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Conferências sobre a santidade (iv)

Nota da Permanência: Pe. Matéo proferiu estas conferências às superioras de diversas comunidades religiosas do Canadá, na província do Québec, em 1945. Embora endereçadas às almas consagradas, estas conferências são utilíssimas aos leigos, havendo estes tão-somente de fazer as devidas substituições, como “almas consagradas” por “almas batizadas”, “comunidade” por “família”, “vida religiosa” por “vida cristã” e assim por diante.

Pe. Matéo Crawley-Boevey

 

Santidade pela via comum

 

A santidade é possível a todos

É formidável que um pregador lhes incuta coragem e força durante o retiro. Com frequência sofremos tentações de desânimo, porque não conseguimos emendar-nos, mesmo depois de anos e anos. Viver em luta às vezes é deprimente, mormente se percebemos as misérias, feiuras e lacunas de nossa alma. Deixem para lá os cálculos, porque é ridículo: cálculos são para a ciência e não para a vida espiritual. A tentação do desânimo vem do pensamento sobre a persistência das misérias pessoais após anos dentro do convento. Escutem: a santidade é um dever, e dever sempre possível; portanto, é possível tornar-se santo. Se não, estaríamos dizendo a Nosso Senhor: “Estais louco? Vós ordenais o impossível!” Nada disso: a santidade não só é possível, como dever de vocação; na verdade é o único, pois tudo se inclui nele. Assim, repito: A santidade é possível a todas, porque é um dever da vocação de vocês.

 

Deus nos dá os meios para a santidade

Fizeram vocês os três votos só para não cometer pecado mortal? Ingressaram no convento só para evitar o mal? Não, vieram aqui para se tornarem santas, pois é esta a lei dos conselhos evangélicos. Geralmente se pergunta se isto ou aquilo é permitido, se em determinado caso é ou não pecado. Nosso dever não é contentar-nos em evitar o pecado. Existem coisas que são boas em si mesmas, como quem sabe os perfumes, mas não são boas para mim nem para vocês; se querem ser boas, abandonem dez, cem coisas belas e boas e sigam-me. Nosso Senhor não exige um grama a mais; porém, se vocês pedirem dez quilos, ele lhes dará mais dez graças em acréscimo; se ele lhes exigir um trabalho de gigante, dar-lhes-á uma força de gigante. Jesus é sabedoria, justiça e amor, por isso se ele exigir dez, jamais lhes dará menos de dez; e se exigir cinqüenta, não lhes dará menos de cinqüenta. Quiçá ele lhes peça um extra, a exemplo dos mártires; se assim for, dar-lhes-á uma graça extra. Os mártires receberam o chamado e com ele a graça correspondente. Quando ele lhes pede dez, dá-lhes sempre dez, quando não vinte.

A revolução na Espanha era uma guerra entre vermelhos e brancos; no fundo, era uma guerra contra os católicos: 16.000 padres e 12 bispos foram chacinados, afora as 200.000 pessoas mortas, e não houve nem um apóstata sequer, fosse ele padre, religiosa, seminarista, noviço, homem ou mocinha! É este um fenômeno singular na história da Igreja. Se há trinta anos alguém previsse: “Acontecerá daqui a alguns anos atrocidades; vocês serão maltratados e assassinados”, teriam essas pessoas a coragem então demonstrada?

Certo dia uma menininha de onze anos, cujo pai ia à Missa todas as manhãs, foi detida por um revolucionário: “Escute, minha menina, se você puser com bastante cuidado aqui (ele tinha um crucifixo na mão) só um pouquinho da lama do seu pezinho, não vai ser trucidada”. Ela deu um grito e, de fronte erguida, declarou: “Não, nunca, jamais”. Colocaram-na no paredão...

 

O grande meio

Como é reconfortante pensar que a santidade é possível para todos e que devemos esforçar-nos para nos transformar em santos!

Mas por que caminho, rota ou meio?

