Skip to content

Art. 8 – Se é mais perfeita a religião dos que vivem em sociedade do que a dos que levam uma vida solitária.

O oitavo discute–se assim. – Parece mais perfeita a religião dos que vivem em sociedade do que a dos que levam uma vida solitária.

1. – Pois, diz a Escritura: Melhor é estarem dois juntos do que estar um só, porque têm a conveniência da sua sociedade. Logo, parece mais perfeita a religião dos que vivem em sociedade.

2. Demais. – O Evangelho diz: Onde se acham dois ou três congregados em meu nome, aí estou eu no meio deles. Ora, não pode haver nada melhor que a sociedade de Cristo. Logo, parece que viver em congregação é melhor do que levar uma vida solitária.

3. Demais. – Dentre os votos de religião, o mais excelente é o da obediência; e sobretudo a humildade é agradável a Deus. Ora, a obediência e a humildade mais facilmente se praticam em sociedade que na solidão. Assim, diz Jerônimo: Na solidão subrepticiamente penetra em nós a soberba: dormimos quanto queremos, fazemos o que queremos. Ao contrário, eis o ensino que ele próprio ministra aos que vivem em sociedade: Não faças o que queres, come o que te mandarem, recebe o que te derem, obedece a quem não o quererias, serve aos teus irmãos, respeita o preposto do mosteiro como teu senhor, ama–o como pai. Logo, parece que a religião dos, que vivem em sociedade é mais perfeita que a dos que levam uma vida solitária.

4. Demais. – O Senhor diz: Ninguém acende uma candeia e a põe em lugar escondido nem debaixo de um alqueire. Ora, os que levam vida solitária, parece que vivem escondidos, não trazendo nenhuma utilidade aos homens. Logo, parece não ser mais perfeita a religião deles.

5. Demais. – A perfeição da virtude se funda no que é natural ao homem. Ora, o homem é um animal naturalmente social, como diz o Filósofo. Logo, parece não ser mais perfeito levar uma vida solitária do que viver em sociedade.

Mas, em contrário, Agostinho considera mais santos aqueles que, segregados do convívio humano, a todos se tornam inaccessíveis, entregues com grande contenção à oração.

SOLUÇÃO. – A solidão, como a pobreza, não constitui a essência mesma da perfeição, mas é apenas um instrumento dela. Por isso diz o Abade Moisés, para obter a pureza do coração devemos buscar a solidão como o jejum e práticas semelhantes. Ora, como é manifesto, não é a solidão um instrumento adaptado à ação, mas à contemplação, segundo aquilo da Escritura: Levá–la–ei à soledade e lhe falarei ao coração. Por isso, não convém às religiões ordenadas às obras da vida ativa, quer corporais, quer espirituais, senão talvez temporariamente, ao exemplo de Cristo, que, como diz o evangelista, saiu ao monte a orar e passou toda a noite em oração a Deus. Mas, convém às religiões ordenadas à contemplação.

Devemos porém considerar que o ser solitário deve se bastar a si mesmo. Pois, tal é aquele a que nada falta – o que realiza a ideia do perfeito. Por onde, a solidão é própria do contemplativo já chegado à perfeição. O que de dois modos pode dar–se. – Primeiro como um simples dom divino; talo caso de João Batista, que já desde o ventre de sua mãe foi cheio do Espírito Santo; e por isso, como se lê no Evangelho, desde menino habitava nos desertos. – De outro modo, pelo exercício dos atos virtuosos, segundo o Apóstolo: O mantimento sólido é dos perfeitos, daqueles que pelo costume têm os sentidos exercitados para discernir o bem e o mal. Ora, nesse exercício o homem é auxiliado pela sociedade dos seus semelhantes de duas maneiras. Primeiro, para instruir o intelecto no atinente ao objeto da contemplação. Por isso Jerônimo diz: Agrada–me ver–te viveres na companhia dos santos, sem te ensinares a ti mesmo. Segundo, quanto ao afeto, para se reprimirem, ao exemplo e pela correção dos outros, as afeições nocivas do coração. Pois, aquilo da Escritura ­ A ele lhe dei casa no deserto – diz Gregório: De que serve a solidão do corpo se falta a do coração. Por onde, a vida social é necessária ao exercício da perfeição. Ao passo que a solidão convém aos já perfeitos. Donde o dizer Jerónimo: De nenhum modo condenamos a vida, solitária, que sempre elogiamos; mas, o que queremos é que dos exercícios de tais mosteiros safam soldados capazes de afrontar o duro tirocínio do ermo, depois de terem por muito tempo provas da sua vida religiosa.

Assim, pois, como o perfeito tem preeminência sobre o que se exerce para a perfeição, por isso a vida dos solitários, vivida como deve ser, tem preeminência sobre a vida em comum. Mas é perigosíssima a quem nela entra sem haver previamente se exercitado; salvo se a graça divina suprir o que de ordinário se adquire pelo exercício, como foi o caso dos santos Antão e Bento.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Salomão diz ser melhor viverem dois juntos do que um só isolado, por causa do auxílio que um presta ao outro, quer para se aliviarem nas suas penas, ou se animarem no trabalho ou para espiritualmente se aquecerem. Ora, desses auxílios já não precisam os alcandorados à perfeição.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O Evangelho diz: Aquele que, permanece na caridade permanece em Deus e Deus nele. Assim, pois, como Cristo está no meio dos associados por amor do próximo, assim também habita no coração daquele que por amor de Deus se entrega à contemplação das coisas divinas.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O ato de obedecer é necessário aos que precisam exercer–se sob a direção de outrem, para chegar à perfeição. Mas os já perfeitos suficientemente são levados pelo Espírito de Deus de modo a não precisarem de praticar a obediência a outrem. Mas, têm a alma preparada para a obediência.

RESPOSTA À QUARTA. – Como diz Agostinho, constitui um louvável emprego do tempo, e de que ninguém está proibido, aplicar–se ao conhecimento da verdade. – Quanto ao ser colocado um sobre o candelabro, isso não lhe pertence a eles, mas aos seus superiores. E se essa carga lhe não for imposta, acrescenta Agostinho, no mesmo lugar, vague nesse caso à contemplação da verdade, para o que muito ajuda a solidão. E contudo os que abraçaram a vida solitária são muito úteis ao género humano. E por isso diz Agostinho: Contentes com o só pão, que lhes é trazido em determinados intervalos de tempo, e com a água, cultivam terras desertíssimas, de todo absorvidos em colóquios com Deus, a quem se deram com o coração puro. A certos porém lhes parece que abandonaram, mais do que deviam, o comércio humano; mas esses tais não compreendem o quanto nos ajuda na oração o fervor deles e quão grande exemplos nos é a vida que levam, embora não os possamos ver corporalmente.

RESPOSTA À QUINTA. – O homem pode viver solitário de dois modos. – Primeiro quase não suportando a sociedade humana, por fereza de alma. O que é próprio de fera. – Segundo, por se ter totalmente dado às coisas divinas. O que é superior ao homem. – E por isso o Filósofo diz: Quem não convive com os seus semelhantes, ou é uma fera ou um deus, isto é, um varão divino.

AdaptiveThemes