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Art. 2 — Se em Cristo houve o atrativo do pecado.

O segundo discute-se assim. — Parece que em Cristo houve o atrativo do pecado.

1. — Pois, do mesmo princípio - privação da justiça original - deriva o atrativo do pecado e a passibilidade do corpo ou mortalidade; e dessa justiça original é que resultava a sujeição das potências inferiores da alma à razão e do corpo à alma. Ora, em Cristo havia a passibilidade do corpo e a mortalidade. Logo, houve também nele o atrativo do pecado.

2. Demais. — Como diz Damasceno, pelo beneplácito da divina vontade fora permitido à carne de Cristo sofrer e operar o que lhe era apropriado. Ora, é próprio à carne desejar o que lhe é agradável. Mas, como o atrativo do pecado não é senão a concupiscência, na expressão do Apóstolo, parece que em Cristo havia o atrativo do pecado.

3. Demais. — Em razão do atrativo do pecado, a carne deseja contra o espírito, como diz o Apóstolo. Ora, tanto mais forte e mais digno da coroa se mostra o espírito, quanto mais supera o inimigo, isto é, a concupiscência da carne, segundo o Apóstolo: Não é coroado senão quem combate conforme à lei: Ora, Cristo tinha um espírito fortíssimo e vitoriosíssimo e digno, por excelência, da coroa, segundo a Escritura: E lhe foi dada uma coroa e saiu vitorioso para vencer. Logo, parece que em Cristo devia haver, em máximo grau, o atrativo do pecado.

Mas, em contrário, o Apóstolo: O que nela se gerou é obra do Espírito Santo. Ora, o Espírito Santo exclui o pecado e a inclinação para o pecado, implicada na denominação de atrativo, Logo, em  Cristo não houve o atrativo do pecado.

SOLUÇÃO. — Como se disse, Cristo teve perfeitíssima a graça e todas as virtudes. Ora, a virtude moral, reguladora da parte irracional, fá-la sujeita à razão e tanto mais quanto mais perfeita for tal virtude. Assim, a temperança regula o concupiscivel; a fortaleza e a mansidão, o irascível, como dissemos na Segunda Parte. Mas, por sua natureza, o atrativo do pecado inclina o apetite sensual ao que é contra a razão. Por onde é claro, que quanto mais alguém for de virtude perfeita tanto mais se lhe diminuirá o atrativo do pecado. Mas, tendo Cristo a virtude em perfeitíssimo grau, não houve nele, por consequência, o atrativo do pecado; pois, além disso, essa fraqueza não se ordena a satisfazer mas, antes, inclina ao que é contrário à satisfação.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As virtudes inferiores, pertinentes ao apetite sensível são naturalmente obedientes à razão; não porém as virtudes do corpo ou dos humores corpóreos ou ainda as da alma vegetativa, como está claro em Aristóteles.· Por onde, a perfeição da virtude conforme à razão reta não exclui a passibilidade do corpo; exclui porém o atrativo do pecado, cuja essência consiste na resistência do apetite sensual à razão.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A carne naturalmente deseja o que lhe é agradável, pela concupiscência do apetite sensitivo; mas a carne do homem, que é um animal racional, deseja o que lhe agrada, ao modo e conforme à ordem da razão. E assim, a carne de Cristo, pela concupiscência do apetite sensitivo, desejava naturalmente a comida, a bebida, o sono e o mais que podemos desejar de acordo com a razão reta, como está claro em Damasceno. Daí porém não se segue que em Cristo houvesse o atrativo do pecado, que implica a concuspicência do prazer contrário à ordem da razão.

RESPOSTA À TERCEIRA. — É prova de uma certa força de espírito o resistir à concupiscência da carne que se lhe opõe; demonstra porém maior fortaleza, o espírito que reprime totalmente o ímpeto da carne, impedindo-a de exercer a sua concupiscência contra o espírito. E por isso, esta última fortaleza era a própria a Cristo, cujo espírito atingira o sumo grau nessa virtude. E embora não sofresse nenhuma impugnação interior, quanto ao atrativo do pecado, sofreu-a contudo anterior, da parte do mundo e do diabo, vencendo os quais mereceu a coroa da vitória.

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