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Os direitos divinos que Jesus se atribuiu

Jesus se atribuiu os sete principais privilégios que só podem pertencer a Deus.
 
Em São Mateus e São Marcos, Jesus se declara maior do que o profeta Jonas, maior que Salomão1, maior do que David que o chamou seu Senhor, no salmo CIX: "Dixit Dominus Domino meo: Sede a dextris meis, donec ponam inimicos tuos, scabellum pedum tuorum;" "O Senhor disse a meu Senhor: senta-te à minha direita até que eu ponha teus inimigos como escabelo a teus pés." Jesus dizia a esse respeito aos fariseus: "Se David chama o Cristo Senhor, como pode ser seu filho?" "Ninguém pôde lhe responder", acrescentou São Mateus 2.
 
Jesus se mostra também maior do que Moisés e do que Elias, que no dia da Transfiguração apareceram ao seu lado3; é maior do que João Batista, como se vê pela sua resposta aos discípulos do precursor, que mandou que lhe perguntassem: "És aquele que deve vir?"4.
 
Aparece mesmo maior do que os anjos porque está dito em São Marcos, I, 13, e em São Mateus, IV, 11, que no deserto, depois da tentação, depois da vitória sobre o demônio, "os anjos o serviram". E ele mesmo diz:"O Filho do homem virá na glória de seu Pai com seus anjos e então dará a cada um segundo as suas obras." 5 "Enviará seus anjos... que juntarão os seus escolhidos dos quatro ventos, duma extremidade dos céus à outra6. Isaias, nem qualquer outro profeta, nunca falou em mandar seus anjos.
 
Ora, aquele que é superior a todos os profetas e aos anjos é superior a toda criatura.
 
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Ainda mais, Jesus exige, em relação a ele mesmo, a fé, a obediência, o amor, até a abnegação de todas as afeições contrárias e até o sacrifício da vida. Ele disse anunciando as perseguições dos três primeiros séculos. "Terão por inimigos os de sua própria casa. O que ama seu pai e sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; e o que ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim. E o que não toma a sua cruz e não me segue não é digno de mim. O que quer salvar sua vida, perde-a; e o que perdê-la por causa de mim, a salvará7."
 
Jesus, falando assim diante dos apóstolos, sabia que sofreriam o martírio. Estas palavras, que se realizarão sobretudo durante as perseguições, seriam de um orgulho insuportável se Jesus não fosse Deus. Qual profeta jamais ousou dizer: "Aquele que ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim?" Os santos, mais se elevavam, menos falavam de si mesmos; o eu se apaga cada vez mais diante de Deus. A que atribuir que Jesus fale assim, com tal majestade de si mesmo, ele tão humilde que aceitou as últimas humilhações para nossa salvação? — Ele disse, ainda, depois de ter convidado à perfeição o jovem rico, que não respondeu a seu chamado: "Em verdade vos digo, ninguém deixará sua casa, ou seus irmãos, ou suas irmãs, ou seu pai, ou sua mãe, ou seus filhos, ou seus campos por causa de mim e por causa do Evangelho sem que receba agora, neste tempo presente, o cêntuplo... mesmo no meio das perseguições, e no século futuro, a vida eterna."8 — "Quem não está comigo está contra mim, e quem não ajunta comigo, dispersa."9
 
Santo Tomás, em seu comentário sobre São Mateus, XII, 30, vê nestas últimas palavras uma manifestação da divindade de Cristo. Somente Deus é o fim último para o qual o homem deve tender, observa ele, e é por isto que aquele que não está com Deus (que não tende para Ele) está separado (ou de costas) dele. O que fazia Elias dizer (III Reis, XVIII, 21): "Até quando claudicareis para os dois lados? Se Yahveh é Deus, segui-o." Mas, continua Santo Tomás, aquele que não passasse de um homem não poderia dizer: "Quem não está comigo está contra mim". Pode-se, com efeito, ficar neutro ou indiferente em relação a um homem que não passa de um homem; não se pode ficar neutro ou indiferente em relação a Deus, nosso fim último. Se pois Jesus pronuncia estas palavras, é porque ele é superior a todas as criaturas.
 
Ele disse também desde o começo de seu ministério no Sermão da Montanha: "Bem aventurados sereis quando vos insultarem, quando vos perseguirem, e quando disserem toda sorte de mal contra vós, por causa de mim." 10 "Por causa de mim": isto é, sofrer perseguição pela justiça e pela causa mais alta; também a recompensa será grande nos céus.
 
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Jesus não pede somente a obediência e a perfeita abnegação, ele fala também como o legislador supremo, igual ao legislador do Sinai, que deu a antiga Lei a Moisés para o povo eleito. Vindo aperfeiçoar esta lei divina e expurgá-la das falsas interpretações dos rabinos, Jesus muitas vezes se exprime assim: "Foi dito aos antigos... e Eu vos digo." 11 Assim ele proíbe o divórcio que Moisés havia permitido por causa da dureza dos corações dos israelitas 12; e se declara "o Senhor do sábado" 13.
 
