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Art. 1 – Se a vingança é lícita.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a vingança não é lícita.

1. – Pois, quem para si usurpa o que é de Deus, peca. Ora, a vingança pertence a Deus, como diz a Escritura, conforme outra letra: Minha é a vingança e eu lhes darei o pago. Logo, toda vingança é ilícita.

2. Demais. – Não toleramos aquele de quem nos vingamos. Ora, devemos tolerar os maus; pois, àquilo da Escritura – Bem como o lírio entre os espinhos, diz a Glosa: Não foi bom quem não pode tolerar os maus. Logo, não devemos nos vingar dos maus.

3. Demais. – A vingança aplica castigos que causam um temor servil. Ora, a Lei Evangélica não é uma lei de temor, mas de amor, como diz Agostinho. Logo, pelo menos o Novo Testamento não permite nenhuma vingança.

4. Demais. – Vinga–se quem tira desforço das injúrias sofridas. Ora, segundo parece, não é lícito, mesmo ao juiz, punir os que delinquem contra ele. Pois, diz Crisóstomo: Aprendamos, ao exemplo de Cristo, a suportar com magnanimidade as nossas injúrias;  mas, injúrias a Deus não consintamos nem mesmo em as ouvir. Logo, a vingança parece ilícita.

5. Demais. – O pecado da multidão é mais nocivo que o de um só; pois, diz a Escritura: De três cousas se receou o meu coração: da delação duma cidade, do levantamento dum povo mancomunado e da calúnia mentirosa. Ora, do pecado da multidão não se deve tirar vingança; pois, àquilo do Evangelho – Para que talvez não suceda que arranqueis o trigo, deixai crescer uma e outra – diz a Glosa: nem a multidão nem o príncipe devem ser excomungados. Logo, também não é licita qualquer outra vingança.

Mas, em contrário. – De Deus só devemos esperar o que e bom e lícito. Ora, devemos esperar de Deus a vingança dos nossos inimigos, conforme ao Evangelho. Deus não fará justiça aos seus escolhidos que estão clamando a ele de dia e de noite? E como se respondesse: Por certo a fará. Logo, em si mesma a vingança não é má e ilícita.

SOLUÇÃO. – A vingança se consuma infligindo ao que pecou, uma pena, como um mal. Logo, devemos levar em conta na vingança, o ânimo com que age quem a exerce. ­ Se, pois, a sua intenção principalmente está no mal daquele de quem tirou vingança e nela se compraz, a vingança é absolutamente ilícita. Porque o nos comprazermos com o mal de outrem supõe o ódio, contrário à caridade, que nos manda amar a todos os homens. Nem pode escusar–se ninguém dizendo que quer o mal de quem injustamente lh'o fez, assim como não seria escusado quem odiasse ao que o odeia. Pois, não devemos pecar contra outrem por ter este antes pecado contra nós, o que seria deixarmo–nos vencer do mal, procedimento proibido pelo Apóstolo, quando diz: Não te deixes vencer do mal, mas, vence o mal com o bem. – Mas. se a intenção de quem se vinga visa principalmente um bem, que obteria punindo o pecador – por exemplo, fazendo–o emendar–se ou pelo menos coibindo–o, dando paz aos outros, salvando a justiça e a honra de Deus  – nesse caso a vingança pode ser lícita, uma vez observadas as circunstâncias devidas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Quem, conforme o grau da sua posição exerce a vingança contra os maus, não usurpa para si o que é de Deus, mas usa do poder que Deus lhe conferiu, conforme o diz o Apóstolo, do príncipe temporal: O ministro de Deus é vingador em ira contra aquele que obra mal. Mas, quem exerce a vingança fora ria ordem instituída por Deus usurpa o que é de Deus e portanto peca.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os maus são tolerados pelos bons por sofrerem estes pacientemente, como devem as injúrias que aqueles lhes as sacam; mas não os toleram para suportarem as injúrias feitas a Deus e ao próximo. Pois, diz Crisóstomo: É louvável sofrer pacientemente injúrias feitas a nós; mas, é tudo quanto há de ímpio dissimular as– feitas a Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A lei do Evangelho é uma lei de amor. Por isso, aos que fazem o bem por amor, único que vivem propriamente sob a lei evangélica, não se lhes deve incutir o temor, por meio de penas; mas, só  aqueles que não se deixam persuadir pelo amor à prática de boas obras e que, embora façam parte do número dos filhos da Igreja, não lhe pertencem porém pelo merecimento.

RESPOSTA À QUARTA. – A injúria assacada contra outrem redunda às vezes contra Deus e a Igreja. E então devemos vingar a injúria que sofremos, como se deu com Elias, que fez descer o fogo do céu sobre os que vieram prendê–lo, como se lê na Escritura. E do mesmo modo Eliseu amaldiçoou os meninos que zombavam dele, como também narra a Escritura; e o Papa Silvestre excomungou os que o mandaram ao exílio. – Mas, quando a injúria só nos fere a nossa própria pessoa, devemos tolerá–la pacientemente, se nos for possível. Pois, esse preceito da paciência deve ser entendido relativamente à disposição da nossa alma, como diz Agostinho.

RESPOSTA À QUINTA. – Quando todo o povo peca, deve–se tirar vingança dele, ou totalmente, como no caso dos Egípcios que, perseguindo os filhos de Israel, ficaram submersos no Mar Vermelho; e também no dos Sodomitas, que todos pereceram – o que tudo se lê na Escritura. Ou, em grande parte do povo, como no caso dos que adoraram o bezerro. Outras vezes porém se há lugar de esperar que o povo venha a corrigir–se, a severidade da vingança deve recair sobre os cabeças que, uma vez punidos, infundirão terror aos outros; assim, o Senhor mandou enforcar os príncipes do povo, por causa. do pecado da multidão. – Se não foi porém toda a multidão, mas só parte dela, a que pecou, então a vingança deve exercer–se sobre os maus, se puderem ser separados dos bons; mas, se puder sê–lo sem escândalo dos outros, pois, do contrário, deve–se ter compadecimento da multidão e pôr­ de lado a severidade. E o mesmo se deve dizer do chefe, a quem a multidão obedece. Assim, deve–se lhe tolerar o pecado se não puder ser punido sem escândalo da multidão; salvo se o seu pecado fosse tal que prejudicasse ao povo, espiritual ou temporalmente mais do que o escândalo resultante da punição.

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