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A protestantização litúrgica

Agosto 10, 2018 escrito por admin

Em la Nostra Valle, publicação mensal interparoquial da diocese de Fano-Fossombrone (julho de 1997, pp. 4-5) lemos o título: "Menos missas para uma missa mais verdadeira" [sic!]

O articulista se alegra por "ter ouvido dizer" que "nossos bispos italianos deram normas concretas" para a celebração das missas: "por exemplo: numa mesma igreja, entre uma celebração e outra, interponha-se um espaço de tempo razoável determinado em uma hora e meia, ao menos" (embora o articulista não o precise, temos que supor ques e trata das missas dos dias festivos, dado que uma hora e meia de intervalo para a minimissa de Paulo VI, que não ultrapassa o quarto de hora nem mesmo no melhor dos casos, seria absolutamente incompreensível nos dias de trabalho).

Eis os motivos dessa disposição: "não acumular as celebrações..., pois ninguém deve sentir-se forçado a celebrar apressadamente uma liturgia para não invadir o tempo assinalado para a seguinte". Suposto isto, ainda que não seja verdade, não estaria mais em consonância com a fé limitar o tempo da homilia (geralmente tão prolixa e tão vazia, ou algo pior ainda), do que diminuir o número das missas? Isto porque uma diminuição ulterior do número das missas é a conseqüência inevitável do dispositivo supracitado. Daqui o lema lançado pelo artigo: "menos missas e mais missa", ou seja, "um menor número de missas para uma missa mais verdadeira". Sim, porque -- explica o articulista -- esta é a "razão fundamental" das disposições ditadas pelo episcopado italiano: "é pastoralmente oportuno, ou melhor, necessário diminuir o número de missas" (como se o seu número não tivesse já sido diminuído consideravelmente pelas "concelebrações", nas quais há muitos concelebrantes, porém uma só missa), dado que a sua multiplicação (em tempos passados, entenda-se) "não favoreceu o incremento da estima em que os fiéis tinham um ato tão divinamente grande como a celebração da Eucaristia (...). A multiplicação das missas ofuscou o seu valor, rebaixando a sua celebração ao nível do rotineiro, do obrigatório (preceito!) [sic!], do mero sufrágio pelos defuntos, do devocionismo; a celebração por excelência converteu-se na celebração para todas as circunstâncias... [e então? não o é?]. Eis aí os "Ofícios de missa" pelos mortos [horror!]: uma missa celebrada atrás da outra; eis aí as "festas", cuja solenidade se mede pelo número de suas missas...".

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Antes de tudo, é evidente que quem assim escreve (e fazemos votos de que não seja um sacerdote, como tememos) não tem a menor estima nem pela santa missa nem pela sua "divina grandeza", embora afirme esta e se levante como seu paladino.

O concílio de Trento definiu solenemente que Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu a santa Missa a fim de que a virtude salvífica de seu sacrifício cruento "se nos aplique para a remissão dos pecados que diariamente cometemos" (Denz. 938); e Pio XII escreve na Mediator Dei, ratificando este ensinamento solene: "o augusto sacrifício do altar é um insigne instrumento para a distribuição aos fiéis dos méritos derivados da Cruz do Divino Redentor": cada vez que se oferece este sacrifício, se realiza a obra da nossa Redenção" (1)

Em conclusão, diremos com o Pe. De Condren que "o sacrifício da cruz merece tudo, mas não aplica nada; o sacrifício da missa não merece nada, mas aplica tudo" (2).

Ora, posto que a Missa nos aplica todos os méritos do Calvário, é mister dizer com Santo Tomás: "o bem comum espiritual de toda a Igreja se encerra essencialmente no Sacramento da Eucaristia" (3), e "com mais Missas... se multiplica a oblação do sacrifício e, por isso, se multiplica o efeito do sacrifício" (4), multiplicar as Missas significa multiplicar a efusão sacramental do sangue de Cristo, e, por conseguinte, de toda a graça, sobre a Igreja e toda a humanidade.

Se o articulista de La nostra valle acreditasse, com a Igreja, que cada vez que se celebra uma Missa "se realiza a obra da nossa redenção", consideraria, com a Igreja, "pastoralmente oportuno, ou melhor, necessário" não diminuir, mas multiplicar o número das Missas.

O eco de Lutero

Digna de nota é a impressionante semelhança que prevalece entre os motivos pretextados pelo articulista de La nostra valle e as "razões" aduzidas por Lutero e seus colegas "reformadores".

