Category: G. K. Chesterton
Chesterton (29/5/1874-14/6/1936) foi um dos mais notáveis escritores ingleses de todos os tempos.
Este esboço da história humana começou em uma caverna: a ciência popular associou o conceito de caverna ao de cavernícola. Nas cavernas descobriram-se desenhos arcaicos de animais. A segunda metade da história humana, que equivale a uma nova criação do mundo, começa, também, numa caverna. E para que a semelhança seja maior, também existem animais nesta caverna. Porque se trata de uma cova usada como estábulo pelos montanheses que habitavam as terras altas dos arredores de Belém e que, ainda hoje, recolhem ao cair da noite, seus gados a esses lugares. A ela chegou, uma noite, um casal sem lar, que teve de compartilhar, com as bestas, daquele refugio subterrâneo, depois que todas as portas das casas da povoação se lhe fecharam, surdas às suas súplicas.
É bastante natural que os homens prósperos de nosso tempo desconheçam mesmo história. Se a conhecessem, conheceriam a muito pouco edificante história de como se tornaram prósperos. É bastante natural, digo, que eles não saibam história: Mas por que eles pensam que sabem? Eis aqui uma opinião tirada a esmo de um livro escrito por um dos mais cultos dentre nossos jovens críticos, uma opinião muito bem escrita e de todo confiável em seu próprio tema, que é um tema moderno. Diz o escritor: “Existiu pouco avanço social ou político na Idade Média” até a Reforma e a Renascença. Ora, eu poderia tão propriamente quanto dizer que houve pouco avanço nas ciências e invenções no século dezenove até a vinda de William Morris: e então me desculpar dizendo que não estou pessoalmente interessado em máquinas de fiar ou águas-vivas — o que certamente é o caso. Pois isto é tudo o que o escritor realmente quis dizer: ele quis dizer que não está pessoalmente interessado em Arautos ou Abades com mitras. Tudo isto está bem; Mas por que, ao escrever sobre algo que não teria existido na Idade Média, deveria ele dogmatizar sobre uma história que ele evidentemente não conhece? No entanto, esta pode tornar-se uma história muito interessante.
A nave voadora do professor Lúcifer silvava atravessando as nuvens como dardo de prata; a sua ponta, de límpido aço, refulgia no vazio azul-escuro da tarde. Que a nave se achava a grande distância da terra é dizer pouco; aos dois ocupantes parecia-lhes estar a grande distância das estrelas. O professor mesmo inventara a máquina de voar e quase todos os objetos do seu equipamento. Cada ferramenta, cada aparelho tinha, portanto, a aparência fantástica e atormentada própria dos milagres da ciência. Porque o mundo da ciência e o da evolução são muito mais enganosos, inominados e quiméricos do que o mundo da poesia e o da religião — nestes últimos, imagens e idéias permanecem eternamente as mesmas, ao passo que a idéia toda de evolução funde os seres uns com os outros, como sucede nos pesadelos.
Um tanto por acaso, começou o último capítulo pelo nome de Santo Eduardo; calha muito bem a este começar pelo de São Jorge. Contam que sua primeira aparição como patrono do nosso povo deveu-se aos instantes rogos de Ricardo Coração de Leão, durante a campanha na Palestina; e isto, como veremos, veio muito a propósito para uma nova Inglaterra, que haveria de ter um novo santo. Os confessores sempre foram presença marcante na história inglesa, enquanto São Jorge – apesar de sua participação no martirológio romano – parece não fazer parte de história alguma. Se desejamos compreender a maior e mais nobre das revoluções humanas, só conseguiremos vislumbrá-la à condição de aceitar o paradoxo que representa o enorme progresso e esclarecimento de sua passagem da crônica para o romance.
Não temos necessidade de discutir meros vocábulos como evolução ou progresso. Pessoalmente prefiro o termo reforma. Porque reforma implica a idéia de forma, e por conseguinte supõe que tentamos dar ao mundo uma feição particular que de antemão já possuímos na mente. Evolução é uma metáfora tirada da idéia de um simples desenrolar automático. Progresso é outra metáfora tirada da idéia de um caminhar — muito provavelmente num caminho errado. Mas reforma é uma metáfora para pessoas razoáveis e determinadas: esta palavra quer dizer que vemos uma coisa privada de uma forma e que desejamos dar-lhe a forma que previamente conhecemos.
A família pudera-se muito bem definir como uma instituição humana essencial. Ninguém negará que ela foi a célula principal e a unidade central de quase todas as sociedades que até hoje existiram, excetuando-se, é claro, sociedades tais como a da Lacedemônia, que teve por objetivo supremo a eficiência e pereceu sem deixar vestígio de sua passagem sobre a terra. A despeito de sua profunda revolução, o Cristianismo nem por isso alterou aquela antiqüíssima e bárbara relíquia; não fez senão inverter-lhe a ordem. Não negou a trindade de pai, mãe e filho. Apenas a leu ao contrário, convertendo-a em filho, mãe e pai. E ela passou a chamar-se, não simplesmente família, mas Sagrada Família, pois acontece que muitas coisas ficam sagradas quando são vistas ao contrário. Entretanto, alguns sábios de nossa decadência têm atacado a família. Impugnaram-na, segundo creio, erroneamente; ao passo que outros a têm defendido, mas também equivocadamente. O argumento mais comum de defesa é o de que, em meio à tensão e ao torvelinho da vida, a família representa algo tranqüilo, agradável e coeso. Mas há um outro possível argumento de defesa, que me parece evidente, qual seja o de que a família não é algo tranqüilo, agradável ou coeso.
Um viajante observa a aurora em uma terra para ele desconhecida. Espera vê-la clarear, levantando-se sobre as planícies desoladas e os cumes selvagens. Tal é o estado de ânimo do homem moderno que aborda o estudo das origens da Humanidade. Mas, à medida que o Oriente clareia, vê-se surgir na penumbra o perfil gigantesco de cidades sepultadas na noite dos tempos, edificações colossais, mansões de titãs adornadas com bestas esculpidas, que ultrapassam as copas das palmeiras, e retratos pintados, doze vezes maiores que o tamanho natural; túmulos como montanhas, edificados pela mão do homem, e touros barbudos e alados, que montam guarda eterna à porta dos templos, enormes, silenciosos e imóveis, como se acreditassem que um só golpe de seus chifres comoveria o mundo.