Santo Tomás de Aquino (3981)
O quarto discute-se assim. — Parece que Cristo não foi a causa da sua ressurreição.
1. — Pois, quem é ressuscitado por outro não é a causa da sua ressurreição. Ora, Cristo foi ressuscitado por outro, segundo o Evangelho: Ao qual Deus ressuscitou, soltas as dores do inferno. E o Apóstolo: Aquele que ressuscitou dos mortos a Jesus Cristo também dará vida aos vossos corpos mortais, etc. Logo, Cristo não é a causa da sua ressurreição.
2. Demais. — Quem pede uma causa a outro não dizemos que a merece nem que dela é causa. Ora, Cristo com a sua Paixão mereceu a ressurreição; assim, como diz Agostinho, as humilhações da Paixão mereceram a glória da ressurreição. E também pediu ele ao Pai lhe concedesse a ressurreição, segundo aquilo da Escritura: Tu, pois, Senhor, tem compaixão de mim e ressuscita-me. Logo, Cristo não foi a causa da sua ressurreição.
3. Demais. — Como o prova Damasceno, quem ressurge não é a alma, mas o corpo ferido pela morte. Ora, o corpo não pode unir a si a alma, mais nobre que ele. Logo, oque em Cristo ressurgiu não podia ser a causa da sua ressurreição.
Mas, em contrário, o Senhor diz: Ninguém tira de mim a minha alma, mas eu de mim mesmo a ponho e tenho o poder de a reassumir. Ora, ressurgir não é senão assumir de novo a alma. Logo, parece que Cristo ressurgiu por virtude própria.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, pela morte não ficou separada a divindade nem da alma nem do corpo de Cristo. Ora, tanto a alma de Cristo morto, como o seu corpo podem ser considerados a dupla luz: em razão da divindade e em razão da natureza mesma criada. - Segundo, pois, a virtude da divindade que lhe estava unida tanto o corpo reassumiu a alma, que depuzara, como a culpa reassumiu o corpo, que demitira. E tal o diz o Apóstolo, de Cristo: Ainda que foi crucificado por enfermidade, vive todavia pelo poder de Deus. - Se porém considerarmos o corpo e a alma de Cristo morto, quanto à virtude da natureza criada, então não podiam ser reunidos um àoutra, mas era mister fosse Cristo ressuscitado
por Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O mesmo é a virtude divina que a obra do Pai e do Filho. Por onde, Cristo ressuscitou tanto pela virtude divina do Pai, como pela sua própria.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo, orando, pediu e mereceu a sua ressurreição, enquanto homem, mas não como Deus.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O corpo, pela sua natureza criada, não tem maior poder que a alma de Cristo; mais poderoso é que ela porém, por virtude divina. Mas a alma, por sua vez, pela divindade que lhe estava unida, tem maior poder que o corpo na sua natureza criada. E assim, segundo a virtude divina, o corpo e a alma se reassumiram mutuamente, mas não segundo a virtude da natureza criada.
O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo não foi o primeiro que ressurgiu.
1. — Pois, lemos no Antigo Testamento que Elias e Eliseu fizeram ressurgir certos, como o diz o Apóstolo: As mulheres recobraram os seus filhos mortos por meio de ressurreição. Semelhantemente Cristo, antes da sua Paixão, ressuscitou três mortos. Logo, Cristo não foi o primeiro dos rescritos.
2. Demais. — O Evangelho, entre os outros milagres que se deram na Paixão de Cristo, narra que se abriram as sepulturas e muitos corpos de santos, que eram mortos, ressurgiram. Logo, Cristo não foi o primeiro dos ressurrectos.
3. Demais. — Assim como Cristo, pela sua ressurreição é a causa da nossa, assim pela sua graça é a causa da nossa graça, segundo aquilo do Evangelho: Todos nós participamos da sua plenitude. Ora, outros, como todos os Patriarcas do Antigo Testamento, tiveram a graça antes de Cristo. Logo, tiveram também a ressurreição do corpo, antes de Cristo.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem. Ao que diz a Glosa: Porque ressurgiu antes, no tempo, e em dignidade.
