Skip to content

O sacrifício da Cruz tornado visível

Uma das missões do Padre Pio foi “tornar a Cruz de Jesus Cristo visível”. Cristo assumiu forma humana para tornar o invisível visível. Essa revelação de Deus não terminou com Sua Ascensão, pois, quando retornou a Seu Pai, Nosso Senhor enviou o Espírito de Santidade. Desde então, cada século teve seus santos, cujas vidas perfeitas, em imitação de Cristo, parecem renovar sua Encarnação. A vida exterior de alguns Santos, às vezes, conforma-se a de Cristo com tamanha perfeição que eles revivem sua Paixão no seu próprio corpo.

São Francisco de Assis é o mais conhecido de todos eles, e vários artistas ilustraram o Poverello recebendo os estigmas. Outros Santos também experimentaram esse fenômeno extraordinário: Santa Catarina de Sena, ou a Madame Acarie (Beata Maria da Encarnação), cujos estigmas eram invisíveis.

 

O Sacrifício da Cruz tornado visível

Mas, até 20 de setembro de 1918, nenhum Padre, apesar de sua união sacramental com Cristo, o Sumo Sacerdote, havia sido escolhido ainda para renovar na sua carne o mistério do Sacrifício da Cruz.

No dia 20 de setembro de 1918, enquanto ele rezava em frente a um crucifixo pendurado em frente ao coro dos monges, raios de luz vindos do crucifixo perfuraram suas mãos, pés e seu lado como flechas. O jovem Capuchinho de 31 anos não sabia ainda, mas, pelos próximos 50 anos, até o dai 20 de setembro de 1968, ele traria visíveis as marcas da Paixão de Cristo, que ele revivia todos os dias.

Uma das missões do Padre Pio havia começado: a de tornar a Cruz de Jesus Cristo visível, de iluminar as almas para a realidade do sacrifício renovado no altar e de relembrar Padres e fiéis da vocação do Padre como vítima: “Se o grão de mostarda não morrer, não dará fruto.” “Fazei como me vistes fazer”

 

Virtudes heróicas

Nascido em 25 de maio de 1887, numa família camponesa, o pequeno Francesco Forgione era o quarto de sete filhos. Seus pais levavam uma vida muito simples e viviam numa casa pobre em Pietrelcina. Eles eram bons cristãos e trabalhavam duro.

A Igreja paroquial é dedicada a São Pio I, Papa e mártir, e foi em sua honra que o jovem Capuchinho escolheu o nome de Frei Pio.

Quando garoto, Francesco já era favorecido com visões e fenômenos extraordinários. Desde seus primeiros anos até o fim de sua vida, Padre Pio estava acostumado a receber visitas de anjos, aparições marianas e… via-se sujeito a violência diabólica. No início, o garoto pensava que todos as crianças da sua idade experimentavam as mesmas coisas.

Cuidado, caro leitor, pois é aqui que a devoção ao Padre Pio pode se desviar [do reto caminho]. Como os autores espirituais explicam, fenômenos extraordinários não são santidade; esses fenômenos, às vezes, e mesmo com frequência, costumam vir de mãos dadas com a santidade; mas eles podem, porém, acontecer sem a santidade e devem ser cautelosamente distinguidos dela. Se o Padre Pio é um santo, não é por causa de sua bilocação ou de outros fenômenos extraordinários, mas por causa de suas virtudes heróicas.

E o pequeno Francesco praticou a virtude heróica desde o começo. Sua mãe não o encontrava dormindo no chão, com sua cabeça numa pedra? Sua piedade era sólida, sua obediência absoluta, sua diligência nos estudos e deveres mais que admirável, e sua amizade, exemplar.

Aos 15 anos, uma estranha visão implicitamente revelou a ele seu futuro: um anjo o convidou a lutar contra um gigante muito mais forte que ele. Relutando, o jovem adolescente lutou e venceu. Com essa comemoração divina de Davi e Golias, a Providência anunciou a Francesco a violência das batalhas que estavam por vir.

