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Art. 3 ─ Se os condenados podem, com razão reta e deliberativa, querer não existir.

O terceiro discute-se assim. ─ Parece que os condenados não podem, com razão reta e deliberativa, querer não existir.

1. ─ Pois, Agostinho diz: Considera quão grande bem é a existência, que a querem tanto os santos, como os condenados. Ora, ter uma existência miserável é melhor que não a ter de nenhum modo.

2. Demais. ─ No mesmo lugar Agostinho argumenta da maneira seguinte. A pre-eleição supõe a eleição. Ora, a inexistência, não sendo nada e não tendo nem a aparência do bem, não pode ser objeto de eleição. Logo, os condenados não podem querer de preferência a inexistência à existência.

3. Demais. ─ O maior mal deve ser o mais evitado. Ora, inexistir é o mal máximo, pois, priva totalmente do bem, de modo que elimina todo ser. Logo, é preferível uma existência miserável à não-existência. Donde a mesma conclusão que antes.

Mas, em contrário, o Apóstolo: Naqueles dias os homens buscarão a morte e a morte fugirá a eles.

2. Demais. ─ A miséria dos condenados sobrepuja todas as misérias deste mundo. Ora, há quem deseje a morte para fugir às misérias desta vida. Donde o dizer a Escritura: Ó morte, que boa é a tua sentença para um homem necessitado e que se acha falto de forças, para o de idade já decrépita e para o que esta cheio de cuidados, e para o desconfiado, que se vê de todo falto de sabedoria. Logo e com muito maior razão, os condenados podem desejar o não ser, com um desejo fundado na razão deliberativa.

SOLUÇÃO. ─ O não ser podemos considerá-lo à dupla luz ─ Em si mesmo e, então, não tendo nenhuma razão de bem, do qual é a privação pura, de nenhum modo é desejável. ─ Ou enquanto liberta de uma vida penosa ou miserável. E então assume o aspecto de bem, pois; é um bem-estar isento do mal, como diz o Filósofo. E neste sentido é melhor aos condenados não existir, que levar uma existência miserável. Donde aquilo do Evangelho: Melhor fosse ao tal homem não haver nascido. E aquele outro lugar da Escritura ─ Maldito seja o dia em que eu nasci, pondera a Glosa de Jerônimo: É melhor não existir que ter uma existência miserável. E, a esta luz, os condenados podem, pela razão deliberativa, preeleger a não existência.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ As palavras de Agostinho significam que a inexistência não pode, em si mesma, ser objeto de eleição; senão só por acidente, quando põe termo à uma vida miserável. Quanto ao dito ─ todos os seres naturalmente desejam existir e viver ─ não devemos entendê-lo, ensina o Filósofo, de uma vida má, miserável e cheia de sofrimentos.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O não-ser não pode constituir em si mesmo o objeto de uma eleição, senão só por acidente, como dissemos.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora a inexistência seja o máximo dos males por ser a privação do ser, é contudo um grande bem quando nos livra da miséria, o máximo dos males. E nesse sentido o não-ser pode constituir objeto de eleição.

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