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Art. 8 — Se a comida ou a bebida tomadas antes impedem de receber este sacramento.

O oitavo discute-se assim. — Parece que a comida ou a bebida tomada antes, não impedem de receber este sacramento.
 
1. — Pois, este sacramento foi instituído pelo Senhor, na Ceia. Ora, o Senhor, depois que ceou, outorgou-o aos seus discípulos, como o re­fere a Escritura. Logo parece que devamos re­ceber este sacramento, mesmo depois de tomados outros alimentos.
 
2. Demais. — O Apóstolo diz: Quando vos ajuntais a comer, isto é, o corpo do Senhor, esperai uns pelos outros; se alguém tem fome coma em casa. Logo, parece que depois de termos comido em casa, podemos comer na Igreja o corpo de Cristo.
 
3. Demais. — No terceiro Concílio Cartagi­nês se determina: Os sacramentos do altar se­jam celebrados só por quem estiver em jejum, exceto unicamente no dia em que se celebra o aniversário da Ceia do Senhor. Logo, ao menos nesse dia pode-se receber o corpo de Cristo de­pois de tomados outros alimentos.
 
4. Demais. — Tomar água ou um remédio, ou uma comida ou bebida em mínima quantidade, ou engulir os restos de comida que ficaram na boca, nem quebra o jejum da Igreja nem é contra a sobriedade exigida para receber-se com reverência este sacramento. Logo, por essas ra­zões ninguém fica impedido de receber este sa­cramento.
 
5. Demais. — Certos comem ou bebem em alta noite e talvez, ficando acordados toda a noite, de manhã, sem ainda terem feito completamente a digestão, recebem os sagrados misté­rios. Ora, menos contrariaria a sobriedade quem comesse um pouco de manhã e depois, pelas três horas da tarde recebesse este sacramento; pois, poríamos assim maior distância entre a hora da comida e a comunhão. Logo, parece que comer, antes de receber este sacramento não impede de o fazer.
 
6. Demais. — Não menor reverência é de­vida a este sacramento já recebido, que antes de o recebermos. Ora, recebido o sacramento, é lícito comer ou beber. Logo, também o é antes.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: Aprouve ao Espírito Santo que, em honra de tão grande sacramento, recebesse na sua boca o cristão o corpo do Senhor, antes dos outros alimentos.
 
SOLUÇÃO. — De dois modos podemos ficar impedidos de receber este sacramento. Por um impedimento absoluto, como o pecado mortal, que repugna ao significado deste sacramento, como dissemos. Ou por proibição da Igreja. E assim, fica­mos impedidos de receber este sacramento, de­pois de termos tomado comida ou bebida, por três razões. — Primeiro como diz Agostinho, para honrar este sacramento; isto é, para que nos entre na boca ainda não toca da de nenhuma comida nem bebida. — Segundo, pela sua signi­ficação; isto é, para dar-nos a entender que Cris­to, realidade deste sacramento, e a sua caridade devem ser os primeiros a tomar posse dos nos­sos corações, segundo aquilo do Evangelho: Buscai primeiro o reino de Deus. — Terceiro, por perigo de vômito ou embriaguez, que às vezes resultaria do comer desordenadamente. Assim diz o Apóstolo: Uns tem na verdade fome, e outros estão mui fartos. Mas desta regra geral estão excetuados os enfermos, que devem comungar logo, mesmo de­pois de terem comido, se se tema perigo de mor­rerem sem comunhão, pois a necessidade não tem lei. Donde o determinar uma disposição canônica: O sacerdote de logo a comunhão ao enfermo, não vá morrer sem ela.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­Como diz Agostinho no mesmo livro, nem pelo Senhor ter dado o seu corpo, depois de ter co­mido, devem os fiéis, após terem jantado ou ceado, se reunir para receberem este sacramen­to, ou misturá-la com os seus repastos, como o jaziam os que o Apóstolo argui e corrige. Pois o Salvador, a fim de mais veementemente realçar a grandeza dêsse mistério, qui-lo infundir por último e mais profundamente no coração e na memória dos discipulos. Por isso não determi­nou que, no futuro, fosse recebido na ordem em que o é, deixando-o fazê-lo aos Apóstolos, pelos quais ia reger as igrejas.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — As palavras referidas assim as expõe a Glosa: Quem tiver fome e, cheio de impaciência, não quiser esperar a sua vez, coma em casa a seu repasto, isto é, nutra-se do pão da terra, nem vá depois tomar a Euca­ristia.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A disposição citada se funda no costume observado outrora por certos de, no dia da comemoração da Ceia do Se­nhor, ser recebido o corpo de Cristo pelos que não estavam em jejum. Mas este costume está atualmente abrogado. Pois, como diz Agostinho no livro supra-referido, em todo o mundo se observa este costume, isto é, o de ser recebido o corpo de Cristo por quem está em jejum.
 
