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Art. 5 ─ Se os sufrágios aproveitam aos que estão no inferno.

O quinto discute-se assim. ─ Parece que os sufrágios aproveitam aos que estão no inferno.

1. - Pois, diz a Escritura: Eles acharam debaixo das túnicas dos mortos na batalha algumas das oferendas consagradas aos ídolos, que a lei proíbe aos Judeus. E pouco depois acrescenta: Judas, tendo ajuntado uma coleta, mandou doze mil dracmas de prata a Jerusalém para serem oferecidas em sacrifício pelos pecados dos mortos. Ora, sabemos que pecaram aqueles mortalmente, procedendo contra a lei; que, além disso, morreram em pecado mortal e, portanto, caíram no inferno. Logo, aos que estão no inferno os sufrágios aproveitam.

2. Demais. ─ O Mestre cita as seguintes palavras de Agostinho: Aqueles a quem aproveitam os sufrágios, ou é para a remissão plena dos pecados ou para se lhes tornar mais suportável a condenação. Ora, condenados são só os do inferno. Logo, também a eles aproveitam os sufrágios.

3. Demais. ─- Dionísio diz: Se as orações dos justos aproveitam já nesta vida. quanto mais depois da morte não aliviarão as almas merecedoras desse socorro? Donde se pode concluir que os sufrágios mais aproveitam aos mortos que aos vivos. Ora, aos vivos lhes aproveitam mesmo em estado de pecado mortal; pois todos os dias a Igreja ora para os pecadores se converterem a Deus. Logo, também aos mortos em pecado mortal os sufrágios aproveitam.

4. Demais. ─ Nas Vidas dos Padres do deserto se lê e também o refere Damasceno, que Macário, tendo encontrado num caminho o crânio de um defunto, procurou saber, depois de feita oração, de quem fosse essa cabeça. E essa respondeu que fora de um sacerdote gentio condenado ao inferno, que contudo confessou ter-lhe aproveitado a oração de Macário, a si e a outros. Logo, os sufrágios da Igreja aproveitam mesmo aos que estão no inferno.

5. Demais. - No mesmo sermão Damasceno narra que Gregório, estando a orar por Trajano, ouviu uma voz do céu que lhe anunciava: Ouvi a tua voz e concedo o perdão a Trajano. E disso, conforme o afirma Damasceno, testemunha é todo o oriente e o ocidente. Ora, sabemos que estava no inferno Trajano, causador da morte cruel de muitos mártires, como refere no mesmo lugar Damasceno. Logo, os sufrágios da Igreja valem mesmo aos que estão no inferno.

Mas, em contrário, Dionísio: O Sumo Sacerdote não ora pelos impuros, porque, se o fizesse encontraria a ordem divina. E o comentador diz, no mesmo lugar, que o Sumo Sacerdote não pede o perdão dos pecadores condenados, porque sua oração não lhes aproveitaria. Logo, os sufrágios não valem aos que estão no inferno.

2. Demais. ─ Gregório diz: A mesma causa pela qual não se orará; então, i. é, depois do dia de juízo, pelos condenados ao fogo eterno é a pela qual não rezamos agora pelo diabo e pelos seus anjos condenados ao eterno suplício. E ainda pela mesma causa não oram os santos, nesta vida, pelos infiéis e ímpios defuntos; por temerem não seja vão o mérito das suas orações, aos olhos do Justo Juiz, por aqueles que de certo já sabem condenados ao eterno suplício.

3. Demais. ─ O Mestre cita as seguintes palavras de Agostinho: Os mortos sem a fé ativa pelo amor e sem os sacramentos, a esse é em vão que a piedade filial os recomenda à misericórdia divina. Ora, tais são todos os condenados. Logo, os sufrágios não lhes aproveitam.

SOLUÇÃO. ─ Há três opiniões sobre a situação dos condenados ao inferno.

Uns dizem que, nesta matéria, devemos fazer uma dupla distinção. ─ Primeiro quanto ao tempo. E então opinam, que depois do dia de juízo, a nenhum dos condenados do inferno aproveitará qualquer sufrágio; a certos porém, antes desse dia, aproveitam os sufrágios da Igreja. ─ Segundo, quanto aos detidos no inferno. Dentre os quais uns, dizem, são a tal ponto maus que morreram sem fé e sem sacramento. E a esses os sufrágios da Igreja não aproveitam, pois não lhes pertenceram nem ao mérito nem ao número. Outros, porém, não são tão maus, pois fizeram parte da Igreja, tiveram fé, receberam os sacramentos e praticaram certas boas obras. E a esses os sufrágios da Igreja devem aproveitar.