SOLUÇÃO. — A ressurreição consiste em um morto retomar à vida. Ora, de dois modos pode alguém ser retomado à morte: ou de uma morte atual, como quando recomeça simplesmente a viver, depois de ter morrido; ou quando fica livre não só da morte, mas também da necessidade, e o que é mais, da possibilidade de morrer. E esta é a verdadeira e perfeita ressurreição. Porque, enquanto vivemos sujeitos à necessidade de morrer, de certo modo a morte nos domina, segundo aquilo do Apóstolo: O corpo verdadeiramente está morto pelo pecado. Ora, o que existe como possível existe de certo modo, isto é, potencialmente. Por onde é claro, que a ressurreição pela qual alguém é retomado somente à uma morte atual é uma ressurreição imperfeita. — Assim, pois, falando-se da ressurreição perfeita, Cristo foi o primeiro que ressurgiu, porque ele foi o primeiro que, ressurgindo, chegou à vida perfeitamente imortal, segundo o Apóstolo: Tendo Cristo ressurgido dos mortos, já não morre. Mas, por uma ressurreição imperfeita certos outros ressurgiram, antes de Cristo, para serem uma como indicação prévia da ressurreição do mesmo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Pois também os que ressurgiram como o narra o Antigo Testamento, e os ressurgidos por Cristo, voltaram à vida mas ficando sujeitos a morrerem de novo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Há dupla opinião referente aos que ressurgiram com Cristo. Assim, uns afirmam que, voltando àvida, ficaram livres de tornar a morrer; pois, o morrerem de novo ser-Ihes-ia maior tormento que não terem ressurgido. E tal é o sentido que se deve dar, segundo Jerônimo, àquele lugar: Não ressurgiram antes de o Senhor ter ressurgido. E por isso diz o evangelista: Saindo das sepulturas depois da ressurreição de Jesus, vieram à cidade santa e apareceram a muitos. Mas Agostinho, referindo essa opinião, diz: Sei que há certos de opinião, que os justos, ressuscitados na ocasião da morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, se encontraram desde logo em todas as condições da ressurreição última. Mas se não depuseram o novo corpo, para reentrarem no sono do túmulo, pergunto como se entende o dito que Cristo é o primogênito dentre os mortos, se tantos outros ressuscitaram antes dele. Responderão que o evangelista antecipou, falando do segundo fato, de modo que devamos entender o lugar citado no sentido que os túmulos se abriram por ocasião do tremor de terra, quando Cristo expirou na cruz, mas que os justos, de que se trata, só depois de ter Cristo ressuscitado é que ressurgiram. Mas, então, resta outra dificuldade: como S. Pedro, querendo provar aos judeus, que não a Davi mas a Cristo, era referente a predição que a sua carne não viria a corrupção, faz-lhes observar que o túmulo desse rei se via ainda entre eles? Pois, não podia convencê-los com essa razão, se o corpo de Davi já no túmulo não estava. Porque, ainda mesmo que Davi tivesse ressuscitado pouco tempo depois da sua morte, e que o seu corpo não tivesse sofrido a corrupção, poderia contudo ainda existir o seu túmulo. Entretanto, supondo que esses justos ressurgindo alcançaram uma vida imortal, é duro pensar que Davi não foi do número deles, apesar de considerarmos como um título de glória para Cristo o ter nascido da raça de Davi. E também será difícil entender-se o que o Apóstolo diz aos Hebreus, dos justos do Velho Testamento — Para que eles, sem nós não fossem consumados - se já por efeito dessa ressurreição foram constituídos no estado de incorruptibilidade, que nos é prometido no fim dos tempos, como nossa perfeição. Por onde, Agostinho é de opinião que ressurgiram, mas para morrer de novo. Com o que também concorda o dito de Jerônimo: Assim como Lázaro ressurgiu, assim também muitos corpos de santos, para mostrarem que o Senhor deveras ressurgiu. Embora, num Sermão, deixe o assunto duvidoso. As razões de Agostinho porém parecem muito mais concludentes.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Assim como o que precedeu o advento de Cristo foi preparatório da sua vinda, assim a graça é uma disposição para a glória. Por onde, o que pertence àglória, tanto quanto à alma - tal o perfeito gozo de Deus - como quanto ao corpo — e tal é a ressurreição gloriosa, tudo isso Cristo devia tê-la com anterioridade no tempo, como sendo o autor da glória. No concernente àgraça, convinha existisse ela primeiro nos que para Cristo se ordenavam.
O segundo discute-se assim. — Parece que Cristo não devia ressurgir no terceiro dia.
1. — Pois, os membros devem harmonizar-se com a cabeça. Ora, nós, membros de Cristo, não ressurgimos da morte no terceiro dia, senão que a ressurreição nos é diferida até o fim do mundo. Logo, parece que Cristo, nossa cabeça, não devia ter ressurgido no terceiro dia, mas a ressurreição devia ter-lhe sido diferida até o fim do mundo.
2. Demais. — Diz Pedro que era impossível ser Cristo prisioneiro do inferno e da morte. Ora, quem está morto é prisioneiro da morte. Logo, parece que a ressurreição de Cristo não devia ser diferida até o terceiro dia, mas devia ressurgir logo no mesmo dia. Sobretudo que a Glosa Supra referida diz: Nenhuma utilidade haveria na efusão do sangue de Cristo, se não ressurgisse logo.
3. Demais. — O dia começa ao nascer do sol, que com a sua presença é a causa dele. Ora, Cristo ressurgiu antes do nascer do sol, segundo o Evangelho: No primeiro dia da semana veio Maria Madalena ao sepulcro de manhã, fazendo ainda escuro. E então já Cristo tinha ressurgido, conforme o diz a continuação desse lugar do Evangelho: E viu que a tampa estava tirada do sepulcro. Logo Cristo não ressurgiu no terceiro dia.
