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Art. 1 ─ Se às almas depois da morte lhes são atribuídos determinados receptáculos.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que às almas, depois da morte, não lhes são atribuídos nenhuns receptáculos.
 
1. ─ Pois, como diz Boécio, é opinião comum dos sábios, que os seres espirituais não podem ocupar lugar. Com o que concorda Agostinho quando diz: Podemos responder imediatamente, que as almas não podem ser conduzidas para lugares espaciais, senão quando unidas ao corpo. Ora, a alma separada não tem corpo como o diz ainda Agostinho. Logo, é absurdo dizer que às almas separadas lhes são atribuídos receptáculos.

2. Demais. ─ Tudo o que tem um lugar determinado, mais se relaciona com esse lugar do que com qualquer outro. Ora, as almas separadas, como todas substâncias espirituais, são indiferentes a quaisquer lugares. Pois, não podemos dizer que tenham inclinação para certos corpos e se afastem de outros, porque não estão de modo nenhum sujeitas a quaisquer condições materiais. Logo, não podemos dizer que lhes sejam atribuídos nenhuns receptáculos.

3. Demais. ─ Tudo o atribuído às almas separadas, depois da morte, lhes há de redundar em pena ou em prêmio. Ora, um lugar material não lhes pode redundar nem em pena nem em prêmio, pois não são susceptíveis de nada de material. Logo, não lhes podem ser atribuídos nenhuns receptáculos.

Mas, em contrário. ─ O céu empíreo é um lugar material. E contudo, como diz Beda, logo depois de criado foi cheio dos santos anjos. Logo, sendo os anjos, como as almas separadas, incorpóreos, parece que também a elas se lhes devem ser atribuídos receptáculos determinados.

Demais. ─ Que as almas separadas são conduzidas para lugares determinados, resulta do que Gregório conta a respeito de Pascácio, que Germano, bispo de Cápua, encontrou num balneário; e de dizer que a, alma do rei Teodorico foi conduzida para a geena. Logo, às almas, depois da morte, lhes são atribuídos determinados receptáculos.

SOLUÇÃO. ─ Embora as substâncias espirituais não existam dependentes de corpos, contudo, os corpos são governados por Deus mediante os espíritos, como dizem Agostinho e Gregório. Por onde, há uma certa conveniência entre as substâncias espirituais e as corpóreas, fundada numa determinada congruência, de modo que às substâncias mais nobres se adaptem corpos de natureza mais nobre. Por isso também os Filósofos distinguiram as ordens dos móveis relativamente às substâncias separadas. Ora, apesar de às almas, depois da morte, não lhes serem atribuídos nenhuns corpos, de que sejam as formas ou motores determinados, são-lhes contudo, por uma certa congruência, atribuídos lugares determinados, conforme ao grau de dignidade delas. E nesses lugares estão elas como que colocadas, do modo por que seres incorpóreos podem ocupar um lugar, conforme mais ou menos próximos estão da substância primeira, Deus, a qual, por congruência, é atribuído o lugar superior, e a cuja sede a Escritura chama céu. Por onde, as almas perfeitamente participantes da divindade, no céu as colocamos; e as privadas dessa participação dizemos que lhes são destinados os lugares opostos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Os seres incorpóreos não ocupam lugar do modo que nos é conhecido e habitual, como quando dizemos, em sentido próprio, que um corpo está num lugar. Ocupam lugar porém ao modo das substâncias espirituais, o que nós não podemos claramente compreender como é.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Há duas espécies de conveniência ou semelhança. ─ Uma, por participação de determinada qualidade; assim os corpos quentes convêm entre si. Ora, nesse sentido não pode haver conveniência entre seres incorpóreos e lugares corpóreos. ─ Outra, por uma certa proporção; e nesse sentido a Escritura atribui ao espírito o que pertence ao corpo, como quando diz que Deus é sol, por ser o princípio da vida espiritual como Deus o é da vida do corpo. E, então, certa conveniência existe entre determinados modos de ser da alma e determinados lugares. Assim, há uma natural conveniência entre as almas espiritualmente iluminadas e os corpos luminosos; e entre as almas entenebrecidas pela culpa e os lugares tenebrosos.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Uma alma separada nada recebe diretamente de um lugar material, ao modo por que os corpos recebem, que acham no seu lugar o princípio da sua conservação. Mas as almas, pelo fato mesmo de se saberem destinadas a determinados lugares, enchem-se de alegria ou de tristeza; daí o lhes redundar em pena ou em prêmio o lugar que lhes é atribuído.

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