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Art. 6 — Se os sacramentos da lei antiga causavam a graça.

O sexto discute-se assim. – Parece que os sacramentos da lei antiga causavam a graça.
 
1. Pois como dissemos. os sacramentos da lei nova tiram a sua eficácia da fé na Paixão de Cristo. Ora, a fé na Paixão de Cristo existia na lei antiga, como em a nova, conforme diz o Apóstolo: Pois, nós temos um mesmo espírito de fé. Logo, assim como os sacramentos da lei nova conferem a graça, assim também os da lei antiga a cumpriam.
 
2. Demais. — A santificação não se faz senão pela graça. Ora, pelos sacramentos da lei antiga os homens eram santificados, como lemos na Escritura: Como Moisés santificasse Arão e seus filhos nos seus vestidos, etc. Logo, parece que os sacramentos da lei antiga conferiam a graça.    
 
3. Demais. — Beda diz: A circuncisão, na vigência da lei, exercia a mesma cura salutar contra o ferimento do pecado original, que costuma exercer o batismo no tempo da graça revelada. Ora, o batismo confere a graça. Logo, também a conferia a circuncisão; e pela mesma razão os outros sacramentos da lei nova, assim o era a circuncisão aos sacramentos da lei antiga. Por isso diz o Apóstolo: Protesto a todo homem que se circuncida, que está obrigado a guardar toda a lei.
 
Mas, em contrário. o Apóstolo: Tornai-vos outra vez aos rudimentos fracos e pobres? E a Glosa: Isto é, à lei, chamada fraca porque não justifica perfeitamente. Logo os sacramentos da lei antiga não conferiam a graça.
 
SOLUÇÃO. — Não se pode dizer que os sacramentos da lei antiga conferissem a graça justificante por si mesma, isto é, por virtude própria, porque então a paixão de Cristo não seria necessária, segundo aquilo do Apóstolo: Se a justiça é pela lei, segue-se que morreu Cristo em vão. – Mas nem se pode dizer que da paixão de Cristo tenham a virtude de conferir a graça justificante. Pois, como do sobredito se infere, a virtude da paixão de Cristo se nos aplica pela fé e pelos sacramentos, mas diferentemente. Assim a continuidade fundada na fé resulta de um ato da alma; ao passo que a fundada nos sacramentos resulta do uso exterior das coisas. Ora, nada impede ao que é posterior no tempo mover, antes de existir, enquanto tem precedência, por um ato da alma; assim o fim, posterior no tempo, move o agente, enquanto apreendido e desejado por ele. Mas, o ainda não existente como realidade da natureza, não move pelo uso que disso se faça; por isso a causa eficiente não pode ser posterior na sua existência pela ordem de duração, como a causa final. Assim, pois, é manifesto, que da paixão de Cristo, causa da justificação humana, convenientemente deriva a justificativa para os sacramentos da lei nova, mas não para os da lei antiga. E, contudo pela fé da paixão de Cristo foram justificados os antigos Patriarcas, como o somos nós. Pois, os sacramentos da lei antiga eram uma quase manifestação dessa fé, enquanto sig­nificavam a paixão de Cristo e os seus efeitos. - Por onde é claro que os sacramentos da lei antiga não tinham em si nenhuma virtude pela qual pudessem conferir a graça justificante: mas somente significavam a fé, pela qual se operava a justificação.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os antigos Patriarcas tinham fé na paixão futura de Cristo, a qual, enquanto já apreendida pela alma, podia justificar. Ao passo que nós temos fé na Paixão de Cristo consumada, que pode justificar mesmo pelo uso real das coisas sacramentais, como se disse.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Essa santificação era figurada; pois, os sacramentos da lei antiga se consideravam como santificantes por serem apli­cados ao culto divino conforme o dito dessa lei, que toda se ordenava a figurar a paixão de Cristo.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Muitas foram as opi­niões a respeito da circuncisão. Assim, certos disseram que não era pela circuncisão conferida a graça, mas apenas delido o pecado. – Isto, porém não é admissível, por­que o homem não é justificado do pecado senão pela graça, segundo aquilo do Apóstolo: Tendo sido justificados gratuitamente por sua graça. Por isso opinavam outros que pela circuncisão era conferida a graça, quanto aos seus efeitos de removerem a culpa, mas não quanto aos efeitos positivos dela. - Mas também esta opinião é falsa. Pois, a circuncisão dava às crianças a faculdade de chegar à glória, que é o último efeito positivo da graça. E, além disso, segundo a ordem da causa formal, os efeitos po­sitivos têm naturalmente prioridade sobre os privativos, embora o contrário se dê segundo a ordem da causa material; pois, a forma não ex­clui a privação, senão informando o sujeito.
 
E por isso outros dizem que a circuncisão conferia a graça mesmo quanto a um certo efei­to positivo, que é tornar digno da vida. eterna: mas não porque reprimisse a concupiscência, que excita a pecar. E assim me pareceu algum tem­po. - Mas, mais atentamente refletindo, veri­fiquei que também isto não é verdadeiro; porque uma graça mínima pode resistir a qualquer concupiscência e merecer a vida eterna. Por onde e melhor, devemos concluir que a circuncisão era só o sinal da fé justificante. Donde o dizer o Apóstolo: que Abraão recebeu o sinal da circuncisão como selo da justiça da fé. Por isso a circuncisão conferia a graça, enquan­to sinal da futura paixão de Cristo, como a se­guir se dirá.

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