Mas, em contrário, o Evangelho: Entrega-lo-ão aos gentios para ser escarnecido e açoitado e crucificado, mas ao terceiro dia ressurgirá
SOLUÇÃO. — Como se disse, a ressurreição ele Cristo era necessária para a ilustração da nossa fé. Ora, a nossa fé tem por objeto tanto a divindade como a humanidade de Cristo; pois, não basta crer numa sem crer na outra, como do sobredito se colhe. Por onde, para que se confirmasse a nossa fé na verdade da sua divindade, era necessário ressurgisse logo, nem lhe fosse diferida a ressurreição até ao fim do mundo. Mas, para que fosse confirmada a fé na verdade da sua humanidade e da sua morte, era necessário houvesse um intervalo entre a morte e a ressurreição. Se, ao contrário, tivesse ressurgido imediatamente depois da morte poderia parecer que não tinha verdadeiramente morrido, e por consequência que também não era verdadeira a sua ressurreição. Ora para manifestar a verdade da morte de Cristo, bastava que a sua ressurreição fosse diferida até ao terceiro dia; pois, não é necessário, que um homem aparentemente morto manifeste, dentro desse tempo, quaisquer sinais de vida. — E também o fato de ter ressurgido no terceiro dia proclama a perfeição do número três, número próprio de todas as causas, por ter princípio, meio e fim, como diz Aristóteles. - E mostra ainda misteriosamente, que Cristo, com a morte única do seu corpo, que foi uma luz, por causa da sua justiça, destruiu as nossas duas mortes - a do corpo e a da alma, envoltas nas trevas, do pecado. Por isso Cristo permaneceu morto um dia inteiro e duas noites como diz Agostinho. - E além disso significa que com a ressurreição de Cristo começava o terceiro tempo. Pois, o primeiro foi o anterior àlei; o segundo, o da lei; o terceiro, o da graça. — Enfim, com a ressurreição de Cristo começou o terceiro estado dos Santos. Pois, o primeiro foi o figurado, sob a lei; o segundo, o da realidade da fé; o terceiro será o da eternidade da glória, que começou com a ressurreição de Cristo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A cabeça e os membros harmonizam-se pela natureza, mas não pela virtude; pois, a virtude da cabeça é mais excelente que a dos membros. Por isso, para manifestar a excelência da virtude de Cristo, devia ele ressurgir no terceiro dia, sendo a ressurreição dos demais dilatada a ao fim do mundo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A prisão implica uma coação. Ora, Cristo não estava adstrito a nenhuma necessidade que lhe a morte tivesse imposto; mas era livre entre os mortos. Por isso, permaneceu algum tempo morto, não como prisioneiro da morte, mas por vontade própria, enquanto o julgava necessário para a ilustração de nossa fé. Pois, dizemos que se realiza imediatamente o que se faz com breve interpolação de tempo.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos, Cristo ressuscitou pela alta, quando já iluminava o dia, para significar que mediante a sua ressurreição nos conduzia àluz da glória. Assim como morreu quando já o dia entardecia e declinava para as trevas, a fim de mostrar que pela sua morte destruiria as trevas da culpa e da pena. E contudo se diz, que ressurgiu no terceiro dia, tomando esta palavra pelo dia natural, que abrange o espaço de vinte e quatro horas. E, no dizer de Agostinho, a noite, até o dilúculo em que se deu a ressurreição do Senhor, pertence ao terceiro dia. Pois, Deus mesmo, ordenando que das trevas resplandecesse a luz, a fim de que pela graça do Novo Testamento e pela participação da ressurreição de Cristo, pudéssemos nos aplicar as palavras do Apóstolo — Noutro tempo éreis trevas, mas agora sais luz no Senhor — Deus mesmo nos insinua de certo modo que o dia começa pela noite. Assim pois como os primeiros dias da criação se contavam a partir da luz até a noite, por causa da queda futura do homem, assim no caso vertente, por causa da redenção, os dias se contam partindo das trevas à luz. — Por onde é claro, que ainda que tivesse ressurgido à meia noite, poderíamos dizer que ressurgiu no terceiro dia, entendendo-se este como dia natural. Mas, como na verdade ressurgiu no dilúculo, podemos dizer que ressurgiu no terceiro dia, mesmo considerando este como dia artificial, causado pela presença do sol; porque já o sol começava a iluminar o ar. Por isso S. Marcos diz, que as mulheres chegaram ao sepulcro, quando já o sol era nascido. O que não encontra o dito de João, segundo o explica Agostinho: pois, no surgir do dia, as trevas remanescentes tanto mais se dissipam quanto mais se intensifica a luz; por onde, o dito de Marcos - já o sol era nascido - não devem.os entendê-la como se esse astro já estivesse acima do horizonte, mas significam somente que ia aparecer logo.
O primeiro discute-se assim. — Parece que não era necessário Cristo ressurgir.
1. — Pois, diz Damasceno: Chama-se ressurreição ao fato de tornar a surgir um ser animado, que caiu e se decompôs. Ora, Cristo não caiu por causa de nenhum pecado, nem o corpo se lhe decompôs, como do sobredito se colhe. Logo, não podemos propriamente dizer que ressurgiu.
2. Demais. — Quem ressurge é levado a um estado mais alto, porque surgir é ser movido para cima. Ora, o corpo de Cristo depois da morte permaneceu unido àdivindade e, portanto, não podia ser elevado a um estado mais alto. Logo, não lhe cabia o ressurgir.
3. Demais. — Tudo o que sofreu a humanidade de Cristo se ordenava ànossa salvação. Ora, bastava à nossa salvação a Paixão de Cristo, pela qual fomos livres da pena e da culpa, como do sobredito se colhe. Logo, não era necessário que Cristo ressurgisse dos mortos.