Algumas semanas mais tarde, no dia 22 de janeiro de 1903, aos 15 anos, ingressou no noviciado capuchinho de Morcone e tomou o nome Frei Pio de Pietrelcina.

Sua mãe estava lá, mas seu pai estava nos Estados Unidos, trabalhando para pagar os estudos de seus filhos. Por sete anos no total (3 e, depois, 4), esse pai admirável esteve separado de sua não menos admirável esposa e de seus filhos queridos para lhes prover.

Os estudos do jovem noviço continuaram até 1909. O jovem monge se mostrou sério e estudioso, seus resultados eram satisfatórios, mas não brilhantes. No fim de seus estudos, ele rapidamente ascendeu os passos do santuário: após receber as primeiras ordens menores em 1908, foi ordenado diácono no ano seguinte, em julho de 1909.

 

Desafios de saúde

Mas problemas de saúde começaram a atormentar o jovem monge. Ele teve que interromper seus estudos e até a vida conventual, recebendo ordens de ir descansar na casa de sua família em Pietrelcina. Esse descanso temporário duraria… sete anos. Apesar dessa dificuldade, foi ordenado padre na Catedral de Benevento no dia 10 de agosto de 1910 e celebrou sua primeira Missa em Pietrelcina, em 14 de agosto.

Separado dos demais capuchinhos e vítima de tormentas interiores terríveis, ele trocava correspondências regularmente durante esse período com o Padre Agostinho, seu diretor espiritual, que lhe recomendou escrever seu combate interior e as graças extraordinárias que recebia.

Um superior planejava enviá-lo para viver como padre secular, mas ele foi instruído a retornar ao convento em 1911. O demônio estava enfurecido; atacava e batia no jovem místico com tanta violência que o guardião do convento, movido por uma inspiração muito franciscana, ordenou Padre Pio a pedir a graça de ser doravante atormentado… em silêncio. Essa graça foi alcançada naquela mesma noite, para grande alegria dos capuchinhos, um pouco cansados do barulho, e dos aldeões, que começavam a se mostrar preocupados.

No entanto, a saúde frágil do Padre Pio forçou-o a retornar a Pietrelcina. Os médicos tiveram dificuldade de encontrar um diagnóstico, a ponto de um deles chegar a anunciar que o padre não duraria mais que uma semana.

O capuchinho deixou Pietrelcina novamente para ir a Foggia, onde o ar não lhe fez bem. No dia 28 de julho de 1916, foi aconselhado a ir a San Giovanni Rotondo para descansar por algumas semanas. Ele permaneceria ali até sua morte...

Meio vivo e meio morto, foi alistado, até que o olharam mais de perto. Há uma foto desse período do frade Capuchinho como recruta, trajando um uniforme e segurando uma arma; ele nunca havia dado um tiro e parece meio deslocado na foto. Foi durante esse período que ele bilocou pela primeira vez. Os italianos haviam acabado de ser duramente derrotados em Caporetto em 24 de outubro de 1917, e seu comandante, General Cardonna, decidiu cometer suicídio; quando ele estava levantando sua arma, um capuchinho entrou em seu escritório e convenceu-o a mudar de ideia. O general assim fez, e, então, agradeceu ao bom padre e dispensou-o. Ele imediatamente perguntou aos seus subordinados quem era aquele padre que eles deixaram entrar, mas ninguém o havia visto entrar ou sair. O general só o reconheceu em uma foto muitos anos mais tarde.

 

Uma ferida de amor

Ao retornar a seu convento depois do período nas forças armadas, ele recebeu a graça de uma ferida de amor no dia 30 de maio de 1918. No dia 05 de agosto, recebeu uma transverberação e, no dia 20, os estigmas, com muita dor. Mas não se enganem. Como ele escreveu ao Frei Agostinho, seu diretor espiritual, “em comparação com o que eu sofro em meu corpo, os combates espirituais que estou travando são muito piores (…); estou vivendo numa noite perpétua… Tudo me atormenta, e não sei se estou fazendo o bem ou o mal. Eu percebo que isso não são escrúpulos, mas a dúvida que sinto sobre se estou agradando ou não a Deus me esmaga.

