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Art. 5 – Se só a fé é causa do martírio.

O quinto assim se procede. – Parece que só a fé é causa do martírio.

1. –Pois, diz a Escritura: Nenhum de vós padeça como homicida, ou ladrão, ou de modo semelhante; se, porém padece como Cristão não se envergonhe; mas glorifique a Deus neste nome. Ora, chama–se cristão quem professa a fé de Cristo. Logo, só a fé de Cristo dá aos que sofrem a glória do martírio.

2. Demais. – Mártir significa como que testemunha. Ora, o testemunho não se dá senão à verdade. Pois, mártir não se chama quem dá testemunho de qualquer verdade, mas, só, da verdade divina. Do contrário, quem morresse pela confissão de uma verdade geométrica ou de outra ciência especulativa, seria mártir; o que é ridículo. Logo, só a fé é causa do martírio.

3. Demais. – Parece que as mais excelentes obras virtuosas são as ordenadas ao bem comum, porque o bem do povo é preferível ao do indivíduo, segundo o Filósofo. Suposto, pois, que outro bem, que não a fé, fosse a causa do martírio, mártires por excelência seriam os que morressem pela defesa da república. Ora, isso não é de nenhum modo conforme à prática da Igreja. Assim, não se celebram martírios de soldados mortos numa guerra justa. Logo, só a fé é a causa do martírio.

Mas, em contrário, a Escritura: Bem–aventurados os que padecem perseguição por amor da justiça; o que constitui o martírio, como diz a Glosa a esse lugar. Ora, à justiça pertence não só a fé, mas também as outras virtudes. Logo, também as outras virtudes podem ser causa do martírio.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, os mártires são uns como testemunhos; pois, pelos sofrimentos mortais que padecem no corpo, dão testemunho da verdade, não de qualquer, mas da verdade religiosa, que Cristo nos ensinou; e por isso se chamam mártires de Cristo, ou uns como testemunhos dele. Ora, tal é a verdade da fé. Logo, a causa de todo martírio é a verdade da fé. –­ Ora, esta exige não só a crença interior do espírito mas ainda, a sua manifestação exterior. E esta se faz não só pelas palavras com que confessamos a fé, mas também pelos atos manfestativos da fé que professamos, segundo a Escritura: Eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras. E por isso, de certos diz o Apóstolo:

Eles confessam que conhecem a Deus; mas negam–no com as obras. Por onde, todas as obras virtuosas, quando referidas a Deus, são manifestações da fé, pela qual sabemos que Deus as exige de nós e por elas nos há de remunerar. E a esta luz podem ser causa de martírio. Por isso, a Igreja celebra o martírio de S. João Baptista, que padeceu a morte, não para vindicar a fé negada, mas, para repreender o adultério.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Cristão se chama ao que é de Cristo. Ora, chama–se de Cristo não somente quem tem a fé de Cristo, mas também quem pratica obras virtuosas com o espírito de Cristo, conforme àquilo do Apóstolo: Se algum não tem o espírito de Cristo, este tal não é dele. E ainda quem, para imitar a Cristo, morre para o pecado, conforme à Escritura: Os que são de Cristo crucificaram a sua própria carne com os seus vícios e concupiscências. Por onde, sofre como Cristão, não só quem, por suas palavras, sofre, confessando a fé, mas também todo aquele que padece, praticando qualquer boa obra evitando qualquer pecado, por amor de Cristo. Pois, tudo isto são formas de se manifestar a fé.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A verdade das outras ciências não concerne ao culto da divindade; por isso não se chama verdade religiosa. Por onde o confessá–la não pode ser causa direta de martírio. Mas, como toda mentira é pecado, segundo dissemos, contar a mentira, seja esta contrária a qualquer verdade que for, enquanto mentira, é pecado contrário à lei divina e pode ser causa de martírio.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O bem da república é o primeiro dos bens humanos. Ora, o bem divino, que é a causa própria do martírio, é mais excelente que o bem humano. Mas, como o bem humano pode tornar–se divino, se se referir a Deus, por isso, qualquer bem humano pode ser causa de martírio, enquanto referido a Deus.

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