Mas, em contrário, o Evangelho: Importava que Cristo sofresse e ressurgisse dos mortos.
SOLUÇÃO. — Era necessário que Cristo ressurgisse, por cinco razões. — Primeiro para a manifestação da divina justiça, a qual compete exaltar aos que se humilham por amor de Deus, segundo aquilo do Evangelho: Depôs do trono os poderosos e elevou os humildes. Tendo, pois, Cristo, levado da caridade e da obediência, se humilhado até à morte da cruz, importava fosse exaltado por Deus até a ressurreição gloriosa. Por isso a Escritura diz, da sua pessoa: Tu me conheceste, isto é, aprovaste ao assentar-me, isto é, a glorificação na ressurreição, como o interpreta a Glosa. — Segundo, para ilustração da nossa fé. Pois, a sua ressurreição confirmou a nossa fé na divindade de Cristo; porque, como diz o Apóstolo, ainda que foi crucificado por enfermidade, vive todavia pelo poder de Deus. Donde o dizer ainda o Apóstolo: Se Cristo não ressuscitou é vã a nossa pregação, é também vã a nossa fé. E noutro lugar diz a Escritura: Que proveito há no meu sangue, i. é, na efusão do meu sangue, se desço à corrupção, como que por degraus de males? Quase se respondesse: Nenhum. Pois, se não ressurgir logo e se me corromper o corpo, a ninguém anunciarei, a ningué serei de proveito, como expõe a Glosa. — Terceiro, para sustentar a nossa esperança. Pois, vendo Cristo ressurgir, ele que é nossa cabeça, esperamos que também havemos de ressurgir. Donde o dizer o Apóstolo: Se se prega que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns entre vós outros que não há ressurreição de mortos? E noutro lugar da Escritura: Eu sei, isto é, pela certeza da fé, que o meu Redentor, isto é, Cristo vive, tendo ressurgido dos mortos, e portanto, eu no derradeiro dia surgirei da terra: esta minha esperança esta depositada no meu peito. — Quarto, para nos dar um modelo pelo qual possamos regular a nossa vida, segundo aquilo do Apóstolo: Como Cristo ressurgiu dos mortos pela glória do Padre, assim também nós andemos em novidade de vida. E mais abaixo: Tendo Cristo ressurgido dos mortos, já não morre nem a morte terá sobre ele mais domínio; assim também vós considerai-vos que estais certamente mortos ao pecado, porém vivos para Deus. — Quinto, para complemento da nossa salvação. Pois, assim como sofreu tantos males e morreu, para dos males nos livrar, assim também foi glorificado ressurgindo, para nos dar a posse do bem, segundo aquilo do Apóstolo: Foi entregue por nossos pecados e ressuscitou para nossa justificação.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora Cristo não caísse por causa do pecado, caiu contudo pela morte. Pois, assim com o pecado consiste em decair da justiça, assim a morte em decair da vida. Por isso, podemos entender da pessoa de Cristo o lugar da Escritura: Não te alegres, inimiga minha, a meu respeito, por eu ter caído - eu me tornarei a levantar. Semelhantemente, embora o corpo de Cristo não se tivesse decomposto, reduzindo-se a cinzas, o fato mesmo porém de a alma ter-se separado do corpo foi de certo modo uma decomposição.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A divindade estava unida àcarne de Cristo, depois da morte, por uma união pessoal; não porém por uma união de natureza, como a alma está unida ao corpo, como forma, para constituir a natureza humana. E assim, por estar o corpo de Cristo unido àsua alma, foi elevado a um estado mais alto da natureza, mas não a um estado mais alto da pessoa.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A Paixão de Cristo obrou a nossa salvação propriamente falando, quanto à libertação dos males; mas a ressurreição foi o começo e o penhor dos bens.
O oitavo discute-se assim. — Parece que Cristo, com a sua descida aos infernos livrou as almas do purgatório.
1. — Pois, diz Agostinho: Como há testemunhos evidentes que nos falam do inferno e das suas dores, nenhuma razão temos de crer que o Salvador a ele descesse senão para livrar dessas dores os infelizes que as sofriam. Mas o que ainda queria saber é se livrou todos os que nesse lugar encontrou, ou só os que julgou dignos desses benefícios. Contudo não duvido ter Cristo descido aos infernos e ter conferido tal benefício aos que sofriam as suas dores. Ora, não conferiu o benefício da liberação aos condenados, como se disse. Mas, além deles não há outros que padeçam tais dores senão os que estão no purgatório. Logo, Cristo livrou as almas do purgatório.
2. Demais. — A presença mesma da alma de Cristo não produziu efeito menor que os seus sacramentos. Ora, pelos sacramentos de Cristo as almas são libertas do purgatório; e sobretudo pelo sacramento da Eucaristia, como se disse. Logo, com maior razão, pela presença de Cristo descendo aos infernos, foram livradas as almas do purgatório.
3. Demais. — Cristo curou totalmente os que nesta vida curou, como diz Agostinho. E no Evangelho o Senhor diz: Em dia de sábado curei a todo um homem. Ora, Cristo livrou os que estavam no purgatório do reato da pena do dano, que os excluía da glória. Logo, também os livrou do reato da pena do purgatório.
