era ou não verdade que o Cristo estava ali? Pega o canivete e, mais receoso ainda, parte a hóstia... Jorrou sangue... que cobriu o corporal, o altar, suas mãos. Ficou com medo, tocou os sinos a rebate. Correria, e que surpresa!
 
O padre é mais nobre que o anjo, o anjo não pode chamar o Cristo de meu irmão; nunca um anjo celebrou missa. Pertence o padre à família do Cristo.
 
 
Viver a Missa
 
Deve-se viver a missa, da missa e para a missa.
 
Qualquer devoção é insuficiente se a missa não for o centro de nossa vida; a missa é o altar, o resto apenas florezinhas que pomos aqui ou ali. Costumava dizer o cardeal Mercier: “Dêem-me um bom padre que viva a missa, e ei-lo um santo”. Pois bem! Daí-me uma religiosa que compreenda o cálice e a grandeza da missa; não morrerá ela boa e excelente, mas santa por canonizar. Se não se compreende o mistério do altar, se não se sabe o que o padre faz ali, limitamo-nos a nos distrair com rosários e novenas.
 
A única homenagem à Santíssima Trindade digna dela é a missa: Adoração, louvor, glória, amor, per Dominum nostrum Christum. Vossa missão se inicia na missa: as crianças, os pobres, os doentes viverão de vossa missa. Não começa a missão de uma religiosa no hospital ou na escola, mas no altar. A missa é a grande missão para a salvação das almas. A religiosa que sabe viver a missa é mais eloqüente que todos os predicadores. Não podeis seguir vossos filhos por todo canto, para conservá-los cristãos; mas o sangue deste Abel, que é Jesus, pode o que não podeis. Deveriam ser o cálice e a missa o dínamo das religiosas educadoras e hospitaleiras.
 
Meu pai era protestante, converteu-se por causa de minha mãe: ela nunca faltara à missa, apesar do muito trabalho que tinha. É preciso criar este ambiente de fé. Aqui no Canadá não existe as multidões que vemos nos outros países indo para a missa. O cálice é o maior arma do apostolado.
 
Durante a outra guerra [1914-1918] uma granada atingiu e feriu gravemente um diácono religioso. Recuperou-se bem aos poucos. Três anos depois, doente e sem forças, mal podendo falar ou andar, pede à sua mãe para levá-lo a Roma, para que o Papa lhe concedesse o ser padre. Disse o Santo Padre:
 
- Que tendes vós de especial?... Não podeis pregar nem ensinar o catecismo?
- Não, Santo Padre, mas meu cálice e meus ferimentos podem salvar as almas!
- Não podeis ir em missão, nem conferir os sacramentos?
- Santo Padre, meu Pai, por favor, pela salvação das almas.
- Sois inválido; qual a diferença entre um padre inválido ou diácono inválido?
- Oh! Santo Padre, meu querido Pai, eu imploro! por meu cálice e meus ferimentos! com o sangue dos ferimentos dentro do cálice, salvarei mais almas!
 
O Papa mandou um médico, um bispo jesuíta, examiná-lo para saber se esse homem ferido podia celebrar válida e decentemente uma missa, e lhe foi dada a permissão. Que apostolado! Quem me dera tivesseis o mesmo vigor apostólico! Vossos sofrimentos, penas, agonias, responsabilidades – tudo enfim no cálice para a salvação das almas. Venha a nós o vosso reino! Venha a nós o vosso reino! Santificação pessoal, santificação comunitária.
 
O centro do mundo é o altar; o centro do altar, o cálice; no cálice, vosso coração. A missa é a oração perfeita, é sólida, é pão saudável, e não chocolate; quando a dizemos, dizemos tudo. Tende obsessão pela missa. Se sairdes daqui cem, dez vez mais penetrados do sentido da missa, tereis feito excelente
 
- VII –
 
A Missa não é somente a Comunhão4
 
O reinado do Coração de Jesus supõe a claríssima noção da eucaristia e da missa. Para que venha o reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo, devemos saber o que é a missa. Existe um avanço: primeiro, usamos o missal, contudo ainda não é o bastante. Vejam bem: comecei por vos falar do santo sacrifício: missa e comunhão, e não apenas o sacramento; sacrifício e sacramento, duas coisas que não são iguais, mas se completam.
 