Na Confissão Augustana que, embora redigida por Melanchton, exprime a "teologia" de Lutero e ainda hoje os protestantes a consideram "como a expressão oficial da fé da igreja luterana" (5), se lê: "é manifesto -- seja dito sem jactância -- que a Missa se celebra com mais recolhimento e seriedade entre nós [protestantes] que entre os inimigos da nossa causa [os católicos]" (6). Como se a disputa versasse sobre o fervor subjetivo, pessoal, e não sobre o valor intrínseco, objetivo, da Missa, sacrifício verdadeiro e próprio, e não comemoração pura e simples da Ceia e do Calvário!

Na Confissão Augustana - protestante - tudo se passa depois do ataque contra as "missas inúteis e supérfluas": do "erro abominável" da Missa como sacrifício "proveio a grande quantidade, a quantidade incalculável das Missas". Pretendia-se obter, assim, com tal ato, tudo o que era necessário. ao mesmo tempo, a fé em Cristo e o verdadeiro culto de Deus caíam no esquecimento" (7). Também os protestantes, portanto, pediam "menos Missas e mais Missa", ou seja "um menor número de Missas para uma Missa mais verdadeira".

Não obstante, os luteranos eram coerentes com a sua heresia: rechaçavam a práxis católica da multiplicação das Missas porque rejeitavam a doutrina católica da Missa como sacrifício; a troco de quê multiplicar um simples "memorial", uma "comemoração pura e simples" do sacrifício efetuado e concluído duma vez por todas?

Mas... e o articulista de "La nostra valle"? É um incoerente ou um outro herege?

Da Missa "protestantizada" a uma mentalidade protestantizante

Em Sì Sì No No (ed. italiana de 30 de novembro de 1996), na seção Semper infideles, escrevemos sobre outra "novidade" publicada por um boletim paroquial da diocese do Cardeal Carlo M. Martini, S. J.: a Missa sem comunidade "só da medo"; portanto, é "absolutamente" necessário reduzir o número das Missas nos dias de festa para ter "menos Missas" e "mais comunidade" (o pretexto é distinto, porém o alvo é o mesmo).

Este também é o eco dito "católico" da polêmica luterana contra as "Missas ditas num canto" (Winkelmess), isto é, "as Missas particulares, celebradas pelo sacerdote, sem a assistência dos fiéis" (8). Porém, também nisto os luteranos são coerentes com a sua heresia: com efeito, ao negar a Missa como sacrifício, negam o valor objetivo, intrínseco, da Santa Missa.

Mas os católicos, que sabem ter a Missa valor em si, independente do número dos presentes, ou melhor ainda: independente da própria presença dos fiéis, podem continuar, pergunta-se, a chamar-se católicos quando, como os protestantes, fazem depender o valor da Missa da assistência da comunidade, e duma comunidade numerosa?

Na Mediator Dei (1947), Pio XII, entre os desvios que então se propagavam subrepticiamente e "contaminam" a auspiciada "renovação litúrgica" com "erros concernentes à fé católica e à doutrina ascética", condena também o erro dos que "aproximando-se de erros já condenados ensinam (...) ser preferível que os sacerdotes "concelebrem" junto com o povo presente a oferecerem, na ausência deste, em particular, o "Sacrifício" e até "reprovam absolutamente as Missas celebradas em particular e sem a assistência do povo", ou afirmam também "que os sacerdotes não podem oferecer a Vítima divina em altares distintos ao mesmo tempo, porque, desta maneira, dissociam a comunidade e põem sua unidade em perigo".

Salta à vista que hoje triunfam os erros condenados por Pio XII, "erros relativos à fé católica", e, por detrás deles, triunfam "os já condenados", muito semelhantes aos de Martinho Lutero e demais heresiarcas do protestantismo. O Novus Ordo Missae nos deu um rito da Missa com o qual "se aproxima, substancialmente, da teologia protestante, que destruiu o Sacrifício da Missa" (9). Hoje colhemos os frutos da Missa "protestantizada": a presença de uma mentalidade cada vez mais protestantizante. E é inevitável: a lex orandi é inseparável da lex credendi; reza-se como se crê e crê-se como se reza: se se reza como os protestantes, acaba-se pensando como eles.

"Uma simples festa da unidade humana"

Até aqui o desprezo essencial que o articulista de La nostra valle mostra sentir pela Missa. Entretanto, relativamente aos fiéis, ele é assaltado por uma dúvida: a de que o seu menosprezo pela Missa não se deva à multiplicação das Missas, mas a fatores muito diversos, entre os quais se conta, embora não em último lugar, a subversão posta em marcha pelo Papa Montini sob a capa de "reforma litúrgica"

 A estima dos fiéis pela Missa não se consegue diminuindo o número delas, e sim restabelecendo aquele rito que é uma "contínua profissão de fé católica" (Pio XII, Mystici Corporis) com a dignidade que sempre teve e hoje não mais possui, e que simultaneamente alimentava a piedade pessoal ou subjetiva, tão denegrida hoje (também pelo articulista) como "devocionismo".