Mas, em contrário, diz Gregório: O nosso Criador e Redentor, peneirando as clausuras do inferno, de lá tirou as almas dos eleitos e não nos permite mais ir para esse lugar, donde livrou a outros com a sua descida. Ora, permite que vamos ao purgatório. Logo, descendo aos infernos, não libertou as almas do purgatório.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, a descida de Cristo aos infernos teve um efeito liberatório em virtude da sua Paixão. Ora, a sua Paixão não produz efeito temporal e transitório, mas sempiterno, segundo aquilo do Apóstolo: Com uma só oferenda fezperfeitos para sempre aos que tem santificado. Por onde é claro, que a Paixão de Cristo não teve maior eficácia que a que atualmente tem. Portanto, os que então estavam em situação semelhante às almas atualmente detidas no purgatório não foram livrados deste pela descida de Cristo aos infernos. Mas se porventura então existiam tais quais os que agora são livrados do purgatório em virtude da Paixão de Cristo, esses nada impede fossem livrados do purgatório pela descida de Cristo aos infernos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Do lugar citado de Agostinho não se pode concluir que todos os detidos no purgatório foram dele livrados, mas que só a alguns deles foi conferido esse benefício. Isto é, aos que estavam suficientemente purificados; ou então aos que, ainda vivendo, mereceram, pela fé, amor e devoção para com a Paixão de Cristo, serem livrados, pela descida de Cristo, da pena temporal do purgatório.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A virtude de Cristo obra nos sacramentos sanando e expiando. Por isso, o sacramento da Igreja livra o homem do purgatório, por ser um sacrifício satisfatório pelo pecado. Ora, o descenço de Cristo aos infernos não foi satisfatório. Mas obrava em virtude da Paixão, que era satisfatória, como estabelecemos; mas era satisfatória em geral, devendo a sua virtude ser aplicada a cada um por algo a cada um especial. Por onde, não era necessário que pela descida de Cristo aos infernos, todos fossem libertos do purgatório.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os defeitos, de que Cristo livrava todos os homens simultaneamente neste mundo, eram pessoais, atinentes propriamente a cada um. Mas a exclusão da glória de Deus era uma miséria geral atinente a toda a natureza humana. Por onde, nada impedia terem sido livrados por Cristo os que estavam no purgatório, da exclusão da glória, mas não do reato da pena do purgatório, necessitada pelos defeitos próprios de cada um. Assim como ao inverso, os santos Patriarcas, antes do advento de Cristo, foram liberados dos seus defeitos próprios, mas não do defeito comum à natureza humana, como se disse.
O sétimo discute-se assim. — Parece que as crianças mortas no pecado original foram livradas pela descida de Cristo.
1. — Pois, não estavam encerradas no inferno por causa do pecado original, como o estavam os santos Patriarcas. Ora, os santos Patriarcas foram livrados do inferno por Cristo, como se disse. Logo e semelhantemente, também as crianças foram livradas do inferno por Cristo.
2. Demais. — O Apóstolo diz: Se pelo pecado de um morreram muitos, muito mais a graça de Deus e o dorn pela graça de um só homem, que é Jesus Cristo, abundou sobre rnuitos. Ora, por causa do pecado de nossos Primeiros Pais, as crianças, mortas só no estado do pecado original são retidas no inferno. Logo, com maior razão, pela graça de Cristo são dele livradas.
3. Demais. — Assim como o batismo obra em virtude da Paixão de Cristo, assim também a sua descida aos internos, como do sobredito resulta. Ora, as crianças são livradas pelo batismo do pecado original e do inferno. Logo e semelhantemente, foram livradas pela descida de Cristo aos infernos.
Mas, em contrário, o Apóstolo diz: Deus propôs a Cristo para ser vítima de propiciação pela fé no seu sangue. Ora, as crianças mortas no estado do só pecado original de nenhum modo foram participantes da fé de Cristo. Logo, não receberam o fruto da propiciação de Cristo, de modo que por ele ficassem livres do inferno.
