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Art. 1 – Se o jejum é ato de virtude.

O primeiro discute–se assim. – Parece que o jejum não é ato de virtude.

1. – Pois, todo ato de virtude é aceito por Deus. Ora, o jejum nem sempre é aceito de Deus, conforme àquilo da Escritura: Por que jejuamos e tu não olhaste para nós? Logo, não é o jejum ato de virtude.

2. Demais. – Nenhum ato virtuoso pode afastar–se da mediedade da virtude. Ora, o jejum se afasta da mediedade da virtude, a qual existe na virtude da obstinência quando ela obvia às necessidades da natureza, a que o jejum impõe uma privação; do contrário, os que não jejuam não praticariam a virtude da abstinência. Logo, o jejum não é ato de virtude.

3. Demais. – O que comumente convém a todos, tanto aos bons como aos maus, não é ato de virtude. Ora, tal é o jejum; pois, todos antes de comermos, estamos em jejum. Logo, o jejum não é ato de virtude.

Mas, em contrário, é enumerado entre os outros atos de virtude, quando o Apóstolo diz: Nos jejuns, na castidade, na ciência, etc.

SOLUÇÃO. – Um ato é virtuoso quando ordenado pela razão a um bem honesto. Ora, tal se dá.com o jejum. Pois, por três motivos o praticamos. – Primeiro, para reprimir as concupiscências da carne. Donde o dizer o Apóstolo, no lugar citado: Nos jejuns, na necessidade, porque o jejum conserva a castidade. Pois, como diz Jerónimo, sem Ceres e Baco Vênus esfria, isto é, pela abstinência da comida e da bebida a luxúria se amortece. – Segundo, pra ticamos o Jejum para mais livremente se nos elevar a alma na contemplação das sublimes verdades. Por isso, refere a Escritura que Daniel, depois de ter jejuado três semanas, recebeu de Deus a revelação. – Em terceiro lugar para satisfazer pelos nossos pecados. Por isso, diz a Escritura: Convertei­vos a mim de todo o vosso coração em jejum e em lágrimas e em gemido.

E é o que ensina Agostinho num sermão: O jejum purifica a alma eleva os sentidos, sujeita a carne ao espírito, faz–nos contrito e humilhado o coração, dissipa o nevoeiro da concupiscência, extingue os oradores tia sensualidade acende a verdadeira luz da castidade. Por onde é claro, que o jejum é ato de virtude.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Pode acontecer que um ato genericamente virtuoso venha a tornar–se vicioso por certas circunstâncias sobrevenientes. Por isso, no mesmo lugar citado, diz a Escritura: Eis que no dia do vosso jejum se acha a vossa vontade; e pouco adiante acrescenta: Vós jejuais para prosseguirdes demandas a contendas e feris com o punho sem piedade. O que Gregório explica: A vontade exprimia a alegria; o punho, a ira. Por isso, em vão mortificamos a carne pela penitência se, presa de movimentos desordenados, a alma se nos dissipa pelos vícios. E Agostinho, no sermão citado, ensina, que o jejum não ama a verbosidade, julga superfluidade as riquezas, despreza a soberba, recomenda a humildade, faz­nos descobrir em nós o que temos de enfermo e frágil.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A mediedade da virtude não se funda na sua quantidade, mas, em ser segundo a razão reta, como diz Aristóteles. Ora, a razão julga que, por uma causa especial, a levamos tomar menos alimento do que devíamos, segundo o costume geral; assim, para evitarmos uma doença ou para fazermos mais expeditamente certas obras corporais. E, com muito maior fundamento, a razão assim o ordena, para evitarmos os males espirituais e praticarmos o bem. Mas, a razão reta não nos priva a tal ponto dos alimentos, que a natureza não nos possa subsistir; pois, como diz Jerónimo, não há diferença entre nos matarmos logo ou pouco a pouco; é oferecer um holocausto roubado destruir o nosso corpo, privando–o com excesso de alimento ou de sono. Semelhantemente, a razão reta não manda nos privemos de comida a ponto de nos tornarmos incapazes de cumprir o nosso dever; por isso, diz Jerónimo, que o homem racional perde a dignidade que prefere o jejum à caridade ou as vigílias dos sentidos, à integridade do espírito.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O jejum natural, em que estamos, antes de comer, é uma pura negação. Por isso, não pode ser considerado ato de virtude; senão só aquele jejum pelo qual, com propósito racional, de certo modo nos abstemos de comer. Por isso, o primeiro se chama jejum do homem em jejum e o segundo, jejum do jejuador, como praticado por quem age intencionalmente.

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