Na Mediator Dei, Pio XII também condenou o erro, que então já se prenunciava, de quantos "queriam abandonar ou atenuar 'a piedade subjetiva' ou 'pessoal', porque 'consideravam que se deviam abandonar as outras práticas religiosas não estritamente litúrgicas e realizadas fora do culto privado".

"É verdade -- escreve ele -- que os sacramentos e o Sacrifício do altar têm uma virtude intrínseca, enquanto são ações do próprio Cristo que comunica e difunde a graça da Cabeça divina nos membros do corpo místico; porém, para ter a devida eficácia, exigem boas disposições da nossa alma". E estas se adquirem recorrendo precisamente a "todos os preâmbulos e exercícios de piedade não estritamente litúrgicos", como "a meditação das realidades sobrenaturais", o exame de consciência e todas as demais "práticas espirituais" (hoje em desuso): "desta maneira, a ação individual e o esforço ascético, dirigido à purificação da alma, estimulam as energias dos fiéis e os dispõem para participarem, com melhores disposições, do augusto Sacrifício do altar; e assim tirarem melhor fruto da recepção dos Sacramentos, bem como a celebrarem os sagrados ritos de modo a saírem deles mais animados e formados na oração e abnegação cristã; e a cooperarem ativamente com as inspirações e convites da graça imitando sempre mais as virtudes do Redentor, não só em proveito próprio, mas também no de todo o corpo da Igreja; dessa igreja onde todo o bem que se realiza provém da virtude da Cabeça e redunda em benefício dos membros". Assim, da piedade pessoal, nasce a participação frutuosa, e, desta, a estima da Santa Missa.

"Por grandes motivos -- assinala Pio XII -- prescreve a Igreja aos ministros do altar e aos religiosos que, em tempos determinados, se dediquem à piedosa meditação, ao diligente exame e emenda da consciência e aos outros exercícios espirituais (cf. CIC, can. 125, 126, 565, 571, 595, 1397), visto estarem eles, de modo particular, destinados a cumprir as funções litúrgicas do Sacrifício e do louvor divino". E conclui: "sem dúvida, a prece litúrgica, por ser uma súplica oficial da inclita esposa de Jesus Cristo, tem uma dignidade maior que as orações particulares; mas esta superioridade não significa uma oposição ou contraste entre estes dois tipos de oração. Ambas se fundem e se harmonizam por estarem animadas por um único espírito: "Cristo é tudo em todos" (Col. 3, 11) e tem o mesmo objetivo: "ver Cristo formado em vós" (Gal 4, 19)".

Ora, o que aconteceu com a "piedade subjetiva" e com as "orações particulares" depois do Concílio? Deixemos que no-lo diga o Cardeal Siri, ao escrever em 1978: "experimenta-se um tipo de oração considerado válido somente se é feito em comunidade e em virtude dela. A oração particular, sobre ser negligenciada, é escarnecida, e daí não se reza, se falta um membro duma comunidade. Parece um simples erro de fato, mas, pelo contrário, não é assim. Debaixo dele se difundem erros veladamente, não percebidos diretamente, mas adquiridos inconscientemente mediante a práxis: quando cometidos conscientemente, constituirão as melhores mostras da raiva contra tudo o que é, que foi e que será. Eis os erros: negação da pessoa em proveito da comunidade (não é difícil ver nisto uma provável nota marxista); a supervalorização da comunidade, não tanto por amor dela (ou do gueto, talvez) quanto por causa da prioridade dada à base sobre o vértice, ou seja: invertem a instituição da Igreja e, portanto, a tornam agradável aos supostos protestantes (...)

"Não é difícil ver nisto o dedo dos que desejam retornar a Lutero. Mas, para cúmulo, há de permeio um Concílio Ecumênico Tridentino que creu fazer muitas dezenas de definições infalíveis no sentido estrito. A práxis inconsciente é o caminho do erro subversivo. A doutrina católica, magnificamente exposta e resumida na "Mediator Dei", concede à piedade e à oração particular o que lhes corresponde, como a princípios de verdade e diligência, (como preparação) para a oração pública e oficial. Aqueles que, nas igrejas, martelam continuamente nos ouvidos, não deixando instante algum para a concentração pessoal, estão, sem sabê-lo (assim o esperemos!) na parte não bem informada [eufemismo caridoso]" (10).

