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Artigo 1 - Se o direito é objeto da justiça.

O primeiro discute-se assim. – Parece que o direito não é o objeto da justiça.

1. – Pois, como diz o jurisconsulto Celso, o direito é a arte do bem e do equitativo. Ora, a arte não é objeto da justiça, mas é, em si mesma, uma virtude intelectual. Logo, o direito não é objeto da justiça.

2. Demais. – A lei, como diz Isidoro, é uma espécie de direito. Ora, a lei não é objeto da justiça, mas antes da prudência; e por isso o Filósofo considera como parte da prudência a atividade legislativa. Logo, o direito não é o objeto da justiça.

3. Demais. – A justiça principalmente submete o homem a Deus; pois, no dizer de Agostinho a justiça é o amor que só serve a Deus e, por isso, domina tudo o mais que está sujeito ao homem. Ora, o direito não se refere a Deus, mas, só às relações humanas; pois, como diz Isidoro, o legítimo (fas) é a Zé divina; o direito é a lei humana. Logo, o direito não é objeto da justiça.

Mas, em contrário, diz Isidoro que o direito (ius) é assim chamado porque é justo. Ora, o justo é o objeto da justiça; pois, no dizer do Filósofo, todos acordam em denominar justiça ao hábito que nos leva a praticar atos justos. Logo, o direito é o objeto da justiça.

Solução. – Dentre as outras virtudes, é próprio à justiça ordenar os nossos atos que dizem respeito a outrem. Porquanto, implica uma certa igualdade, como o próprio nome o indica; pois, do que implica igualdade se diz, vulgarmente, que está ajustado. Ora, a igualdade supõe relação com outrem. Ao passo que as demais virtudes aperfeiçoam o homem só no referente a si próprio.

Assim, pois, a retidão nas obras das demais virtudes, para o que tende a operação da virtude, como seu objeto próprio, só é considerado relativamente ao agente. A retidão, porém, que implica a obra da justiça, além da relação com o agente, supõe relação com outrem. Pois, consideramos justa uma ação nossa, quando corresponde, segundo uma certa igualdade, a uma ação de outro; assim, a paga da recompensa devida por um serviço prestado. Por onde, chama-se justo o ato que, por assim dizer, implica a retidão da justiça, e no qual termina a atividade desta, mesmo sem considerarmos de que modo ela é feita pelo agente. Ao passo que, nas outras virtudes, um ato não é considerado reto senão levando-se em conta o modo por que o pratica o agente. E, por isso, a justiça, especialmente e de preferência às outras virtudes, tem o seu objeto em si mesmo determinado, e que é chamado justo. E este certamente é o direito. Por onde, é manifesto que o direito é o objeto da justiça.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – É habitual serem os nomes desviados da sua primitiva significação para significar outras coisas. Assim, o nome de medicina foi empregado, primeiro, para designar o remédio dado a um enfermo, para que sare; depois, passou a significar a arte de curar. Assim também, a palavra ius foi empregada primeiramente para significar a coisa justa mesmo; depois, porém, aplicou-se à arte pela qual conhecemos o justo; ulteriormente, para significar o lugar em que é aplicado o direito, como quando se diz que alguém deve comparecer perante a justiça; e, por fim, chama-se ainda direito o que é aplicado por quem tem o dever de fazer justiça, embora seja iníquo o que decidiu.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Assim como o artista tem na mente o plano do que faz com a sua arte, e que se chama a regra dela; assim também na mente preexiste uma ideia da obra justa que a razão determina, ideia que é como que a regra da prudência. E esta, quando redigida por escrito, chama-se lei; pois, a lei, segundo Isidoro, é uma constituição escrita. Por onde, a lei, propriamente falando, não é o direito mesmo, mas, uma certa razão do direito.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A justiça, implicando a igualdade, não podemos dar a Deus uma paga equivalente; por onde, não podemos, propriamente falando, dar a Deus o que é justo. E, por isso, a lei divina não se chama propriamente direito, (ius) mas, fas, porque basta, para Deus, o cumprirmos com o que podemos. Pois, a justiça visa fazer com que o homem pague o seu débito para com Deus, o quanto pode, sujeitando-se-lhe de toda sua alma.

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