SOLUÇÃO. — Como se disse, a descida de Cristo aos internos só teve o efeito de libertar aqueles que estavam unidos pela fé e pela caridade à sua Paixão, em virtude da qual essa descida do inferno era liberatória. Ora, as crianças mortas no estado de pecado original de nenhum modo estavam unidas à Paixão de Cristo pela fé e pelo amor; nem podiam ter fé própria, porque não tinham o uso do livre arbítrio; nem foram purificadas do pecado original pela fé dos pais nem por nenhum sacramento da fé. Por onde, a descida de Cristo aos infernos não libertou essas crianças do inferno. — E além disso, os santos Patriarcas foram liberados doinferno por terem sido admitidos àglória da visão divina; àqual ninguém pode chegar senão pela graça, segundo aquilo do Apóstolo — A graça de Deus é a vida eterna. Ora, como as crianças mortas em estado de pecado original não tinham a graça, não foram libertadas do inferno.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os santos Patriarcas, embora ainda estivessem adstritos ao reato do pecado original, por causa de sua natureza humana, contudo foram liberados pela fé de Cristo de toda mácula de pecado. E por isso eram capazes daquela liberação que Cristo trouxe, descendo aos infernos. Mas o mesmo não podemos dizer das crianças, como do sobre dito resulta.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Quando o Apóstolo diz — A graça de Deus abundou sobre muitos, a palavra muitos não deve ser tomada em sentido comparativo, como se fossem em maior número os salvos pela graça de Cristo do que os condenados pelo pecado de Adão. Mas em sentido absoluto, quase se dissesse que a graça do só Cristo abundou sobre muitos, assim como o pecado único de Adão contaminou a muito. Mas, o pecado de Adão contaminou só aqueles que descenderam dele carnalmente por via de geração; assim também a graça de Cristo só a receberam aqueles que se tornaram membros seus; pela regeneração espiritual. O que não convém às crianças mortas era pecado original.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O batismo é aplicado aos homens nesta vida, quando podemos passar da culpa para a graça. Ora, pela descida aos infernos Cristo visitou as almas saídas desta vida, quando já não eram capazes da referida mudança. Por isso, as crianças pelo batismo são libertadas do pecado original e do inferno; mas não pela descida de Cristo aos infernos.
O sexto discute-se assim. — Parece que Cristo livrou certos condenados do inferno.
1. — Pois, diz a Escritura: Serão atados todos juntos num feixe para serem lançados no lago e ficarão ali encerrados no cárcere e depois de muitos dias serão visitados. E esse lugar se refere aos condenados que adoraram a milícia do céu. Logo, parece que também os condenados Cristo os visitou na sua descida dos infernos. O que portanto lhes dizia respeito àliberação.
2. Demais. — Ao lugar da Escritura: Tu também pelo sangue do teu testamento fizeste sair os teus presos do lago em que não há água — diz a Glosa: Tu livraste os que estavam retidos presos nos cárceres, onde não os refrigerava em nada aquela misericórdia pedida pelo rico do Evangelho. Ora, só os condenados são os encerrados em cárceres, sem misericórdia. Logo, Cristo libertou certos condenados do inferno.
3. Demais. — O poder de Cristo não foi menor no inferno que neste mundo; pois, em ambos esses lugares ele agiu pelo poder da sua divindade. Ora, neste mundo libertou muitos, de todos os estados. Logo, também livrou certos dos condenados do inferno.
Mas, em contrário, a Escritura: Òmorte, eu serei a tua morte; ó inferno, eu serei a tua mordedura! E comenta a Glosa: Tirando do inferno os eleitos, mas lá deixando os réprobos. Ora, só os réprobos estão no inferno dos condenados. Logo, pela descida de Cristo aos infernos não foi livrado nenhum dos condenados.
SOLUÇÃO. — Como dissemos Cristo, descendo aos infernos, obrou em virtude da sua Paixão. Por onde, a sua descida aos infernos só produziu o fruto da libertação aos que estavam unidos à Paixão de Cristo pela féinformada pela caridade, que tira os pecados. Quanto aos condenados ao inferno, ou de todo não tinham fé na Paixão de Cristo, como os infiéis; ou se a tinham, nenhuma conformidade tinham com a caridade de Cristo padecente. Por isso também não foram purificados dos seus pecados. Por onde, a descida de Cristo aos infernos não lhes causou a liberação do reato da pena infernal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Pela sua descida aos infernos Cristo de certo modo visitou todos os que estavam em qualquer parte deles. Mas certos, para consolação e libertação; e certos outros, os condenados, para vergonha e confusão. Por isso, no mesmo lugar se acrescenta: E a lua se envergonhará e se confundirá o sol, etc. — Mas a passagem pode ainda referir-se à visitação que hão de receber os condenados no dia de juízo, não para serem livrados, mas para serem mais confirmados na sua condenação, segundo aquilo da Escritura: Virei com a minha visita sobre os homens que estão encravados nas suas fezes.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O dito da Glosa — nenhuma misericórdia os refrigerava, entende-se do refrigério da perfeita liberação. Porque os santos Patriarcas não podiam ser livrados dos cárceres do inferno, antes do advento de Cristo.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Não foi por falta de poder que Cristo não livrou a certos de cada um dos estados do inferno, como livrou a muitos dos vários estados da terra; mas por causa das condições diversas destes e daqueles. Pois, os homens, enquanto vivem podem converter-se àfé e àcaridade; porque nesta vida não estão confirmados no bem nem no mal, como o estarão depois de saírem dela.
O quinto discute-se assim. — Parece que Cristo, descendo aos infernos, dele não livrou os santos Patriarcas.
1. — Pois, diz Agostinho: Ainda não pude descobrir em que a descida de Cristo aos infernos foi útil aos que estavam no seio de Abraão; pois, não vejo que jamais estivessem privados da presença beatifica da sua divindade. Ora, muito útil lhes teria sido se os tivesse livrado dos infernos. Logo parece que Cristo não livrou os santos Patriarcas, dos infernos.
2. Demais. — Ninguém é retido no inferno senão por causa de pecado. Ora, os santos Patriarcas, enquanto viviam, foram justificados do pecado pela fé de Cristo. Logo, não precisavam de ser libertos do inferno, pela descida de Cristo a esse lugar.
