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Art. 1 ─ Se a alma retomará, na ressurreição, o mesmo corpo a que estava unida antes.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a alma não retomará, na ressurreição, o mesmo corpo a que o estava unida antes.

1. ─ Pois, diz o Apóstolo: Quando tu semeias, não semeias o corpo da planta que há de nascer, senão o mero grão. Ora, o Apóstolo aí compara a morte ao ato de semear, e a ressurreição, a germinação. Logo, a alma não retomará, na ressurreição, o mesmo corpo de que se separou na morte.
 
2. Demais. ─ A matéria deve adaptar-se à condição da sua forma; do mesmo modo, o instrumento, à do agente. Ora, o corpo está para a alma como a forma para a matéria, e como o instrumento para o agente. Mas a alma, depois da ressurreição, não estará na mesma condição em que agora está, porque ou será alçada à vida celeste, se já neste mundo viveu na expectativa dela; ou será rebaixada a uma vida de bruto, se como bruto viveu neste mundo. Logo, parece que não retomará o mesmo corpo de antes, mas um corpo celeste ou um animal.
 
3. Demais. ─ O corpo humano se resolverá, depois da morte, nos seus elementos, como se disse. Ora, aquelas partes elementares em que o corpo se resolveu, não convêm com o corpo humano, nelas resoluto, senão pela matéria prima. Modo pelo qual quaisquer outras partes dos elementos convêm com esse corpo. Se, portanto, o corpo fosse formado de outras partes elementares, já não seria identicamente o mesmo. Logo, também identicamente o mesmo não seria se fosse reconstituído pelas referidas partes.

4. Demais. ─ É impossível um corpo conservar a sua identidade individual se as suas partes essências são individualmente heterogêneas. Ora a forma do misto, que, como forma, é parte essencial do corpo humano, não pode ser retomada na sua identidade individual. Logo, o corpo não será identicamente o mesmo. ─ Prova da média. O que cai totalmente em a não existência não pode ser retomado na sua identidade individual. Pois, é claro, que não conserva a sua identidade individual o ser cuja existência é diversa; mas a existência interrompida, que é um ato do ser, é diversa. Ora, a a forma do misto cai totalmente em a não existência pela morte, por ser uma forma corpórea. E semelhantemente as qualidades contrárias, donde resulta a mistão. Logo, a forma do misto não poderá voltar a ser individualmente a mesma.
 
Mas, em contrário, a Escritura: Na minha própria carne verei a Deus meu salvador. E se refere à visão após a ressurreição, como claramente o mostra o que precede: No derradeiro dia ressurgirei da terra. Logo, será o corpo identicamente o mesmo que ressurgirá.

2. Demais. ─ Como diz Damasceno, a ressurreição consiste em o corpo morto surgir de novo à vida. Ora, o corpo que agora temos pereceu pela morte. Logo, ressurgirá idêntica e individualmente o mesmo.

SOLUÇÃO. ─ Sobre esta questão tanto erraram certos filósofos como alguns heréticos modernos.

Assim, certos filósofos ensinaram que as almas separadas do corpo voltam a se unir com ele. Mas assim pensando, erravam em dois pontos. Primeiro, quanto ao modo de união; porque uns ensinavam que a alma separada de novo se une naturalmente ao corpo por via de geração. Segundo, quanto ao corpo a que se unia a alma. Pois, afirmavam que a segunda união não era identicamente com o mesmo corpo, de que pela morte se tinha separado, mas com outro, ora especificamente idêntico, ora diverso. Com um corpo diverso, quando a alma, enquanto unida ao corpo, levou uma vida contrária à alma racional; por isso passava, depois da morte, do corpo humano para o corpo do animal a cujo gênero de vida se havia conformado. Assim, num corpo de cão, se viveu entregue à luxúria; no do leão, se praticou rapinas e violências, e assim por diante. Com um corpo da mesma espécie porém, quando a alma, levando uma vida racional enquanto unida ao corpo, depois de ter gozado de uma certa felicidade, após a morte, começava, decorridos alguns séculos, a querer voltar a unir-se ao corpo; e assim de novo se unia ao corpo humano.

Ora, esta opinião se assenta em dois princípios errôneos. O primeiro é afirmarem que a alma não está unida ao corpo essencialmente, como a forma à matéria, mas só acidentalmente como o motor ao móvel, ou o homem ao seu vestuário. Daí podiam deduzir que a alma pré existia antes de ser infundida ao corpo gerado pela geração natural; e que também podia unir-se a corpos diversos. ─ O segundo é o admitirem que o intelecto não difere dos sentidos senão acidentalmente; e assim diziam que o homem, ao contrário dos irracionais, tem intelecto, por ter uma potência sensitiva mais perfeita em virtude da sua melhor compleição corpórea. Donde podiam concluir que a alma humana poderia se unir ao corpo de um bruto, sobretudo se viveu uma vida própria de brutos.