Mas uma dúvida ocorre, que não deixava de os perturbar, consequência da opinião que professavam. E é que, sendo finita a intensidade das penas do inferno, embora de duração infinita, a multiplicação dos sufrágios haveria de eliminá-las de todo ─ erro de Orígenes.

E assim lançaram mão de muitos recursos para obviarem a essa inconsequência. Prepositivo, um deles, dizia que os sufrágios pelos condenados podem a ponto multiplicar-se, que fiquem de todo liberados da pena; não porém absolutamente falando, como ensinou Orígenes, mas só por um tempo, a saber, até o dia do juízo. E então as almas de novo unidas ao corpo, seriam precipitadas, sem esperança de perdão nas penas do inferno. ─ Mas esta opinião repugna à providência divina, que nada deixa desordenado. Ora, nenhuma culpa pode ser expiada, senão pela pena. Portanto, nenhuma pena pode ser perdoada antes de expiada a culpa. Ora, como a culpa dos condenados permanece inexpíada, de nenhum modo se lhes poderá ser relevada a pena.

Por isso os discípulos de Porretano recorreram a outro expediente, ensinando que os sufrágios fazem diminuir a pena do mesmo modo por que a divisão faz diminuírem as linhas. Ora, estas, sendo finitas, contudo podem ser divididas ao infinito sem nunca se consumirem com a divisão, porque a subtração que se lhes faz não é sempre da mesma quantidade, mas de uma quantidade proporcional. Assim, se primeiro se subtraísse a quarta parte do todo; depois a quarta parte dessa quarta parte; e ainda a quarta desta quarta, e assim por diante ao infinito. Do mesmo modo, ensinam, o primeiro sufrágio diminui uma parte alíquota da pena; o segundo diminui, da parte restante, uma outra, na mesma proporção. ─ Mas esta explicação é muito defeituosa. ─ Primeiro, porque a divisão infinita, de que é quantidade contínua é susceptível, não pode ser aplicada a uma quantidade espiritual. ─ Segundo, por não haver nenhuma razão por que o segundo sufrágio diminua menos a pena que o primeiro, desde que tem o mesmo valor. ─ Terceiro, porque uma pena não pode sofrer diminuição sem diminuir a culpa; nem ser eliminada, sem a eliminação desta. ─ Quarto, porque a divisão de uma linha chegara enfim a panes imperceptíveis, porque um corpo sensível mio é susceptível de divisão infinita. Donde resultaria que, depois de muitos sufrágios, a pena remanescente já não seria, pela sua insignificância, sentida; e assim, deixaria de ser pena.

Por isso outros recorreram a outra explicação. Assim, o autor autossiodorense ensina, que os sufrágios aproveitam aos condenados, não para lhes minorar as penas nem para as interromper; mas para confortar o paciente. Tal um homem, que carregasse um pesado fardo e a quem se lhe refrescassem as faces com água, ficaria confortado para melhor carregá-lo, embora a sua carga não se lhe tornasse com isso mais leve. ─ Mas ainda, tal explicação é inadmissível. Porque um condenado é mais ou menos, atormentado pelo fogo, como diz Gregório, conforme lh'o merece a culpa. Donde, pelo mesmo fogo uns são mais cruciados e outros, menos. Por isso, desde que a culpa dos condenados permaneça sempre a mesma, não podem vir a sofrer pena mais leve. ─ Além disso essa opinião é pretensiosa como contrária à doutrina dos Santos Padres; vã, sem nenhuma autoridade que a sustente; e enfim irracional. Primeiro, porque os condenados ao inferno não os abrange o vínculo da caridade, pela qual as obras dos vivos se aplicam aos mortos. Segundo, porque os condenados já chegaram ao termo derradeiro da vida e receberam a última retribuição merecida, como receberam a sua os santos na pátria. Quanto ao que lhes resta de pena ou de glória para o corpo, não o coloca isso na condição de viandantes; porque tanto a glória dos eleitos como a miséria dos condenados está essencial e radicalmente na alma. Portanto, não é susceptível de diminuição nem a pena destes, nem a glória dos santos, quanto ao prêmio essencial.
 