3. Demais. — Removida a causa, removido fica o efeito. Ora, a causa da descida aos infernos é o pecado que foi removido pela Paixão de Cristo, como se disse. Logo, a descida de Cristo ao inferno não livrou dele os santos Patriarcas.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Cristo, quando desceu aos infernos, quebrou a porta e as trancas infernais e libertou todos os justos, que estavam encarcerados em virtude do pecado original.
SOLUÇÃO. — Como dissemos Cristo, descendo aos infernos, operou em virtude da sua Paixão. Ora, a Paixão de Cristo liberou o gênero humano, não só do pecado, mas também do reato da pena, como se disse. Ora, de dois modos os homens estavam adstritos ao reato da pena: pelo pecado atual, que todos pessoalmente cometeram, e pelo pecado de toda a natureza humana, que se transmitiu originalmente dos primeiros Pais a todos, como diz o Apóstolo. E desse pecado a pena é a morte do corpo e a exclusão da vida da glória, conforme resulta do que refere a Escritura; pois, Deus expulsou o homem do Paraíso, depois do pecado, a quem, antes do Pecado, fora cominada a morte, se pecasse. Por isso Cristo, descendo aos infernos, em virtude da sua Paixão livrou os santos Patriarcas desse reato pelo qual estavam excluídos da vida da glória de modo a não poderem ver a Deus em essência, no que consiste a perfeita beatitude do homem, como dissemos na Segunda Parte. Ora, os santos Patriarcas estavam detidos no inferno por não lhe ser franqueada a vida da glória, por causa do pecado dos nossos primeiros Pais. E assim Cristo, descendo aos infernos, deles livrou os santos Patriarcas. E tal é o que diz a Escritura: Tu também pelo sangue do teu testamento fizeste sair os teus presos do lago em que não há água. E o Apóstolo: Despojando os principados e potestades, isto é, infernais; e livrando, como comenta a Glosa a esse lugar, Abraão, Isaac, Jacó e os demais justos, transportou-os, isto é, conduziu-os para o céu, longe desse reino das trevas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — No lugar referido Agostinho se dirige contra certos que pensavam estarem os justos antigos antes do advento de Cristo, sujeitos às dores das penas, no inferno. Por isso, pouco antes das palavras citadas, tinha dito: Certos acrescentam, que foi concedido também aos antigos santos, o benefício de ficarem livres das suas dores, quando o Senhor desceu aos infernos. Mas eu por mim não vejo de que modo se possa compreender, que sofresse as referidas dores Abraão, em cujo seio foi também recebido o pobre do Evangelho. Por isso, o que depois acrescenta, que ainda não pode descobrir em que a descida de Cristo aos infernos fosse útil aos referidos justos, devemos entendê-la quanto ao livramento das dores das penas. Isso porém lhes aproveitou para alcançarem a glória; e por consequência libertou-os da dor que sofriam pelo diferimento dessa glória. Cuja esperança porém lhes causava grande alegria, segundo aquilo do Evangelho: Vosso pai Abraão desejou ansiosamente ver o meu dia. E por isso acrescenta Agostinho: Não vejo que Cristo tivesse jamais se afastado dele pela presença beatifica da sua divindade: Isto é, porque antes do advento de Cristo já eram bem-aventurados em esperança, embora ainda não o fossem perfeitamente na realidade.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Os santos Patriarcas, enquanto ainda viviam, foram liberados por Cristo de todo pecado, tanto original, como atual, e do reato da pena dos pecados atuais. Mas não do reato da pena do pecado original, pelo qual ficavam excluídos da glória, porque ainda não estava pago o preço da redenção humana. Assim como agora os fiéis de Cristo são liberados pelo batismo do reato dos pecados atuais, e do reato do original, quanto à exclusão da glória. Mas ainda ficam ligados ao reato do pecado original, quanto à necessidade de sofrerem a morte do corpo. Porque são renovados em espírito, mas não na carne, segundo aquilo do Apóstolo: O corpo verdadeiramente está morto pelo pecado, mas o espírito vive pela justificação.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Logo que Cristo morreu, a sua alma desceu ao inferno e fez aproveitar o fruto da sua Paixão aos santos detidos nesse lugar. Embora daí não saísse enquanto Cristo se conservava no meio deles; pois a presença mesma de Cristo constituia-lhes o cúmulo da glória.
O quarto discute-se assim. — Parece que Cristo não se demorou nenhum tempo no inferno.
1. — Pois, Cristo desceu ao inferno para que dele livrasse os homens. Ora, ele o fez imediatamente com a sua descida; pois, é fácil a Deus enriquecer de repente ao pobre, como diz a Escritura. Logo, parece que não se demorou nenhum tempo no inferno.
2. Demais. — Agostinho diz: Por ordem do Senhor e Salvador, sem nenhuma demora se quebraram todas as portas de ferro. Por isso, da pessoa dos anjos, que acompanhavam a Cristo, diz a Escritura: Levantai, ópríncipes, as vossas portas. Ora, Cristo desceu ao inferno para lhe quebrar as trancas. Logo, Cristo não se demorou nenhum tempo no inferno.