Ora, esses dois princípios referidos o Filósofo os refuta cabalmente; e refutados eles fica a nu a falsidade dessa opinião.

Do mesmo modo se refutam os erros de certos heréticos. Desses, uns repetiram as referidas opiniões dos filósofos. ─ Outros ensinaram que as almas se unirão de novo a corpos celestes ou ainda a corpos subtis como o vento, como refere Gregório de certo bispo Constantinopolitano, quando expõe as palavras de Job: Na minha própria carne verei a Deus, etc.

Além disso, os erros desses heréticos podem ser refutados por contrariarem a verdade da ressurreição, proclamada pela Sagrada Escritura. Pois, não pode haver ressurreição senão voltando a alma a unir-se de novo ao mesmo corpo; porque a ressurreição consiste em surgir de novo à vida. Ora, é o mesmo ser que morre que ressurge. Por onde, a ressurreição mais respeita ao corpo, que se dissolve depois da morte, que a alma que vive depois da morte. Portanto, se o corpo que a alma reassume não é o mesmo a que esteve unida, não poderemos falar de ressurreição, mas antes de assunção de um novo corpo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A comparação citada não se aplica totalmente, mas só em parte. Pois, na semeadura do grão, o grão semeado não idêntico individualmente ao germinado; nem se apresenta do mesmo modo porque quando semeado não tinha folículos, que tem quando germina. Ao contrário, o corpo ressurrecto será individualmente idêntico ao morto, mas com atributos diversos, pois, de mortal, que era, ressurge imortal.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A diferença entre a alma de um ressurrecto e a do que ainda vive neste mundo não é fundada em nada de essencial, mas na glória e na miséria, que causam uma diferença apenas acidental. Por onde, não é necessário que o corpo ressurrecto seja diferente do que morreu, mas basta que tenha atributos diferentes, a fim de a diferença dos corpos ser proporcionada à das almas.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O que se concebe na matéria, anteriormente à forma, nela subsiste depois da corrupção; pois, removido o posterior, pode ainda permanecer o anterior. Ora, como nota o Comentador na matéria dos seres sujeitos à geração e à corrupção concebe-se, antes da forma substancial, dimensões indeterminadas, nas quais se funda a divisão da matéria, de modo que partes diversas dela possam receber formas diversas. Por onde, depois de a forma substancial se separar da matéria, ainda essas dimensões permanecem as mesmas. E assim, a matéria existente com essas dimensões, seja qual for a forma que recebam, tem maior identidade com o que dela foi gerado, que qualquer outra parte da matéria existente sob qualquer outra forma. Por onde, na reconstituição do corpo humano será aplicada a mesma matéria de que antes fora feito.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Assim como uma qualidade simples não é a forma substancial do elemento, mas um acidente próprio dele e uma disposição que torna a matéria própria a tal forma, assim a forma do misto, qualidade resultante de qualidades simples, numa união proporcional, não é forma substancial do corpo misto, mas um acidente próprio e uma disposição que torna a matéria necessária à forma. Ora, o corpo humano, além dessa forma de mistão, não tem nenhuma outra forma substancial senão a alma racional; pois, se tivesse outra forma substancial anterior, essa dar-lhe-ia o ser substancial e então ficaria constituído por ela no gênero da substância. E assim a alma viria a unir-se a um corpo já constituído no gênero da substância. E então a alma estaria para o corpo como as formas artificiais para as suas matérias, se se leva em conta que por esta ficam constituídas no gênero da substância. Por onde, a união da alma e do corpo seria acidental ─ erro dos antigos Filósofos, refutados pelo Filósofo. E daí também se seguiria que o corpo humano e cada uma das suas partes não podiam mais conservar, depois da união com a alma, as mesmas denominações que tinham antes; o que vai contra o que ensina o Filósofo. Portanto, como a alma racional é imortal, nenhuma forma substancial do corpo humano é totalmente reduzida ao não ser. Quanto à variação das formas acidentais, não produz nenhuma diversidade numérica. Portanto, será o mesmo corpo, individualmente, que ressurgirá, pois a alma retomará a mesma matéria anterior, como dissemos na resposta à objeção precedente.

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