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Art. 1 – Se a justificação do ímpio é a remissão dos pecados.

 (Infra, a. 6 ad I; IV Sent., dist. XVII, q. 1, a. 1, qª 1; De Verit., q. 28, a. 1).


O primeiro discute-se assim. – Parece que a justificação do ímpio não é a remissão dos pecados.

1. – Pois, o pecado se opõe não só à justiça, como a todas as virtudes, segundo do sobredito resulta. Ora, a justificação implica um certo movimento para a justiça. Logo, nem toda remissão do pecado é justificação, pois todo movimento se realiza entre dois termos contrários.

2. Demais. – Um objeto tira o seu nome do que tem em si de mais importante, como diz Aristóteles. Ora, a remissão dos pecados se opera, principalmente, pela fé, conforme aquilo da Escritura: a caridade cobre todos os delitos. Logo, a remissão dos pecados devia ser denominada, antes, pela fé ou pela caridade, do que pela justiça.

3. Demais. – A remissão dos pecados parece significar o mesmo que vocação; ora, é chamado quem está distante, e o pecado é que nos torna distante de Deus. Ora, a vocação precede à justificação, conforme a Escritura: Aos que chamou a estes também justificou. Logo, a justificação não é a remissão dos pecados.

Mas, em contrário, aquilo da Escritura: Aos que chamou a estes também justificou – diz a Glosa: pela remissão dos pecados. Logo, esta é a justificação.

SOLUÇÃO. – A justificação,em acepção passiva, implica um movimento para a justiça, assim como a calefação, para o calor. E como a justiça implica, por essência, a retidão da ordem, pode ser tomada em duplo sentido. – Primeiro, enquanto implica a ordem reta no ato mesmo do homem. E então, a justiça é considerada como virtude. Quer seja uma virtude particular, que ordena a retidão dos atos de um homem relativamente aos de outro; quer seja a justiça legal, que ordena essa retidão, relativamente ao bem comum do povo, como está claro em Aristóteles. – Noutro sentido, a justiça implica uma certa retidão da ordem na disposição mesma interna do homem, fazendo com que a sua faculdade suprema se submeta a Deus, e a essa faculdade, i. é, à razão se sujeitem as faculdades inferiores da alma. E a essa disposição o Filósofo dá o nome de justiça metaforicamente dita. Ora, esta justiça pode realizar-se no homem de duplo modo. – Primeiro, como simples geração, que se opera pela passagem da privação para a forma. E neste sentido, a justificação poderia convir mesmo a quem não estivesse em pecado e, nesse estado, recebesse de Deus a justiça. Assim, diz-se que Adão recebeu a justiça original. – De outro modo, essa justiça pode realizar-se no homem, conforme ao movimento da razão, que vai de um termo para o seu contrário. E deste modo, a justificação implica uma certa mudança do estado de injustiça para o da referida justiça. E é neste sentido que se trata agora da justificação do ímpio, conforme aquilo do Apóstolo: Ao que não obra e crê naquele que justifica ao ímpio, a sua fé lhe é imputada à justiça, segundo o decreto da graça de Deus. E como um movimento tira a sua denominação, mais do seu termo de origem, do que do de chegada, esse passar do estado de injustiça para o da justiça, pela remissão do pecado, recebe a sua denominação do termo de chegada, e se chama justificação do ímpio.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Todo pecado, por isso mesmo que implica uma certa desordem da mente não sujeita a Deus, pode chamar-se injustiça, contrária à justiça em questão, conforme aquilo da Escritura: Todo o que comete um pecado comete igualmente uma iniqüidade, porque o pecado é uma iniqüidade. E assim, à remoção de qualquer pecado chama-se justificação.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A fé e a caridade implicam uma ordem especial da mente humana para Deus, pelo intelecto e pelo afeto. Ao passo que a justiça implica, em geral, a retidão total da ordem. Por isso, essa mudança tira a sua denominação, antes, da justiça, que da caridade ou da fé.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A vocação depende do auxílio de Deus, que move interiormente e excita a alma a abandonar o pecado. Essa moção de Deus, porém, não é a remissão mesma do pecado, mas a sua causa.
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