Fez também milagres em seu próprio nome, por modo de comando: disse ao paralítico: "Levanta-te e anda" 14; ressuscitou a filha de Jairo, dizendo: "Talitha quoumi", quer dizer: "Menina, levanta-te, eu te digo" 15; ressuscita também o filho da viúva de Naim, dizendo: "Jovem, eu te ordeno, levanta-te" 16. Comandava o mar encapelado pela tempestade: "Cala-te, acalma-te", e o vento cessou e seguiu-se uma grande bonança, conta São Marcos (IV, 39). E, tomados de admiração, todos diziam: "Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?" Os Apóstolos, ao contrário, faziam os milagres em nome de Jesus 17: Pedro disse: "Em nome de Jesus de Nazareth, levanta-te e anda... É pelo nome de Jesus Cristo... que este homem se apresenta diante de vós completamente curado." 18.
 
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Além disso, Jesus se atribui o poder de perdoar os pecados, de refazer as almas, de lhes dar a vida divina, poder que os fariseus reconheciam como pertencente somente a Deus. Lembramos a cena contada por São Mateus, IX, 2: "Apresentaram um paralítico estendido em um leito. E vendo Jesus a fé que tinham, disse ao paralítico: "Meu Filho, tem confiança, teus pecados te são perdoados." E logo alguns dos escribas disseram dentro de si: "Este homem blasfema" (é porque pensam que somente Deus pode perdoar os pecados). Jesus, conhecendo seus pensamentos, lhes diz: "Porque pensais mal em vossos corações? O que é mais fácil dizer: Teus pecados te são perdoados, ou dizer: Levanta-te e anda?" Pois para que saibais que o Filho do homem tem poder sobre a terra de perdoar os pecados: levanta-te, disse ao paralítico, toma teu leito e vá para tua casa." A multidão, acrescenta São Mateus, vendo este prodígio, foi tomada de temor e rendeu graças a Deus, que deu tal poder aos homens.
 
Ainda diz: "Vinde a mim vós que estais fatigados, e vos achais carregados e eu vos aliviarei." 19 Ainda mais, se atribui o direito de comunicar aos outros o poder de perdoar os pecados: disse a seus apóstolos: "Em verdade vos digo, tudo o que ligardes na terra, será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra, será desligado no céu." 20
 
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Jesus não só se atribui o poder de perdoar os pecados mas, também, o de julgar os vivos e os mortos. Responde a Caifaz: "E vereis o Filho do homem sentado à direita do poder de Deus vir sobre as nuvens do céu." 21 "Enviará seus anjos com trombetas e com grande voz e juntarão os escolhidos..." 22
 
Promete também enviar o Espírito Santo dizendo aos discípulos, antes da Ascensão: "Vou enviar sobre vós o dom prometido por meu Pai; e vós, ficai na cidade até que sejais revestidos de uma força do alto." 23 Não é pois inferior ao Espírito Santo que ele promete enviar.
 
Enfim, Jesus aceitou a adoração 24, da qual Pedro, Paulo e Barnabé, e os próprios anjos no Apocalipse, se declararam indignos 25.
 
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Vê-se assim que Jesus, segundo os Evangelhos sinópticos, se atribui os sete principais privilégios que só podem pertencer a Deus:
 
1o. — É superior a todas as criaturas: maior do que Jonas, do que Salomão, do que David, do que Moisés, do que Elias, do que João Batista, superior aos anjos, que são "seus anjos".
 
2o. — Pede em relação a si mesmo fé, obediência, amor, até a negação de qualquer outra afeição contrária, e até o sacrifício da vida.
 
3o. — Fala como legislador supremo no Sermão da Montanha.
 
4o. — Fez milagres em seu próprio nome.
 
5o. — Atribui-se o poder de perdoar os pecados e o confere a outros.
 
6o. — Atribui-se o poder de julgar os vivos e os mortos em todas as gerações humanas.
 
7o. — Promete enviar o Espírito Santo e sua promessa se realiza no dia de Pentecostes.
 
Jesus só pode se atribuir estes direitos se é, não somente enviado por Deus, o Messias, mas o próprio Deus. Ele o afirma assim, de um modo ainda velado, para preparar pouco a pouco as almas para receberem uma afirmação mais explicita, que se tornará cada vez mais clara e mais forte até o instante de sua condenação à morte.
 
(PERMANÊNCIA nos. 200-201; trecho de "Le Sauveur et son amour pour nous", ed. du Cédre, Paris, 1951, trad. Anna Luiz Fleichman)

  1. 1. Mt. 12, 41-42.
  2. 2. Mt. 12, 45; Mr. 12, 36.
  3. 3. Mr. 17,3.
  4. 4. Mt. 11,3;
  5. 5. Mt. 16,27.
  6. 6. Mt. 16,27.
  7. 7. Mt. 10, 37; Lc. 14, 26.
  8. 8. Mr 10, 29-30.
  9. 9. Mt. 12, 30.
  10. 10. Mt, 5, 11;
  11. 11. Mt. 5, 21-48.
  12. 12. Mt. 5, 32; 19,9.
  13. 13. Mr. 2, 27-28.
  14. 14. Mt. 9, 6.
  15. 15. Mr. 5, 41.
  16. 16. Lc. 7, 14.
  17. 17. Mt. 7, 22.
  18. 18. At. III, 6; 4, 10.
  19. 19. Mt. 9, 28.
  20. 20. Mt. 18,18; 16, 19.
  21. 21. Mr. 14, 62; 8, 38; 13, 26.
  22. 22. Mt. 24, 31.
  23. 23. Lc. 24, 49.
  24. 24. Mt. 8, 2; 28, 9, 17; Mr. 5, 16.
  25. 25. At. 10, 25-26; 14, 14; Ap, 19, 10; 22, 8.
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