A missa é a fonte e, de tal fonte, emanam três grandes torrentes:
 
1º a comunhão;
2º o tabernáculo com a presença real;
3º o ostensório.
Não há torrente, se não há fonte.
 
Mais das vezes temos a missa como a chave que vai abrir o tabernáculo. A comunhão antes da missa5 é uma falta teológica. Vai-se à igreja para comungar e não pela missa – erro. A eucaristia é a comunhão, claro, mas a missa não é apenas a ocasião de comungar. Antes da comunhão, há o drama do Calvário, que se desenrola no altar; há a oferenda, a consagração. É o pano de fundo do sacrifício, que não é apreciado. Não existe missa sem comunhão, nem que seja apenas a do padre; mas tampouco há comunhão sem missa: são duas coisas que se completam6.
 
 
Que é a missa?
 
Antes de ir ao Pai, Nosso Sehor disse: Consummatum est. É a omunhão que consome, termina, coroa o sacrifício. A missa termina na comunhão – o que se segue é um pequeno acréscimo da Igreja. Quando comungais antes da missa, começais pelo final, o que é contradição. A comunhão é que é o perfeccionamento e coroação do sacrifício. Sempre pode haver exceções, mas sempre exceções.
 
A missa cantada junto aos anjos é o que se chama de grande prece. Conheço um jovem advogado, bom católico, que todas as manhãs, às seis e meia, comunga. Mal suspeita o que seja a missa. Comunga, depois se esconde atrás do pilar para que a missa não o distraia de sua pequena prece, pois a grande prece, repito, é a missa. Cantam os anjos, mas não quero acompanhá-los... já tenho meu flautim!... É ridículo!
 
Que é o sacrifício da missa? É o gesto do Cristo Deus que se entrega a seu Pai, ao Calvário e ao altar: “Pai, eis me aqui para a glória vossa; Pai, Pai, aceitai-me... eis aqui.”
 
Que é a comunhão? É o Cristo a nos convidar: “Meus filhinhos, meus filhinhos, está posto o banquete; agora, consumi-me e deixai-vos consumir; vinde, vinde, experimentai.” É o querido pai, o bom Deus, a nos chamar. Eis o sacramento.
 
Antes de nós, o Pai. O bom Deus é o primeiro: eis o sacrifício, a missa. Depois, nós, e eis a comunhão. Tudo isso para que capteis a diferença.
 
A missa é o Cristo da Sexta-Feira Santa, é o Deus que louva e adora conosco.
 
O Homem-Deus é o que expia conosco e por nós: “Pai, contemplai-me as chagas, o sangue; rogo-vos por eles, pago por eles.”
 
O Cristo-Deus é o que peticiona: “Pai, meu Pai, meu Deus, meus filhinhos não sabem o que dizem, não sabem dizer obrigado; mas eu vos digo: daí-lhes tudo que lhes é necessário, luz, força, graças, virtudes; são uns pobres maltrapilhos, cumulai-os.”
 
É tudo isto o drama do Calvário, e tudo antes da comunhão, da comunhão que perfecciona o sacrifício: adoração perfeita do Cristo covosco, expiação perfeita do Cristo covosco, ação de graças perfeita do Cristo convosco, pertição perfeita do Cristo convosco.
 
 
A Continuação do Calvário
 
Não se pode falar do trato divino com palavras humanas, mas com nomes perfeitos, dentro do possível. Diz-se que a missa é a renovação do sacrifício da cruz; não lhe é um acréscimo, é a mesma coisa. Substituamos renovação por prolongamento. Logo, a missa é o prolongamento do sacrifício do Calvário ao longo dos séculos – é a missa do Calvário que se prolonga, desde o Calvário até hoje de manhã.
 
Suponhamos que temos recebido uma benção radiodifundida do papa. Pio XII está no Vaticano, seus dois secretários estão ao seu lado. Cá estamos nós na capela. Anuncia-se: “O papa vai abençoar-nos”. De joelhos, bem entendido: “Abençôo o pe. Matéo e os que se encontram no retiro etc.” Escutamos, dizia eu, como escutavam os dois secretários a seu lado; era o prolongamento de suas palavras por todo o mundo, mas por acaso era uma renovação? A missa é a radio oficial da Igreja: só existe uma, que se prolonga ao longo dos séculos e que nos mostra o que João e Madalena testemunharam aos pés do Calvário.
 