Ao mesmo tempo, quando se denegria e desanimava a piedade pessoal, se introduziam na Missa, reduzida a um rito pressuroso e ambíguo: "costumes estrambóticos e dignos de um circo -- continua o Cardeal Siri -- e com isto não é de admirar que a Eucaristia se torne para alguns uma simples festa da unidade humana" (12). Com a estima que merece "uma simples festa da unidade humana" -- acrescentamos nós.

Dois jubileus e o triunfo da "seita antilitúrgica"

E aqui está a exortação final do articulista de La nostra valle: "neste primeiro ano do triênio de preparação imediata para o jubileu do segundo milênio (...), a reflexão encaminhada para operar a nossa "conversão" deveria levar-nos a pôr a Eucaristia no centro do nosso trabalho de revisão e compromisso". Trabalho de "revisão", cuja primeira etapa se funda na diminuição ulterior do número de Missas, já notavelmente reduzido pelas concelebrações. Exatamente nos antípodas do "ano de Jesus Cristo" celebrado por Pio XI para comemorar o XIX Centenário da Redenção (1935). Naquela ocasião, se celebraram na gruta de Lourdes, ininterruptamente, por três dias e três noites, cento e quarenta Missas, em conclusão do "Jubileu da redenção humana", com sumo agrado de Pio XI, que aplaude "sem reservas" a iniciativa (imitada noutras dioceses) numa carta a D. Gerlier, bispo de Lourdes, na qual declara que o jubileu não se poderia concluir "mais digna e convenientemente". Hoje, a um jubileu concluído com a multiplicação das Missas se quer opor, ao que parece, um jubileu coroado pela... diminuição do número de Missas.

O que D. Guéranger escrevia sobre o que chamava "a seita antilitúrgica" tem todas as características de uma profecia. A propósito do sínodo de Pistóia, cujos erros derivam do protestantismo através do jansenismo, escreve D. Guéranger: "porém, voltando ao divino Sacrifício, vede quão insistentemente se repete esta verdade (em si mesma incontestável, mas da qual é tão fácil abusar nesta época de calvinismo mascarado): que o povo oferece (o Sacrifício) junto com o sacerdote (...). E não basta à seita poder insultar o Sacrifício católico, mas não aboli-lo. Por isso, todos o seu esforço tenderá a tornar menos freqüente a sua celebração (...). Vê-la-emos proibir a celebração simultânea das Missas numa mesma igreja; chegará até a reduzir o número dos altares a um só (...); achará um novo meio para limitar ulteriormente a oblação deste sacrifício a ela tão odioso: seria (é um pretexto!) o restabelecimento do uso da igreja primitiva segundo o qual todos os sacerdotes duma igreja concelebravam uma única Missa..." (13)

A partir da "reforma litúrgica" de Paulo VI, assistimos uma realização minuciosa deste programa de "autodemolição" litúrgica e, se as coisas andam como pressagia o articulista de La nostra valle, o jubileu do ano 2000 coroará, entre outras coisas, também o triundo da "seita antilitúrgica".

 

 

Notas:

(1) Missale Romanum, secreta do IX domingo depois de Pentecostes, citada também pelo Vaticano II no Decreto Presbyterorum Ordinis

(2) Cit. em Per meglio servire Dio, Ed. Paulinas, 1957

(3) S. T., II q. 65, a. 3 ad 1: "bonum commune spirituale totius Ecclesiae continetur substantialiter in ipso Eucharistiae sacramento". Cf. Concílio de Trento, seção de 17 de setembro de 1562: decreto sobre a Santa Missa.

(4) S. T., q. 79, a. 7 ad 3: "In pluribus vero missis multiplicatur sacrificii oblatio. Et ideo multiplicaur effectus Sacrificii" [certamente num número maior de Missas se multiplica a oblação do sacrifício, e por esta razão se multiplica o efeito do Sacrifício]

(5) Segundo Pierre Jundt na introdução à Confissão de Augsbourg (tradução da Aliança Nacional das Igrejas Luteranas da França, 1979)

(6) Ibidem

(7) Ibidem

(8) Ibidem

(9) Breve exame crítico do "Novus Ordo Missae", apresentado a Paulo VI pelos cardeais Ottaviani e Bacci

(10) Renovatio XIII (1978), fasc. 2, pp. 147-150.

(11) Rivista Diocesana Genovese, outubro de 1977, pp. 278-280.

(12) Renovatio VI (1970), fasc. 4, pp. 477-490.

(13) Dom Guéranger, Institutions liturgiques, Le Mans-Paris, 1841, t. II, pp. 607 e ss

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