O modo porém, pelo qual, segundo certos ensinam, os sufrágios podem aproveitar aos condenados, poderia sustentar-se no sentido seguinte. Que não aproveitam nem para diminuir a pena ou interrompê-la, nem para lhe minorar a pena do sentido. Mas, por esses sufrágios, de certa maneira se lhes abrandam os sofrimentos em que ficariam inversos, vendo-se a tal ponto desprezados, que ninguém se ocuparia com a sua sorte. ─ Mas esse alívio também não no poderiam ter, pela lei comum. Porque, diz Agostinho, e é sobretudo verdade dos condenados: As almas dos defuntos não sabem, no seu tenebroso cárcere, de nada do que entre os homens se faz ou se passa. Portanto, não sabem quando se celebram sufrágios por eles, salvo se, como exceção à lei geral, essa consolação Deus a conceder a certos deles. O que é opinião absolutamente incerta.

Por onde, mais seguro é concluir simplesmente, que os sufrágios não aproveitam aos condenados, nem a Igreja tem a intenção de orar por eles, como se colhe das autoridades citadas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Com esses mortos não foram encontradas cousas, que pudessem ser consagradas aos ídolos, donde se pudesse concluir que consigo as trouxessem em sinal de reverência para com eles. Mas as tomaram como despojos devidos, por direito de guerra, a vencedores. Contudo, por avareza pecaram venialmente. Por isso não foram condenados ao inferno. Portanto, os sufrágios lhes podiam aproveitar. ─ Ou podemos responder, segundo certos, que, vendo-se na batalha em perigo iminente de morte, arrependeram-se dos seus pecados, segundo aquilo da Escritura: Quando os fazia morrer os buscavam. O que se pode admitir como provável. Por isso se fez por intenção deles a oblação.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Nessas palavras, a condenação é tomada em sentido lato, por qualquer punição. E assim inclui também as penas do purgatório, que, ora são totalmente expiadas pelos sufrágios, ora não, mas apenas minoradas.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ De certo modo, os sufrágios são mais aplicáveis aos mortos que aos vivos, porque aqueles mais necessitam deles, por não poderem, como os vivos, se ajudar a si próprios. Mas, de outro modo, a condição do vivo é melhor porque pode passar do estado de culpa mortal para o de graça ─ o que dos mortos não se pode dizer. Por onde, não é a mesma a condição dos vivos e a dos mortos, quanto ao aproveitamento dos sufrágios.
 
RESPOSTA À QUARTA. ─ As orações de Macário não tiveram como efeito diminuir a pena dos condenados, mas somente, conforme no mesmo lugar se diz, conceder-lhes o meio de se verem mutuamente. E com isso tinham uma alegria verdadeira e não imaginária, sendo realizado o que desejavam. No mesmo sentido em que dizemos que os demônios se alegram quando fazem o homem cair em pecados, embora isso em nada lhes diminua as penas; assim como nenhuma diminuição sofre a felicidade dos anjos pelo fato de dizermos que tem compaixão de nós pelos nossos males.

RESPOSTA À QUINTA. ─ Quanto ao fato de Trajano, podemos interpretá-lo com probabilidade do modo seguinte. Chamado de novo à vida pelas preces de S. Gregório, conseguiu a graça da remissão dos pecados e, por consequência, a liberação das penas. O que também se deu com todos os milagrosamente ressuscitados dentre os mortos, dos quais sabemos de muitos, que tinham sido idólatras e estavam condenados. De todos esses devemos, por semelhança, pensar, que não estavam condenados ao inferno, por uma sentença definitiva; mas por uma sentença fundada na justiça que lhes remunerasse os méritos próprios, nesta vida. E que razões superiores exigiam fossem de novo chamados à ela, fazendo assim exceção à lei comum. ─ Ou devemos concluir, com certos, que a alma de Trajano não foi, absolutamente falando, absolvida do reato da pena eterna, sendo a sua pena somente suspensa temporàriamente, até o dia do juízo. Mas dai não se pode concluir que os sufrágios alcancem sempre esse resultado. Pois, uma cousa são as exigências da lei comum, e outra as concessões privilegiadas a certos em particular; assim como uns são os limites das causas humanas e outros os sinais do poder divino, conforme Agostinho.

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