Uma missa de vinte séculos!... Podem ser a radio o papa, o bispo ou o padre. Se tivesseis fé! Se a tivesseis, veríeis ao Cristo. A missa é o Calvário, mas com uma variante: no Calvário, a vítima é dolorosa; no altar, a vítima é gloriosa pois, neste momento, suas pisaduras são de glória. O altar católico é oTabor, mas coberto de uma nuvem vermelha de sangue; o altar católico também é o Calvário, Calvário glorificado dos esplendores do Tabor. Em linguagem simbólica e mística, dizem os poetas que a missa é o Natal – é mais ou menos assim: nasce a Criança um pouco menor que em Belém; Maria lhe oferece aos homens. Glória... Para outros, a missa é a Quinta-Feira Santa. Eis ali o Cordeiro... Vinde, vinde, vamos comer a Páscoa. Pois bem! São tudo consolações para o coração. Amanhã, tereis uma missa melhor que a de hoje.
 
Por que dizer: Se eu estivesse junto com Madalena e São João?... Vós estais com eles todas as manhãs. Não há dois Calvários, nem dois sacrifícios.
 
 
A Missa e os Milagres
 
Somos sequiosos por milagres, como crianças por chocolate; não obstante, estamos bem próximos ao milagre dos milagres. Que são todos os milagres, se comparados à missa? Perde-se a missa por causa de relíquias! O grande milagre, maior que as relíquias, é a missa.
 
Estava a preparar um retiro em meu quarto. Entra um padre: “O bispo me enviou com um tesouro para mostrar-vos”. Era um cibório relicário, contendo uma hóstia inteira, intacta com sangue. Mandaram analisar o sangue: “perfeito sangue humano”, disse o famacêutico. Se fora católico, teria de acrescentar: “perfeito sangue divino”. Que aconteceu? O bispo enviou-o para perto de seu amigo doente; consagrau por ele, mas do final da missa, morreu o doente, esquecendo de comungar daquela hóstia. Permaneceu um mês no cibório relicário. Quando o abriu, encontrou-o ensangüentado, e a hóstia em perfeita brancura. Grande milagre? Não, pequeno, bem pequeno. Prestem atenção!
 
Existe uma hierarquia de valores... Sejam mais religiosas que mulheres... Só a missa é um milagre de primeira ordem, de primeira classeÉ o único milagre. Nem a ressureção de Lázaro, nem outros milagres que se lhe comparem. São milagres de segunda classe as conversões: a conversão de São Paulo, a de Santo Agostinho. Os demais milagres são de terceira classe: este que acabei de referir é algo belo, mas é um pequeno milagre. Tais milagres não são nada, se comparados ao da missa. Apressamo-nos a ver os pequenos milagres, mas não nos ocupamos do único que há: a missa. É como se eu dissesse: “A santa vai falar-vos”, e vós respondesseis: “Estou ocupada em vigiar a criança que está brincando perto de mim”. Ou ainda, que preferísseis contemplar uma folha ou flor em vez do sol. Ausentam-se em umas dez ou vinte missas para visitar Tereza Neumann7... que ausência de doutrina! São verdadeiros todos os fatos ocorridos em sua vida, mas a Igreja não se pronunciou. Os milagres de Paray-le-Monial e de Lourdes são pequenos milagres,se comparados aos milagres contidos naquele do Calvário: eis aí a pura doutrina. Há religiosas que preferem a pequena música das devoções às preces da missa... seu acordeãozinho ao órgão. Não apreciam a missa, a única devoção verdadeira.
 
A missa tem de provocar um incêndio que deve queimar até a morte.
 
Na missa, existem três celebrantes, o Cristo-Pontífice, o Cristo-Padre, e vós. Sempre somos em três8.
 
Por que se necessita de um acólito na missa? Não é para entregar as galhetas ou responder as preces, mas para representar o terceiro celebrante, que sois vós ou a comunidade. Por que das cruzes traçadas sobre o cálice?  Per ipsum et cum ipsumNele, meu Deus, meu Juiz; por ele, meu Deus e Salvador; com ele, meu Deus e meu Rei, meu bem-amado Esposo. Quem canta assim? A Igreja e eu, junto com ele, para a glória da Trindade. Esta é a razão de ser da encarnação, da redenção, dos sacramentos. Oh! Como queria que vós lêsseis, estudásseis,, meditásseis o cânon da missa! O cânon é um mosaico de preces antigas. O que vem antes e depois do cânon é a moldura.
 