3. Demais. — O Evangelho refere que Cristo, pendente da Cruz, disse ao ladrão: Hoje estarás comigo no Paraíso — e isso mostra que no mesmo dia Cristo esteve no Paraíso. Ora, não pelo corpo, que estava depositado no sepulcro. Logo, pela alma, que descera ao inferna. E, portanto parece que nenhum tempo se demorou no inferno.
Mas, em contrário, diz Pedro: Ao qual, Deus ressuscitou soltas as dores do inferno, porquanto era impossível que por este fosse ele retido. Logo, parece que até à hora da ressurreição permaneceu no inferno.
SOLUÇÃO. — Assim como Cristo, para tomar sobre si as nossas penas, quis que o seu corpo fosse depositado no sepulcro, assim também quis que a sua alma descesse ao inferno. Ora, o seu corpo permaneceu no sepulcro por um dia inteiro e duas noites, para comprovar a verdade da sua morte. E por isso devemos crer que outro tanto a sua alma se demorou no inferno; de modo a saírem simultaneamente - a alma, do inferno e o corpo, do sepulcro.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Cristo, tendo descido aos infernos, tirou de lá os santos que nele permaneciam; não pelos livrar imediatamente do cárcere infernal, mas pelos iluminar, mesmo no inferno, com a luz da glória. E, contudo era conveniente, que a sua alma permanecesse no inferno por tanto tempo quanto o corpo lhe permaneceu no sepulcro.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Trancas do inferno se chamam os obstáculos que impediam os santos Patriarcas de sair dele, pelo reato da culpa dos nossos primeiros Pais. As quais Cristo, descendo aos infernos, as quebrou imediatamente pela virtude da sua paixão e morte. E, contudo quis permanecer no inferno durante algum tempo, pela razão predita.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Essas palavras do Senhor devem entender-se, não do paraíso terrestre material, mas do paraíso espiritual, onde dizemos que estão todos os que gozam da glória divina. Por isso o ladrão, desceu certo, localmente com Cristo ao inferno, para estar com Cristo, conforme lhe tinha sido dito - hoje estarás comigo no Paraíso. Mas por premio esteve no. Paraíso porque aí gozava da divindade de Cristo, como dela gozavam os outros Santos.
O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo não esteve todo no inferno.
1. — Pois, o corpo de Cristo é uma das suas partes. Ora, o corpo de Cristo não esteve no inferno. Logo, Cristo não esteve todo no inferno.
2. Demais. — Não pode ser considerado um todo o ser cujas partes estão separadas. Ora, o corpo e a alma, partes da natureza humana, separaram-se um do outro depois da morte, como se disse. Mas, Cristo desceu ao inferno, quando o seu corpo estava no sepulcro. Logo, não esteve todo no inferno.
3. Demais. — Dizemos que está todo num lugar o ser que não tem parte nenhuma fora desse lugar. Ora, algo de Cristo estava fora do inferno, porque o corpo estava no sepulcro e a divindade, em toda parte. Logo Cristo não esteve todo no inferno.
Mas em contrário, diz Agostinho: O Filho está todo junto ao Pai, todo no céu, todo naterra; esteve todo no ventre da Virgem, todo na cruz, todo no inferno, e está todo no paraíso, onde introduziu o ladrão.
SOLUÇÃO. — Como se colhe do que dissemos na Primeira Parte, o gênero masculino se refere à hipóstase ou à pessoa; e o gênero neutro, à natureza. Ora, na morte de Cristo, embora a alma estivesse separada do corpo, nem este nem aquela porém estavam separados da pessoa do Filho de Deus, como dissemos. Por onde, durante o tríduo da morte de Cristo, devemos admitir que Cristo esteve todo inteiro no sepulcro; pois a sua pessoa aí esteve toda, mediante o corpo que lhe estava unido. E semelhantemente, esteve todo no inferno, porque nele esteve toda a pessoa de Cristo, em razão da alma que lhe estava unida. Etambém Cristo estava então todo em toda parte, em razão da natureza divina.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O corpo que então esteve no sepulcro, não era parte da pessoa incriada, mas da natureza assumida. Por onde, o fato de o corpo de Cristo não ter descido do inferno, não impedia o Cristo de nele ter estado todo; mas mostra que nele não esteve o todo constitutivo da natureza humana.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Da alma e do corpo unidos constitui-se a totalidade da natureza humana, mas não a totalidade da pessoa divina. Por onde, separada a alma do corpo pela morte, permaneceu Cristo íntegro; mas não permaneceu a natureza humana em sua totalidade.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A pessoa de Cristo está toda em qualquer lugar, mas não totalmente por não ser circunscrita por nenhum lugar. Mas, nem todos os lugares tomados simultaneamente podem compreender-lhe a imensidade; ao contrário, é a sua imensidade que os abrange a todos. O que a objeção diz é exato, quando se trata de seres que estão corporal e circunscritivamente num lugar; pois, estando um corpo num lugar, nenhuma parte dele está fora desse lugar. Ora, tal não se dá com Deus. Donde o dizer Agostinho: Não afirmamos que Cristo está todo nos diversos tempos ou nos diversos lugares, de maneira que esteja todo num lugar, durante um certo tempo, e todo em outro, noutro tempo; mas que sempre está todo em toda parte.