No início, Padre Pio tentou curar suas feridas. Não adiantou. Tentou escondê-las. Em vão. As peregrinações a San Giovanni Rotondo começaram.

De 1918 a 1921, o apostolado do Padre cresceu, e os médicos que examinaram suas feridas estavam convencidos de sua natureza inexplicável. O Papa Bento XV chegou mesmo a dizer que “Padre Pio é um desses homens que Deus envia à terra de tempos em tempos para converter nações.”

O ano de 1921 mudou o curso das coisas. Uma conspiração eclesiástica de Padres corruptos vivendo com mulheres e presidida por um Bispo que praticava simonia teve influência em Roma. O Bispo de Manfredonia, a diocese à qual pertencia o convento de San Giovanni Rotondo, chegou a clamar que havia visto o Padre Pio usar perfume e talco e derramar ácido nítrico nas suas feridas para piorá-las! E os cônegos de San Giovanni Rotondo, ao menos alguns deles, faziam fofoca sobre os lucros que os capuchinhos estavam tendo com o “estigmatizado”. O pior é que elas foram levadas a sério.

Preocupada com essas alegações episcopais e revelações, Roma tornou-se muito cautelosa… com os Capuchinhos. Um período difícil para o Padre Pio se seguiu, pois o apostolado confiado a ele foi, pouco a pouco, tirado dele. Houve mesmo conversas sobre transferi-lo a outro convento. Isso foi suficiente para mexer com os locais, que estavam determinados a manter e a defender o “santo” deles. Uma rebelião não era coisa impossível. Pensando que iria deixar esse pequeno vilarejo situado no Cabo de Gargano, Padre Pio escreveu essa carta tocante, cujas palavras finais, hoje, estão inscritas na cripta onde ele estava enterrado.

“Eu sempre me lembrarei desse povo generoso na minha pobre e assídua oração, pedindo paz e prosperidade para si; e, como sinal da minha afeição, não podendo fazer nada mais, eu expresso meu desejo de que, enquanto meus superiores não se objetem, meus ossos sejam enterrados nesta terra”

Um superior Capuchinho até pensou em levar o Padre Pio embora escondido em um barril num carrinho. Obediente, porém nem servil, nem burro, o Padre Guardião recusou essa farsa.

Punições continuaram caindo sobre o pobre Padre. No dia 23 de março de 1931, o Santo Ofício proibiu-lhe qualquer ministério, qualquer celebração pública da Missa e qualquer contato com outro capuchinho fora do seu convento. Após ter permanecido estoico quando descobriu, no refeitório, a carta que seus irmãos não lhe haviam revelado (por discrição), ele desabou em lágrimas ao chegar a sua cela. Um bom irmão que testemunhou a cena se sentiu mal por ele, mas o Padre Pio deu-lhe uma resposta digna daquela dada às santas mulheres de Jerusalém: ele estava chorando não por ele, mas por todas as almas que seriam privadas das graças da conversão.

Como um recluso, Padre Pio aproveitou seu tempo lendo. A História da Igreja de Rohrbacher e, em um único dia, a Divina Comédia – paradoxalmente sofrendo de dores de cabeça ao chegar ao 'Paraíso'.

Em 1933, as sanções começaram a ser levantadas. Padre Pio retomou seu ministério, especialmente no confessionário, onde passava, regularmente, até 10 horas por dia.

 

Projeto de hospital

Os anos pacíficos passaram. Em 1940, já era um homem doente quando lançou o projeto do que viria a ser a Casa Sollievo della Sofferanza, um grande hospital com material moderno e médicos eminentes. Como em todas as obras providenciais, não houve ausência de obstáculos, mas o hospital foi inaugurado em maio de 1956. Ele ainda existe hoje.

Ao mesmo tempo, Padre Pio criou grupos de orações ao redor de todo o mundo, principalmente graças a seus filhos e filhas espirituais, que incluíam [antigos] maçons, vigaristas, um tenor famoso (Gigli) e mulheres de pouca virtude.