Vivei a missa! Quando tiverdes dois ou três minutos, dizei a missa que chamo a de “São João”. Compõe-se ela de três preces principais que resumem a missa: oferenda, consagração, comunhão. Copiai do missal a missa da Trindade, ou do Santíssimo Sacramento, ou da Santa Virgem, segundo vossa devoção; levai-a convosco e, nos momentos livres, “celebrai a missa”, em união com as missas que àquele momento se celebram, pois que, tanto ao meio-dia quanto à meia-noite, estamos sempre entre dois altares. Deste modo aprende-se a viver a missa o dia inteiro.
 
Leio a missa o dia todo: meu anjo da guarda é o acólito da missa, quero morrer celebrando a missa.
 
A missa é a única homenagem, o único louvor. Atentem bem para o que chamo de “vício” da missa. Os santos devem se aborrecer quando se abandona a missa para lhes orar; chega a ser ridículo como nos falta doutrina! Devoção aos santos, sim; mas não em lugar da missa. Recitem vinte rosários antes, e cinqüenta depois, mas não durante a missa.
 
Parece que se esqueram um pouco da festa da Santíssima Trindade; é comum não solenizá-la tanto quanto a de São José ou outros; não há paramentos especiais, nem música. Mas a Igreja não se esqueceu: a festa da Santíssima Trindade é a missa. E o único chantre é Jesus. Nem a Santa Virgem, nem os anjos, nem os santos podem entoá-la dignamente. É o coração do rei que canta ao altar. Glória, louva o céu; Glória, entoa o purgatório; Glória, canta a Igreja – todas festas da Santíssima Trindade. Que mais belo que isto?... Nada, nada e nada9.
 
Não há criatura que possa dignamente entoar à Trindade, nem Maria. Só, o Pontífice Supremo entoa dignamente o hino de glória à Trindade. Por meio dele, tornamo-nos chantres maravilhosos, dignos da Trindade. Começemos, já aqui embaixo, a cantar: “Gloria! Hosanna!”, porque será curta a eternidade.
 
Por ele, com ele e nele, toda a glória, honra e louvor.
 
 
*
*    *
 
 
Anexo:
O Cálice da Salvação10
 
[...] Agora falemos acerca da missão salvífica do cálice, calix salutaris, oferecido para a redenção de muitos. Ah! Resgataram nossas almas por um preço muito alto! Custamos ao Pai a torrente de sangue vertida da Cruz, cujá efusão secou as veias do Salvador, “Redemisti nos Deo in sanguine tuo11”.
 
De fato, a principal missão salvífica na Igreja não está na palavra, nem na admirabilíssima atividade de um Francisco Xavier, de modo algum! Supõe tal atividade apostólica o sangue redentor.
 
A santa missa compreende ambos: o drama do Cenáculo e a divina tragédia do Calvário, a imolação mística da Quinta-Feira Santa, e a cruenta da Sexta-Feira Santa!
 
Não é uma lição igualmente sólida que reconfortante para a mulditão das belas almas que deploram e esperam a conversão de um ente amado? Pois, infelizmente, abundam os pródigos e os publicanos, mesmo nas famílias cristãs.
 
Que angústia nobre e santa a da esposa cristã, da mãe exemplar, da filha piedosa, que vivem em casa com o cadáver moral do marido, do filho, do pai, afastados de Deus, e que trabalham, faturam e gozam a vida à beira do inferno! Avança a morte e espreita , podendo surpreendê-los como um ladrão, sem estarem quites com suas contas a pagar – Deus os livre e guarde!
 
Quanto sofrem dessa angústia as almas santas, as religiosas fervorosas e sobretudo, os padres zelosos, sentido-se responsáveis pelas almas em grande perigo! Que fazer neste caso? Que segredo de misericórdia obteria tais ressurreições morais, bem mais difíceis que a de Lázaro? Pois que a conversão de uma alma ingrata e endurecida é prodígio em tudo extraordinário, diferente de reanimar um cadáver. Como obter tal prodígio?
 
