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Art. 3 ─ Se o ato matrimonial é sempre pecado.

O terceiro discute-se assim. ─ Parece que o ato matrimonial sempre é pecado.

1. Pois, diz o Apóstolo: Os que têm mulheres sejam como se as não tivessem. Ora. os que não tem mulheres não praticam o ato matrimonial. Logo nem os que as tem pecam praticando esse ato.

2. Demais. ─ Diz a Escritura: as nossas iniquidades são as que fizeram uma separação entre vós e o vosso Deus. Ora, o ato matrimonial separa o homem de Deus; por isso a Lei ordenava ao povo que devia ver a Deus, que não se chegassem as suas mulheres. E Jerônimo afirma que no ato matrimonial o Espírito Santo não toca o coração dos profetas. Logo é pecaminoso.
 
3. Demais. ─ O que é em si mesmo mau de nenhum modo pode dar lugar a urna prática virtuosa. Ora, o ato matrimonial e inseparável da concupiscência que é sempre má. Logo, sempre é pecado.

4. Demais. ─ Só o pecado é que precisa de escusas. Ora, o ato matrimonial precisa ser escusado pelos bens do matrimônio. Logo, é pecado.

5. Demais. ─ Coisas especificamente e semelhantes são objeto de um mesmo juízo. Ora, o concúbito matrimonial é da mesma espécie que o ato do adultério, porque produz o mesmo efeito ─ a espécie humana. Logo, sendo o ato do adultério pecado, o do matrimônio também o é.

6. Demais. ─ O excesso nas paixões destrói a virtude. Ora, sempre há no ato matrimonial excesso de prazer, a ponto de absorver a razão, principal bem do homem. Por isso o Filósofo diz que é impossível o homem ter qualquer compreensão durante tal prazer. Logo, o ato matrimonial sempre é pecado.

Mas, em contrário, ─ O Apóstolo diz: A donzela não peca, se casar. E ainda: Quero pois que as que são moças se casem, criem filhos. Ora, a procriação de filhos não é possível sem a conjunção carnal. Logo, o ato matrimonial não é pecado; do contrário o Apóstolo não o quereria.

2. Demais. ─ Nenhum pecado pode ser objeto de preceito. Ora, o ato matrimonial é objeto de preceito como diz o Apóstolo: O marido pague à sua mulher o que lhe deve. Logo, não é pecado.

SOLUÇÃO ─ Suposto que a natureza corpórea foi instituída por um Deus bom, é impossível afirmar que o concernente à conservação dessa natureza e aquilo a que a natureza inclina sejam males, universalmente falando. Por isso, sendo a procriação de filhos uma inclinação natural, pela qual se conserva a natureza da espécie, é impossível considerar como universalmente ilícito o ato da procriação de filhos, de modo que não possa realizar a mediedade da virtude. Salvo se admitirmos a insânia dos que dizem, que as coisas corruptíveis foram criadas por um Deus mau. Donde talvez deriva a opinião a que alude o Mestre, a qual é por isso uma péssima heresia.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Com essas palavras o Apóstolos não quis proibir o ato matrimonial; nem a posse de bens materiais, quando disse: Os que usam deste mundo sejam como se dele não usassem; mas o que pretendeu, em ambos os casos, foi proibir o prazer. O que resulta das suas próprias expressões. Assim, não disse ─ não usem, ou, não tenham; mas ─ como se não usassem, ou, como se não a tivessem.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Nós nos unimos com Deus pelo hábito da graça e pelo ato da contemplação e do amor. Por onde, tudo o que impede a primeira união é sempre pecado. Mas nem sempre o é o que impede a segunda; pois qualquer ocupação lícita com as coisas inferiores dissipa a alma e a torna incapaz de se unir atualmente com Deus. O que sobretudo se dá com a conjunção carnal que trava a mente por causa da intensidade do prazer. Por isso, os que se deram à contemplação das coisas divinas ou ao trato dos sacramentos se lhes impôs que quando a isso se entreguem, se abstenham das suas mulheres. E é também essa a razão por que Escritura diz, que o Espírito Santo, quanto ao ato da revelação dos seus segredos não tocava a mente dos profetas no uso do matrimônio.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Esse mal da concupiscência do qual é inseparável o ato matrimonial não é o mal da culpa, mas o da pena, procedente do pecado original, e que consiste em as potências inferiores e os membros do corpo não obedecerem à razão. Por isso a objeção não colhe.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Dizemos em sentido próprio que é escusado o que tem alguma semelhança de mal, sem contudo o ser, ou não o ser tanto quanto parece. E então há lugar para uma escusa total ou somente parcial. Ora, o ato matrimonial tendo por causa da corrupção da concupiscência, a semelhança de um ato desordenado, é por isso escusado pelos bens do matrimônio, de todo mal, de modo a não ser pecado.

RESPOSTA À QUINTA ─ Embora os atos referidos tenham a mesma espécie natural diferem contudo de espécie moral, que faz variar a circunstância de ser a conjugação com a mulher própria ou alheia. Assim também o homicídio por violência ou por justiça diversifica a espécie moral, embora sejam atos da mesma espécie natural. E contudo um é lícito e o outro ilícito.

RESPOSTA À SEXTA ─ O excesso da paixão, que corrompe a virtude, não só impede ato da razão, mas ainda subverte a ordem racional. O que não produz a intensidade do prazer no ato matrimonial, porque embora durante ele haja desordem no homem, é contudo preordenado pela razão.

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