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Art. 6 – Se Paulo ignorava que a sua alma estava separada do corpo.

O sexto discute–se assim. – Parece que Paulo não ignorava, que a sua alma estava separada do corpo.

1. – Pois, ele próprio o diz: Conheço a um homem em Cristo, que foi arrebatado até ao terceiro céu. Ora, homem designa um composto de corpo e alma; e arrebatado difere de morto. Logo, parece que Paulo sabia, que a sua alma não estava separada do corpo pela morte; tanto mais quanto é esta a opinião comum dos doutores.

2. Demais. – Das palavras mesmo do Apóstolo resulta, que ele sabia ter sido arrebatado, pois, diz que o foi até ao terceiro céu. Donde se segue, que sabia se sua alma continuava unida ao corpo ou não. Pois, se sabia que o terceiro céu é um céu material, sabia por consequência que a alma não lhe ficou separada do corpo; porque a visão de uma coisa corpórea não pode dar–se senão por meio do corpo. Logo, parece que não ignorava de todo se a sua alma estava separada do corpo.

3. Demais. – Como diz Agostinho, Paulo, durante o rapto, viu a Deus pela visão com que os santos o contemplam na pátria. Ora, os santos, pelo fato mesmo de verem a Deus, sabem se a alma lhes está separada do corpo. Logo, também o sabia Paulo.

Mas, em contrário, Paulo mesmo diz: Se foi no corpo ou fora do corpo, não no sei, Deus o sabe.

SOLUÇÃO. – A verdade, nesta questão, devemos hauri–la nas palavras mesmo do Apóstolo, quando diz que sabia ter sido arrebatado até ao terceiro céu, e não sabia se foi no corpo ou fora do corpo. O que de dois modos podemos entender.

Num sentido, a expressão – se foi no corpo ou fora do corpo – não se refere ao ser mesmo do raptado, como se ignorasse o estar ou não a sua alma unida do corpo; mas, ao modo do rapto, isto é, que ignorava se o seu corpo foi raptado ao terceiro céu juntamente com a alma ou se assim não se deu, tendo sido só a alma a arrebatada; assim, Ezequiel diz que foi levado a Jerusalém em visão de Deus. E Jerônimo refere ser esta a interpretação de um certo judeu, quando escreve: Um judeu, finalmente, dizia que o nosso Apóstolo não ousou afirmar ter sido arrebatado em corpo, mas declarou – se foi no corpo ou fora do corpo, não no sei. Mas Agostinho refuta esta interpretação, fundado em o Apóstolo afirmar, que sabia ter sido arrebatado até ao terceiro céu. Portanto, sabia ser verdadeiramente o terceiro céu aquele a que foi arrebatado e não uma semelhança imaginária dele.

Do contrário, se chamasse terceiro céu a uma imagem dele, pela mesma razão podia dizer que foi arrebatado em corpo, chamando corpo à imagem do próprio corpo, tal como ela aparece nos sonhos, – Se, pois, sabia que o terceiro céu verdadeiramente o era. sabia também por consequência se era um céu espiritual e incorpóreo; e assim o seu corpo não podia ter sido arrebatado até ele. Ou então, se material fosse tal céu, só a alma não poderia ter sido arrebatada até ele, com exclusão do corpo, sem se separar do corpo.

Por onde, devemos entender essas palavras num outro sentido. E é que o Apóstolo sabia ter–lhe sido arrebatada só a alma e não o corpo; não sabia, contudo, em que relação se mantinha a alma com o corpo. isto é, se estava com ou sem corpo.

Mas, neste ponto variam as opiniões.

Assim, uns pensam que o Apóstolo sabia que a alma lhe estava unida ao corpo como forma, mas não sabia se havia sofrido separação dos sentidos, ou mesmo se ficou alheado às operações da alma vegetativa. – Mas, que houve separação dos sentidos, isso não o podia ele ignorar, desde que sabia ter sido arrebatado. – Quanto ao fato de ficar alheado da atividade da alma vegetativa, não era isso causa de tanta monta de que devesse fazer solícita menção. Donde se conclui, que o Apóstolo não sabia se a alma lhe continuava unida, como forma, ao corpo, ou se se separou dele pela morte.

Outros porém, embora o concedam, dizem que o Apóstolo quando foi arrebatado, perdeu o discernimento, porque ficou totalmente enlevado em Deus; mas voltou depois a discernir, quando entrou a considerar o que viu. – Mas isto também contraria às palavras do Apóstolo, que distingue com as suas palavras o passado, do futuro. Pois, diz no presente, que não sabe se foi arrebatado catorze anos antes; e que, no presente, não sabe se foi no corpo ou fora do corpo.

Por onde, devemos pensar, que tanto antes como depois do rapto não sabia se a alma lhe ficou separada do corpo. Por isso, após longo exame, Agostinho conclui: Resta portanto talvez, que Paulo ignorava, quando foi arrebatado ao terceiro céu, se a alma lhe estava no corpo como o está quando o corpo vive – quer esteja a pessoa acordada, quer dormindo, quer alheada dos sentidos corpóreos pelo êxtase – ou se de todo tinha se separado dele, de modo que ficasse o corpo sem vida.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Por sinédoque, às vezes chamamos homem a uma parte dele; sobretudo à alma, que é a parte mais nobre do homem. – Embora também se possa entender, que aquele de quem o Apóstolo diz ter sido arrebatado, não era homem então quando sofreu o rapto, mas só o foi depois de catorze anos. E por isso diz: Eu conheço a este tal homem – e não – Eu conheço a este tal homem como tendo sido raptado. Mas também nada impediria chamar rapto à morte causada por Deus. Assim, Agostinho diz: Se o Apóstolo duvidava, quem de nós ousará dizer que tem certeza? Por isso, os que falam deste fato o fazem antes por conjecturas do que por estarem certos.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O Apóstolo sabia ou que esse céu era de natureza imaterial, ou que nele viu algo de imaterial. Pois, isso lhe era accessível à inteligência, mesmo que a alma lhe não ficasse separada do corpo.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A visão de Paulo, durante o rapto, em parte foi semelhante à visão dos bem–aventurados, isto é, quanto ao que viu. E em parte, dissemelhante, isto é, quanto ao modo de ver, pois não viu tão perfeitamente como o veem os santos na pátria. Por isso, diz Agostinho: Embora o Apóstolo fosse arrebatado ao terceiro céu, com o alheamento aos sentidos do corpo, não teve um conhecimento das coisas tão pleno e tão perfeito como o têm os anjos, pois, ignorava se estava no corpo ou fora dele; mas isto não se dará quando a alma se reunir ao corpo, depois da ressurreição dos mortos, tornando–se ele, imortal, de mortal que agora é.

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