Com a onipotência misericordiosa do santo sacrifício! Uma só missa tem mais peso na balança da justiça e da misericórdia que todas as boas obras de todos os santos!
 
A seu exemplo, façamos boas obras, penitências, esmolas, orações. Mas para que fecundem as obras até ao milagre, vertamo-las como uma gota d’água no precioso sangue do cálice!
 
Falamos amiúde de almas “de impossível conversão”.. Converter almas que se nos deparam inconvertíveis! Que milagre imenso há de se dar para um infeliz pecador, afastado dos sacramentos e com anos de vida escandalosa nas costas, chore de arrependimento! Todavia, ei-lo branqueado no tanque de uma confissão admirável em sinceridade. Contemplemos a piedade com que vai receber Deus na primeira comunhão, depois de estar ausente da morada de Deus por quarenta anos ou mais!... O “impossível” já o não é mais! Resplendeu o milagre!
 
São comuns tais vitórias, todas sempre conquistadas pelo clamor da vítima do altar. O Pai não pode recusar a glória e a vitória ao Filho bem-amado, que deu o último suspiro implorando o perdão, oferecendo o paraíso com misericórdia infinita.
 
Mas o Céu sempre exige que se pague o preço da justiça. Refulge o milagre quando se satisfaz com plenitude a justiça. É aí que a misericórdia despedaça os túmulos e comanda o cântico dos mortos ressucitados.
 
Não faltam devoções, mas a rainha delas todas, o santo sacrifício da missa, mais das vezes nos falta. Por isso não ocorrem as grandes conversões. Quero causar espécie entre os bons católicos, acerca deste ponto tão importante.
 
Junto à rainha das dores, como João e Madalena aos pés da cruz, oremos e deploremos diante do calvário do altar, façamos violência à divina vítima em favor dos queridos pródigos de nossos lares... Usurpemos pela onipotência da missa tais milagres.
 
Por este meio, usual após a Sexta-Feira Santa, que se fende o rochedo dos maiores pecadores. Esta é a minha mais profunda convicção: um lar é resgatado quando há ali, de fato, uma alma fervorosa, inflamada pela santa missa, salvando assim do inferno os que estão em perigo. Esta alma é apostólica, pois que carrega o cálice da salvação no coração, e seu coração vive dentro do cálice.
 
Desta forma foi minha mãe a feliz responsável diante de Deus, o intrumento da salvação de meu pai e de meu irmão mais velho. E também de minha vocação. Mais que nunca, falo de uma experiência excelente. Ponho minhas mãos sobre o Evangelho e sobre o altar em testemunho da verdade! Garanto-vos de que se fordes fiéis e dóceis em seguir este conselho, dar-me-eis graças um dia, mas na companhia daqueles que convertestes e salvastes através do apostolado da missa!
 
Sim, escutai-me de bom grado, confrades de sacerdócio! Lede-me com atenção, predicadores e missionários [...]. Afirmando isto, nada faço senão uma mera glosa da prece da Igreja na oferenda do sacrifício:
 
Aceitai, meu Pai, esta Hóstia imaculada e pela qual imploramos vossa clemência... para nossa salvação e a do mundo inteiro!
 
(Sel de la Terre nº55. Tradução: Permanência)