O caminho? Ele é o caminho! Vocês não conseguiriam imitar João Batista, que não come nem dorme. Por isso, siga a Ele. Seremos santos, como Santa Margarida Maria ou Santa Teresinha, se andarmos no singelo caminho de Nazaré, na vereda banal do dever cotidiano; a superiora, no dever de estado de superiora; a instrutora de turma, no dever de estado de instrutora; a cozinheira, no dever de estado de cozinheira. A vida de santidade não é uma estrada em ziguezague, mas o dever de estado, e o dever de estado é uma simples linha reta, que se vai elevando mais e mais. O caminho da santidade é a simplicidade de Nazaré no cumprimento do dever próprio e particular a cada um.

É possível um homem ser um camponês paupérrimo e magnânimo; é possível uma mulher ser humilde mas virtuosa e magnânima.

Nazaré era um cantinho do paraíso onde os três – a trindade terrestre – viveram a vida simples e obscura, no cumprimento do dever de estado! Só eles são santos de verdade. Aquele varão que está serrando a madeira é José; aquela mulher que com modéstia arruma a casa é Maria; e aquela criança, incomparável criança, é Jesus. Sim, os únicos santos, muitos mais simples e humildes que vocês e eu. Que fazem eles? A que se dedicam? Ao governo dos povos? Não: cumprem o dever de estado, e o cumprem durante trinta anos, escondidos, ignorados, sem glória. Quantos são os que querem operar milagres, quando é a vida de obscuridade que nos leva à santidade! O dever de estado de cada um é o caminho da santidade. Não existem duas categorias de religiosas: a irmã conversa está tão obrigada à santidade quanto a superiora; mas a superiora se santificará no cumprimento do dever de superiora, e a cozinheira no de cozinheira. Não esqueçam que os três santos de Nazaré são maiores que todos os santos do céu. Visitei a fonte onde Maria ia retirar água, e comecei a imaginar na simplicidade daquela grandiosa mulher, a Virgem, que não fez milagres e nunca viveu uma só hora de glória terrestre; imaginei também em São José, homem simples, de vida operosa e humilde.

 

Santidade e auréola

Há muitos equívocos sobre a santidade, e talvez vocês mesmas alimentem erros a respeito dela. Os santos seriam criaturas com auréolas! Existem muitos deles que não possuem auréola e ainda assim são santos, pois que milagres e visões não fazem santos1. A santidade é um milagre de fé e amor. Há santos sem auréola e auréola sem santos. A rainha dos santos não tinha auréola nem operou milagres. Judas tinha auréola e operou milagres, e ele não é santo. Prestem atenção: joguem no cesto as biografias desconcertantes, que amiúde são poesia e às vezes besteira. Recusem as narrativas que empurram a santidade para fora do caminho de Nazaré. Joguem fora as revelações de Catarina Eymerich, de Maria de Ágreda e de outras mais! Vocês oferecem e transmitem essas revelações ridículas, e as noviças engolem isso e ficam divagando: “Nunca fiz milagres, nunca tive visões!” Sem divagações, por favor, e mais doutrina. Sem êxtases – sus! – pois os nossos conventos já estão empesteados de visionárias e histéricas. Maria, a Virgem de Nazaré, sem milagres, sem visões, era a rainha da fé; e José, um santo de fé, sem êxtases.

Certo dia uma senhora me veio bater à porta: “Trago-lhe uma mensagem do Sacratíssimo Coração de Jesus. – Não recebo mensagens do Sacratíssimo Coração de Jesus, vindas de uma palhaça como você. Vá lavar o rosto (ela estava toda maquiada).”

Outra veio procurar-me: “Padre, o senhor me disse A, mas Nosso Senhor me disse B! – Então vá se confessar com Nosso Senhor, se não dizemos a mesma coisa.”

 

Carismas não significam santidade

Nazaré, Nazaré! Caminho simples, estrada real. Francisco de Assis não é santo porque carregava os estigmas, que são apenas um carisma. Deus pode dar carismas, ou seja, presentes, mas carismas não significam santidade. Podemos ter o presente e não sermos santos.

Vivemos numa época de fantasia e histeria; a guerra acentuou tais fraquezas. Declara a Igreja: vivam da fé e amem a Deus, e não: tenham visões e façam milagres! Deixem de lado as visões e os estigmas, que não provam nada, e andem pelo caminho simples de Nazaré. Oh, como Nazaré é bela! Não havia êxtases, mas o batido caminho do dever. Nazaré, a estrada real! Vocês podem ser grandes santos exatamente onde estão.