RESPOSTA À QUARTA. — Como estabelecemos na Segunda Parte, há duas sortes de jejuns. ­Um é o jejum natural, que importa na privação de qualquer alimento tomado antes da comu­nhão, a modo de comida ou bebida. E tal é o jejum exigido para receber este sacramento, pelas razões dadas. Por onde não é lícito rece­bê-lo, por pequena que seja a quantidade, que se tenha tomado antes, de água, ou de qualquer comida ou bebida, ou mesmo de um remédio. Nem importa se o que se tomou, nutre ou não, por si só ou de mistura com outro alimento; basta que se tenha tomado a modo de comida ou bebida. Mas os restos da comida que fica­ram na boca, casualmente engulidos, não impe­dem de receber este sacramento; porque não atravessam a garganta como comida, mas como saliva. E o mesmo se diga dos restos de água ou de vinho, com que se lavou a boca, contanto que não sejam engulidos em grande quantidade, mas de mistura com a saliva — o que não se pode impedir. — Outro é o jejum da Igreja, ins­tituído para a maceração da carne. E esse não fica quebrado das maneiras que acabamos de referir; pois, o que desse modo se ingere não nu­tre propriamente, mas antes altera a disposi­ção do corpo.
 
RESPOSTA À QUINTA. — O dizer-se que este sacramento deve entrar na boca do cristão, antes de qualquer outra comida, não deve ser enten­dido de maneira absoluta, em relação a qualquer tempo. Do contrário quem uma vez comesse ou bebesse, nunca poderia depois recebê-lo. Mas devemos entendê-lo relativamente ao mesmo dia. E embora o princípio do dia seja contado diversamente por diversos — pois, uns o fazem começar ao meio-dia, outros ao ocaso, outros à meia-noite, outros ao nascer do sol – contudo a Igreja, segundo os romanos, fá-lo começar à meia-noite. Portanto, quem depois da meia-noite tomar alguma coisa, a modo de comida ou bebida, não poderá no mesmo dia receber este sacramento; podê-lo-á porém, se o fez antes da meia-noite. Nem importa à razão do preceito se depois da comida ou da bebida dormiu ou não ou se fez ou não a digestão. Importa porém, quanto à perturbação da mente, que certos pa­decem por não terem dormido ou feito a diges­tão; pois, essa perturbação pode ser de ordem tal que torne a pessoa incapaz de receber o sa­cramento.
 
RESPOSTA À SEXTA. — É necessária máxima devoção para se receber este sacramento, a fim de se sentir o efeito dele. Ora, essa devoção fica impedida mais pelo que a precede que pelo que se lhe segue. Por isso instituiu-se, sobretudo que se jejue, antes de se receber este sacramento, que depois. Deve, contudo haver alguma demora entre o ato de o receber e o de tomar outros alimentos. Por isso, na missa, reza-se a oração de ação de graças, depois da comunhão, e os que comungaram também fazem as suas orações privadas. – Segundo, porém os antigos cânones, foi estatuído pelo Papa Clemente: Os ministros que tomaram a sua refeição dominical, pela ma­nhã, jejuem até a sexta hora; e os que o fize­ram, na terceira ou na quarta hora, jejuem até a tarde. Porque antigamente mais raro era o celebrarem-se as solenidades da missa, e exigir-­se mais preparação. Atualmente porém, de­vendo celebrar-se com mais freqüência os sagra­dos mistérios, tais exigências não seria fácil observá-las. Por isso foram abrogadas pelo costu­me contrário.

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