Skip to content

Art. 4 — Se os anjos conhecem as cogitações dos corações.

(De Verit., q. 8, a. 13; De Malo, a. 16, a. 8; Opusc. X, a. 38; Opusc. XII, a. 36; I Cor., cap. II, lect. II)
 
O quarto discute-se assim. — Parece que os anjos conhecem as cogitações dos corações.
 
1. — Pois, Gregório diz, a propósito da passagem da Escritura (Jó 28) — Não se lhe igualará o ouro, ou o cristal – que, então, i. é., na beatitude dos ressurgidos, um será conhecido de outro como a si mesmo; e, como se trata do intelecto de cada um, a consciência é simultaneamente penetrada1. Ora, os ressurgidos serão semelhantes aos anjos, como diz a Escritura (Mt 22, 30). Logo, um anjo pode ver o que está na consciência do outro.
 
2. Demais. — As figuras estão para os corpos como as espécies inteligíveis para o intelecto. Ora, o corpo, vista lhe fica a figura. Logo, vista a substância intelectual, vista foca a espécie inteligível que nela está. Portanto, como um anjo vê outro, e mesmo a alma, resulta que pode lhes conhecer o pensamento.
 
3. Demais. — As coisas que estão em o nosso intelecto são mais semelhantes ao anjo, que as existentes na fantasia; pois aquelas são inteligidas em ato, estas, porém, só em potência., ora, as existentes na fantasia podem ser conhecidas pelo anjo, como seres corporais, pois, a fantasia é uma virtude do corpo. Logo, resulta que o anjo pode conhecer as cogitações do intelecto.
 
Mas, em contrário, o que é próprio de Deus não convém aos anjos. Ora, é próprio de Deus conhecer as cogitações dos corações, segundo a Escritura (Jr 17): Depravado é o coração do homem, e impenetrável: quem o conhecerá? Eu sou o Senhor que esquadrinha os corações. Logo, os anjos não conhecem os segredos dos corações.
 
SOLUÇÃO. — A cogitação do coração pode ser conhecida de duplo modo. — De um modo, pelo seu efeito. E assim pode ser conhecida, não só pelo anjo, mas também pelo homem; e tanto mais sutilmente quanto tal efeito for mais oculto. Pois, às vezes, uma cogitação é conhecida, não só pelo ato exterior, mas também pela imutação do vulto; assim como também os médicos podem conhecer certos afetos da alma, pelo pulso. E tanto mais os anjos, ou os demônios, quanto mais sutilmente compreendem tais imutações corporais ocultas. Por isso Agostinho diz que, por vezes, compreendem mui facilmente as disposições humanas, não só as exteriorizadas pela voz, mas ainda as concebidas no pensamento, por serem sinais expressos no corpo pela alma2; embora também diga não se possa afirmar como isso se realiza.
 
De outro modo, as cogitações podem ser conhecidas, enquanto existentes no intelecto, e os afetos, enquanto na vontade. E, assim, só Deus pode conhecer as cogitações dos corações e os afetos das vontades. Sendo a razão disto que a vontade da criatura racional só de Deus depende e só ele pode agir sobre Lea, da qual é o objeto principal e o último fim; o que a seguir se demonstrará3. Portanto, as coisas existentes na vontade ou que só dela dependem apenas de Deus são conhecidas. Ora, é manifesto que só da vontade depende que alguém considere alguma coisa atualmente; pois, quem tem o hábito da ciência, ou espécies inteligíveis em si existentes, deles usa quando quiser. E por isso, diz a Escritura (1 Cor 2, 11): Ninguém conhece as coisas que são do homem, senão o espírito do homem, que nele mesmo reside.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA PERGUNTA. — Atualmente o pensamento de um homem não é conhecido de outro, por duplo impedimento: pela crassidão do corpo, ou pela vontade que esconde os seus segredos. Ora, o primeiro obstáculo desaparecerá na ressurreição e não existe nos anjos. Mas o segundo permanecerá depois dela e existe atualmente nos anjos. E contudo, a claridade do corpo representará a qualidade da inteligência, quanto à quantidade da graça e da glória. Assim que um poderá ver a inteligência do outro.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora um anjo veja as espécies inteligíveis de outro, por ser proporcionado à nobreza das substâncias o modo das espécies inteligíveis, na sua maior e menor universalidade; todavia não se segue que um conheça, como outro, pensando atualmente, uma dessas espécies inteligíveis.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O apetite dos brutos não é senhor do seu ato, mas segue a impressão de outra causa, corporal ou espiritual. Como, pois, os anjos conhecem as coisas corpóreas e as disposições delas, pode, por aí, conhecer o que está no apetite e na apreensão fantástica dos brutos e também dos homens, enquanto, nestes, o apetite sensitivo se atualiza por alguma impressão corpórea, como sempre acontece com os brutos. Contudo não resulta daí necessariamente, que os anjos conheçam o movimento do apetite sensitivo e a apreensão da fantasia no homem, enquanto movidos pela vontade e pela razão; pois, a parte inferior da alma participa, de certo modo, da razão, como obediente à que impera, segundo diz Aristóteles4. E, por isso, não se segue que o anjo, conhecendo o que está no apetite sensitivo ou na fantasia do homem, conheça o que está na cogitação ou na vontade; porque o intelecto e a vontade não dependem do apetite sensitivo e da fantasia, antes, pode usar destes de diversos modos.
  1. 1. Moralibus, lib. XVIII, cap. XLVIII.
  2. 2. De divinatione daemonum (cap. V).
  3. 3. Q. 105, a. 4; Ia IIae, q. 9, a. 6.
  4. 4. I Ethic. (lect. XX).
AdaptiveThemes