Um médico de Milão, bom católico, morreu de súbito num vagão de trem. Aparentemente era um médico como outro qualquer, mas que coração tinha ele! Vivia só para Deus. Um chefe de estação italiano, que logo será beatificado, cumpriu durante a vida inteira o seu humilde dever cotidiano, e recusava até as promoções; era um contemplativo. Madre Cabrini, canonizada vinte e dois anos após a morte, era graciosa, sorridente, amável, divertida; ela seguiu o caminho usual do trabalho e da oração no cumprimento do dever de estado. Alguém pode perguntar porque tal fundador ou fundadora não está canonizado; talvez porque a comunidade não é o que devia ser.

 

Um homem nasce artista, mas não santo

Na cerimônia de canonização de Teresinha, o papa declarou que a santa de Lisieux nos deu três lições importantes:

1. A santidade é um dever;

2. O dever tem de ser cumprido na vida cotidiana;

3. A santidade é sempre amor.

Por vezes encontramos deslumbradas que são joguete do diabo: três irmãs abandonaram a comunidade para bancarem as contemplativas; após algumas semanas retornaram.

Tenho vocação de trapista, tenho alma de trapista, mas sou um judeu errante: é a vontade de Deus!

Certo dia alguém me disse: “Rezo pela sua conversão – Agradeço, mas comece pela sua!” Pois é, o diabo em tudo mete os chifres e o rabo: uma religiosa contemplativa, que estava doente, comungava da mão de um anjo – era o diabo! Ela estava era possuída; Roma a desligou do convento. Já vi santos e demônios; é ridículo uma senhora diretora de padres!

Fé, amor e vontade de Deus. Nada acima da vontade de Deus, que é o supremo amor. Ensinem às suas filhas o caminho simples, e não admitam nada extra. Se alguém deixa de comer e dormir, perde o rumo. Não é possível ser carmelita, quando se administra um hospital. À morte de Teresinha, uma de suas companheiras perguntou: “Que escreveremos sobre essa irmãzinha, se nem boa religiosa foi?” Talvez quem falava assim tivesse visões, mas não viu bem. Nenhum santo, exceto Maria, nasceu santo. Teresa d’Ávila se tornou Santa Teresa d’Ávila. Agostinho se tornou Santo Agostinho. Ambos nasceram gênios, mas se tornaram santos pelo esforço pessoal. E Teresinha? Ela também não nasceu santa, porém trabalhou dia após dia a fim de ser uma. Um homem nasce artista, mas não santo: os santos se tornaram santos trabalhando. Transformem-se em santos aos pouquinhos, a exemplo do alvorecer do sol. José Sarto era uma boa criança mas comum; quando se tornou padre, elevou-se; quando bispo, continuou elevando-se; quando patriarca de Veneza, elevou-se ainda mais; quando papa (Pio X), já era santo! Carecemos de santos.

Com uma vontade viril, tornamo-nos santos. Todos os santos tiveram defeitos: as vidas de santos já prontos só servem para ganhar dinheiro. Nisso há muita fantasia; a curiosidade é um doença. Que dizer da vida de Teresa Neumann 2? Os fatos são verdadeiros, mas a Igreja não se pronunciou; então, aguardemos, pois nada nos garante que os fatos sejam divinos.

Vocês podem ser santas tão grandiosas quanto Margarida Maria e Teresinha, seguindo o batido caminho do dever, e o livrinho das regras e constituições: façam isso e viverão. Não tenho reparos a fazer ao que a Igreja aprovou para cada obra; por isso, não lhes digo para que sejam carmelitas ou outra coisa mas, onde estiverem, tornem-se santas se valendo da regra.

Vivam a vida simples de Nazaré, com humildade e amor ao dever; e lá onde estiverem, superiora ou irmãs conversas, imitem a trindade da terra: Jesus, Maria e José; lá onde estiverem, amem quem tanto as amou.

  1. 1. O Pe. Matéo entende aqui a palavra “auréola” em sentido extenso: reputação exterior de santidade, carismas extraordinários (N.E.).
  2. 2. Teresa Neumann: mística alemã (1898-1962) (N.E.)
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