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Art. 1 — Se na alma assumida pelo Verbo havia a graça habitual.

O primeiro discute-se assim. — Parece que na alma assumida pelo Verbo não havia a graça habitual.

1. — Pois, a graça é uma certa participação da divindade na criatura racional, segundo a Escritura: Pelo qual nos comunicou as mui grandes e preciosas graças que tinha prometido, para que sejamos feitos participantes da natureza divina. Ora, Cristo é Deus, não participativa, mas verdadeiramente. Logo, nele não houve graça habitual.

2. Demais. — A graça é necessária ao homem para proceder bem, segundo o Apóstolo: Tenho trabalhado mais copiosamente que todos eles; não eu contudo, mas a graça de Deus comigo. E também para alcançar a vida eterna, segundo ainda o Apóstolo: A graça de Deus é a Vida perdurável. Ora, a Cristo, só pelo fato de ser naturalmente o Filho de Deus, era-lhe devida a herança da vida eterna; e também por ser o Verbo, pelo qual todas as coisas foram feitas, tinha a faculdade de proceder bem em todas as coisas. Logo, não precisava, em virtude da sua natureza humana, de outra graça, senão da união com o Verbo.

3. Demais. — O que opera a modo de instrumento não precisa de nenhum hábito para as suas operações próprias; porque o hábito se funda no agente principal. Ora, a natureza humana, em Cristo, era como o instrumento da divindade, no dizer de Damasceno. Logo, não devia de haver, em Cristo, nenhuma graça habitual.

Mas, em contrário, a Escritura: Descansará sobre ele o Espírito do Senhor, do qual se diz que está no homem pela graça habitual, como se demonstrou na Primeira Parte. Logo, em Cristo havia a graça habitual.

SOLUÇÃO. — Devemos admitir em Cristo a graça habitual, por três razões. Primeiro, por causa da união da sua alma com o Verbo de Deus. Pois, quanto mais próximo está um ser da causa que influi sobre ele, tanto mais participa da sua influência. Ora, o influxo da graça vem de Deus, segundo a Escritura: O Senhor dará a graça e a glória. Por isso era conveniente em máximo grau que a sua alma recebesse o influxo da graça divina. Segundo, por causa da nobreza da sua alma, cujas operações deviam tocar a Deus de muito perto pelo conhecimento e pelo amor; e para isso é preciso a natureza humana ser elevada pela graça. Terceiro, por causa das relações de Cristo com o gênero humano. Pois, Cristo enquanto homem é o mediador entre Deus e os homens, no dizer do Apóstolo. Por isso deveria ter uma graça capaz de redundar nos outros, conforme o Evangelho: Todos nós participamos de sua plenitude.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Cristo é verdadeiramente Deus pela pessoa e pela natureza divina. Mas, como com a unidade de pessoa subsiste a distinção das naturezas, conforme do sobredito se colige, a alma de Cristo não é por sua essência divina. Por onde, havia de se tornar divina por participação, que é segundo a graça.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A Cristo, enquanto por natureza filho de Deus, é devida a herança eterna, que é a própria beatitude incriada, pelo ato incriado do conhecimento e do amor de Deus, ato que é o mesmo pelo qual o Pai se conhece e ama a si mesmo. E desse ato a alma não era capaz por causa da diferença de natureza. Por isso, era necessário que se alçasse a Deus por um ato criado de fruição. O que não pode ser senão pela graça. Semelhantemente, enquanto Verbo de Deus, tinha a faculdade de proceder bem em tudo, por operação divina. Mas, como além da operação divina, devemos admitir nele a operação humana, conforme a seguir se demonstrará, era mister que tivesse a graça habitual, que torna perfeita a sua referida operação.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A humanidade de Cristo é o instrumento da divindade; não, certo, como um instrumento inanimado, que de nenhum modo, age, mas é manejado por outro; mas como um instrumento animado pela alma racional, que é manejado por outro mas de modo que também age. E portanto, para a sua ação própria era necessário tivesse a graça habitual.

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