Pio XII pediu-lhe orações, mas sua morte em 1957 iniciou um novo e doloroso capítulo na vida do Capuchinho. Alguns dos seus irmãos de elevado grau na Ordem demostravam tudo, menos interesse religioso pelas somas enormes de dinheiro que passaram pelas suas mãos. Eles queriam esse dinheiro para eles mesmos. Uma conspiração “filial” apoiada pelas autoridades da Ordem se formou; eles chegaram até mesmo a colocar microfones na cela e no confessionário do Padre. O caso foi descoberto – o Padre reclamou a um dos seus amigos – e os irmãos culpados dessa vigilância nada evangélica foram dispensados de suas funções e enviados a outros conventos.

O fim da sua vida foi mais pacífico, embora ainda empregado no desgastante ministério às almas.

Dois eventos nos últimos meses da sua vida são dignos de menção. A Missa Nova promulgada em 1968 foi precedida por Missas normativas. Padre Pio pediu que lhe fosse permitido celebrar a Missa de todos os tempos, e essa permissão lhe foi dada.

No mesmo ano, 1968, a encíclica de Paulo VI sobre controle de natalidade foi promulgada. Padre Pio, com apenas dois meses de vida restantes e no ápice da sua vida mística, enviou uma carta ao Papa agradecendo-lhe por essa Encíclica, que causou tanta controvérsia.

Esse segundo Cura d’Ars sentia o fim aproximando-se. Na noite de 20 a 21 de setembro, 1968, cinquenta anos após aparecerem, seus estigmas desapareceram: a pele das suas mãos ficou macia e limpa, sem qualquer marca de cicatriz. Seu jubileu de sangue foi completado. A Eternidade se aproximava, e, na noite de 22 a 23 de setembro, Padre Pio foi se encontrar com seu Criador.

 

DOM LEFEBVRE E PADRE PIO

No fim do verão de 1967, Dom Lefebvre estava na Itália e viajou a San Giovanni Rotondo. O encontro foi breve. Dom Lefebvre pediu a bênção do Padre para o Capítulo vindouro dos Padres do Espírito Santo. O humilde capuchinho se negou, respondendo a Dom Lefebvre que era ele quem devia abençoá-lo. Educação entre santos.

Esses dois grandes homens da Igreja eram muito diferentes. Um era padre, o outro, bispo; um experimentou vários fenômenos extraordinários, o outro deixou apenas uma memória enigmática de um sonho misterioso em Dakar.

E, ainda assim, ambos trazem semelhanças importantes.

Ambos sofreram pela Igreja através da Igreja.

Ambos foram vítimas de verdadeiras perseguições por parte das autoridades, apesar de essas perseguições terem sido por razões muito diferentes, e eles reagiram de maneira muito diferente a elas.

As perseguições do Padre Pio eram pessoais, inspiradas pela inveja de Padres seculares dissolutos e pela ganância de certos capuchinhos. Essas perseguições levaram a punições injustas, que Padre Pio aceitou com obediência heróica.

O caso de Dom Lefebvre era diferente. As perseguições vieram da sua determinação de manter a Fé e a Missa de todos os tempos e da sua recusa aos erros conciliares e à nova liturgia. Razões de fé guiavam essas perseguições, que iam muito além de uma simples questão de disciplina. Dom Lefebvre, portanto, resolveu desobedecer a essas injunções por uma razão mais elevada que a obediência formal pura. Sua Fé foi heróica, enquanto sua obediência não teria sido nada além de um servilismo confortável e uma prudência mundana.

Outra semelhança é o entendimento profundo de ambos do Santo Sacrifício da Missa. Ambos relembraram incessantemente a natureza sacrificial e expiatória da Missa que a nova liturgia queria esconder, um através de sua maneira muito mística de celebrar a Missa como o caminho do Calvário, o outro através da sua espiritualidade centrada no Santo Sacrifício. Ambos relembraram o papel central do Padre na obra da Redenção, um por uma vida literalmente crucificada, o outro por seu apostolado do sacerdócio.

 

(Originalmente publicado na edição de Julho-Setembro de 2018 (Nº 340) de Le Chardonnet)

AdaptiveThemes