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Art. 2 – Se a humildade regula o apetite ou, antes, o juízo da razão.

O segundo discute–se assim. – Parece que a humildade não regula o apetite, mas antes, o juízo da razão.

1. – Pois, a humildade opõe–se à soberba. Ora, a soberba, sobretudo se manifesta em matéria de conhecimento; assim, como diz Gregório, a soberba, embora se manifeste até exteriormente pelo corpo, revela–se sobretudo pelos olhos. Donde o dizer a Escritura: Senhor, o meu coração não se ensoberbeceu nem os meus olhos se elevaram. Ora, pelos olhos sobretudo é que conhecemos. Logo, parece que a humildade sobretudo se exerce em matéria de conhecimento e nos leva a nos termos em pouca conta.

2. Demais. – Agostinho diz, que a humildade resume quase toda a doutrina cristã. Logo, nada do que a doutrina cristã encerra repugna à humildade. Ora, essa doutrina nos adverte a desejarmos o melhor, segundo o diz o Apóstolo: Aspirai aos dons melhores. Logo, não é próprio da humildade reprimir o desejo das coisas difíceis, mas antes, a estimativa.

3. Demais. – A mesma virtude pertence refrear os movimentos exagerados e fortalecer a alma contra a excessiva retração; assim, é a coragem ela mesma, que refreia a audácia e nos fortifica contra o temor. Ora, a magnanimidade fortalece–nos a alma contra as dificuldades emergentes na prática de ações grandiosas. Logo, se a humildade refreasse o desejo do que é grande, resultaria não ser ela virtude distinta da magnanimidade, o que é evidentemente falso. Logo, a humildade não regula o desejo do que é grande, mas antes, a estimativa.

4. Demais. – Andronico dá como objeto da humildade o ornato externo; assim, diz, a humildade é um hábito que nos faz evitar o excesso nos gastos e no aparato. Logo, não versa sobre o movimento do apetite.

Mas, em contrário, diz Agostinho, que humilde é quem prefere ser pequeno na casa do Senhor a habitar nas moradas dos pecadores. Logo, a humildade regula o apetite, mais que a estimativa.

SOLUÇÃO – Como dissemos, função própria da humildade é refrear–nos para não nos elevarmos acima do nosso mérito. Ora, para tal é necessário conhecermos a nossa inferioridade aquilo que nos excede à capacidade. Por onde, é próprio da humildade dar–nos o conhecimento da nossa deficiência própria; sendo ela assim de certo modo a regra diretora do apetite. Mas, é no apetite mesmo que ela essencialmente se radica. Por onde, devemos concluir, que a humildade é propriamente diretiva e moderadora dos movimentos do apetite.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A elevação dos olhos é de certo modo sinal de soberba, por excluir a reverência e o temor. Pois, os tímidos e envergonhados são os que sobretudo costumam baixar os olhos, quase não ousando comparar–se aos outros. Mas, nem daqui se segue tenha a humildade como objeto próprio e essencial fazer–nos conhecer a nós mesmo.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Buscar o que nos sobrepassa, confiando nas nossas próprias forças, contraria à humildade. Mas, buscar o que nos sobreexcede, confiando no auxílio divino, não é contra a humildade, sobretudo porque nos exaltamos na presença de Deus tanto mais quanto mais a ele nos sujeitamos por humildade. Donde o dizer Agostinho: Uma causa é nos elevarmos para Deus e outra, nos elevarmos contra ele. Quem ante ele se humilha ele o exalta; quem contra ele se levanta ele o abate.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A coragem, por essência, tanto refreia a audácia como nos fortalece a alma contra o temor; pois, a razão de uma e outra coisa é que devemos antepor o bem racional ao perigo da morte. Mas, o refrear a esperança presumida, objeto da humanidade, e fortalecer–nos a alma contra o desespero, objeto da magnanimidade, são cousas diferentes. Pois, a razão de fortalecermos a alma contra o desespero é a consecução do nosso bem próprio, isto é, não nos tornarmos, pelo desespero, indigno do bem que merecíamos. Ao passo que a razão precípua de reprimir a esperança presumida se funda no respeito divino, que nos leva a não nos atribuirmos mais que aquilo que nos cabe, conforme a posição Que Deus nos conferiu. Por onde, a humildade sobretudo implica a nossa sujeição a Deus. E por isso Agostinho atribui a humildade, entendendo por ela a pobreza de espírito, ao dom do temor, pelo qual reverenciamos a Deus. Donde, a fortaleza está para a audácia não como a humildade, para a esperança. Pois, a fortaleza serve–se da audácia mais do que à reprime; por isso, o seu excesso se lhe assemelha mais que o seu defeito. Ao passo que a humildade mais reprime a esperança ou a confiança em nós mesmo, do que a utiliza; por isso, mais que o seu defeito se lhe opõe o seu excesso.

RESPOSTA À QUARTA. – Os gastos exteriores e os aparatos excessivos de ordinário mais os fazemos por jactância, a qual é reprimida pela humildade. E, assim sendo, a humildade tem por objeto secundário regular essas exterioridades, enquanto são sinais do movimento do apetite interior.

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