  1. 1. A missa não cumpre um milagre em senso estrito, pois o fato extraordinário que se dá não é sensível (mas não se pode tê-lo com valor de signo). Pode-se contudo qualificá-lo de milagre em senso lato, pois ultrapassa em muito a potência da natureza. Eis o que aqui e mais adiante significa “milagre” para o padre Matéo em seu discurso.
  2. 2. Vai perceber-se que o padre Matéo não fala de um sacerdócio em senso estrito, mas de uma sorte de sacerdócio, uma simples imagem, uma jeito de falar. Ver sobre o tema o “Catéchisme de la crise dans l’Église” do Sr. padre GAUDRON, no presente número de Sel de la terre.
  3. 3. Trata-se de um célebre quadro representando a aparição do Cristo crucificado durante a elevação da hóstia.
  4. 4. O padre Matéo desenvolveu esta idéia a 17 de dezembro de 1948, por ocasião do qüinquagésimo aniversário de sua ordenação sacerdotal, em um estudo intitulado “Le saint sacrifice de la messe, hymne de gloire, le seul digne de la Sainte Trinité”. Citaremos algumas passagens em notas e no anexo.
  5. 5. Era ainda costume nas paróquias distribuir a comunhão aos fiéis antes do começo da missa, e não após a comunhão do padre.
  6. 6. Escreveu o pe. Matéo em 1948: “Infelizmente, são legião os que vêem para missa apenas para comungar, e não para tomar parte do sacrifício, nem para glorificar a Santíssima Trindade... Para quantas almas piedosas a divina eucaristia reduz-se ao pão consagrado distribuído à santa mesa! Para tais pessoas a santa missa é uma bela cerimôna litúrgica durante a qual, conforme o costume, se pode comungar. A missa não se lhes depara como o supremo sacrifício, verdadeiro eixo da Igreja, mas somente a chave d’ouro que abre o tabernáculo quando, em devoção privada, quer-se receber Jesus-Hóstia... É desta forma que, durante a missa inteira, recitam novenas e rosários, inconscientes ou quase do drama divino que se desdobra no altar [...] Como estava certo o teólogo que escreveu: “O que não aprecia a santa missa, nunca será verdadeiramente uma alma eucarística; não apreciará a santa comunhão, ainda que a receba todos os dias”. De fato, a ignorância e a rotina combinadas desempenham nesta caso um papel nefasto. Tornam o Santo Sacramento uma devoção insípida e sem substância, como leite desnatado!”.
  7. 7. Tereza Newmann (1898-1962), estigmatizada católica. Celebrizou-se por ser milagrosamente curada, após um acidente que a deixou cega e paralítica; desde então não mais tomava alimentos ou líqüidos, mas sustentava-se apenas da Santa Eucaristia. Outros fenômenos lhe estavam associados, verbi gratia, os supracitados estigmas, o dom de línguas, curas milagrosas. [N. da P.]
  8. 8. Em 1948, escreveu o pe. Matéo: “Quem opera a santa missa? São três as pessoas, mas cuja operação possui virtudes litúrgicas bem diferentes. 1. Antes do mais, o pontífice adorável, o Cristo Jesus, o grande sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque (He 5, 10). Ele é, ao mesmo tempo, o oficiante divino e a sacrossanta oblação sacramental. 2. Em seguida, por ele, com ele e nele, há outro Cristo que é o padre, ministro oficial, adrede consagrado para oferecer o santo sacrifício. Sacerdotium propter sacrificium, o sacerdócio foi criado para o oferecimento do sacrifício. Ao executar no altar a maxima actio, está investido do sacerdócio e do poder do Cristo, em virtude das palavras pronunciadas pelo Salvador na Última Ceia: “Façam isto em memória de mim” (Lc 22, 19) 3. E enfim, por uma sorte de concomitância espiritual, os fiéis oferecem o sacrifício com o padre, mas em medida restrita e discreta, e somente na oferta e comunhão da vítima. Também, porque a missa é essencialmente um culto social e público, a Igreja exige sempre a presença no altar de um representante do povo, que é acólito da missa ou criança do coro. Este, em sua função oficial, no papel de “lugar-tenente” do povo, deve apresentar ao celebrante o vinho e a água. E sempre na sua qualidade de “deputado”, enceta com o padre o diálogo que, nos primeiros séculos da Igreja, fora a forma litúrgica estabelecida para a celebração do santo sacrifício.”
  9. 9. “Por uma amável e longa experiência, posso afirmar que nunca me deparei com um verdadeiro devoto da Augusta Trindade que lá não tenha chegado pelo caminho real do mediador da missa. Sim, o conhecimento e o amor do Pai e da Trindade nascem e se desenvolvem nas expansões do altar. Um dia, tal devoção se difundirá nos cânticos dos anjos: Sanctus, Sanctus, Sanctus. Deus Sabaoth! (Pe. Matéo, em 1948, ibid.)
  10. 10. Trecho de um estudo, redigido por ocasião do jubileu sacerdotal do pe. Matéo, em 1948. [N. da. P.]
  11. 11. Ap 5, 9. Resgataste-nos para Deus, ao preço de teu sangue.
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